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New Trends in Qualitative Research

versão On-line ISSN 2184-7770

NTQR vol.7  Oliveira de Azeméis jun. 2021  Epub 23-Nov-2021

https://doi.org/10.36367/ntqr.7.2021.172-180 

Artigos Originais

A Banalização do Mal e a Representação dos Discursos de Adolescentes no Combate ao Bullying

The Banalization of Evil and the Representation of Adolescent Discourses in Combating Bullying

1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso, Brasil.


Resumo:

Este trabalho é um delineamento das produções e ações do Grupo de Pesquisa Humanidades e Sociedade Contemporânea, do IFMT, com o objetivo de identificar discursos emancipados e também opressores acerca do bullying. Adotou-se a metodologia qualitativa e a coleta de dados foi realizada por meio de um questionário com perguntas objetivas e subjetivas, o qual foi aplicado de forma on-line. Para este estudo, foi feita análise das respostas de uma (01) instituição de ensino em que os alunos responderam: Você tem uma sugestão para acabar com o bullying? Os dados coletados foram analisados por meio da Análise de Discurso Crítica (ADC), evidenciando a que a linguagem é um componente essencial do cotidiano e se conecta dialeticamente a outros elementos sociais. Utilizou-se como aporte teórico as contribuições sobre a banalidade do mal, de Hannah Arendt, para compreender a dinâmica da perpetuação da violência como um ato de despolitização do homem. Como resultados, as respostas dos estudantes traduzem os discursos simbólicos encontrados no contexto escolar, com respostas que sugerem uma visão crítica sobre a ocorrência do bullying em seu cotidiano, mas também com respostas reprodutoras de violência e opressão das vítimas e também dos agressores. Corroborando com o senso crítico da ADC, o conceito da banalidade do mal, de Arendt, complementou a análise do discurso de ódio dos estudantes diante de situações de bullying e oportunizou reflexões no sentido de fomentar diálogos emancipatórios por meio da consciência das mazelas da sociedade.

Palavras-chave: Bullying; Análise de Discurso Crítica (ADC); Violência; Banalidade do Mal; Ensino.

Abstract:

This work is an outline of the productions and actions of the Humanities and Contemporary Society Research Group of IFMT, with the objective of identifying emancipated as well as oppressed speeches about bullying. The qualitative methodology was adopted and the data collection was carried out through a questionnaire with objective and subjective questions, the same was applied online through the use of google forms, it is composed of 13 questions (11 objective and 2 subjective). For this study, an analysis was made of the responses of 01 educational institution, which had the participation of 73 high school students, of this number only 40 students answered the question: Do you have a suggestion to end bullying? The collected data were analyzed through Critical Discourse Analysis (ADC), showing the identification of language as an essential component of everyday life that dialectically connects to other social elements. Hannah Arendt's contributions on the banality of evil were used as a theoretical contribution to understand the dynamics of the perpetuation of violence as an act of depoliticization of man. As a result, the students' responses translate the symbolic discourses found in the school context, with responses that suggest a critical view on the occurrence of bullying in their daily lives, but also with responses that reproduce violence and oppression of victims as well as aggressors. Corroborating with the critical sense of ADC, Arendt's concept of the banality of evil complemented the analysis of students' hate speech in the face of bullying situations and provided opportunities for reflections in order to foster emancipatory dialogues through the awareness of society's problems.

Keywords: Bullying; Critical Discourse Analysis (ADC); Violence; Banality of Evil; Teaching.

1. Introdução

Este estudo é um delineamento das produções e ações do Grupo de Pesquisa Humanidades e Sociedade Contemporânea, do IFMT (GPHSC). O grupo tem se dedicado a estudar o fenômeno do bullying desde agosto de 2016 e as pesquisas produzidas corroboram no sentido de fomentar reflexões de forma interdisciplinar, para executar ações de combate ao bullying na comunidade escolar.

O GPHSC é registrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) há dez anos e a pesquisa “Violação dos Direitos Humanos e Bullying no contexto escolar: diagnóstico e proposta de intervenção com base no empoderamento dos estudantes”, foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com o CAAE: 60165016.0.0000.5165/ Número do Parecer: 2.110.377.

O GPHSC aplicou uma pesquisa em algumas escolas públicas e privadas dos Estados de Mato Grosso e Minas Gerais como forma de identificar como ocorre, como é compreendido e como é combatido o fenômeno do bullying entre os estudantes dessas regiões, com vistas ao empoderamento.

A emancipação do sujeito é fomentada por intermédio de atitudes que o colocam como protagonista de suas ações e responsabilidades, para isso, é necessária uma tomada de consciência não só de si e de suas razões de ser, como também das situações de discriminação, injustiça, violência velada e desigualdades da sociedade em que se está inserido (Harari, 2018).

Com o objetivo de identificar discursos emancipados como também opressores acerca do bullying, a pesquisa se delineou metodologicamente em uma abordagem qualitativa, lançando mão da Análise de Discurso Crítica (ADC), de Fairclough, para análise das respostas colhidas.

No ensejo de captar o mundo de significados dos participantes foi aplicado questionário on-line para os estudantes, e este trabalho analisou as respostas da seguinte pergunta: Você tem uma sugestão para acabar com o bullying? E as respostas dos estudantes traduzem os discursos simbólicos encontrados no contexto escolar, com respostas que sugerem uma visão crítica sobre a ocorrência do bullying em seu cotidiano, mas também com respostas reprodutoras de violência e opressão das vítimas e também dos agressores.

As respostas que reproduzem um discurso de violência sugerem formas de combater o bullying por meio de punições, perpetuando a máxima de “combater violência com violência”. O enquadre da ADC proposto por Fairclough (2010) tem o objetivo de “refletir sobre a mudança social contemporânea, sobre mudanças globais de larga escala e sobre a possibilidade de práticas emancipatórias em estruturas cristalizadas na vida social” (Resende & Ramalho, 2017, p. 35).

Nesse sentido, utilizou-se como aporte teórico as contribuições sobre a banalidade do mal, de Hannah Arendt, para compreender a dinâmica da perpetuação da violência como um ato de despolitização do homem.

1.1 Caracterização do Bullying

A escola é cenário de discursos simbólicos que traduzem uma ideologia social. A que se trata neste estudo se direciona para utilização da violência como instrumento de repressão do discurso de empoderamento dos sujeitos (Paoliello & Fernandes, 2020).

Existem vários tipos de manifestação de violência na escola, dentro da sala de aula o professor e o estudante possuem suas subjetividades, uma síntese particular e individual que se constitui e desenvolve conforme as experiências da vida social e cultura (Bock et al., 2018).

No cotidiano da vida escolar, realizando atividades nem sempre prazerosas, com um clima institucional nem tanto democrático, algumas relações se tornam mais difíceis, o que não caracteriza um problema, mas é um terreno fértil para geração de conflitos.

Assim, nem todo ato de violência encontrado na escola pode ser denominado de bullying (Medeiros, 2012). “Nem toda violência é considerada bullying, porém todo bullying é uma forma de violência.” (Silva, 2019, p.17).

O Bullying é um termo inicialmente estudado por Olweus, na Noruega, em 1993, após o suicídio de 3 adolescentes que vivenciaram sistematicamente tal violência na escola. No sentido de que o termo bullying não seja mais uma forma de violência banalizada, faz-se necessário entender como ele se caracteriza e se manifesta. No Brasil, a Lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015, formaliza o tema bullying como um “ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas”, ou entendido como “intimidação sistemática” (Brasil, 2015, p. 2).

Como toda violência tem o objetivo de causar sofrimento a alguém, com o bullying não é diferente, no entanto, ele se caracteriza pela intimidação sistemática e pela repetição do ato de violência em situações em que há desequilíbrio de poder.

Dessa forma, as situações de bullying não são somente decorrentes da sociedade, mas uma reprodução das dinâmicas que se estabelecem em seu interior, se fosse unicamente uma consequência dos problemas sociais, a escola se isentaria de refletir e agir sobre os processos de produção e enfrentamento dos conflitos. A violência na escola não é nova, inicialmente eram empregados castigos corporais e rígida disciplina, atualmente é diversificada que vai desde o atentado à própria vida, vandalismo, insultos, xingamentos a um estado de ameaça constante dos sujeitos que compõem a comunidade escolar (Abramovay, 2006).

1.2 A Banalidade do Mal

O conceito de banalidade do mal é encontrado na obra Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal (1983), de Hannah Arendt. Nessa obra, a autora não se desdobra em fazer uma teoria filosófica em torno do conceito, mas sim uma “formulação do problema do mal” (Souki, 1998, p. 12) e sua influência na subjetividade humana em tempos totalitários, que pode se estender ao cenário político e social dos dias atuais.

O mal, para Arendt, com base epistemológica em Kant, não é algo inerente ao homem, não faz parte da sua natureza, senão o homem seria essencialmente mal, deixa de lado a visão antológica do termo e se preocupa em entender as contingências em que o indivíduo pratica o mal (Souki, 1998).

Para entender as contingências do surgimento do mal, é necessário compreender o conceito de liberdade para Arendt. Ela entende que a liberdade “está na autonomia da vontade” (Souki, 1998, p. 44), ou seja, o ser humano tem o potencial de sempre iniciar novas alternativas e novas proposituras diante dos desafios diários, “ a liberdade se refere à capacidade humana de iniciar, já que o homem mesmo é o começo.” (Souki, 1998, p. 44).

Nesta tratativa, quando se discute liberdade, trazemos à tona também o “conflito do bem e o mal moral” (Souki, 1998, p. 44-45). Arendt descreve que a existência dos dois é fato no cotidiano, no entanto, a condição para se resistir ao mal reside no exercício de pensar sistematicamente sobre si mesmo em um determinado contexto, avaliando as próprias particularidades e as dos outros, a isso ela denomina como o surgimento do juízo, “capacidade que julga particularidades sem subsumi-las a regras gerais” (Souki, 1998, p.10).

A liberdade do pensamento, bem como o desenvolvimento de um juízo para combater o mal perecem em nossa sociedade contemporânea, pois a busca pelo poder se torna uma questão hegemônica e ideológica, um totalitarismo velado, não para o domínio dos homens e sim para a “anulação da individualidade e da espontaneidade, de forma que seja eliminada a capacidade humana de iniciar algo novo com seus próprios recursos” (Souki, 1998, p. 12), um processo de coisificação do homem.

Neste sentido, vivencia atualmente, como nos tempos de Arendt, a banalização do mal. O uso do banal não pode ser confundido com o estar acostumado a conviver com a violência, mas sim, pelo fato do mal estar intrínseco em contingências históricas. A banalidade seria uma forma de perceber a realidade de forma superficial, com o objetivo de omitir o “verdadeiro escândalo” (Souki, 1998, p. 62): o homem despersonalizado, coisificado.

O mal foi estudado por Arendt porque, para entendê-lo, precisamos pensar no conceito de liberdade como elemento de transformação na nossa sociedade. Fomentar o protagonismo jovem para reflexão das situações de bullying dentro de um sistema de garantia de direitos é uma ação promotora da autonomia do pensamento e da consciência política.

2. Metodologia

A pesquisa é de natureza qualitativa. Por meio dela pretendeu-se examinar, entender e esclarecer discursos emancipados e também opressores acerca do bullying, com vistas a propor interpretações e ações que compreendam e combatam esse tipo de violência na escola.

A pesquisa qualitativa se preocupa em investigar o “universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço que não pode ser reduzido à operacionalização das variáveis” (Minayo, 2012, p. 21-22).

A utilização do método qualitativo justifica-se pela demanda de observar os indivíduos em seus cenários relacionais de forma espontânea, com o objetivo de entender o jeito como as relações naturalmente se expressam e descrever sobre o que é importante para os indivíduos, como pensam sobre suas ações e as dos outros (Mota, 2017).

Para a coleta de dados foi elaborado um questionário com perguntas objetivas e subjetivas, o mesmo foi aplicado de forma on-line, por meio do uso do google forms, após o devido aceito do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelo responsável do estudante. O questionário era composto por 3 questões (11 objetivas e 2 subjetivas). Para este estudo foi feita análise das respostas de 01 instituição de ensino, que tinha o quantitativo de participação de 73 estudantes do ensino médio. Deste número, somente 40 estudantes responderam à pergunta: Você tem uma sugestão para acabar com o bullying?

O uso do questionário dentro da pesquisa qualitativa possibilita a apreensão das percepções dos entrevistados acerca da realidade que os cerca, “o objetivo da entrevista qualitativa é ouvir e compreender o que os entrevistados pensam e dar a eles a voz pública” (Mota, 2017, p. 20).

Os dados coletados serão analisados por intermédio da Análise de Discurso Crítica (ADC), que foi desenvolvida por Norman Fairclough e se baliza na identificação da linguagem como componente essencial do cotidiano que se conecta dialeticamente a outros elementos sociais (Resende & Ramalho, 2017).

A ADC é um método utilizado na pesquisa social e é também uma corrente teórica. Preocupa-se com a análise de discursos do cotidiano e oportuniza o pesquisador a

Refletir sobre os problemas sociais e, principalmente, questionar a existência de pessoas que vivem em situação de inópia, enquanto outras em contexto de abastança. Assim, o pesquisador crítico carrega a missão de se preocupar com um trabalho de investigação que possa contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas que se encontram em situação de desigualdade social (Mota, 2017, p. 27).

Em um primeiro momento, na ADC, identificam-se no discurso as falas de injustiça social, para posteriormente elencar os problemas, construindo formas de emancipação por meio da contestação da realidade macrossocial sob a ótica da criticidade. (Mota, 2017). Para pesquisadores do discurso, a perspectiva funcional do uso da linguagem traduz as interrelações sociais e as estruturas que confirmam ou contestam as hegemonias. Assim, a ADC é uma abordagem transdisciplinar que rompe barreiras epistemológicas, aproximando teorias em torno da análise dos discursos sociais (Resende & Ramalho, 2017).

Posto isso, para a operacionalização da ADC, Fairclough (2010) propôs um enquadre técnico de seu método por meio de estágios. A primeira ação para análise crítica é o movimento de identificar um tema de pesquisa em que se articulem e/ou se evidenciem problemas sociais, apontando eventos que se relacionem com a política nacional e fatos globais.

O segundo estágio é a identificação de como as práticas sociais estão estruturadas e como essa organização evidencia assimetrias de poder. Para tal, o autor aponta a necessidade de proceder com alguns passos:

O primeiro passo consiste em analisar as relações dialéticas entre semiose e outros elementos: ordens de discurso e outros elementos da prática social, bem como textos e outros elementos dos eventos. O segundo passo versa em selecionar textos, focalizar e categorizar para a análise deles à luz da constituição do objeto de pesquisa apropriado. O terceiro implica desenvolver a análise de textos de forma interdiscursiva e semiótica/linguística (Mota, 2017, p. 24).

O terceiro estágio, após o exercício de reflexão de como as assimetrias de poder estão enraizadas nos discursos e eventos das práticas sociais, é a etapa de questionar qual é o interesse por trás do problema não resolvido. O quarto estágio é a identificação de discursos que apontam a superação dos obstáculos elencados no segundo estágio.

Os problemas sociais cotidianos são preocupações fundamentais do pesquisador, este reflete sobre as mazelas do dia a dia, contextualizando situações de desigualdade social, econômica e cultural de nossa realidade, por isso, o foco na melhora da qualidade de vida das pessoas em situação de vulnerabilidade é uma missão do pesquisador, que, de forma multidisciplinar, valoriza os diversos olhares sobre o mesmo problema. (Mota, 2017).

A apresentação da análise dos resultados dos dados colhidos na pesquisa irá refletir sobre as mudanças que vêm ocorrendo na sociedade, influenciadas pelo processo de globalização, objetivando repensar formas de produção de um discurso emancipatório que rompa com paradigmas cristalizados (Resende & Ramalho, 2017).

3. Análise dos Resultados

Em resposta ao questionamento: Você tem uma sugestão para acabar com o bullying? foi identificado que entre os adolescentes entrevistados a punição e atos de violência ainda permanecem como a única solução para combater formas de bullying, e diante desse fato, questiona-se: quais problemas sociais os discursos de violência traduzem?

Ao todo, 40 estudantes responderam às perguntas, dentre essas respostas, 13 apresentaram um discurso de ódio e 27 apontam uma perspectiva de um novo olhar para o problema do bullying baseado na resolução coletiva do problema.

3.1 A Naturalização da Violência

Acho que isso é de criação de cada um, não há uma receita para acabar com as ofensas e humilhações”.

O entrevistado, nessa frase, conclui que não existe nenhuma forma de acabar com o bullying na escola, porque isso é uma postura individual, que se aprende desde pequeno e não muda.

Outro entrevistado respondeu: “As pessoas receberam ensinamentos desde o início sobre o certo e o errado”.

As duas visões acerca do fato de “combater o bullying” apresentam um discurso pautado na naturalização da violência como algo intrínseco ao homem e suas relações sociais. O homem convive com cenas de violência desde muito tempo, mas essa convivência não deve ser algo afável aos olhos, a postura de indignação sempre há de existir.

A violência surge quando não há diálogo (Abramovay, 2006). Opiniões podem divergir, no entanto, uma não sobressai à outra, pois cada um traz consigo percepções dos fatos de forma diferente. Na fala de Arendt, o diálogo é um ato político, um ato de compreensão e uma ação frente ao desafio, pois o homem em estado de liberdade cria novas possibilidades (Souki, 1998).

O discurso dos entrevistados reflete as ideologias da sociedade atual. Em um contexto neoliberal existe a busca pela realização dos objetivos particulares em detrimento dos coletivos, para isso se dissemina um discurso fatalista acerca da violência, almejando a concordância e a submissão, mantendo o controle e produzindo injustiças sociais.

A naturalização da violência mantém as assimetrias de poder, quando refere-se ao bullying, essas violências se apresentam em sua maioria como incivilidades: uma brincadeira sem graça, a exclusão de um colega de uma classe social vulnerável dos trabalhos em grupo, piadas, ofensas (Silva, 2019).

Não é uma violência física, é a violência velada e sistemática da intolerância ao diferente, e na ideologia neoliberal é algo que não pode ser combatido, o que é diferente permanecerá sendo repudiado, busca-se a homogeneidade de um povo que sempre vai ser heterogêneo, criando um terreno fértil à continuidade de atos de violência.

“Quem te zoar, bate até sair sangue do nariz, assim será zoado”; “Extermínio”; “Pena de morte”.

Discursos ressoam o mal inculcado, naturalizam a violência e perpetua-se o discurso de ódio. O combate do mal com o mal é a ponta do iceberg de uma estrutura social que cria a necessidade de controle para a manutenção da ordem e poder, produzindo assim uma ir(realidade) de uma violência como fatalidade da vida, em que nada pode ser feito, a não ser reproduzir o ódio (violência).

3.2 Sujeitos Heterônomos e Vazio do Pensamento

Isso depende da sociedade” “Não faço ideia”

Uma resposta descreve que o combate ao bullying depende da sociedade e a outra relata não saber o que fazer para combater. Mesmo não indicando nenhuma ideia para trabalhar o bullying em sua escola, o discurso representa ideologias de poder.

A heteronomia acontece quando o sujeito obedece cegamente ao discurso vindo de fora para tomada de suas decisões e terceiriza a responsabilidade de controlar a sua vida, de “determinar-se a si mesmo” (Souki, 1998, p. 5).

O ser heterônomo é consequência de uma conjuntura social que necessita controlar para manter o poder, isso resulta em um sujeito com vazio de pensamento.

Ao proteger os indivíduos contra os perigos da investigação, ensina-os a aderir rapidamente a tudo o que as regras de conduta passam a prescrever em determinada época para uma determinada sociedade - essa ausência induz ao conformismo. Essas são as contingências que obrigam o homem a não pensar e, ao mesmo tempo, a se submeter (Souki, 1998, p. 123).

O vazio do pensamento é resultado da coisificação do homem, transformado em uma massa atomizada e amorfa que não tem consciência da sua realidade e dos reais problemas por trás dos fatos cotidianos.

A escola como espaço institucionalizado e controlada por ideologias de poder, em pequenas ações não estimulam a liberdade de pensamento autonômo:

“As nossas escolas se preocupam muito com vestimentas ao invés de se ligarem nas relações sociais entre os alunos”.

Essa resposta demonstra um exemplo de pequena ação cotidiana de opressão dos estudantes, a escola se preocupa com a vigilância das vestes e não com as interrelações. A adolescência é uma fase de descoberta da própria identidade, um broche na camiseta do uniforme demonstra uma personalidade, e essa necessidade de ser diferente do comum faz parte do processo identitário. Portanto, no discurso, encontramos a necessidade de homogeneizar o estudante como forma de controle, como também o desvio de problemas mais estruturais (potencialização do diálogo para convivência social) para elementos desnecessários no momento.

E quando o sujeito é submetido ao processo de heteronomia do pensar, ele se isenta de qualquer responsabilidade no combate ao bullying, como se essa violação de direitos tivesse que ser resolvida somente por outras pessoas que não seja ele.

“Minha sugestão teria que ter mais conversas com discentes para que amenize a situação”.

“Penalidades, cobranças, cuidados e mais atenção de todos, talvez colocando monitores em sala para supervisionar”.

Nessa fala fica muito claro o vazio de pensamento, de acordo com os postulados de Arendt. No cotidiano da escola existem conflitos o tempo todo, o “jogar” a responsabilidade de controlar qualquer desentendimento para monitores não estimula a própria capacidade do adolescente em solucionar conflitos e cria-se um indivíduo heterônomo. O isentar-se da responsabilidade é um movimento particular do indivíduo que não surge do nada, mas de discursos cotidianos que não estimulam a autonomia, portanto, os discursos aqui apresentados não representam somente as falas dos entrevistados, mas sim de uma sociedade com seus objetos de controle como um todo.

3.3 Discursos Emancipadores

“Realização de palestras que promovam mais aproximação do público discente com estes temas, bem como a externalidade destas questões em debates abertos a questionamentos. Também a criação de um grupo de apoio que passou por este tipo de problema, com acompanhamento filosófico, sociológico e psicológico”.

“A conscientização da sociedade como um todo, principalmente das crianças, para que aprendam a lidar com as diferenças de outrem”.

As duas contribuições dos entrevistados apontam um discurso emancipatório, com proposituras contextualizadas. As respostas apontam que o bullying precisa ser combatido de forma multidisciplinar e com todos os públicos, oportunizando espaços de falas para todos, e demonstram, principalmente, um entendimento sobre o real problema do bullying: a intolerância ao diferente.

Em uma luta de resistência, muitos atores sociais têm se dedicado a estudar os problemas sociais por trás dos discursos, e respostas como estas traduzem esforços de um coletivo que busca contribuir com uma sociedade mais igualitária.

4. Considerações Finais

As representações subjetivas de um coletivo acerca do mundo em que se vive e das suas relações com ele são um terreno fértil para identificação de injustiças sociais, sendo um problema a ser investigado. Assim, este estudo propôs-se a identificar discursos emancipados e também opressores acerca do bullying e tal investigação foi viabilizada metodologicamente através da pesquisa qualitativa.

A pesquisa qualitativa oportunizou a investigação do mundo de significados dos indivíduos, e aqui utilizou-se da Análise de Discurso Crítica como ferramenta para entender esses significados, porque contribui com uma visão contextualizada dos problemas sociais. A ADC possibilitou que este estudo ultrapassasse a barreira do discurso como palavras emitidas para discursos que traduzem histórias de desigualdade social, injustiças e sofrimento.

Corroborando com o senso crítico da ADC, o conceito de banalidade do mal, de Arendt, complementou a análise do discurso de ódio dos estudantes diante de situações de bullying e oportunizou reflexões no sentido de fomentar diálogos emancipatórios através da consciência das mazelas da sociedade.

Os pressupostos da pesquisa qualitativa, oportunizam perceber a realidade em suas subjetividades diferenciadas, voltando o olhar para um homem que é integral, mas no entanto, o pesquisador com sua percepções próprias, pode incorrer no risco de pontuar olhares que traduzem mais a si do que a realidade vivenciada, por isso se faz necessário a utilização de metodologias e técnicas em investigação qualitativa que dão a propriedade de ciência ao conhecimento qualitativo. Esse estudo discorreu um pouco sobre a técnica da ADC como uma técnica de análise de dados qualitativos, oportunizando uma análise sistematizada de discursos.

Com o estudo foi possível identificar possibilidades de mudanças na realidade escolar, estas advindas de ações coletivas e interdisciplinares, pautadas no protagonismo jovem como forma de contextualizar a temática da violência escolar de acordo com a realidade local e assim possibilitar formas de mitigação da mesma, através da formação de estudantes críticos acerca da sua realidade, viabilizando assim, a leitura das situações de dominação social e despolitização do homem.

Este tema não se esgota aqui, outras reflexões são necessárias para que todos se mantenham críticos aos acontecimentos cotidianos, em uma tentativa de não se afogar no mar de ideologias inculcadas em nós o tempo todo.

5. Referências

Abramovay, M. (2006). Cotidiano das escolas: entre violências. UNESCO. [ Links ]

Bock, A. M. B., Furtado, O., Teixeira, M. de L. T. (2018). Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. (15 ed.). Saraiva. [ Links ]

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Harari, Y. (2018). 21 lições para o século 21. Companhia das Letras. [ Links ]

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Souki, N. (1998). Hannah Arendt e a banalidade do mal. UFMG. [ Links ]

Recebido: 18 de Março de 2021; Aceito: 28 de Abril de 2021

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