1 Introdução
O Brasil tem vivenciado um rápido processo de transição demográfica trazendo consigo novos desafios à saúde pública, dentre eles, a dependência de álcool, que está associada
a indivíduos mais jovens, porém dados indicam que este quadro vem aumentando entre idosos simultaneamente ao crescimento dessa população, sendo cada vez mais reconhecido com um problema de saúde pública (Chagas et al., 2019).
Acontecimentos no decorrer da vida dos idosos como aposentadoria, desemprego, perda de familiares e amigos, solidão e isolamento social, podem deixá-los vulneráveis a adoção de hábitos nocivos, como o consumo abusivo de álcool (Adayonto et al., 2019; Chagas et al., 2019).
Devido a alterações inerentes ao processo de envelhecimento, os malefícios à saúde física, mental e social decorrentes da dependência de álcool são piores nos idosos, embora seus casos sejam pouco identificados sendo imperativo a implementação de ações de enfrentamento à essa problemática. O Programa do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas estabelece que a assistência a usuários de álcool deve ser oferecida em todos os níveis de atenção, privilegiando os cuidados em dispositivos extra-hospitalares, devendo estar inserida na atuação do Programa de Saúde da Família (Adayonto et al., 2019; Abreu et al., 2017; Brasil, 2003).
Neste cenário, os serviços da Atenção Primária à Saúde (APS), se apresentam como de suma importância para aplicação de estratégias de enfrentamento ao consumo abusivo de álcool. A utilização de técnicas terapêuticas concisas e de curta duração na APS como triagem para consumo de álcool e Intervenção Breve (IB) possuem benefícios comprovados na população idosa, facilidade de execução e redução de gastos em serviços de saúde, porém apresentam barreiras para sua implementação (Abreu et al., 2017; Finn et al., 2018; Pereira et al., 2013).
Nesse contexto, este estudo tem como objetivo analisar as evidências literárias sobre as ações de prevenção e intervenção para o idoso dependente de álcool nos serviços de APS.
2 Método
Trata-se de uma Revisão Integrativa da Literatura, (RIL), método desenvolvido em seis etapas: 1) identificação do tema e seleção da hipótese ou questão de pesquisa; 2) estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão de estudos; 3) definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados/categorização dos estudos; 4) avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa; 5) interpretação dos resultados e
6) apresentação da revisão/síntese do conhecimento (Souza et al., 2010).
Para a elaboração da pergunta de pesquisa, este estudo seguiu as recomendações do Joanna Briggs Institute para pesquisas qualitativas, utilizando-se da estratégia PICo, acrônimo para P: População; I: Interesse; Co: Contexto (Briggs, 2014). Assim, a questão norteadora foi: Quais as ações de prevenção e intervenção à dependência de álcool ao idoso na Atenção Primária à Saúde? A estratégia PICo foi empregada da seguinte forma: P: Idosos dependentes de álcool; I: Prevenção e Intervenção; Co: Atenção primária à saúde. A busca dos estudos ocorreu em fevereiro de 2020 e contou com os seguintes descritores selecionados nos Descritores em Ciência da Saúde (DeCS): “Idoso”, “Álcool”, “Alcoolismo”, “Transtornos Relacionados ao Uso de Álcool”, “Atenção Primária à Saúde”. As bases de dados utilizadas foram: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Base de dados em Enfermagem (BDEnf), Centro Nacional de Informações de Ciências Médicas de Cuba (CUMED), Índice Bibliográfico Espanhol em Ciências da Saúde (IBECS), Index Psi, Medical Literature Analisys and Retrievel System Online (MedLine), Scientific Eletronic Library Online (SciELO), SCOPUS e Web of Science. Os critérios de inclusão foram: artigos originais disponíveis on-line na íntegra, nos idiomas inglês, português e espanhol e de exclusão: artigos de revisão bibliográfica, teses e dissertações e opinião de especialistas.
A amostra inicial identificada nas bases de dados foi de 1159 estudos, após exclusão dos estudos duplicados, 1123 estudos foram selecionados para leitura dos títulos, sendo 179 selecionados para leitura do resumo. Em seguida, foram selecionados 54 estudos para leitura na íntegra, sendo removidos 29 estudos após aplicação dos critérios de exclusão, restando 29 estudos incluídos na análise qualitativa. Permaneceram na amostra final seis estudos que atenderam aos critérios de inclusão e responderam à pergunta de pesquisa. O Fluxograma 1 ilustra o processo de seleção dos estudos:
A apresentação dos dados obtidos foi desenvolvida de modo descritivo, fundamentada na análise de conteúdo. A análise qualitativa foi inicialmente foi realizada com a leitura flutuante dos artigos selecionados objetivando identificar elementos relevantes nos textos. Posteriormente procedeu-se a exploração do material observando temas que se repetiam nos artigos e escolhendo categorias iniciais, conforme preconizado em literatura referente a RIL (Souza et al., 2010).
3 Resultados e discussão
Os artigos selecionados foram publicados entre os anos de 2003 a 2016, houve baixo número de pesquisas que relacionam o consumo abusivo de álcool entre idosos e ações e intervenções a serem realizadas na APS. Os dados dos artigos selecionados foram compilados em dois quadros representativos:
Dos seis artigos selecionados, um foi publicado em 2003, um em 2005, um em 2013, três em 2016 e um em 2018. Quatro estudos foram desenvolvidos nos Estados Unidos da América, três no Brasil e um na Inglaterra. Três estudos possuem delineamento transversal, um estudo com abordagem qualitativa, um estudo comparativo prospectivo, um estudo descritivo de análise secundária de um estudo controlado randomizado e um ensaio clínico randomizado. A maioria dos estudos encontram-se no Nível de Evidência grau 4, conforme preconizado na literatura (Souza et al., 2010). Esta revisão não tem como objetivo discutir os níveis de evidência encontrados.
A partir da análise de conteúdo, nesta revisão foram estruturadas três categorias analíticas: Necessidade de triagem para consumo de álcool em pacientes idosos da Atenção Primária à Saúde, Eficácia de Intervenção Breve para consumo de álcool na Atenção Primária à Saúde e Barreiras para implementação de triagem para consumo de álcool e Intervenção Breve.
3.1 Necessidade da Triagem para Consumo de Álcool em Pacientes Idosos da Atenção Primária à Saúde
A triagem para consumo de álcool objetiva investigar a quantidade, frequência e comportamentos problemáticos decorrentes do consumo de álcool. Poucos sistemas de saúde conseguem implementar com sucesso a triagem para o consumo de álcool, e geralmente não são mantidas ao longo do tempo. Frequentemente, idosos não veem o consumo abusivo de álcool como uma doença, podendo negar seu consumo, mesmo quando lhes é assegurado a confidencialidade da informação. Desse modo, profissionais da saúde devem atentar-se para a possibilidade de quadro de consumo abusivo de álcool nessa faixa etária (Fink et al., 2005; Guidolin et al., 2016; Shaker & Ardnt, 2017; Soares et al., 2016).
Baseado em critérios de benefício clínico e custo efetividade, a triagem para consumo de álcool está entre os serviços preventivos mais indicados, porém é pouco realizado (Fink et al., 2005). Shaker and Ardnt (2017) afirmam que todos os pacientes adultos da APS devem passar por triagem para o consumo de álcool mesmo na ausência de fatores de risco. A maioria dos pacientes idosos atendidos na APS não são rastreados e muitos casos acabam sendo subnotificados. O uso de questionários mais curtos durante a triagem se apresenta como uma opção viável no atendimento do paciente idoso (Haighton et al., 2016; Shaker & Ardnt, 2017).
3.2 Eficácia da Intervenção Breve em Pacientes Idosos da Atenção Primária à Saúde
A IB é um atendimento de curta duração sendo realizado após a triagem positiva para consumo de álcool. A IB busca modificar a conduta do paciente em relação a uso de álcool, auxiliando-o conscientizar-se sobre os riscos e malefícios à sua saúde, motivando-o a reduzir ou cessar seu consumo (Abreu et al., 2018; Branco et al., 2020). A implementação da IB em idosos tem demonstrado ser uma estratégia de sucesso, havendo reduções significativas no consumo e na frequência de uso de álcool, comprovando ser tão efetiva na população idosa, quanto em jovens. Em estudo realizado no Estados Unidos da América, idosos consumidores pesados de álcool apresentaram duas vezes mais chances de moderar seu consumo após a IB (Copeland et al., 2003; Pereira et al., 2013).
Segundo Copeland et al. (2003) a curto prazo, a IB permite que os idosos tomem consciência dos possíveis danos à saúde que o álcool possa ou já tenha causado, aumentando a capacidade de cuidarem de sua saúde. Já a longo prazo, a saúde do idoso tende a melhorar, levando a uma redução na necessidade de serviços de saúde. Borok et al. (2013) afirmam que idosos geralmente reduzem ou cessam o consumo de álcool quando são apresentadas evidências de que o álcool prejudica sua saúde e que a redução ou a abstinência irá beneficiá-los de alguma forma, motivando-os a adotar outros comportamentos e atitudes positivas em relação à saúde.
A IB pode ser aplicada por profissionais de saúde de várias formações que possuam capacitação e treinamento adequados. Salienta-se que a IB é indicada especialmente para pacientes com risco moderado e alto de consumo de álcool. Casos de dependência
de álcool devem ser encaminhados para serviços especializados em dependência química. (Abreu et al., 2018; Branco et al., 2020).
3.3 Barreiras para Implementação de Triagem para Consumo de Álcool e Intervenção Breve
Uma das barreiras para realização da triagem e aplicação de IB é a falta de tempo, geralmente os atendimentos são breves e há outras prioridades concorrentes. A ausência de espaço e ambiente adequados faz com que os pacientes se sintam desconfortáveis em relatar o consumo de álcool durante o atendimento, diante disso, profissionais da saúde acabam não investigando o uso por acreditarem que tais condições de trabalho sejam desrespeitosas ao atender o paciente. Além disso, o estigma somado a falta de conscientização e engajamento por parte dos profissionais de saúde, também os levam a não adotar estratégias de enfrentamento em sua rotina de trabalho. (Abreu et al., 2018; McNeely et al., 2018; Pereira et al., 2013).
Pacientes idosos podem se sentir descontáveis ao revelar o consumo de álcool por temerem uma reação negativa de quem os está atendendo ou não estarem prontos para discutir o problema. Idosos geralmente relatam sentimentos de vergonha e culpa por serem vistos como dependente químicos, acreditam ser tarde demais para mudança de comportamento e se beneficiarem do tratamento (Haighton et al., 2016; McNeely et al., 2018; Soares et al., 2016).
É necessário que os pacientes acreditem que haverá benefícios decorrentes do tratamento, sendo imprescindível o estabelecimento de vínculo de confiança entre o profissional e o idoso. O profissional ao atender o idoso usuário de álcool deve adotar postura empática e respeitosa, compreendendo que o processo de envelhecimento está associado a mudanças físicas, psicológicas e sociais, tornado muitas vezes o idoso vulnerável ao consumo de álcool (McNeely et al., 2018).
Apesar de os profissionais de saúde serem treinados para abordar questões relacionadas à saúde mental, o consumo de álcool é menos investigado, havendo necessidade de melhor treinamento de profissionais da APS bem como investimento na educação permanente de toda a equipe de saúde, reforçando a realização de triagem universal e IB para consumo de álcool dos usuários do serviço, sobretudo para grupos menos investigados como os idosos (Zerbetto et al. 2017).
4 Conclusões
A pesquisa qualitativa possibilitou analisar as evidências literárias sobre as ações de prevenção e intervenção para o idoso dependente de álcool nos serviços de APS. Por meio da análise de conteúdo foi possível a estruturação dos dados obtidos nos seis artigos que compuseram essa Revisão Integrativa da Literatura, tornando o processo de categorização mais rigoroso, claro e bem delimitado. Os resultados mostraram que a APS desempenha um papel fundamental no atendimento aos idosos que apresentam quadro de consumo de álcool de risco e nocivo à saúde, ao implementarem ações de prevenção, identificação e tratamento, ressaltado que casos de dependência de álcool devem ser encaminhados para serviços especializados. A implementação de tais ações, possuí eficácia e benefícios comprovados cientificamente na população idosa, porém pode-se afirmar que existem mais barreiras do que facilitadores para sua implementação enquanto rotina de trabalho.
O estigma associado a dependência de álcool faz com que os profissionais não se conscientizem a respeito da gravidade da doença. A falta de tempo e ambiente adequado também são barreiras que inviabilizam a execução de triagem e IB. É necessário maior engajamento dos profissionais da APS no atendimento de pacientes idosos consumidores de álcool, que geralmente não relatam seu consumo resultando na subnotificação de casos.
É fundamental que os profissionais recebam treinamento e investimento em educação permanente, visando a implementação de triagem universal para consumo de álcool e IB. Diante da complexidade que envolve temática desta revisão integrativa, recomenda- se a realização de estudos visando a consolidação da eficácia da triagem para consumo de álcool e IB em idosos, tendo em vista a escassez literária nacional.