Introdução
O olfato, embora muitas vezes menosprezado, é um sentido essencial na vida do ser humano e orienta o seu comportamento em diversas áreas como a alimentação, a segurança, comportamento sexual e social.1
A disfunção do olfato é uma perturbação frequente, afetando 10 a 20% da população 2),(3, e compreende alterações qualitativas do olfato quando envolvem a perda total ou parcial da função olfativa (anosmia e hiposmia) e quantitativas, as chamadas parosmias, quando afetam a perceção dos odores (cacosmia, eusosmia e fantosmia). 1),(2
A avaliação clínica tem como objetivo presumir uma etiologia com base na história clínica, exame objetivo e exames psicofísicos do olfato. A avaliação psicofísica do olfato define diferentes aspetos deste sentido: limiar de deteção do odor (T), discriminação do odor (D) e a identificação do odor (I). Os últimos dois são testes supralimiares, que avaliam a capacidade não verbal de um doente diferenciar entre odores, ou reconhecer um odor, respetivamente. O score TDI composto resulta da soma dos 3 subtestes e classifica as queixas do olfato em anósmia (score<16), hiposmia (score entre 16 e 30) e nosmósmia (score>30).[3]
As etiologias presumidas são, por ordem decrescente de frequência: nasossinusal, neurossensorial, pós-traumática, pós-infeciosa, idiopática e congénita.
Apesar de ser cada vez mais fácil avaliar função olfativa, estabelecer a etiologia da disfunção olfativa permanece um desafio. (2
Objetivo: Realizar análise descritiva dos doentes seguidos em consulta de Olfato e Gosto com a caracterização etiológica e evolução prognóstica.
Material e Métodos
Foi realizado um estudo retrospetivo, transversal, baseado na análise dos processos clínicos de todos os utentes que frequentaram a consulta de Olfato e Gosto no serviço de Otorrinolaringologia da Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental entre 2016 e 2023.
Os processos foram consultados individualmente pela autora principal deste artigo. As variáveis analisadas foram: sexo e idade; queixas relativas ao olfato (hiposmia, anosmia, disosmia); comorbilidades associadas; presença de outros sintomas nasossinusais; antecedentes cirúrgicos nasossinusais; contexto no qual surgiu o sintoma; tempo de evolução dos sintomas; avaliação psicofísica do olfato, através da aplicação do Sniffin’ Stiks® validado para português Europeu; rinoscopia anterior; informações relativas aos exames complementares de diagnóstico (tomografia computorizada dos seios perinasais (TC SPN) e ressonância magnética crânio-encefálica (RM CE)); tratamento instituído e resposta ao tratamento (considera-se melhoria clinicamente quando há um aumento mínimo de 5 pontos no TDI score).
Não existe um protocolo para a realização da consulta de Olfato e do Gosto. Durante a consulta é colhida a história clínica, realizado exame objetivo e avaliação psicofísica do olfato. Os doentes com indicação para reabilitação olfativa foram avaliados às 12 semanas.
Os dados foram inseridos numa base de dados (Microsoft Excel®). Análise estatística realizada com o programa SPSS® 29.0 para MacOS, tendo sido realizada estatística descritiva, testes de normalidade (Kolmogorov-Smirnov). A significância estatística foi assumida para p < 0,05.
Resultados
Dos 145 utentes inicialmente considerados, 12 foram excluídos por dados clínicos incompletos ou por resolução das queixas olfativas à data da consulta.
A amostra final abrangeu 133 utentes, com idade média de 54,55 anos, sendo 81 do sexo feminino e 52 do sexo masculino. Os motivos mais frequentes de consulta foram hiposmia (78 doentes) e anosmia (55 doentes). Não houve diferença estatisticamente significativa entre géneros (p=0,87).
Através da avaliação cuidadosa da história clínica, exame objetivo, exames de imagem e score TDI foi possível presumir a etiologia da perturbação do olfato. Os padrões de resposta obtidos nos testes psicofísicos do olfato refletem a etiologia subjacente.
O score TDI inicial foi mais alto na perturbação do olfato de causa nasossinusal.
Os valores mais baixos do score TDI inicial foram registados na perturbação do olfato de causa neurossensorial (figura 1). No entanto, a distribuição do score TDI inicial por etiologia não foi estatisticamente significativa (p=0,67).
Os doentes foram categorizados em 8 grupos de acordo com a etiologia presumida da perturbação do olfato:
Perturbação do olfato de causa nasossinusal: 82 doentes (60%)
Perturbação do olfato de causa pós-infecciosa: 16 doentes (12%)
Perturbação do olfato de causa neurossensorial: 13 doentes (10%)
Perturbação do olfato de causa pós-traumática: 11 doentes (8%)
Perturbação do olfato de causa idiopática: 5 doentes (4%)
Perturbação do olfato induzida por tóxicos: 3 doentes (2%)
Perturbação congénita do olfato: 2 doentes (1,5%)
Perturbação do olfato de causa mista: 2 doentes (1,5%)
1 Perturbação do olfato de causa nasossinusal
A perturbação do olfato de causa nasossinusal foi a etiologia presumida mais frequente, presente em 82 doentes (47 do sexo feminino, 35 do sexo masculino), com idade média de 56,16 anos.
Neste grupo, 54 doentes apresentavam queixas de hiposmia e 28 queixas de anosmia. Concomitantemente, 13 doentes apresentavam queixas de parósmia (cacosmia - 8 doentes; fantósmia - 5 doentes).
Os sintomas olfativos foram predominantemente de aparecimento progressivo (68 doentes), com curso flutuante (45 doentes) e com duração média de 6,85 anos (duração mínima de 0,33 anos e máxima de 25 anos).
Sintomas como obstrução nasal e rinorreia foram reportados por 65%.
Na avaliação psicofísica do olfato, realizada através da aplicação do Sniffing’ Sticks®, obtiveram-se valores médios mais baixos no limiar de deteção do odor (2,5), com resultados satisfatórios na discriminação e identificação do odor (médias de 9,73 e 10,47 respetivamente).
O PNIF foi medido em 18 doentes, com valor médio de 66,17.
Todos os doentes foram submetidos a rinoscopia anterior, sendo que 45 doentes apresentavam alterações. A hipertrofia dos cornetos inferiores e desvio do septo nasal foram as alterações mais frequentemente encontradas ao exame objetivo.
Na TC SPN, as alterações mais frequentes foram desvio do septo nasal, hipertrofia dos cornetos inferiores, presença de concha bolhosa, obliteração dos seios perinasais e outros achados sugestivos de rinossinusite crónica.
O tratamento médico mais utilizado foi o corticoide nasal em associação com ciclo curto de corticoide sistémico (deflazacorte 60mg por um período de 5 dias), seguido de corticoide nasal em monoterapia e associação entre corticoide nasal e treino olfativo com rosa, limão, cravinho e eucalipto.
A septoplastia com redução dos cornetos inferiores e a cirurgia endoscópica nasossinusal, foram propostas em casos selecionados.
Na consulta de reavaliação, constou-se uma melhoria de 51% dos doentes submetidos a terapêutica médica e/ou cirúrgica.
2 Perturbação do olfato de causa pós-infeciosa
Nesta série, a segunda etiologia mais frequente foi a pós-infecciosa, com prevalência de 12%. Este grupo é composto por 16 doentes (12 do sexo feminino, 4 do sexo masculino), com idade média de 55,68 anos.
Todos os doentes reportaram episódio de infeção das vias respiratórias superiores previamente ao início dos sintomas, sendo que 6 destes doentes apresentaram infeção por SARS-CoV-2.
Neste grupo, 9 doentes apresentavam queixas de hiposmia e 7 queixas de anosmia. Concomitantemente, 2 doentes apresentavam queixas de parósmia (cacosmia - 1 doente; fantósmia - 1 doente).
Os sintomas olfativos foram predominantemente de aparecimento progressivo, sem flutuação dos sintomas em 62,5% dos doentes, com duração média de 2,10 anos (duração mínima de 0,16 anos e máxima de 8 anos).
A avaliação psicofísica do olfato revelou uma diminuição da média da identificação do odor (7,78) com valores médios do limiar de deteção e da discriminação do odor (3,45 e 7,72 respetivamente).
Todos os doentes foram instruídos a realizar reabilitação olfativa (rosa, limão, cravinho e eucalipto). Em 6 doentes, fez-se associação entre corticoide nasal e treino olfativo. Na consulta de reavaliação, constou-se uma melhoria de 80% dos doentes.
3 Perturbação do olfato de causa neurossensorial
A terceira causa presumida mais frequente no grupo de estudo foi a perturbação do olfato de causa neurossensorial, constituída por 13 doentes (todos do sexo feminino), com idade média de 61,00 anos (idade mínima - 13 anos, idade máxima - 83 anos).
Neste grupo, 9 doentes apresentavam queixas de anosmia e 5 queixas de hiposmia. Deste grupo, 1 doentes apresentavam queixas de parósmia (fantosmia).
Os sintomas olfativos foram predominantemente de aparecimento progressivo (10 doentes), sem flutação, com duração média de 3,32 anos (duração mínima de 0,41 anos e máxima de 10 anos).
Relativamente às comorbilidades, 2 doentes apresentavam tremor essencial, 1 doente doença de Parkinson, 1 doente epilepsia do lobo temporal, e 1 doente apresentava queixas subjetivas de perda de memória.
As médias dos resultados de deteção do odor, discriminação e identificação do odor foram de 2,25; 9,4 e 6,2, respetivamente.
Apenas 7 doentes realizaram RM CE, sendo que o resultado foi anormal em 6 doentes. Os bulbos olfativos encontravam-se com espessura reduzida em 5 dos doentes. A RM CE de um dos doentes revelou presença de meningioma no rego olfativo direito a condicionar a perda olfativa.
À excepção do doente com meningioma, todos foram instruídos a realizar reabilitação olfativa. Na consulta de reavaliação, constou-se uma melhoria de 70% dos doentes.
4 Perturbação do olfato de causa pós-traumática
Este grupo é constituído por 11 doentes (6 do sexo masculino e 5 do sexo feminino), com idade média de 41,73 anos (idade mínima - 18 anos, idade máxima - 79 anos).
Neste grupo, 7 doentes apresentavam queixas de anosmia e 4 queixas de hiposmia. Deste grupo, 1 doentes apresentavam queixas de parósmia (cacosmia).
O aparecimento dos sintomas foi súbito em 45,5% dos doentes, e todos os doentes relacionaram o início dos sintomas com antecedentes de traumatismo crânio-encefálico (4 doentes envolvidos em acidentes de viação e 1 doente vítima de atropelamento).
A avaliação psicofísica do olfato revelou diminuição dos valores médios do limiar de deteção, discriminação e identificação (3,75; 9,0; 5,14, respectivamente).
Apenas 5 doentes realizaram RM CE, sendo que 4 doentes apresentavam alterações compatíveis com traumatismo contuso dos bulbos e tratos olfativos.
Todos os doentes foram instruídos a realizar reabilitação olfativa. Na consulta de reavaliação, constou-se uma melhoria de 50% dos doentes.
5 Perturbação do olfato de causa idiopática
Em 5 doentes não foi possível estabelecer uma etiologia presumível, pelo que se enquadrou estes doentes no grupo das perturbações idiopáticas do olfato. O grupo é constituído por 3 elementos do sexo feminino e 2 do sexo masculino, com idade média de 54 anos (idade mínima 45 anos e máxima de 65 anos). Destes, 3 apresentavam hiposmia, 1 anosmia e 1 anosmia unilateral esquerda. Dois doentes referiram fantosmia.
O quadro clínico instalou-se de forma progressiva em todos os casos e os sintomas não apresentavam flutuação ao longo do tempo. O tempo médio de duração dos sintomas foi de 9,4 anos. Nenhum doente relacionou o início dos sintomas um evento/contexto específico.
O exame objetivo apresentava-se normal em todos os doentes.
A média de identificação de odor foi de 4,25. O doente com anosmia unilateral esquerda apresentou média de identificação de 0 com a narina direita ocluída e de 13 com a narina esquerda ocluída. A RM CE deste doente revelou um cavernoma ocicpiparietal direito com 1cm de diâmetro, mas sem relação com a perda de olfato. A RM CE dos restantes doentes não apresentou alterações.
Todos os doentes foram instruídos a realizar reabilitação olfativa.
6 Perturbação do olfato induzida por tóxicos
Em 3 doentes foi assumida perturbação do olfato induzida por tóxicos. Dois doentes do sexo masculino e 1 do sexo feminino, com idade média de 58,3 anos.
Dois doentes relatam hiposmia após início de terapêutica com antifúngico (terbinafina). Um doente apresenta hiposmia desde o diagnóstico de HIV e início de terapêutica.
A avaliação psicofisiológica do olfato realizada através da aplicação do Sniffing’ Sticks® do doente com diagnóstico de HIV revelou normósmia, com score TDI de 36,5 (normal), tendo sido assumido parosmia induzida por antirretrovirais.
A avaliação psicofisiológica do olfato dos outros dois doentes revelou uma diminuição da identificação (11 e 7). Ambos foram medicados com cloreto de zinco (gargarejos).
7 Perturbação congénita do olfato
Este grupo é composto por 2 doentes do sexo masculino, com 19 e 10 anos de idade. Ambos relatam anosmia de longa duração, sem antecedentes de trauma, associação a sintomas nasossinusais ou presença de evento relacionado com o início do quadro.
A RM CE do doente de 10 anos revelou atrésia dos bulbos olfativos e o estudo genético revelou Síndrome de Klinefelter (Mosaico 47,XXY ( 10 ) / 46,XY(23)). O doente de 19 anos, também realizou RM CE que revelou ausência de ambos os bulbos olfativos com teste genético sem alterações, pelo que se assumiu o diagnóstico de anosmia idiopática congénita não sindrómica.
8 Perturbação do olfato de causa mista
Em dois doentes, foi presumida uma etiologia de perda do olfato de causa nasossinusal, agudizada por infeção das vias respiratórias superiores. Ambos foram medicados com corticoide nasal e ciclo curto de corticoide sistémico, mas apenas um doente apresentou melhoria clinicamente significativa.

Figura 3: Os padrões de resposta obtidos nos testes psicofísicos do olfato refletem a etiologia subjacente. Nos gráficos acima estão representadas as medias do score individuais da hiposmia de causa Nasossinusal, Pós-infecciosa, Neurodegenerativa e Pós-traumática. No grupo de etiologia presumida de causa Nasossinusal, constou-se uma diminuição do score TDI à custa da diminuição do limiar de deteção do odor (T), com preservação da discriminação (D) e identificação (I) do odor. Os doentes com hiposmia de causa Pós-infecciosa apresentavam uma diminuição do score TDI pela diminuição da identificação (I), com resultados razoáveis no limiar de deteção (T) e discriminação(D) do odor. Na causa Neurodegenerativa, constou-se uma diminuição marcada identificação (I). A hiposmia de causa pós-traumática apresentou uma diminuição do scorte TDI global à custa da diminuição dos 3 subtestes, limiar de deteção (T), discriminação (D) e identificação (I) do odor.
Outcome
A melhoria após o tratamento foi definida pelo aumento do score TDI em pelo menos 5 pontos, o que foi observado em 58% dos doentes nesta série.
A etiologia com melhor prognóstico foi a perturbação do olfato de causa pós-infecciosa, em que se constou uma melhoria clinicamente significativa em 80% dos doentes, seguida pela causa neurossensorial com melhoria em 70%.
As etiologias nasossinusal e pós-traumática foram os grupos com pior prognóstico, com melhoria em 51% e 50% dos doentes respectivamente. No entanto, no grupo de causa nassosinusal há um claro viés de seleção, uma vez que muitos destes doentes foram encaminhados para a consulta de Olfato através da consulta de ORL geral, já tendo sido medicados e/ou submetidos a cirurgia nasossinusal. Além disso, são doentes com tempo de evolução dos sintomas longos, já tendo provavelmente processo de neurorremodelação com substituição de epitélio de tipo olfativo por epitélio de tipo respiratório. Outro factor importante é o score TDI inicial, que já era mais alto em relação aos restantes grupos etiológicos.
Discussão
Epidemiologia
No presente estudo, as queixas relacionadas com o olfato foram mais prevalentes no sexo feminino, em relação ao sexo masculino (61% vs 39%). No entanto, segundo Yan and Pinto, o sexo masculino experiência perda de olfato mais cedo na vida por maior exposição ocupacional a substâncias de risco. (5)
Etiologia Presumida
As perturbações do olfato devem ser classificadas de acordo com a causa subjacente e não em distúrbios de condução ou neurossensorais, uma vez que a perturbação olfativa causada por rinossinusite crónica apresenta tanto um componente de condução como neurossensorial. 4)
Perturbações do olfato de causa nassosinusal
A etiologia mais frequente nesta série foi a nasossinusal, o que está de acordo com a literatura. Segundo Hummel et al, as condições nasossinusais representam 67% das causas das perturabações do olfato. (4 A patologia nasossinusal provoca uma obstrução à passagem do odor até à fenda olfativa, tanto por obstrução anatómica (pólipos) ou por edema. A própria inflamação pode levar a remodelação neuroepitelial com substituição do epitélio do tipo olfativo por epitélio do tipo respiratório. Desta forma, o desempenho a nível do limar encontra-se mais afeto relativamente ao desempenho a nível da discriminação e identificação. 3
Perturbação do olfato de causa pós-infecciosa
É a segunda causa mais frequente, representando 14% dos casos 4, e é atribuída à atrofia dos neurónios sensoriais olfativos induzida pelos agentes virais e substituição do epitélio de tipo olfativo por epitélio de tipo respiratório. (3 O score TDI apresenta resultados satisfatórios no limiar de deteção e discriminação do odor, associado a uma diminuição da identificação. A plasticidade do sistema olfativo permite uma melhoria mais marcada do limiar e da discriminação, enquanto a identificação do odor é um processo mais complexo e mais difícil de recuperar. 3
Perturbação do olfato de causa neurossensorial
A literatura não é clara relativamente à frequência desta etiologia.
As perturbações olfativas estão associadas a diversas condições neurológicas e neurodegerativas como a doença de Parkinson, demência de Alzheimer, esclerose múltipla e epilepsia do lobo temporal. A disfunção do olfato é geralmente um sintoma inicial em muitas destas patologias, destacando o seu potencial como marcador precoce de doença. (3),(4),(5
Segundo Hedner et al, a disfunção olfativa nestes doentes deve-se ao comprometimento do processamento central, com afeção das tarefas supraliminares de discriminação e identificação, mas não dos limiares de deteção do odor. 3
Perturbação do olfato de causa pós-traumática
O traumatismo crânio-encefalico representa cerca de 6% das causas de disfunção olfativa 4.
A perturbação do olfato pode resultar de 3 mecanismos principais: obstrução nasossinusal; disrupção das fibras nervosas olfativas na lâmina cribiforme do etmoide e lesão nas vias olfativas centrais. A RM CE é o exame de eleição na avaliação destes doentes, com especial atenção ao bulbo olfativo e áreas cerebrais relacionadas com a perceção do olfato. (6 Os doentes com perda olfativa pós-traumática mantém capacidade de discriminação e identificação, mas baixa capacidade de deteção do limiar. (3
A recuperação completa é rara, mas o treino olfativo demonstrou-se eficaz na recuperação do olfato. (6
Perturbação do olfato de causa idiopática
A perturbação do olfato é considerada idiopática após exclusão de todas as etiologias presumidas e segundo a literatura representa 8% dos casos.
Perturbação congénita do olfato
A prevalência estimada da perturbação congénita do olfato na população é de 0,01-0,002% e é dividida em sindromática e isolada.
A Síndrome de Kallmann, caracterizada por hipogonadismo hipogonadrotrófico, é a causa mais frequente de perturbação congénita sindromática do olfato e pode cursar com hiposmia ou anosmia.
A maioria dos doentes com anosmia congénita isolada não apresenta alterações genéticas conhecidas, sendo o diagnóstico tardio. Em ambos os casos, a RM CE revela alterações estruturais que incluem atrofia dos sulcos olfativos e aplasia ou hipoplasia dos bulbos olfativos.
Terapêutica
A corticoterapia sistémica e/ou tópica está indicana na terapêutica na perturbação do
olfato de causa nasossinusal, sendo a sua utilização controversa no tratamento das perturbações de olfato de outas etiologias. Além disso, os efeitos secundários da utilização de corticoterapia sistémica ser tidos em conta aquando da prescrição. Em casos selecionados e de acordo com as guidelines (EPOS 2020), a cirurgia nasossinusal pode estar indicada.
A combinação de corticóide com agentes a vitamina B e zinco pode acrescentar benefício terapêutico. 7
A reabilitação olfativa é eficaz na melhoria da hiposmia nas etiologias pós-infecciosa, pós-traumática e neurossensorial. No entanto, o mecanismo pelo qual há melhoria do olfato não é conhecido, mas pensa-se que está relacionado com a capacidade regenerativa dos neurónios olfativos (pela totipotência das células gliais adjacentes) pela exposição repetida aos odores.
O benefício da reabilitação olfativa reflete-se principalmente na discriminação e identificação dos odores. A diminuição do limiar de deteção do olfato reflete alterações relacionadas com perturbações periféricas, enquanto que a diminuição da discriminação e identificação, refletem alterações das funções cognitivas superiores. 8
Na etiologia pós-infecciosa e pós-traumática, vários estudos evidenciam melhoria na identificação e discriminação do odor com a reabilitação olfativa. 8),(9
No caso da doença de Parkinson, a reabilitação olfativa está associada a melhoria da sensibilidade aos odores utilizados na reabilitação, aumentado a função olfativa em 20% dos doentes após um período de 12 semanas. (9
Outcome
Até há poucos anos atrás os doentes com perturbações do olfato não tinham qualquer tipo de tratamento dirigido. Este paradigma tem mudado, o que é espelhado nos resultados deste estudo: houve uma melhoria do TDI score clinicamente significativa em 58% dos doentes.
A etiologia com melhor prognóstico é a pós-infecciosa (80% dos doentes), o que vai de encontro com o descrito na literatura.
Classicamente, a etiologia com pior prognóstico é a pós-traumática, tendo o mesmo sido verificado neste estudo (50% dos doentes).
Apenas 51% dos doentes com patologia nasossinusal tiveram melhoria do olfato clinicamente significativa, o que poderá representar um resultado menor do que seria esperado. Este resultado representa um claro viés de seleção, uma vez que muitos destes doentes foram encaminhados para a consulta de Olfato através da consulta de ORL geral, já tendo sido medicados e/ou submetidos a cirurgia nasossinusal. Além disso, são doentes com tempo de evolução dos sintomas longos, já tendo provavelmente processo de neurorremodelação com substituição de epitélio de tipo olfativo por epitélio de tipo respiratório. Outro factor importante é o score TDI inicial, que já era mais alto em relação aos restantes grupos etiológicos.
Limitações
As patologias isoladas do gosto são extremamente raras, sendo que por este motivo, as alterações do gosto não foram alvo deste estudo. Contudo, o artigo intitula-se de “Olfato e gosto: 8 anos de experiência de um Centro Terciário” por ter como objetivo avaliar os doentes seguidos na consulta de Olfato e Gosto.
Conclusão
Dada a prevalência das perturbações do olfato e a sua relação com a qualidade de vida e segurança da população, a sua identificação e tratamento precoces são de especial importância. A identificação da etiologia, através da avaliação das várias apresentações e padrões psicofísicos do olfato é essencial para desenvolver estratégias de tratamento direcionadas. Nesta série constou-se uma melhoria em mais de 50% dos doentes, o que mostra o potencial de recuperação e da qualidade de vida, que irá continuar a aumentar à medida que surgirem mais estudos nesta área.
















