Introdução
Sarcomas da Cabeça e Pescoço são neoplasias com origem no mesênquima embrionário e que podem ser divididas, de acordo com a sua origem, em Sarcomas dos Tecidos Moles ou Sarcomas Ósseos. (1 Todos eles são extremamente raros (incidência anual estimada de 5 por 100000 pessoas), sendo que 5 a 15% dos casos de sarcomas são na região cabeça e pescoço e são associados a morbimortalidade significativa. (1,2,3 Os fatores que influenciam o prognóstico incluem o tipo e o grau do tumor, as margens cirúrgicas e o local anatómico. (4 No entanto, os vários subtipos histológicos dificultam o estudo rigoroso desta classe de neoplasias.
O tratamento preferido realizado é a ressecção cirúrgica em bloco com margens negativas combinadas com tratamentos neo ou adjuvantes.1 Pela dificuldade na completa ressecção do tumor nesta localização anatómica, os sarcomas da cabeça e pescoço são conhecidos por ter maiores taxas de recidiva local e taxas inferiores de sobrevida global comparativamente aos de outras localizações. (4
Este estudo analisa os doentes com Sarcoma de Tecidos Moles de Cabeça e Pescoço encaminhados para o Serviço de Otorrinolaringologia (ORL) do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPO-LFG), centro de referência, de forma a identificar fatores prognósticos destes tumores, avaliando a sobrevida relativamente ao subtipo histológico e tratamento.
Material e métodos
Para realizar este estudo, foram revistos os dados dos processos clínicos (físicos e informáticos) dos doentes com Sarcoma dos Tecidos Moles de Cabeça e Pescoço seguidos no serviço de ORL do IPO-LFG de 1980 a 2022. Posteriormente foi realizada uma análise estatística através do Microsoft Excel® e SPSS®.
Resultados
Foram elegíveis 59 doentes, 64% do sexo masculino e 36% do sexo feminino, com idade média de 47,2 anos (intervalo 1-94 anos), sendo que 18% (n=11) dos casos eram pediátricos. 20% e 17% dos casos tinham hábitos tabágicos e alcoólicos respetivamente. O seguimento médio foi de 61 meses (0-406 meses). O diagnóstico histológico foi variado. Como se pode ver no Gráfico 1, os mais diagnosticados foram o condrossarcoma (n=16), rabdomiossarcoma (n=14) e o fusocelular (n=6), seguidos de lipossarcoma (n = 3), sinovial (n=3), sarcoma pleomórfico (n=3), indiferenciado (n=3), sarcoma de Kaposi (n=2), sarcoma sinonasal (n=2), reticulossarcoma (n=1), fibrossarcoma epitelioide esclerosante (n=1), sarcoma epitelioide (n=1), tumor fibroso solitário (n=1) e tumor de células reticulares fibroblásticas (TCRF) e sarcoma de células dendríticas foliculares (SCDF) (n=1). Em dois casos o subtipo tipo histológico não foi identificado.
Relativamente aos doentes pediátricos, 82% (n=9) apresentava rabdomiossarcoma e 18% (n=2) sarcoma sinovial.
Os sintomas mais referidos foram disfonia, dispneia, massa indolor e epistáxis com uma apresentação média de 5 meses. Os tumores mais indolentes foram o condrossarcoma, sarcoma de Kaposi e Epitelioide com duração média de apresentação de 16, 8 e 6 meses respetivamente. Os sarcomas com tempos de apresentação mais curtos foram o sinonasal e o pleomórfico com 1 mês e o Rabdomiossarcoma com 3,7 meses de duração.
A origem destas lesões foi mais frequentemente na laringe, seguida das fossas nasais e seios perinasais. Na tabela 1, agrupa-se os vários subtipos histológicos por região anatómica.
A biópsia forneceu o resultado histopatológico correto em 72% dos casos, sendo que o condrossarcoma foi o que teve uma menor percentagem de diagnósticos corretos com a biópsia (67%). Foi realizada citologia aspirativa por agulha fina (CAAF) em 33% dos casos, sendo que em apenas 37,5% dos casos deu o subtipo histológico correto. Em 12,5% detetou sarcoma, mas deu o subtipo histológico do sarcoma incorreto; em 12,5% detetou células malignas, mas não fez o diagnóstico de sarcoma; em 12,5% deu resultado inconclusivo e em 25% dos casos foi negativo para malignidade. A biópsia core-cut foi realizada apenas em 2 casos, não tendo dado o diagnóstico correto de neoplasia num caso e no outro caso deu o diagnóstico de sarcoma, mas o subtipo histológico que revelou foi incorreto.
Relativamente ao estadiamento dos condrossarcomas, 56% eram grau I, 25% grau II, sendo que em 19% dos casos não foi identificado o grau. Nenhum caso foi identificado como grau III nem IV.
No que concerne aos outros tumores, 20% eram T1, 40% T2, 30% T3 e 10% T4. 28,6% dos casos apresentavam metástases regionais e 10% apresentava metástases à distância.
Apenas 17% dos doentes não teve a cirurgia como tratamento primário, isto porque 1 doente recusou cirurgia, 5% foram submetidos a quimio e radioterapia e 12% foram submetidos a radioterapia, sendo que 29% destes fizeram este tratamento com intuito paliativo. Todos os sarcomas não diferenciados e 66% dos sarcomas fusocelulares foram tratados primariamente com radioterapia. Todos os doentes que realizaram exclusivamente RT com intuito curativo morreram. 8% dos doentes fizeram quimioterapia neoadjuvante (66% dos casos de sarcomas sinoviais e 21% dos casos de rabdomiossarcomas).
Os procedimentos cirúrgicos mais realizados foram: biópsia excisional (22%), parotidectomia total, microcirurgia da laringe com debulking da lesão (procedimento realizado só em condrossarcomas) (16%), laringectomia parcial (14%), maxilectomia (6%), petrosectomia lateral (2%) e faringetomia parcial (2%). Em 8% dos casos foi realizado esvaziamento ganglionar cervical unilateral - 50% casos de sarcoma sinovial, 25% fusoceular e 25% de subtipo não especificado.
O estudo histopatológico após cirurgia evidenciou margens cirúrgicas com tumor em 12% dos casos e excisão justa-lesional em 4% dos casos. 17% fez RT adjuvante, 2% fez QT e RT adjuvantes e 2% fez quimioterapia adjuvante. O rabdomiossarcoma foi o único subtipo histopatológico que realizou quimioterapia adjuvante.
28% dos doentes apresentou recidiva/persistência loco-regional com um período médio de 5 meses. 66% dos sarcomas pleomórficos, 50% dos sarcomas fusocelulares, 50% dos tumores sinonasais e 38% dos condrossarcomas apresentaram recidiva/persistência. Nos condrossarcomas, a cirurgia foi o tratamento escolhido nas recidivas. Nos restantes casos, 40% realizou quimioterapia, 40% radioterapia e 20% (n=1-sinonasal) foi tratado com fotões fora do serviço.
10% dos casos apresentou metástases à distância, sendo que destes todos apresentaram metastização pulmonar. Um caso apresentou ainda metástases hepáticas e retroperitoneais. O tumor mais associado a recidiva foi o fusocelular (66% dos casos), seguido do rabdomiossarcoma (7%).
A taxa de sobrevida livre de doença foi de 91,3% e 83,05% ao 1º e 5º ano respetivamente. No entanto, quando calculadas especificamente para cada tumor, o sarcoma fusocelular, rabdomiossarcoma e pleomórfico foram os que tiveram piores resultados. O sarcoma fusocelular apresentou 67% e 33%, o rabdomiossarcoma apresentou 86% e 71% e o sarcoma pleomórfico apresentou 67% e 67% de sobrevida livre de doença ao 1º e 5º anos respetivamente. O condrossarcoma foi o que teve melhores taxas - 100% no 1º e 5º anos.
Especificamente calculada na população pediátrica, a taxa de sobrevida livre de doença foi de 100% e 81% ao 1º e 5º ano.
A taxa sobrevida global foi de 91,3% e 79,66% ao 1º e 5º ano respetivamente.
Discussão
Este estudo representa um esforço para descrever as características, os outcomes e identificar importantes fatores de prognóstico desta patologia tão heterogénea numa amostra contemporânea do nosso país. O IPO-LFG é um centro de referência de patologia oncológica e assim o serviço de ORL acaba por absorver um número considerável de Sarcomas de Cabeça e Pescoço, apesar de ser uma entidade rara.
Relativamente às características demográficas, os nossos resultados foram semelhantes a outros estudos como o americano de Tejani MA et al, com idade média de diagnóstico de 50 anos, sendo que 10 a 20% dos casos são pediátricos e com uma proporção de 2 homens para 1 mulher. (2,4,5 Teoricamente, o rabdomiossarcoma, neuroblastoma e fibrossarcoma são os subtipos histológicos mais associados à idade pediátrica. (2 Realmente na nossa série 82% dos casos pediátricos foram rabdomiossarcomas.
Apesar dos 2 sintomas mais referidos terem sido a disfonia e dispneia, seguidos de massa indolor e epistáxis no nosso estudo. Estes dois últimos são os sintomas mais frequentemente documentados na literatura. (2,6) No entanto, no nosso estudo temos mais casos de condrossarcomas do que neste estudo e, portanto, tal justifica o facto dos 2 sintomas laríngeos serem mais frequentes na nossa amostra.
A análise histopatológica após biópsia é a única técnica fiável atualmente disponível que pode levar a um diagnóstico definitivo, no entanto no nosso estudo apenas forneceu o diagnóstico correto em 72%, sendo que esta percentagem foi menor no caso dos condrossarcomas, no qual as biópsias não deram o diagnóstico correto em 33% dos casos. (4,7 Apesar da CAAF ser um procedimento fácil, rápido e pouco dispendioso, não dá um diagnóstico exato numa percentagem considerável dos casos e não permite a classificação tumoral, sendo que no nosso estudo não foi positivo para células malignas em 37,5% dos casos. (4 Apesar da biópsia core-cut ter sido realizada em apenas 2 casos na nossa série, é uma boa alternativa por permitir obter tecido suficiente para o diagnóstico exato, incluindo a sua classificação. (8 As biópsias excisionais devem ser reservadas às lesões inferiores a 3 cm em diâmetro. (7
A cirurgia mantém-se como o tratamento de escolha, pois tal como neste e noutros estudos, mostrou ter melhores outcomes comparativamente à radioterapia. (2,4 Na verdade, na nossa série, todos os casos que foram submetidos a radioterapia exclusivamente, tiveram um outcome fatal.
O tamanho e as margens cirúrgicas tiveram implicações na sobrevivência, consistente com a literatura. Portanto, devem ser feitos todos os esforços para ressecar completamente o tumor. No entanto, pela complexidade anatómica e pelas estruturas anatómicas vitais na região cabeça e pescoço, a ressecção ampla com margens adequada não é possível em todos os casos e logo o tratamento escolhido acaba por ser muitas vezes cirúrgico com radioterapia adjuvante. (2,9 Daí que também seja importante que estes doentes sejam desde logo tratados num centro com experiência em cirurgia reconstrutiva, de forma a diminuir a morbilidade destes doentes.
A radioterapia adjuvante é indicada nos casos de tumores de alto grau, margens cirúrgicas positivas, lesões superiores a 5 cm e recidivas. (2,4 Recidivas são a única indicação para radioterapia neoadjuvante. (9
Quimioterapia exclusiva não é indicada no tratamento dos sarcomas de tecidos moles da cabeça e pescoço e de fato no nosso estudo retrospetivo nenhum doente o fez. (4,11) No entanto, os sarcomas de cabeça e pescoço têm boa resposta à quimioterapia combinada com radioterapia quando não é possível fazer a resseção do tumor ou nos casos com maior risco para metástases à distância. (2,11 Também pode estar indicada com radioterapia e cirurgia para sarcomas de tecidos moles de alto grau. Quimioterapia é por vezes realizada previamente ao procedimento cirúrgico de forma a reduzir a dimensão de grandes sarcomas, principalmente aqueles que se encontram próximos a estruturas vitais. (2,9,11
Os sarcomas de cabeça e pescoço têm metástases ganglionares cervicais em cerca de 3%, fazendo com que o esvaziamento ganglionar cervical não seja realizado rotineiramente. Apenas é indicado em casos adenopatias cervicais palpáveis ou nos casos de grande risco de metástases ganglionares. (2) Enquanto que o sarcoma sinovial e o fusocelular foram os únicos subtipos onde foram realizados esvaziamentos ganglionares cervicais na nossa população, as metástases ganglionares são mais frequentes nos casos de rabdomiossarcoma embrionário, sarcoma epitelioide, sarcoma células claras, células sinoviais e vasculares, segundo a literatura internacional. (2) Tal como na nossa série, o pulmão é o local mais comum para metástases. (2
A sobrevida global ao 1º e 5º foi de 91% e 79% respetivamente, superior à taxa do 5º ano relatada na literatura de 46 a 55%.2,4,9,10,11 Controlo local e metástases à distância são os fatores mais importantes em relação à sobrevivência dos sarcomas de tecidos moles. Como ao contrário de outras séries, onde o rabdomiossarcoma foi o tumor mais encontrado, no nosso o condrossarcoma foi o tipo histológico mais diagnosticado. Neste é raro haver doença à distância e há uma maior facilidade no controlo local, o que pode explicar em parte a nossa maior sobrevida global. (2,4 Tal também é corroborado pelo fato da taxa de sobrevida específica de doença ao 5º ano ser menor na população pediátrica, grupo no qual não houve nenhum condrossarcoma diagnosticado. No entanto, os sarcomas de cabeça e pescoço revelam maiores taxas de recidiva local e menores taxas de sobrevida global quando comparado com estes mesmo tumores doutras regiões anatómicas, principalmente pela anatomia que limita a ressecção completa funcional. (4,11
Conclusão
O tratamento dos Sarcomas de Cabeça e Pescoço é complexo e osoutcomessão inferiores aos de outras localizações. Apesar de bons resultados poderem ser alcançados com a cirurgia precoce, a complexidade anatómica circundante representa um desafio. Como o tratamento cirúrgico precoce e eficaz influencia as taxas de recidiva e prognóstico, é fundamental que estes casos sejam tratados em centros terciários especializados com equipas multidisciplinares.
Conflito de Interesses
Os autores declaram que não têm qualquer conflito de interesse relativo a este artigo.
Confidencialidade dos dados
Os autores declaram que seguiram os protocolos do seu trabalho na publicação dos dados de doentes.