1. Introdução
Queríamos começar este artigo, apresentando a metodologia adaptada ao contexto e ao investigador. É uma metodologia de matriz qualitativa que procura tornar a investigação acessível a todos. Neste sentido a questão central é: como é que se pode tornar a investigação acessível a todos? Existem múltiplas respostas para esta pergunta, com incontáveis configurações. Cada investigador, universidade e campo em estudo é único exigindo estratégias de investigação desenhadas para aquela situação específica.
O tema não é novo e corresponde ao problema da unidade e diversidade do ser humano. Como referência mais antiga, encontramos na China antiga, Lao Tzu (1997) que apresentava a dificuldade do ser humano em capturar a realidade, designada como tao, sempre em transformação, que toma várias formas, diversa e simultaneamente una, mas que lhe escapa e nunca consegue capturar completamente. Na referência mais recente Lahire (2012), fala-nos num mundo plural, diferenciado, mas simultaneamente uno. Em termos de investigação social está em conjugar a unidade com a diversidade da sociedade. Neste sentido está o reconhecimento da singularidade de cada investigação.
Todas as contribuições estão orientadas para este problema filosófico, teórico e metodológico de ajudar um investigador, a conseguir uma investigação una, lógica, coerente, exequível e que respeite a singularidade quer do investigador quer do contexto estudado. A ideia inicial da metodologia adaptada ao contexto e ao investigador procurava adaptar a investigação à pessoa com deficiência, depreendemos posteriormente que cada ser humano é diferente, possui limitações que tem que ultrapassar. Neste sentido abordamos o tema da humanidade em ciência.
Os principais autores utilizados são Frankel (2003; 2017), e Bentz & Shapiro (1998), Fazemos também uma homenagem a Moustakas (Moustakas, 1990; 1994; 1995; Moustakas. & Moustakas, 2004). Estes autores e outros respondem às duas perguntas que correspondem as duas partes deste artigo: o que é que é ser-se humano no campo da investigação? Que metodologia pode ser utilizada que respeite a natureza humana o compromisso entre a unidade e a diversidade?
2. Ser-se Humano na Investigação
O primeiro princípio da nossa metodologia, e afirmar que a investigação social é feita por seres humanos, logo tem de ser humana. O que é que é ser-se humano no campo da investigação social
Ser humano nas ciências em geral e as Ciências Sociais e Humanas consiste em não separar a vida humana da realidade estudada. O problema é que a vida a realidade social é demasiado complexa e dinâmica para que um ser humano a possa capturar completamente (Ni, 1995; Tzu, 1997). Ser-se humano é não se saber tudo. Pode parecer óbvio, mas (Feyerabend1991; 1999; 2011) as ciências tornaram-se desumanas e um obstáculo ao conhecimento transformando paradigmas, teorias e metodologias em dogmas, impedindo que surjam novas descobertas ou que a ciência se desenvolva (Feyerabend, 1991). Outro sinal deste problema é a descontextualização que desumaniza ao transformar tudo em abstrações. O ser humano vive num espaço e tempo é aqui que reside a sua riqueza.
2.1 Ser-se Humano
O segundo princípio na nossa metodologia, é que antes de sermos investigadores somos seres humanos. O Homem ambiciona atingir o estatuto de divindade e perfeição. Este (Frankel, 2017) não gosta da imperfeição nem de falhar. É Homem falível (Ricoeur, 2019) que tem como propriedades: um ser finito que deseja o infinito; um ser em constante construção como pessoa, carácter, o seu lugar no mundo e na sociedade; procura a sua felicidade e prazer; vive sempre na incerteza porque na sua natureza finita não controla e não tem conhecimento do todo que o rodeia; ao longo da sua vida vai falhando, encontrando problemas que vai resolvendo, transcendendo-se, mas sem atingir a perfeição. Quanto melhor nos reconhecermos como humanos melhor ciência faremos.
2.2 Crítica da Razão
Na metodologia adaptada ao contexto e ao investigador, o ser humano não é apenas composto pela razão e objectividade, mas também por instintos, sentidos, sentimentos e valores. Parece óbvio mas nas Ciências (Gadamer, 2009) existe a dicotomia ciências exatas e ciências do espírito. Não se critica o método experimental, mas sim os limites deste aplicados às ciências humanas que lidam com desconhecido, possuem limites éticos colocado em causa a liberdade humana.
Dentro deste princípio referimos que é importe tomar consciência não é neutra a ciência é um instrumento da mente humana e esta não necessita de ser equilibrada, racional nem humana. O nosso argumento vem , Horkeimer (2015) lembra que foi utilizada a ciência e domínio dos meios de comunicação, que criou uma lógica totalitária que utilizou a razão para fins pouco racionais e humanos. O ser humano dispõe de livre arbítrio é composto de sentimentos e emoções. Cada Homem racionaliza todos os aspectos da sua vida tendo em conta o seu percurso de vida (Habermas, 2020, pp. 247-309).
Retiramos aqui a conclusão que a essência do ser humano está na criação de sentido (Husserl, 2009) e tomada de consciência. Uma ciência humana não pode evitar a intuição nem a abertura ao infinito implicam não se fechar num dado campo tendo que aceitar alguma subjetividade.
2.3 Do Ser Humano Total
Um princípio que defendemos nesta metodologia, é que apesar de não conseguirmos abarcar todo o real, encontramo-nos mergulhados no mundo e fazemos parte do todo. O ser humano faz parte de um todo, este é (Morin, 1990) bio, antropo e social a única maneira de o compreender está em integrar todas as contribuições numa interdisciplinaridade.
Utilizamos aqui dois termos:
mindful inquiry (Bentz & Shapiro, 1998, pp. 4 - 6) o ser humano é colocado no centro da investigação, está mergulhado no meio, é a principal ferramenta de investigação, mas a principal ideia está que é responsável pelas suas escolhas e tem de ter consciência destas;
spiritual inquiry (Frankel, 2017, p. 130) o ser humano ao longo da vida passa por várias crises que levam à sua evolução espiritual. O mundo (Frankel, 2003) é um local dinâmico e instável, onde cada um reconstrói a sua vida sempre de modo diferente. Muitas vezes o investigador faz um desenho de investigação uno, lógico e exequível que perante a incerteza e a instabilidade é destruído. Torna-se necessário ver este momento como uma oportunidade para o investigador crescer como pessoa, a aprender e ao aperfeiçoamento técnico.
A adaptação da investigação à pessoa e ao contexto, reunindo estas contribuições, implica que a investigação se construa sobre o ser humano que investiga. Antes demais a base é o contexto que vai moldando as decisões do investigador, tendo em conta as suas características, capacidades e potencialidades do campo a que acede. Este tem de tomar consciência das suas decisões, para as quais existem em múltiplas combinações possíveis, entre elas a que melhor se adapta ao contexto estudado.
2.4 Tornar-se Humano
Para fazer investigação social, o primeiro passo é tornar-se humano. Este ato corresponde a criação de significado, de relações humanas com a integração do ser humano nas suas diversas dimensões (Moustakas,1995; Moustakas & Moustakas, 2004). Para perceber esta ideia torna-se necessário voltar ao conceito de desumanização e humanização apresentado por Moustakas:
Desumanizar consiste em considerar um ser humano como um agente passivo que responde apenas a pedidos negando os seus sentimentos, sentidos e vontade própria, condenando-o à solidão. Nenhum ser humano aceita este estado procurando relacionar-se e explorar de forma a aprender e dar significado ás coisas (Moustakas & Moustakas, 2004).
Humanizar-se é relacionar-se, é importante (Moustakas, 2004) saber estar, estar para e estar com. Isto nasce das trocas e experiências onde cada um experimenta, descobre, toma consciência, dá sentido e compreende um dado fenómeno através de um diálogo interior.
Na metodologia adaptada ao contexto e ao investigador o desafio é tornar a investigação humana. O primeiro passo para fazer investigação é romper com a solidão e relacionar-se abertamente com todos participantes utilizando a imaginação para resolver problemas. O segundo passo é sair do projeto de investigação, do meio académico e mergulhar na realidade estudada, atrever-se a explorar e estabelecer os limites naturalmente através dos relacionamentos efetuados. Isto é atrever-se rever e pensar o trabalho efetuado.
3. Uma Metodologia Una, Diversa e Humana
A nossa metodologia encontra-se dentro da pós-modernidade (Bentz & Shapiro,1998), isto significa que intencionalmente estamos abertos a todos paradigmas e correntes metodológicas. Neste texto vão encontrar pelo menos três influências, Grounded Theory, a forma clássica de fazer ciência e a fenomenologia.
Um dos princípios básicos propostos vem de Glasser (2001, p. 145) “all is data”, numa afirmação que tudo são dados. Isto significa que a teoria não é mais importante que a metodologia, aos dados que se recolhem no campo e a sua análise. A investigação desenvolve-se nas universidades que com as suas tradições e conhecimentos acumulados fazem ciência, incluem as suas teorias e metodologias (Berthelot, 2018). Os seres humanos nas suas interacções e relações sociais possuem uma lógica e estrutura própria independente do mundo académico (Lakoff, 1987). O investigador é parte do campo, as suas experiências de vida, são importantes no relacionamento com os participantes, tomada de decisões e interpretação dos dados (Chang, 2008). Recusamos toda a forma de radicalismo académico em nome da objectividade e da subjectividade, fazer investigação depende do que se quer estudar.
A questão da (Ragin & Amoroso, 2019) unidade e diversidade do método, onde toda a investigação tem por base um processo, que varia conforme qual a sua finalidade, e as suas variações sociais. Os mesmos componentes (Ragin & Amoroso, 2019, p. 52) ideias, quadros analíticos, evidências e imagens, os quais apresentam várias conjugações. Questiona-se como conseguir a unidade de uma investigação? O processo de investigação integra os seus diversos elementos ou componentes, não existe ciência sem método e é este que lhe dá unidade.
A unidade de uma investigação está em duas as fontes: a teoria e a metodologia. A teoria do ponto de vista prático (Becker, 1998) dá ao investigador as ferramentas necessárias a resolver os seus problemas é um composto por conceitos que permitem interpretar uma dada realidade. A metodologia como unidade vem da Grounded Theory (Glasser & Strauss, 1967) na qual a proposta está em criar teorias a partir dos dados, a unidade não está numa teoria, mas sim numa metodologia, com métodos e técnicas que permitem esta finalidade e dão uma unidade à teoria criada.
Questionamo-nos, como é que se atinge ou cria unidade numa investigação? Goertz (2017) indica alguns elementos que nos ajudam a compreender essa lógica, estes são os mecanismos causais, a lógica básica, os mecanismos de constrangimento e as condições necessárias, os mecanismos causais interactivos. Todos os fenómenos sociais têm uma causa, apresentam uma lógica com relações entre os seus diversos elementos, os quais existem dentro de um conjunto de constrangimentos e condições que os suportam. Estes elementos dão uma unidade à investigação. Esta lógica é evidente quando utilizamos o método comparativo, quer na Grounded Theory (Glasser & Strauss 1967) quer nas ciências sociais (Ragin, 2014, pp. 34 - 52) com o método de Mill de acordo e de diferença, revelando a uniformidade, a diversidade e a complexidade do queremos estudar. A outra fonte de unidade é o contexto, (Clarke, 2015), onde todos os elementos de uma investigação encontram-se naturalmente situados nos mapas situacionais onde os elementos humanos, não humanos, discursivos e todos os elementos relacionados entre si. Na nossa concepção, todos os elementos da investigação, problemática, teoria, metodologia, trabalho de campo, análise e redacção encontram-se ligados ao campo empírico onde se encontra o meio académico e o campo. Neste sentido, Bentz & Shapiro (1998), cada investigador faz as suas escolhas em conformidade com o seu contexto, incluindo o seu percurso pessoal.
A questão que se coloca agora é o que é que torna a ciência humana? É que este conjunto de elementos tem que ter um sentido e um significado. A unidade está na subjectividade de cada um e da intersubjectividade que acontece nos diversos níveis do individual, ao grupo, à sociedade, ao mundo cada vez mais global (Schütz, 1967). Entramos aqui no campo das representações sociais segundo Moscovici (2013) indica a forma como os seres humanos se apossam da informação e a sentem, respondem a esta com crenças e valores que se constituem como representações nos seus diversos níveis. É que neste autor temos o suporte para poder afirmar que os factos sociais são distintos dos fenómenos da física, biologia e economia. Um mesmo acontecimento é interpretado de modo diferente conforme o grupo social e a sociedade em que se encontra, em comum, são elementos mais ou menos estáveis comuns a todos os seus membros. Há uma unidade mas esta é composta por uma diversidade, cimentada por algo que entendemos ser simultaneamente objectivo e subjectivo, porque não podemos reduzir tudo a uma única generalização mas sim a realidades bem contextualizadas.
4. Conclusões
Este é um texto criado para preparar um workshop correspondente enquadramento teórico. A sua natureza é teórica e filosófica, procura antes demais apresentar a metodologia adaptada ao contexto e ao investigador. É antes demais um estranho texto que fala de metodologia qualitativa sem utilizar o termo ao longo destas páginas.
Antes demais uma metodologia qualitativa fala de liberdade, que não pode ser prisioneira de um método experimental (Gadamer, 2009), fala de consciência, mas também de instintos, sentidos, sentimentos e valores. Tem que assumir a subjetividade e incluir o ser humano como um todo.
Fizemos aqui a defesa da metodologia adaptada ao contexto e ao investigador, que é contextualizada, imperfeita, incompleta e em constante construção. A pedra base é o investigador com as suas características que fará as melhores escolhas que se adaptam ao campo estudado, num campo aberto, mas consciente de escolhas possíveis (Bentz & Shapiro,1998).
O que torna a ciência humana? É o facto de reconhecer que é feita por seres humanos, e que estes para crescer e aprender necessitam de ser humildes e abertos que vem. O ser humano é finito e limitado. A arrogância, o endeusamento, a perfeição impossível de atingir e a rigidez teórica e metodológica são um obstáculo ao conhecimento assim como tornam a investigação num projeto impossível de cumprir.