1 Introdução
A pandemia da Covid-19 causada pelo Coronaviridae (SARS-CoV-2) impacta social, economicamente e na saúde pela velocidade da transmissão, número de acometidos e óbitos. Cepas mais virulentas, destacam o Brasil na disseminação da doença, agravada pelo baixo acesso à vacina e falta de coordenação do governo federal frente à prevenção e controle da doença (Garcia, & Duarte, 2020).
A pandemia impôs ao poder executivo brasileiro emissão de documentos e produção de conteúdo para orientação preventiva e comunicação para diversos públicos, como pessoas com deficiência (PcD), que apresentam vulnerabilidades específicas.
Informação é medida eficaz para aquisição do conhecimento e exercício dos cuidados preventivos à Covid-19. Tecnologias utilizadas para educação em saúde devem considerar a singularidade das pessoa (Sá et al, 2020). Tecnologias na divulgação científica utilizam imagens paradas (fotografias, desenhos, ilustrações e grafittis) ou em movimento (vídeos, filmes, videoclipes e comerciais publicitários). Os vídeos apresentam maior potencialidade por conjugarem diferentes elementos como imagem em movimento, som, luz e ação (Rose, 2008).
Vídeos disponíveis online são tecnologias de educação e promoção da saúde inclusivas que potencializam o cuidado, por dispor de imagens, animações e/ou sonoplastia, tornando-os atrativos e dinâmicos, despertando interesse pelo aprendizado (Galindo Neto et al, 2019). Tornam-se ferramenta de proteção à saúde, utilizadas pelos governos para garantir regulação dos determinantes de saúde da população (Seta, Oliveira, & Pepe, 2017). Constituem forma de prevenção que impedem ocorrência das doenças (Rouquayrol, 2017).
Vídeos sobre proteção e prevenção da Covid-19, destinados às PcD, podem gerar conhecimento para mitigar casos pela adotação de medidas por cuidadores/familiares; possibilitar empoderamento e acesso a informação às pessoas sem limitações cognitivas; e, auxiliar tomada de decisão de profissionais da saúde e cuidadores junto a PcD na pandemia.
Objetiva-se analisar vídeos divulgados pelas esferas do executivo na proteção e prevenção da Covid-19 entre PcD, à luz da Teoria Cognitiva de Aprendizagem Multimídia.
2 Metodologia
Estudo qualitativo, documental, mediante acesso aos sites oficiais dos governos do poder executivo brasileiro.
Selecionaram-se vídeos publicados de janeiro de 2020 a fevereiro de 2021, com produção de conteúdos governamentais disponíveis nos sites oficiais e plataforma de compartilhamentos de vídeos YouTube, que continham informações sobre medidas protetivas e/ou preventivas da Covid-19 destinados à PcD, contabilizados uma única vez. Realizou-se seleção, classificação, interpretação e codificação dos conteúdos por dois pesquisadores com formação em necessidades especiais e linguagens, que acessaram os sites em dias e locais distintos, para averiguar as compatibilidades.
Utilizou-se check-list com itens: esfera governamental da publicação do vídeo, mês e ano da postagem, disponibilidade na plataforma do YouTube para averiguar repetição, quantidade de visualizações, linguagem adotada, qualidade de recursos visuais, cores das imagens, animações, sonoplastia, tipos de narração e narradores, presença e sexo do Intérprete de Libras, presença e características de legenda em português, audiodescrição das imagens, duração, classificação, título e conteúdo dos vídeos.
O referencial teórico foi a Teoria Cognitiva da Aprendizagem Multimídia (TCAM), a qual explicita que informações multimídias por imagens, palavras narradas ou textuais, animações ou filmes ficam armazenadam na memória de longo prazo do receptor (Almeida et al, 2014).
Os 12 princípios da Teoria orientam o planejamento e criação de multimídias para apoiar a compreensão de vídeos como forma de aprendizagem: Coerência (exclusão de imagens, palavras e sons dispensáveis); Sinalização (presença de sinais que direcionem a atenção); Redundância (uso de animação e narração ao invés de animação, narração e legenda); Contiguidade espacial (palavras e imagens correspondentes aparecem espacialmente próximas); Contiguidade temporal (palavras e imagens correspondentes aparecem ao mesmo tempo); Segmentação (informação em blocos); Pré-treinamento (apresentação geral do conteúdo antes dos detalhes); Modalidade (animação e narração ao invés de animação e texto escrito); Multimídia (uso de palavras e imagens ao invés de apenas palavras); Personalização (palavras em estilo conversacional, ao invés de estilo formal); Voz (narração com voz humana); Imagem (imagem do narrador não é imprescindível) (Sá et al, 2020).
Após transcrição, realizou-se pré-análise por leituras dos conteúdos, para apreensão temática. Na exploração do material, codificaram-se dados brutos e transformou-se em informações significativas originando unidades de registro. Na análise temática, os núcleos de sentido foram gerados, considerando aparição e repetição (Bardin, 2016). Os núcleos reunidos por aproximação de significados constituíram categorias de análise, sobre medidas protetivas e preventivas da Covid-19 em PcD. As categorias foram discutidas e argumentadas com base na literatura.
Cumpriu-se preceitos éticos em pesquisa, Resolução 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde, por vídeos analisados de domínio público.
3 Resultados
Encontraram-se 33 vídeos, 13 da esfera federal, 14 estaduais e seis municipais, publicados de março de 2020 a fevereiro de 2021; concentrados nos meses de abril (nove), julho (nove) e março de 2020 (cinco) em estados do Sudeste. 26 disponíveis no site oficial das instituições governamentais e YouTube; 21 vídeos registraram até 500 visualizações e os demais até 44 mil, apenas um vídeo atingiu essa marca.
Os vídeos apresentavam linguagem compreensível, recursos visuais acessíveis, cores nítidas e variadas, com ausência de figuras ou animações. No início de 11 vídeos havia sonoplastia. Em 22 vídeos, apenas uma pessoa discursava o tema. Em um vídeo o conteúdo foi relatado exclusivamente em Libras. Seis vídeos mostravam adultos com deficiência, os demais continham imagens de adultos ou idosos sem deficiência.
Intérprete de Libras presente em 29 vídeos, sendo 20 do sexo masculino. Um vídeo apresentou audiodescrição das imagens para a compreensão das PcD visual. 25 vídeos com legenda em português, tamanhos de letras acessíveis na cor branca, dispostas na parte inferior e plano de fundo preto. Duração de até três horas, concentrados entre 1 a 20 minutos (26 vídeos).
Observou-se planejamento adequado na efetividade cognitiva ao público alvo. Os princípios da TCAM estavam presentes: coerência quando utilizou-se conteúdo visual e sonoro em conformidade as necessidades das PcD; sinalização quando informações sobre as medidas preventivas à Covid-19 foram destacadas em cores e entonação da voz do narrador; redundância e modalidade foram parcialmente atendidos. 32 vídeos tinham narração, nove não apresentavam legendas, um vídeo apresentou conteúdo escrito. Nenhum adotou animação para apresentar o assunto. Os princípios da contiguidade espacial e temporal evidenciaram-se em 23 vídeos.
O princípio da segmentação estava em oito vídeos, contendo os cuidados preventivos por tipo de deficiência apresentados em blocos. Utilizou-se o princípio do pré- treinamento com apresentação geral do conteúdo antes dos detalhes. O princípio multimídia foi atendido no uso de imagens e narração.
O princípio da personalização e da voz atendidos na linguagem compreensível e acessível às PcD. O princípio da imagem foi aplicado em um vídeo, sem expor a imagem do narrador.
Os 29 vídeos explicativos, os dois vídeos de notícias e duas lives tratavam de conteúdos educativos (17 vídeos) e informativos (16 vídeos) sobre proteção (13 vídeos) e prevenção (20 vídeos) da Covid-19 entre PcD, constituindo duas categorias: Medidas Protetivas e Medidas Preventivas da Covid-19 em PcD.
3.1 Medidas Protetivas da Covid-19 em PcD
O Quadro 1 apresenta período de divulgação, títulos e trechos dos conteúdos de 13 vídeos publicados em 2020.
3.2 Medidas Preventivas da Covid-19 em PcD
No Quadro 2, apresenta-se medidas para reduzir exposição das PcD à Covid-19
4 Discussão
Nos vídeos criados desde o início da pandemia pelas três esferas de governo, adotou- se estratégias educativas em saúde que visam acessibilidade comunicacional e cumprimento dos dispositivos da Lei Brasileira de Inclusão da PcD (Reichenberger et al, 2020).
Porém, pesquisadores têm criticado ausência de coordenação do governo federal no enfrentamento à pandemia voltado as populações mais vulneráveis como PcD (Ferigato, Fernandez, & Amorim, 2020).
As visualizações dos vídeos foram restritas em relação ao total de PcD no país. Declararam-se PcD, 45,6 milhões de pessoas no censo brasileiro (IBGE, 2010). Figuram como razões a limitação para compreensão do conteúdo dos vídeos devido ao tipo de deficiência, falta de acessibilidade comunicacional, falta de divulgação sobre a produção deles e barreiras linguísticas (Galindo Neto, 2020).
É imperativo que produtores de vídeos usem ferramentas adicionais que reduzam as dificuldades vivenciadas pelas PcD e cuidadores/familiares, por meio de linguagem acessível, imagens atrativas e audiodescritivas, cores e som adequados, legendas e presença de intérprete de Libras.
Pesquisa que identificou 37 tradutores-intérpretes de Libras atuando no ensino superior do Brasil, 26 eram do sexo feminino, contrapondo-se ao resultado desse estudo que predominou homens. Tal achado pode relacionar-se a atuação de mulheres na área da educação (Lacerda, & Gurgel, 2011).
A tradução e a interpretação interlinguística e intermodal, como por exemplo, a Libras, é considerada como uma atividade textual, cognitiva e comunicativa consolidada no país, no sentido de sua importância e legalização. O profissional intérprete de Libras pode atuar nos espaços educacionais, políticos, jurídicos, serviços de saúde e em locais que se façam sua necessidade para comunicação com as pessoas surdas (Gomes, & Valadão, 2020). A presença destes nos vídeos é essencial para a educação em saúde das PcD auditiva (Áfio et al, 2016).
A magnitude da Covid-19, direciona olhares de pesquisadores e gestores para buscar medidas de enfrentamento visando reduzir incidência e controlar casos graves (Gurgel et al, 2020). Medidas coletivas prestadas por instituições governamentais foram identificadas no conteúdo dos vídeos.
Adoutou-se estratégias educacionais por meio do ensino remoto e à distância na perspectiva de garantir a continuidade e inclusão aos estudos de PcD (Moreira, Henriques, & Barros, 2020). Medidas de proteção ao trabalho foram ofertadas por programas inclusivos de incentivo ao emprego e cursos de capacitação para ingressar no mercado de trabalho. Destacou-se a publicação da Lei 14.020, que veda desligamento do emprego sem justa causa de PcD, de forma provisória, até o final da pandemia (Brasil, 2020).
Apesar da produção de conteúdo, evidencia-se fragilidade em alguns estados brasileiros quanto a acessibilidade assistencial e física para as PcD na pandemia, por barreiras
comunicacionais, instrumentais e metodológicas no acesso de informações preventivas, serviços de saúde e oferta de educação remota (Böck, Gomes, & Beche, 2020).
A aplicação dos princípios da Teoria Cognitiva de Aprendizagem Multimídia possibilitou compreender a disposição e o sentido dos conteúdos dos vídeos, além de sua usabilidade e acessibilidade.
Dentre as medidas preventivas às PcD destacou-se higienização das mãos, etiqueta respiratória, distanciamento social, uso de máscara facial e não compartilhamento de cosméticos e utensílios (Garcia, 2020). Ressalta-se que a Lei nº 14.019/2020 garante flexibilização do uso da máscara para alguns grupos de PcD, como aqueles com transtorno do espectro autista, deficiência intelectual, sensoriais ou outras que as impeçam de fazer seu uso adequado (Brasil, 2020).
A orientação para os equipamentos de apoio à PcD, destacam-se tecnologias assistivas, visando à autonomia, inclusão social e qualidade de vida da pessoa que a utiliza (Massaro, & Deliberato, 2015). Sobre a vacina contra Covid-19, o Ministério da Saúde priorizou, inicialmente, as PcD permanentes e aquelas que vivem em residências inclusivas (Brasil, 2021).
5 Conclusões
Os princípios da TCAM foram contemplados satisfatoriamente nos vídeos publicados na prevenção e proteção da Covid-19 entre PcD. Esta modalidade de comunicação necessita de maior alcance ao público interessado. O estudo apresenta como limite a opção apenas dos sites governamentais, sem incluir comentários ou descrição dos vídeos no processo interpretativo.
O enfoque qualitativo da pesquisa com utilização de informações virtuais evidencia potencial educativo para situações cotidianas no cuidado das PcD. As práticas de autocuidado, proteção e comunicação são tematizadas na produção audiovisual analisada. Destaque-se os desafios de estados e municípios na produção de conteúdo sobre Covid-19 para PcD no cenário brasileiro.