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Revista Portuguesa Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço

versão On-line ISSN 2184-6499

Rev Port ORL vol.61 no.4 Lisboa dez. 2023  Epub 31-Dez-2023

https://doi.org/10.34631/sporl.2076 

Artigo Original

Experiência cirúrgica dos internos de primeiro ano de Otorrinolaringologia em Portugal

Surgical experience of first year Otorhinolaryngology residents in Portugal

Pedro Vaz Pinto1 
http://orcid.org/0000-0001-7357-8450

Tiago Infante Velada1 

Inês Soares Cunha1 

Inês Moreira1 
http://orcid.org/0000-0003-1043-4040

Herédio Sousa1 

1 CHULC, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, Portugal; pedrogarrido233@gmail.com


Resumo

A prática cirúrgica é essencial na formação de novos especialistas em Otorrinolaringologia (ORL). Com este trabalho caracterizamos a experiência cirúrgica dos internos de ORL que realizaram o seu primeiro ano de internato em 2021. As 18 respostas foram obtidas através do preenchimento de um questionário e representam 82% destes internos.

A média anual de procedimentos cirúrgicos realizados foi 58, com um valor mínimo de 4 e máximo de 135. Estes procedimentos incluíram, em média, 16 amigdalectomias, 22 adenoidectomias, 18 colocações de tubos de ventilação transtimpânicos e 5 traqueotomias.

O número de procedimentos cirúrgicos realizados apresentou grande variabilidade entre os diferentes internos de ORL. O desenvolvimento futuro de objetivos cirúrgicos nacionais, adaptados a cada ano do internato, poderá ser útil para a uniformização da formação cirúrgica dos internos de ORL em Portugal.

Palavras-chave: Procedimentos Cirúrgicos Otorrinolaringológicos; Internato e Residência

Abstract

Surgical practice is essential in the training of new specialists in Otorhinolaryngology (ORL). With this study, we characterized the surgical experience of ORL residents who completed their first year of residency in 2021. The 18 responses were obtained through the completion of a questionnaire and represent 82% of the ORL residents.

The average annual number of surgical procedures performed was 58, with a minimum value of 4 and a maximum of 135. These procedures included an average of 16 tonsillectomies, 22 adenoidectomies, 18 transtympanic ventilation tube placements and 5 tracheotomies. The number of surgical procedures performed showed great variability among the different ORL residents. The future development of national surgical objectives, adapted to each year of internship, may be useful for standardizing the surgical training of ORL residents in Portugal.

Keywords: Otorhinolaryngologic Surgical Procedures; Internship and Residency

Introdução

A prática cirúrgica é um elemento essencial na formação de novos especialistas em Otorrinolaringologia (ORL).

No treino cirúrgico moderno a experiência operatória dos internos tem vindo a diminuir. Esta diminuição relaciona-se com fatores como um ênfase crescente na segurança do doente, a necessidade de supervisão adequada dos internos e compliance com o horário laboral1. Esta situação foi agravada pelos constrangimentos impostos pela pandemia SARS-CoV-22. Estudos recentes têm feito soar o alarme sobre a falta de confiança cirúrgica: Um questionário realizado a médicos de cirurgia geral mostrou que até 25% dos recém-especialistas não estão confiantes em realizar uma grande variedade de procedimentos cirúrgicos abertos3.

Os currículos de ORL Europeu e do Reino Unido não fazem referência a números cirúrgicos mínimos necessários para a conclusão do internato11,12.

Sendo a ORL uma especialidade médico-cirúrgica, o treino cirúrgico é essencial para o adequado desenvolvimento destas competências. A exposição a um volume adequado de casos, com repetição dos procedimentos em diferentes contextos, garante uma formação mais robusta. A experiência cirúrgica adquirida durante o internato parece ser determinante na forma como cada médico aborda posteriormente as diferentes patologias4. Neste sentido, procurámos caracterizar o estado do treino cirúrgico dos internos de primeiro ano do Internato de Formação Específica em ORL em Portugal.

Material e Métodos

Recolhemos de forma retrospetiva a casuística cirúrgica dos internos que realizaram o primeiro ano do seu Internato de Formação Específica em ORL em 2021. Os dados foram obtidos através do preenchimento de um formulário de Google Forms®, tendo sido pedido aos participantes que partilhassem os números cirúrgicos dos procedimentos mais frequentemente realizados nesta fase da sua formação. Os procedimentos considerados foram a adenoidectomia, amigdalectomia, colocação de tubos de ventilação transtimpânicos (TVTT) e traqueotomia. Obtiveram-se 18 participantes, tendo as suas respostas sido analisadas com recurso ao software Microsoft Excel® versão 16.72. Os resultados obtidos são expressos em número médio, mínimo e máximo de procedimentos cirúrgicos realizados.

A diferença entre o número de procedimentos realizados por área geográfica foi obtida através da realização do teste “T de Student”, utilizando o software IBM SPSS Statistics® versão 25 e considerando um nível de significância de 0.05.

Resultados

Obtiveram-se as respostas de 18 participantes, representando 82% dos internos de ORL que realizaram o primeiro ano de internato em 2021.

A média de amigdalectomias realizadas foi de 16, sendo o número máximo 65 e mínimo 0 (Gráfico 1). 40% dos internos realizaram 5 ou menos amigdalectomias durante o seu primeiro ano de internato. A média anual de amigdalectomias realizadas pelos 3 internos que menos realizaram este procedimento foi 1 e pelos 3 internos que mais o realizaram foi de 48.

Gráfico 1: Número de amigdalectomias realizadas por cada interno 

Em relação à realização de adenoidectomias, a média anual foi de 22 procedimentos. O número mínimo realizado foi 1 e o máximo foi 53 (Gráfico 2). 22% dos internos realizaram 10 ou menos adenoidectomias.

Gráfico 2: Número de adenoidectomias realizadas por cada interno 

Quanto à colocação de TVTT, a média anual foi de 18, com um valor mínimo de 1 e máximo de 38 (Gráfico 3).

Gráfico 3: Número de TVTT’s colocados por cada interno 

Na realização de traqueotomias, a média foi de 5 procedimentos, com um valor mínimo de 0 e máximo de 17 (Gráfico 4). 22% dos internos não realizaram qualquer traqueotomia. Os 4 internos que mais praticaram este procedimento realizaram entre 11 e 17 traqueotomias em 2021.

Gráfico 4: Número de traqueotomias realizadas por cada interno 

Combinando todos os procedimentos avaliados, foram realizados, em média, 58 procedimentos durante o primeiro ano de internato. O valor mínimo foi de 4 e o valor máximo foi de 135, tendo 17% dos internos realizado menos de 20 procedimentos (Gráfico 5).

A média de procedimentos realizados por região geográfica foi de 64 procedimentos na região Norte (6 internos avaliados) e de 59 procedimentos na região Sul (10 internos avaliados). Não se observou uma diferença estatisticamente significativa entre o número de procedimentos realizados por região geográfica (p= 0.20).

Gráfico 5: Número total de procedimentos realizados por cada interno 

Discussão

A aquisição de competências cirúrgicas ao longo do internato médico assenta no treino e repetição tutelados dos procedimentos mais relevantes da especialidade. O treino cirúrgico realizado no internato influencia as práticas adotadas posteriormente enquanto especialistas4. Ao longo dos últimos anos, tem-se assistido a uma redução da disponibilidade de tempos operatórios, com prejuízo óbvio na formação dos internos e na sedimentação destas competências5,6. Este é o primeiro estudo realizado em Portugal que visa avaliar o número de procedimentos cirúrgicos realizados ao longo do primeiro ano de internato de formação específica em ORL.

Os resultados obtidos demonstram uma variabilidade significativa de oportunidades cirúrgicas entre os diferentes internos. Na realização de amigdalectomias verificamos que os 3 internos que menos realizaram este procedimento têm uma média de 1 amigdalectomia durante o primeiro ano de internato enquanto os 3 internos que mais operaram têm uma média de 48 amigdalectomias. Este mesmo padrão repete-se para os restantes procedimentos avaliados. Destaca-se ainda que 4 dos internos avaliados não realizaram qualquer traqueotomia, contrastando com os 4 internos que mais realizaram este procedimento que executaram entre 11 a 17 traqueotomias. A enorme variabilidade de treino cirúrgico existente é também demonstrada pela diferença entre o mínimo de 4 e o máximo de 135 procedimentos realizados globalmente, ao longo do ano de 2021. Estes resultados são coincidentes com a variabilidade reportada por outros autores7.

Os resultados obtidos no presente estudo sugerem que não existe uma uniformização do currículo cirúrgico dos internos de ORL. Por outro lado, mostram que podem existir internos cuja prática cirúrgica é limitada, com eventual compromisso do correto desenvolvimento das suas capacidades técnicas ao longo do internato.

A inexistência de qualquer estudo que avalie a experiência cirúrgica de internos de ORL ao longo da sua formação quer a nível europeu, quer a nível americano torna impossível a comparação da realidade portuguesa com a de outros países.

Consideramos que seria útil o desenvolvimento de objetivos cirúrgicos nacionais, adaptados a cada ano do internato, de forma a uniformizar a formação cirúrgica dos internos de ORL em Portugal. A criação de currículos cirúrgicos baseados em objetivos nacionais pré-definidos, para cada ano de internato, com subsequente verificação da aquisição das competências necessárias no âmbito dos procedimentos listados, tem sido defendida por outros autores3 e utilizada com sucesso noutros países8. A capacidade de medir de forma objetiva a evolução de competências técnicas é apontada como essencial na formação cirúrgica moderna9,10.

Dada a redução da disponibilidade de tempos operatórios, a prática de competências cirúrgicas noutros contextos que não o bloco operatório deverá também ser enfatizada5,6. A utilidade da disseção em laboratório de cirurgia experimental é indiscutível, existindo também a possibilidade de utilizar modelos experimentais que mimetizem situações do quotidiano cirúrgico6.

Embora a amostra do presente estudo não seja de grande dimensão (18 participantes), considera-se que os resultados obtidos são representativos da realidade nacional, uma vez que representam 82% do total de médicos que realizaram o seu primeiro ano de internato em ORL em 2021.

Conclusão

O número de procedimentos cirúrgicos realizados durante o primeiro ano de internato varia significativamente entre internos de ORL.

A realização de 9 procedimentos cirúrgicos (média dos 3 internos que menos operaram) ao longo do primeiro ano de internato é claramente insuficiente para aquisição de capacidade e confiança cirúrgica nos procedimentos avaliados.

O desenvolvimento futuro de objetivos cirúrgicos nacionais, adaptados a cada ano do internato, poderá ser útil para a uniformização da formação cirúrgica dos internos de ORL em Portugal.

Conflito de Interesses

Os autores declaram que não têm qualquer conflito de interesse relativo a este artigo.

Financiamento

Este trabalho não recebeu qualquer contribuição, financiamento ou bolsa de estudos.

Disponibilidade dos Dados científicos

Não existem conjuntos de dados disponíveis publicamente relacionados com este trabalho.

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Recebido: 14 de Julho de 2023; Aceito: 06 de Dezembro de 2023

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