1. Introdução

No dia 12 de março de 2020, devido à situação de saúde pública pela pandemia da Covid-19, a Exma. Reitora da Universidade de Brasília (UnB), Profa. Márcia Abrahão assinou o Ato 0392/2020, suspendendo as atividades administrativas e acadêmicas presenciais e, constituiu o Comitê Gestor do Plano de Contingência da Covid-19 da UnB, Coes, composto por especialistas da Saúde, da Educação e da Administração, para pensar nas ações de enfrentamento da pandemia que culminaram na retomada das aulas no modo online/remoto” (^{Conceição et al., 2020}, p. 247, no prelo). Imediatamente, formou-se uma rede, em que os professores, se mobilizaram para ajudar uns aos outros; “aqueles com mais experiência com as ferramentas do Moodle Aprender 3, por exemplo, passaram a capacitar outros colegas, mesmo sem conhecê-los pessoalmente”. Segundo Conceição e Pires, “o novo formato motivou para a atualização das aulas clássicas do ensino presencial e, acrescentou que ainda não há a mensuração total dessa aprendizagem, mas é excepcional; não somente nós professores aprendemos mas os alunos também ganharam muito no processo de aulas online (^{Conceição & Pires, 2020, p. 1}). Diante desse novo formato de sala de aula virtual, foi necessário desenhar a organização dos conteúdos distribuidos em aulas síncronas e assíncronas, respectivamente, aquelas em que o professor e o aluno compartilham o mesmo espaço na plataforma escolhida e aquelas onde os estudantes realizam as tarefas ao seu tempo, sem a presença de outros colegas ou do professor (^{Prata, 2020}).

Nos últimos anos, as ferramentas tecnológicas para o uso nas salas de aula, tanto tradicionais quanto virtuais (atuais) têm recebido a atenção dos educadores e pesquisadores do mundo todo (^{Choudhury et al., 2016}; ^{González, 2018}; ^{Ha, 2020}; ^{Herrada et al., 2020}; ^{Muir et al., 2020}; ^{Papadopoulos et al., 2018}; ^{Slipukhina et al., 2020}). O sistema tecnológico denominado de Avabodhaka, um software com links destinado a realização de tarefas e download de arquivos, como por exemplo, documentos, áudios e vídeos e permitem que os estudantes postem as suas perguntas para o professor, de forma anônima e instantânea, foi utilizado por pesquisadores indianos, com boa aceitação pelos alunos. Um estudo empírico, com um grupo de estudantes, mostrou a boa aceitabilidade do Avabodhaka e identificou a necessidade de melhorias na latência do streaming das atividades que dependiam do aúdio (^{Choudhury et al., 2016}).

Socrative é outro exemplo de software bastante utilizado, ultimamente, como apoio didático por professores de diversas áreas do conhecimento, podendo ser baixado tanto para o computador quanto para o smartphone, a partir do registo no site https://www.socrative.com/plans/#login. A versão gratuíta nos permite trabalhar com uma sala de até 50 participantes. Para que os estudantes possam participar da atividade devem receber o código da sala, enviado pelo professor. O Socrative oferece uma ampla gama de possibilidades para criar tarefas e gerenciar as atividades. As tarefas podem ser questionário com questões do tipo verdadeiro ou falso; múltipla escolha ou ainda resposta curta; as quais podem ser gerenciadas no “ritmo do professor” ou no “ritmo do estudante”. Na primeira escolha, o professor lança as questões e as controla da sua tela de tal forma que os estudantes as visualizem. Além disso, o professor tem a opção de inserir imagem para as perguntas e armazenar os questionários para compartilhar com equipes de trabalho (^{Cerqueiro & Harrison, 2019}). ^{Cerqueiro e Harrison (2019)} usaram o recurso de duas modalidades do Socrative; a “controlada pelo professor” e a de “games”; para avaliar 68 estudantes do curso de Licenciatura em Pré-Escola da Faculdade de Educação da Universidad de Castilla-La Mancha (UCLM/Toledo/España). Os resultados mostraram que as duas modalidades foram atrativas para os estudantes e colaboraram como uma ferramenta de avaliação formativa, principalmente, pelo feedback imediato.

Ainda em relação ao uso de plataformas tecnológicas, como uma forma de recurso didático, ^{Christianson (2020}) utilizou o Socrative, como uma ferramenta de aprendizagem ativa, na sala de aula online, nesse período de pandemia da Covid-19. Os comentários da avaliação dos estudantes indicaram que o uso do Socrative, para a aprendizagem de Química Geral, pode ser uma ferramenta útil na sala de aula remota e interativa.

Ainda no contexto do uso do Socrative, ^{Domingos e Recena (2010)} realizaram uma pesquisa, com abordagem qualitativa, para trabalhar os conteúdos de funções orgânicas oxigenadas e nitrogenadas. As professoras utilizaram como instrumentos de coleta de dados a observação e a gravação, em vídeos, das aulas em que houve o desenvolvimento das atividades e dos materiais produzidos pelos estudantes. As apresentações seguiram com perguntas e respostas de cada vídeo, permitindo concluir que houve a oportunidade, para os alunos, de reestruturação dos esquemas de assimilação e acomodação no processo de ensino e aprendizagem, possibilitando a construção dos conhecimentos em química orgânica (^{Araújo Domingos & Piazza Recena, 2010}).

Este estudo teve o foco qualitativo. ^{Tejedor (2020}) considera a pesquisa qualitativa como uma pesquisa ativa, devido, principalmente, aos paradigmas, como interpretativo e o sócio-crítico. O primeiro está alicerçado às correntes humanisticas que se concentram nas análises dos significados das ações humanas e o segundo, o sócio-crítico, se encontra nas bases das escolas como, por exemplo, Frankfurt, Freire dentre outras (^{Tejedor, 2020, pp. 9-15}).

A motivação da equipe baseou-se em dois pontos: explorar o uso do Socrative, como apoio didático aos estudantes da disciplina de Química Orgânica, nas aulas online, planejadas na sala virtual do Moodle Aprender 3 e conhecer a opinião dos estudantes sobre o uso dessa ferramenta tecnológica como recurso de avaliação formativa no período de aulas online.

2. Metodologia

2.3 Método e Estatísticas Textuais

Os dados foram analisados por meio de análise de conteúdo categorial (^{Bardin, 1977}). Para tanto, o software IRAMUTEQ (versão 0.7 alpha 2) foi utilizado como uma ferramenta para auxiliar nas etapas de tratamento e interpretação da análise de conteúdo, bem como recuperação de trechos de fala aderentes às temáticas abordadas. O uso do software IRAMUTEQ é indicado para a sofisticação de análises textuais (^{Camargo & Justo, 2013}). É um software livre baseado na linguagem estatística do software R, possibilitando cálculos de base estatística em material qualitativo (Ratinaud, 2014). Atualmente, possui dicionários ativos em diversas línguas como inglês, francês, espanhol e português.

O Corpus textual analisado foi codificado conforme orientações presentes em manuais oficiais do IRAMUTEQ (^{Camargo & Justo, 2018}; Salviati, 2017). Foi composto de 34 diferentes textos de língua portuguesa e contou com o total de 3.455 ocorrências de 841 diferentes formas lexicais. Optou-se pela lematização do corpus textual, ou seja, o software realizou o processo de deflexionar as formas lexicais para determinar lemas. Assim, formas como “gostei”, “gostaria” e “gostaríamos” foram consideradas diferentes ocorrências da forma “gostar” (^{Camargo & Justo, 2013}). Destaque-se que foram adicionadas como ativas na análise apenas formas nominais e adjetivas para processamento via IRAMUTEQ. Tal escolha se deu em atenção à necessidade de maior relevância semântica para o entendimento do contexto. As demais formas permaneceram como suplementares.

Foi realizada uma análise de similitude para compreender o modo como se agruparam as diferentes percepções dos estudantes sobre a plataforma Socrative. Essa análise possui suas bases na teoria dos grafos e, no contexto do IRAMUTEQ, apresenta um grafo que demonstra a forma como as palavras de um determinado corpus textual se relacionam (Salviati, 2017). Além disso, apresenta as comunidades de palavras presentes em diferentes temáticas. Para a análise de similitude, foram consideradas as 50 palavras mais frequentes no corpus analisado. A contabilização de frequência foi realizada pelo próprio software IRAMUTEQ, variando da forma “questão” com frequência 65 e “silêncio” com frequência 3.

Após, foram selecionados diferentes trechos de fala como evidências empíricas de interpretações postas. Tais trechos foram selecionados conforme aderência à categoria de discussão e presença das principais palavras de cada temática representada. A partir da interpretação da análise de similitude foi possível compreender com profundidade o conteúdo derivado das percepções dos alunos sobre vantagens, contribuições e dificuldades relacionadas ao uso do Socrative. Assim como agrupar sugestões de melhoria para o uso do software em aulas virtuais futuras. Finalmente, organizou-se uma tabela que consolida os trechos de fala escolhidos para representar as evidências empíricas das interpretações postas no presente estudo. A Figura. 1 ilustra as etapas da pesquisa.

Figura 1: Esquema ilustrativo das etapas do método do estudo: (a) orientação do estudo assíncrono no Aprender 3; (b) exemplo da aula síncrona com o uso do Socrative; (c) Aplicação do Questionário para conhecer o grau de satisfação dos estudantes com o Socrative. 

3. Resultados

Análise de similitude: A análise de similitude representada na Figura 2 revela as diferentes temáticas tratadas no corpus textual analisado. De início, as comunidades de palavras destacadas em lilás e amarelo na análise de similitude ressaltam as vantagens percebidas pelos estudantes com o uso do Socrative em exercícios no contexto virtual.

A comunidade lilás possui ênfase nas vantagens relacionadas à realização de exercícios pelo Socrative, enquanto a comunidade amarela foca as vantagens em relação à dinâmica das aulas síncronas em geral. Diversos foram os relatos apontando a dinamicidade e diferenciação da plataforma, assim como facilitação do aprendizado, melhor assimilação de conteúdo e melhor interação em aulas síncronas. Tais resultados reforçam a importância do uso de ferramentas dinâmicas para avaliação em aulas no contexto virtual, haja vista que essas podem potencializar o interesse e participação dos estudantes nas atividades.

As dificuldades percebidas pelos estudantes estão demonstradas na comunidade de palavras destacada em verde. Nesse caso, revelaram-se duas discussões distintas. Primeiramente, diversos foram os relatos de estudantes que não apontam quaisquer dificuldades e ressaltam o potencial do Socrative em contribuir com a fixação do conteúdo da disciplina, em especial no que se refere a nomenclaturas e compostos. Porém, outros relatos ressaltam dificuldades de acesso devido a conexões ruins à internet, problemas com o próprio computador e erros advindos do uso conjunto do Socrative e a plataforma utilizada pelo professor para realização da aula síncrona.

Como consequências diretas das dificuldades percebidas, as comunidades de palavras destacadas em vermelho e azul escuro focam as sugestões postas pelos estudantes para melhor utilização da plataforma no futuro. Relatos apontam a necessidade de disponibilização de mais tempo para resposta das questões colocadas nos exercícios, assim como silêncio dos colegas e do próprio professor na condução da atividade durante aulas síncronas. Essa última sugestão foi colocada, haja vista a necessidade de concentração para realizar os exercícios. Ainda, os estudantes sugeriram que fossem realizados testes inicias, sem o propósito de atribuição de notas, com o objetivo de ambientação no Socrative. Não obstante, foi destacado o papel da plataforma em possibilitar a aproximação de aluno e professor no contexto virtual.

A comunidade azul claro apresenta a percepção dos estudantes sobre contribuições relacionadas ao uso da plataforma Socrative. Algumas contribuições colocadas foram a facilitação no conhecimento de nomenclaturas, fixação do conteúdo apresentado na aula e possibilidade de aprendizado com a análise de questões certas e erradas de forma mais interativa. Avalia-se que os estudantes apresentaram percepções positivas sobre o uso do Socrative em ambiente virtual. As dificuldades e sugestões relatadas não se referem diretamente à plataforma, mas sim a adaptações na dinâmica de aula que podem facilmente ser realizadas.

Figura 2: Análise de similitude. 

De modo a complementar a análise dos resultados de similitude, a Tabela 1 ilustra os trechos de falas selecionados como evidências empíricas. Nessa compilação, foram considerados o contexto da categoria a que se refere as falas. Foi possível observar que a plataforma Socrative se apresenta como uma opção para a interação entre estudantes e professor no contexto de aulas virtuais; além de ser uma ferramenta com forte potencial de aumentar o interesse dos estudantes durante aulas síncronas.

Tabela 1: Trechos das falas dos estudantes distribuídos em categorias e evidência empírica. 

4. Conclusões

As duas características mais atraentes do Socrative são pela facilidade de uso, tanto para os professores quanto para os estudantes, bem como pelo fato de ser gratuito e poder ser baixado no smartphone, no tablet ou no laptop. O estudo mostrou-se promissor para o uso do Socrative como uma ferramenta de avaliação formativa dos estudantes matriculados na disciplina de Química Orgânica. Por outro lado, devemos tomar o cuidado de oferecer essa ferramenta, também, no modo assíncrono, para permitir que todos os estudantes possam realizar a avaliação, sem ter prejuízos causados por eventuais problemas como, por exemplo, a falta de internet ou da disponibilidade do computador, no momento da aula síncrona. Dessa forma, o Socrative poderá ser previamente configurado para uma atividade assíncrona, com o tempo necessário para receber as respostas e dar o feedback. O intuito é que a plataforma Socrative funcione potencializando a interação e dinamicidade das aulas e evitando o eventual distanciamento de estudantes em diferentes condições de acesso. O contexto pandêmico atual pede por novas dinâmicas, bem como novas formas de avaliação no ensino remoto e a utilização da plataforma Socrative apresentou potencial em manter o interesse dos estudantes participantes da presente pesquisa. No entanto, apesar das potencialidades do uso do Socrative em aulas virtuais, há se de considerar as diferenciações em termos materiais e até mesmo sociais da turma em vias de garantir a acessibilidade de todos.