1 Introdução
A história do parto mostra como as perspectivas no campo da Obstetrícia acompanharam as mudanças nas evidências científicas e como consequência, recentemente, o resgate do protagonismo da mulher no seu parto (Reis et al, 2017).
A mulher que tinha sido sempre a figura principal do parto passou a dividir essa função com o médico cirurgião e a cesariana, afastando cada vez mais o saber feminino sobre a fisiologia do parto e levando a crer que o conhecimento técnico e científico era a única fonte de conhecimento. Ao final do século XVIII, a cesariana não configurava mais a mortalidade materna como desfecho recorrente e passou a ser aplicada de forma epidêmica. A assistência ao parto tornou-se medicalizada e institucionalizada e essa inversão de protagonismo perdurou, até que, ao final dos anos 80 a crítica do modelo hegemônico hospitalocêntrico de atenção ao parto e ao nascimento toma seu lugar e proporciona à Obstetrícia discussões baseadas em evidências científicas para a retomada do protagonismo da mulher, a parturiente (Petruce, 2017).
A Organização Mundial de Saúde (OMS,1985) publicou recomendações ao parto vaginal que incluem: incentivo ao parto vaginal, ao aleitamento materno no pós-parto imediato, ao alojamento conjunto (binômio mãe e filho), à presença do pai ou outro
acompanhante no processo do parto (de livre escolha da paciente), à atuação de enfermeiras obstétricas na atenção aos partos, clampeamento oportuno do cordão e contato pele a pele durante a primeira hora do nascimento. Essa publicação recomenda, também, a modificação de rotinas hospitalares consideradas como desnecessárias e geradoras de risco, custos adicionais e excessivamente intervencionistas no que tange ao parto, como: episiotomia, amniotomia, enteróclise (enema), tricotomia e, particularmente, parto cirúrgico tipo fórceps ou cesáreas (OMS,1985).
Já o Ministério da Saúde do Brasil, por sua vez, em 2000 decretou por meio da Portaria/GM n. nº 569, O Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento. Essa portaria tem como objetivo concentrar esforços no sentido de reduzir as altas taxas de morbimortalidade materna, peri e neonatal registradas no país; adotar medidas que assegurem a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré- natal, da assistência ao parto, puerpério e neonatal; na perspectiva dos direitos de cidadania (Ministério da Saúde, 2000).
Desse modo, o Ministério da Saúde dispõe que a humanização siga dois princípios, o primeiro, relacionado ao dever das unidades de saúde de receber com dignidade a mulher, seus familiares e o recém-nascido. Para que isso ocorra, há a necessidade de atitude proativa, ética e solidária por parte dos profissionais de saúde e a organização da instituição com a finalidade de criar um ambiente acolhedor e diminuir o isolamento que talvez possa ser imposto à mulher. O segundo refere-se à adoção de medidas baseadas em evidências com procedimentos benéficos para o acompanhamento do parto e do nascimento, evitando práticas intervencionistas desnecessárias, que tradicionalmente foram realizadas sem beneficiar a mulher e o recém-nascido, muitas vezes acarretando maiores riscos para ambos pela incredulidade na potência feminina e o parto (Ministério da Saúde, 2000 e OMS, 1996).
Assim, a retomada do espaço do parto pela mulher é um reflexo das políticas de equidade e a busca - ainda em curso - pela igualdade de gênero e as mudanças em diferentes direções, sociais, antropológicas, políticas e familiares que constituem o fluxo da evolução e da renovação do papel e a liberdade da mulher. A liberação de aspectos reprimidos da sexualidade feminina deu-se em paralelo com a ampliação dos conhecimentos sobre a fisiologia do parto, desfazendo mitos e orientando novos procedimentos obstétricos (Bio, E. 2015 e Trapani, A 2018).
Nesse sentido, o nascimento e o trabalho de parto, trazem para o contemporâneo o desafio de pensar em diferentes aspectos com a finalidade de integração: as avaliações médicas objetivas para a imprescindível segurança da mãe e do recém-nascido e as perspectivas subjetivas, não menos importantes, sobre os significados que cada mulher atribui à experiência do nascimento; o conhecimento técnico científico lado a lado com os aspectos emocionais de quem traz vida ao mundo, de quem pare (Bio, E. 2015).
Desse modo, a perspectiva humanizada do parto e nascimento, despertou na pesquisadora o desejo de avaliar esse momento único e simbólico da vida da mulher durante o atendimento das parturientes de um hospital público, como forma de propagar essa conduta a outros profissionais e dinamizar o protagonismo do trabalho de parto e parto para a mulher.
2 Questões Norteadoras
A pesquisadora é residente médica do segundo ano de Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia de um hospital público no Distrito Federal e, em sua prática obstétrica durante o atendimento de pacientes em trabalho de parto, percebeu a necessidade de reforçar a importância do protagonismo da mulher durante esse momento e que o caminho da avaliação qualitativa sobre o impacto do parto humanizado nas parturientes do hospital seria a melhor opção.
A possibilidade entremeada aos objetivos secundários do TCC da pesquisadora de ampliar a prática à todos os profissionais, atualizando o cenário obstétrico através das evidências científicas, integrar a equipe composta por enfermeiras (os) e médicas (os) obstetras, promover a escuta da ativa das mulheres avaliadas e garantir o parto humanizado contribuíram também como questões norteadoras.
3 Metodologia
O estudo é uma nota prévia, que fará parte do trabalho de conclusão de curso da pesquisadora e referir-se-á a avaliação qualitativa de mulheres que tiveram parto vaginal com assistência humanizada em um hospital público da secretaria de Saúde do Distrito Federal, investigando o impacto dessa prática através de questionários semiestruturados. O hospital em questão possui centro obstétrico e maternidade próprios, média de 238 partos por mês e conta com a residência médica de Ginecologia e Obstetrícia e a residência de Enfermagem Obstétrica, totalizando 15 residentes no cenário, implicando práticas atualizadas e essencialmente baseadas em evidências científicas o que inclui a assistência humanizada ao parto.
O projeto de pesquisa foi aceito pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o CAAE de número 44557121.2.0000.5553.
4 Resultados
A busca pelo benefício da assistência humanizada durante o trabalho de parto e parto observadas pelos dados da pesquisa, poderá servir de subsídio para que mais profissionais que lidam diretamente com essa prática, além dos próprios gestores do hospital, sejam instigados a promover mudanças necessárias no cenário das parturientes, reforçando e reconhecendo a importância da aplicação dessas medidas.
Além disso, esse estudo poderá permitir, ainda, reflexões sobre o cuidado fornecido a essas pacientes, buscando modos de cuidar que contribuam para o seu protagonismo desde a admissão no centro obstétrico até a alta da maternidade, respeitando e dando voz para as escolhas da mulher; valorizando as singularidades de cada uma. Associado a isso, poderá ocorrer a formulação de estratégias para a assistência humanizada a todas as pacientes que passarem pelo Centro Obstétrico desse hospital público.
5 Discussão
Os questionários contam com perguntas subjetivas, com objetivo de trazer com palavras próprias da mulher avaliada e retratando da forma mais fidedigna possível sobre o que ela acha ser o conceito de um parto humanizado; o que representou a presença do RN na primeira hora do parto com ela; o significado da assistência vivida e a presença do acompanhante de escolha. De forma complementar, outras três questões subjetivas que traçam o perfil da paciente avaliada, como sua idade, paridade e tipo dos partos anteriores. Há também as perguntas objetivas que foram construídas através das evidências de boas práticas que possibilitam a humanização e protagonismo da mulher durante o parto. Essas perguntas conferem possíveis variantes que podem interferir antes, durante ou após o parto e são imprescindíveis para avaliação global deste momento ímpar avaliado. São perguntas com duas opções de resposta, afirmativa ou negativa, sobre planejamento e aceitação da gestação; visita à maternidade durante o pré-natal; se a paciente considerou que o parto foi humanizado; se teve acompanhante de sua escolha; contato pele a pele com o recém-nascido; clampeamento oportuno do cordão; escolha de posições e se ela se sentiu como protagonista durante o parto. Totalizando dezesseis perguntas que possuem a finalidade de avaliar o impacto do parto humanizado na paciente que teve passagem pelo Centro Obstétrico de um Hospital público do Distrito Federal.
Após a resposta dos questionários, a análise de conteúdo será feita pela técnica de Bardin, que consiste na orientação e a organização da análise; codificação; categorização; tratamento dos resultados, inferência e a interpretação dos resultados. A organização da análise é desenvolvida para sistematizar as ideias iniciais colocadas pelo questionário e estabelecer indicadores para a interpretação das informações coletadas, compreendendo a leitura geral do material. A exploração do material consiste na construção de categorias de análise. A técnica de Bardin define codificação como a transformação, através dos dados colhidos em agregação, com base em regras para que as características sejam agrupadas e possam ser interpretadas de acordo com os assuntos colhidos do conteúdo principal (Silva, A. 2015).
Após a coleta dos questionários durante o período de maio de 2021 a março de 2022; com posterior análise e interpretação, o material completo constituirá o trabalho de conclusão de curso (TCC) da pesquisadora.
Assim, o texto das entrevistas é recortado em unidades de registro (palavras e frases), agrupadas tematicamente em categorias iniciais, intermediárias e finais, as quais possibilitam as inferências. Por meio desse método inferencial, procura-se não apenas compreender o sentido da fala dos entrevistados, mas também informações que vem através ou junto da mensagem. E por fim o tratamento dos resultados que consiste em captar os conteúdos contidos em todo o material coletado (Silva, A. 2015).
6 Conclusão
A assistência humanizada ao parto deve ser reconhecida como a melhor prática durante o trabalho de parto com uma técnica baseada em evidências científicas, de alto padrão de qualidade, seguindo os protocolos do Ministério da Saúde para beneficiar a mulher, que representa a protagonista do seu parto.
Essa pesquisa possibilitará a identificação de dois temas que norteiam o projeto de TCC da pesquisadora: o processo de humanização da assistência ao parto e sua aplicação na prática dos cenários da Residência Médica. Nesse sentido, a atenção, a sensibilidade e o cuidado dos profissionais são elementos essenciais para garantir o acompanhamento do parto de forma segura e prazerosa à mulher.
Diante da perspectiva da pesquisadora no que refere a formação médica em Ginecologia e Obstetrícia, a junção dos aspectos humanísticos aos científicos, caracteriza o processo de mudança que se vivencia atualmente e culmina com as Novas Diretrizes propostas pelo Ministério da Saúde.
Sabe-se que o processo de humanização da assistência ao parto é amplo e a avaliação das concepções sobre esse processo por parte das pacientes, do corpo clínico no Centro Obstétrico é de extrema valia para uma melhor compreensão dessa assistência e seus benefícios.
Aliado a tudo isso, essa reflexão traz a importância da assistência humanizada ao parto e a recuperação do protagonismo da mulher nesse momento único da sua vida.