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Revista Portuguesa Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço

versão On-line ISSN 2184-6499

Rev Port ORL vol.62 no.4 Lisboa dez. 2024  Epub 31-Dez-2024

https://doi.org/10.34631/sporl.2044 

Artigo Original

Avaliação do impacto da exposição ao ruído nos militares da Força Aérea

The impact of noise exposure in Air Force Military

Mariana Correia1 
http://orcid.org/0009-0009-0038-3383

Teresa Matos2 
http://orcid.org/0000-0003-3892-085X

Helena Ribeiro1 

Marina Lopes1 

Sofia Almada1 

1 Centro de Medicina Aeronáutica, Portugal

2 Hospital das Forças Armadas, Portugal


Resumo

Introdução:

A aviação militar é fonte de ruido por múltiplas formas, que ultrapassam os limites legais exigíveis. O objetivo deste trabalho é avaliar a necessidade de alargar o programa de seguimento dos militares expostos ao ruído aeronáutico nas Unidades da Força Aérea, tendo como objetivos específicos a avaliação do nível de ruído a que os militares estão expostos durante o dia no seu local de trabalho e a avaliação do impacto que a sua exposição tem na qualidade de vida dos mesmos.

Material e Métodos:

Numa primeira fase, foi realizado um estudo retrospetivo das medições de ruído realizadas na Força Aérea, através de sonómetros e dosímetros. De seguida, foi realizado um estudo observacional transversal, através da aplicação de um inquérito por questionário aos militares expostos ao ruído aeronáutico, sobre o impacto dessa exposição na sua qualidade de vida. A amostra de 112 militares foi dividida em três grupos: pessoal navegante permanente e temporário e pessoal de manutenção.

Resultados:

Os níveis de pressão sonora na maioria das aeronaves estudadas demonstraram ser superiores aos limites permitidos por lei. Através da avaliação do inquérito, constatou-se que os três grupos apresentaram resultados semelhantes, sugerindo que a qualidade de vida dos militares é afetada de igual forma pelo ruído, independentemente das suas funções.

Conclusões:

Os resultados justificam uma reflexão sobre a forma como é feita a avaliação da saúde auditiva dos militares e favorecem a necessidade de implementação de um programa de avaliação e seguimento que inclua todos os militares expostos ao ruído aeronáutico.

Palavras-chave: Ruído aeronáutico; Surdez profissional; Pessoal navegante; Pessoal de manutenção; Programa de conservação da audição

Abstract

Introduction:

Military aviation is characterized by multiple noise sources, which are worrying as they exceed the legal limits required. The objective of this study is to evaluate the need to extend the monitoring program for all military exposed to aviation noise in the Air Force Units, with the specific objectives of evaluating the noise level to which they are exposed during the day and assessing the impact which it has on their quality of life.

Material and Methods:

In the first phase, a retrospective study was carried out on the noise measurements taken place on Air Force Units, using sound level meters and dosimeters. Next, a cross-sectional observational study was carried out, using a questionnaire survey to the military exposed to noise, about the impact of that exposition on their quality of life. The sample of 112 military was divided in three groups: permanent and temporary aircrew staff and maintenance staff.

Results:

The sound pressure levels in most of the aircraft studied proved to be higher than the limits permitted by law. Through the evaluation of the survey, it was found that the three groups had similar results, suggesting that the quality of life of military personnel is affected in the same way by noise, regardless of their functions.

Conclusions:

The results justify a reflection on the way in which the assessment of noise is made and support the implementation of an evaluation and follow-up program that includes all military personnel exposed to aeronautical noise

Keywords: Aviation noise; Sonotraumatic deafness; Air crew staff; Maintenance staff; Hearing conservation program

Introdução

A perda de audição induzida pelo ruído, também designada de surdez sonotraumática, é muito prevalente na população em geral. A aviação militar não é exceção, sendo o ambiente caracterizado por múltiplas fontes de ruído, tanto no interior como no exterior das aeronaves.1 Segundo uma revisão sobre o impacto do ruído na audição dos militares, observou-se que as duas doenças ocupacionais mais prevalentes nos veteranos dos Estados Unidos da América no final do ano de 2012, foram os acufenos em 9,7% e a perda de audição em 5,8%.2 Para além dos problemas a nível individual, a perda de audição pode suscitar outros problemas para a própria instituição militar, uma vez que pode condicionar menor produtividade e absentismo por incapacidade ou outras repercussões sócio-económicas. (3

Todos os sons têm variáveis físicas distintas que, juntamente com a suscetibilidade dos indivíduos, representam os fatores fundamentais para o desenvolvimento do traumatismo sonoro. (4 Para além disso, sabe-se que as frequências mais elevadas são as que representam maior agressão para o ouvido, como é o caso dos motores das aeronaves e de algumas ferramentas utilizadas em oficinas de reparação e manutenção. (5 Os mecanismos fisiológicos de proteção do ouvido interno contra o ruído entram em falência progressiva com exposições prolongadas, repetitivas e frequentes. Apesar disso, as consequências adversas de uma exposição de curta duração a um som mais intenso podem ser tão prejudiciais quanto uma exposição de longa duração a um som menos intenso. (6

Em Portugal, o articulado legal que regulamenta a exposição profissional ao ruído encontra-se publicado em Diário da República, no Decreto-Lei n.º 182/2006, de 6 de setembro. (7 Este estabelece o valor limite de exposição e os valores de ação de exposição superior e inferior e determina um conjunto de medidas a aplicar sempre que sejam atingidos ou ultrapassados esses valores. Com este diploma legal estão definidos três níveis de intervenção:

Valores limite de exposição: LEX,8h = 87 dB (A) ou LCpico = 140 dB (C)

Valores de ação superior (VAS/ Cotas de perigo): LEX,8h = 85 dB (A) ou LCpico = 137 dB (C)

Valores de ação inferior (VAI/ Cotas de alarme): LEX,8h = 80 dB (A) ou LCpico = 135 dB (C)

Atualmente na Força Aérea Portuguesa (FAP), todo o Pessoal Navegante (PN) faz uma avaliação regular da acuidade auditiva. Esta avaliação é anual para o PN permanente (PNP) (isto é, militares da especialidade Piloto Aviador e Navegadores), ou de dois em dois anos para o PN temporário (PNT), onde se incluem os Recuperadores Salvadores, Enfermeiros, Médicos e diversas especialidades de mecânicos envolvidos no voo (Mecânicos de Aeronaves, Mecânicos de Eletricidade de Aeronaves). No entanto, o pessoal da manutenção (PM) das linhas da frente não está incluído nesta avaliação, não sendo submetido em qualquer fase da sua colocação a testes audiométricos, a menos que demonstrem sintomatologia. A única Unidade Base em que se iniciou um programa de conservação da audição para todos os militares expostos ao ruído aeronáutico excessivo foi a Base Aérea nº5 em Monte Real, consistindo na avaliação audiométrica de todo o pessoal navegante e não navegante exposto ao ruído da aeronave F16.

Tendo em conta a escassez de estudos sobre esta temática e considerando a hipótese de que o PM também apresenta exposições significativas ao ruído, independentemente da aeronave, pretende-se com este estudo justificar a realização de um programa de avaliação e seguimento de todos os militares expostos ao ruído aeronáutico em todas as Unidades Aéreas, tendo como objetivos específicos determinar os níveis de ruído em ambiente laboral a que os militares estão expostos em algumas Unidades da Força Aérea e avaliar o impacto do ruído na qualidade de vida dos mesmos, considerando o tempo de exposição, os sintomas associados e as medidas preventivas implementadas.

Material e Métodos

Numa primeira fase, foi realizado um estudo retrospetivo das medições de ruído realizadas nas Esquadras de voo da FAP, tanto dentro como fora das aeronaves em funcionamento. Os dados foram disponibilizados pelo gabinete da Inspeção Geral da Força Aérea, tendo sido encontrados resultados de medições nas aeronaves C130 e EH-101 realizadas em 2006 e na aeronave C-295M realizadas em 2014, todas elas na Base Aérea nº 6 no Montijo. Foram incluídas todas as medições encontradas, uma vez que incluíam aeronaves de asa fixa e asa rotativa. Foi excluída a Base Aérea nº 5 em Monte Real, por ser a única com um programa de conservação de audição já instituído para todos os militares. A variável estudada foi o nível de pressão sonora, em decibel (dB), corrigida para a audição humana usando o sistema de ponderação A (dBA), obtida através de medições com sonómetros e dosímetros.

A segunda fase consistiu num estudo observacional transversal, realizado através da aplicação de um inquérito por questionário a toda a população alvo constituída pelo PNP, PNT e PM colocado nas Esquadras das aeronaves mencionadas na primeira fase do estudo, tendo também sido avaliados os mesmos grupos profissionais daa Esquadra 101 em Sintra que opera a aeronave Epsilon TB-30 (de asa fixa) e na Esquadra 552 em Beja que opera a aeronave AW119 Koala (asa rotativa). Foi obtida uma amostra por conveniência, dividida em três grupos idênticos em termos de exposição ao ruído, por forma a evitar viés de amostragem. O questionário utilizado (Anexo A) resulta de uma adaptação do relatório técnico sobre “Exposição ocupacional ao ruído e vibrações na construção civil” da Universidade do Minho (2006), feita por Paulo Estragadinho.3 Foram obtidos dados demográficos, profissionais e relativos à sintomatologia associada à exposição ao ruído. A sua aplicação decorreu de 6 a 26 de agosto de 2019, em suporte Google forms. A análise estatística dos dados foi realizada com o software SPSS® versão 22.0.

Resultados

Relativamente às medições de ruído laboral encontradas no interior do C130 durante um voo de ida e volta entre Lisboa e Açores, através de um dosímetro aplicado em militares com diferentes funções (PNP e PNT), verificaram-se níveis de pressão sonora entre os 90,6 dBA e os 99,9 dBA, sendo o load-master aquele que esteve sujeito a níveis de pressão sonora superiores, seguido do copiloto e do mecânico de voo (Tabela 1).

No interior do EH-101, através de um dosímetro colocado nos vários militares a bordo da aeronave, foram obtidos níveis de pressão sonora entre os 91,8 dBA e os 97,8 dBA, sendo o valor mais elevado referente ao mecânico de voo à saída e chegada da aeronave (Tabela 2). Para além das medições no interior da aeronave, foram também efetuadas medições com um sonómetro durante o pre-flight no exterior da aeronave, à direita da frente, imediatamente após o raio de ação das hélices, tendo os níveis de pressão sonora variado entre os 83,9 dBA e os 101,3 dBA, consoante estavam ligados um ou os vários motores (Tabela 3). Estas medições são as que podem ser atribuídas ao grupo do PM.

Foram também realizadas medições na aeronave C-295M. A primeira foi durante um teste de motores da aeronave, em que os trabalhadores dos grupos do PNP e PNT se encontravam no interior da mesma seguindo um conjunto de procedimentos (Tabela 4). Obtiveram-se valores de nível sonoro entre os 72,1 dBA e os 95,2 dBA, sendo o cálculo do LEX,8h igual a 74,8 dBA.

Tabela 1: Medições de ruído com dosímetro no C130 num voo Lisboa-Açores-Lisboa, em 30/05/2006. 

LAeq = nível sonoro contínuo equivalente, em dB, determinado durante um período diurno, entardecer ou noturno. (8 MaxP = valor máximo de uma amplitude que o sinal atinge. (8

Tabela 2: Medições de ruído com dosímetro no interior do EH-101 (voo de treino, em 12/07/2006). 

Tabela 3: Medições de ruído com sonómetro no exterior do EH-101 (pre-flight, em 03/08/2006). 

A segunda medição foi realizada também durante um teste de motores, encontrando-se o trabalhador do grupo PM no exterior da aeronave (Tabela 5). Neste caso, os valores obtidos variaram entre os 86,1 dBA e os 113,0 dBA, com o cálculo do LEX, 8h igual a 99,3 dBA.

Tabela 4: Medições de ruído durante um teste de motores no interior do C-295M. 

Tabela 5: Medições de ruído durante um teste de motores no exterior do C-295M. 

Os questionários foram enviados a toda a população alvo, chegando aos 441 militares dos grupos do PNP, PNT e PM das esquadras mencionadas na metodologia, tendo-se obtido uma amostra por conveniência de 112 indivíduos e uma taxa de resposta de 25,4%, sendo que as respostas às perguntas do questionário foram completas em todos os casos (Tabela 6).

A maioria dos participantes pertence ao grupo do PNP, constituindo cerca de 50,9% da amostra em estudo, seguidos do PNT com 26,8% e do PM com 22,3%. A maioria dos indivíduos é do género masculino (N=106, 94,6%), sendo 6 militares do género feminino (5,4%).

A idade média dos militares foi de 34,2 anos (20-56 anos, DP=7,1), verificando-se uma maior prevalência de militares com 28 e 31 anos, correspondendo a 10,7% cada (Figura 1).

Tabela 6: Análise comparativa da população alvo do questionário e da amostra. 

Figura 1 Distribuição etária dos militares da amostra. 

Nos 3 grupos, quando inquiridos sobre o número de horas diárias a que estão expostos ao ruído no seu local de trabalho, a maioria (51,8%) referiu estar exposta entre 1 a 4 horas por dia, correspondendo a 61,4% do PNP, 46,7% do PNT e 36,0% do PM. Para além disso, verificou-se que os grupos com maior tempo de exposição (no limiar das 4 a 8 horas e mais de 8 horas) foram o do PNT (40% e 3,3%, respetivamente), seguido do PM (36% e 4,0% respetivamente) (Tabela 7).

Tabela 7: Exposição diária ao ruído por grupo profissional. 

A maioria dos militares inquiridos (33,9%) estava colocado na sua Esquadra entre 1 a 5 anos, seguindo-se a colocação entre 5 a 10 anos (31,3%). A permanência por mais de 10 anos ocorreu em 25,9% dos casos, sendo o grupo do PNT aquele que apresentou maior tempo de permanência nesta categoria (53,3%) (Tabela 8).

No que respeita à exposição prévia ao ruído noutros locais de trabalho na FAP, a maioria dos militares referiu já ter estado exposto (69,6%) (Tabela 9).

Tabela 8: Tempo de colocação dos militares na Esquadra, por grupo profissional. 

Tabela 9: Colocação anterior em locais com exposição ao ruído. 

Em relação ao uso de proteção auditiva, a maioria do PNP e PNT usa “sempre” proteção auditiva (57,9% e 63,3% respetivamente) enquanto a maioria do PM (52%) usa “por vezes” estes equipamentos de proteção individual (Tabela 10).

Da análise feita à presença de sintomas que podem ou não estar relacionados com a exposição ao ruído excessivo (Tabela 11), os que mais afetam a maioria dos três grupos são o cansaço maior do que o normal (fadiga/ stress), em 74,1%, a insónia (dificuldade em adormecer e/ou acordar) em 61,6% e a irritabilidade para com as outras pessoas em 58%. Os acufenos estão presentes em 60% dos indivíduos do PNT, enquanto nos grupos do PNP e PM ocorrem em 45,6% e 44,0%, respetivamente. A maioria do PM (80%) e parte do PNT (46,7%) já teve formação na área da higiene e segurança no trabalho. Por outro lado, apenas cerca de metade dos militares tiveram formação na área do ruído e da proteção auditiva (Tabela 12).

Tabela 10: Relação entre os grupos e o uso de proteção auditiva. 

Tabela 11 Tabela relativa à presença de sintomas nos diferentes grupos 

Tabela 12 Tabela relativa à frequência de ações de formação. 

Discussão

Pretende-se com os resultados obtidos justificar a hipótese de que o PM também apresenta exposições significativas ao ruído, com o objetivo de realizar um programa de avaliação e seguimento de todos os militares expostos ao ruído aeronáutico nas Unidades Aéreas.

Relativamente aos resultados das medições de ruído encontradas, constatou-se a ausência de estudos feitos em algumas das aeronaves existentes atualmente na FAP, nomeadamente estudos recentes. Nas medições feitas em 2006, tanto no interior da aeronave C130 como no EH-101, os valores dos níveis de pressão sonora obtidos foram sempre superiores ao limite legal estabelecido de 87 dBA (neste estudo, superiores a 90,6 dBA e 91,8 dBA, respetivamente, sendo que no C130 os níveis de pressão sonora foram superiores na zona do compartimento de carga (99,9 dBA), onde se encontra o Load-master (PNT).

Enquanto estes valores no interior das aeronaves afetam mais frequentemente o PNP e o PNT, valores elevados no exterior das aeronaves podem afetar maioritariamente o PM que, apesar de não ser navegante, se encontra muitas vezes em redor das aeronaves à sua saída e chegada. Nas medições feitas no exterior do EH-101, os níveis de pressão sonora variaram entre os 83,9 dBA e os 101,3 dBA. Já as medições efetuadas na aeronave C-295M, apresentaram um LEX,8h igual a 74,8 dBA no interior da aeronave e um LEX, 8h igual a 99,3 dBA no exterior da mesma.

De acordo com o articulado legal em vigor em Portugal7, não é permitida a exposição pessoal diária ou semanal (LEX,8h) a níveis de ruído iguais ou superiores a 87 dBA. Neste estudo, estes valores foram excedidos em todas elas, tanto no interior como no exterior. Deste modo, devem ser utilizados todos os meios disponíveis para eliminar na fonte ou reduzir ao mínimo os riscos resultantes da exposição dos trabalhadores ao ruído, sendo que nos locais onde os trabalhadores possam estar expostos a níveis de ruído acima dos valores de ação superior, o empregador deve aplicar medidas de atenuação de ruído ou diminuição do tempo de exposição.

Estes estudos apresentaram algumas limitações, nomeadamente a quantidade reduzida de aeronaves estudadas, o facto de as medições não serem recentes e a falta de medições noutros pontos de referência, como nas áreas de manutenção. No entanto, os resultados obtidos valem como um indicador sobre a real ultrapassagem dos limiares de ruído permitidos por lei e consequente exposição do pessoal de manutenção.

A segunda parte deste trabalho consistiu na aplicação de um inquérito por questionário à população alvo do estudo. Obteve-se uma amostra por conveniência de 112 militares, com uma taxa de resposta de 25,4%, o que não é representativo da população alvo. No entanto, foi possível fazer uma divisão em três grupos, consoante a função que desempenham na Esquadra, com o objetivo de identificar diferenças significativas relativamente à influência que o ruído tem na sua qualidade de vida, sendo também avaliados: o tempo de exposição, os sintomas associados e a implementação de medidas preventivas.

Relativamente à exposição pessoal diária ao ruído no local de trabalho, apesar de não ser possível sustentar por análise estatística devido ao reduzido tamanho da amostra, verificou-se que não houve diferenças consideráveis entre os grupos, o que pode justificar a inclusão do PM no programa regular de avaliação auditiva, já implementado e dirigido aos militares do PNP e PNT. Isto é, se os níveis de ruído a que estão expostos diariamente são semelhantes, com uma duração da exposição semelhante, então a avaliação da saúde auditiva deveria ser generalizada a todos os militares.

Em relação ao uso de proteção auditiva no seu local de trabalho, constatou-se que a maioria do PNP e PNT usa “sempre” proteção auditiva, contrariamente ao PM, cuja maioria usa apenas “por vezes”. A análise destas respostas sugere duas hipóteses: que há falta de formação dos militares da manutenção na área da proteção auditiva e da higiene e segurança no trabalho ou que não há equipamentos de proteção individual disponíveis. No que se refere à frequência de ações de formação na área da higiene e segurança no trabalho, o PM foi o que demonstrou uma maior frequência das mesmas (80%) sendo que 52% frequentaram também formações sobre ruído e proteção auditiva. Relativamente à disponibilização de equipamento de proteção auditiva, constatou-se que nem todo o PM das Esquadras está diretamente exposto ao ruído das aeronaves, uma vez que podem exercer a sua atividade em gabinetes ou longe da área de trabalho no hangar e nessas circunstâncias referem não usar proteção auditiva (o que pode ter influenciado os resultados).

Ao analisar as respostas sobre a presença de sintomas potencialmente relacionados com a exposição ao ruído no último ano, constatou-se que os que afetam a maioria dos três grupos estudados são: o cansaço maior do que o normal (fadiga/ stress), (presente em 71,9% do PNP, 80% do PNT e 72% do PM); a insónia (dificuldade em adormecer e/ou acordar), (afetando 59,6% do PNP, 63,3% do PNT e 64% do PM); e a irritabilidade para com as outras pessoas (presente em 61,4% do PNP, 50% do PNT e 60% do PM). Estes resultados sugerem que a qualidade de vida dos militares é afetada de igual forma pelo ruído, independentemente das suas funções e justificam uma reflexão sobre a forma como é feita a avaliação da sua saúde auditiva.

Outra limitação importante nesta segunda parte foi o reduzido tamanho da amostra, que não se mostrou suficiente para realizar uma análise estatisticamente significativa. No entanto, considera-se que este estudo demonstrou ser um bom ponto de partida para alargar o programa de avaliação e seguimento dos militares expostos ao ruído na FAP. Este programa tem como objetivos: educar e sensibilizar os indivíduos e os seus supervisores relativamente à adoção de medidas de proteção individual; elaborar mapas dos locais mais ruidosos, com definição das zonas mais sonotraumáticas e a respetiva caracterização em intensidade, banda de frequência, e distribuição temporal ao longo do período de trabalho; avaliar periodicamente os indivíduos com audiometria, com o objetivo de identificar os mais suscetíveis ao ruído e de reconhecer precocemente a perda de acuidade auditiva.

Conclusão

Os militares da manutenção da linha da frente também são expostos a níveis de ruído superiores aos permitidos por lei. Para além disso, a qualidade de vida do pessoal de manutenção parece ser igualmente influenciada pela exposição ao ruído, comparativamente com o pessoal navegante permanente e temporário, o que justifica a importância da implementação de um programa de avaliação e seguimento de todos os militares expostos ao ruído aeronáutico, incluindo o pessoal da manutenção e até militares e civis de outras áreas expostos a estas fontes de ruido. Propõe-se assim um programa de conservação da audição mais alargado, consistindo na educação e sensibilização dos indivíduos relativamente à adoção de medidas de proteção individual, elaboração de mapas de ruído e realização de testes audiométricos periódicos a todos aqueles que estão expostos ao ruído, com o objetivo de identificar os indivíduos mais suscetíveis e de reconhecer precocemente a perda de audição e, consequentemente, a surdez sonotraumática.

Conflito de Interesses

Os autores declaram que não têm qualquer conflito de interesse relativo a este artigo.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram que seguiram os protocolos do seu trabalho na publicação dos dados de pacientes.

Proteção de pessoas e animais

Os autores declaram que os procedimentos seguidos estão de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos diretores da Comissão para Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.

Financiamento

Este trabalho não recebeu qualquer contribuição, financiamento ou bolsa de estudos.

Disponibilidade dos Dados científicos

Não existem conjuntos de dados disponíveis publicamente relacionados com este trabalho.

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Recebido: 12 de Julho de 2023; Aceito: 21 de Agosto de 2024

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