1 Introdução
Os primeiros casos de Covid-19 surgiram na cidade de Wuhan, na China, no final do ano 2019. Desde então, o mundo assiste a uma pandemia que já afetou mais de 120 milhões de pessoas globalmente e causou 3 milhões de mortos (WHO, 2021). As pessoas idosas, pelas suas condições de saúde e a idade avançada, são o grupo de maior vulnerabilidade,com um risco acrescido de hospitalização e morte, por agravamento da doença (Yanez, Weiss, Romand & Treggiari, 2020).
As Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI) são muito permeáveis à presença de surtos por COVID-19, pelo facto de integrar várias pessoas idosas, em que o distanciamento social nem sempre é conseguido, o que se traduz em elevadas taxas de ataque, quer nos residentes, quer nos funcionários (Blain et al., 2020; Vijh et al., 2021).
Para evitar a disseminação do vírus, as ERPI adotaram as medidas recomendadas pelas autoridades de saúde internacionais (WHO, 2020; ECDC, 2021), que incluem o cumprimento do distanciamento social e a implementação de medidas de isolamento, como a quarentena ou a privação de contacto físico dos residentes com os familiares. Estas medidas, por se prolongarem no tempo, podem trazer implicações importantes no bem-estar dos residentes.
O isolamento social, secundário à implementação das medidas de prevenção e controle de infeção por COVID-19, teve repercussões importantes na perceção da saúde física e mental da população geral (Ruiz et al., 2020), com níveis elevados de ansiedade e depressão e baixos níveis de saúde mental (Smith et al., 2020). Na população mais idosa, persiste a depressão e a ansiedade, com aterações da qualidade do sono, inatividade física (Sepúlveda-Loyola et al., 2020), sentimentos de solidão e perda de qualidade de vida (Kasar, K. S., & Karaman, 2021). Nesta população, o isolamento social está associado a um aumento significativo da morbilidade e mortalidade (Roy, Jain, Golamari, Vunnam, & Sahu, 2020). Desta forma, e considerando as repercurssões elencadas anteriormente, também o bem-estar ficará afetado.
O conceito de bem estar tem evoluído ao longo das últimas décadas sendo que é hoje utilizado de forma abrangente nas várias áreas científicas. Assim, podemos definir o bem-estar como construto multifacetado, um processo intencional de crescimento individual, integração de experiências e conexão significativa com outras pessoas, refletindo objetivos e forças pessoalmente valorizadas e resultando no sentimento de estar bem e viver consoante os seus valores (McMahon & Fleury, 2012; Mendes, 2020).
Não existem muito estudos que explorem a questão do bem-estar da pessoa idosa após o surgimento da pandemia e os mais divulgados são com idosos residentes na comunidade.
O nosso artigo integra um projeto mais amplo, eduCOVID: Mobile application for an integrated response to Covid-19 and beyond in nursing homes, e tem como objetivo identificar estudos que permitam compreender o bem-estar das pessoas idosas residentes em ERPI face ao cumprimento das medidas de prevenção e controle de infeção para a COVID-19.
2 Metodologia
E na população idosa institucionalizada? As medidas de prevenção e controle de infeção para a COVID-19 influenciaram o bem-estar das pessoas idosas residentes em ERPI?
Para dar resposta à questão de partida colocada, realizou-se uma revisão integrativa da literatura, seguindo as seguintes etapas: definição da pergunta de investigação, estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão, definição da informação a extrair dos estudos, avaliação dos estudos, interpretação dos resultados e síntese do conhecimento (Mendes, Silveira & Galvão, 2008).
A questão de investigação foi desenhada de acordo com a estratégia PCC (População, Conceito, Contexto) (Peters et al., 2020), sendo P - Pessoas idosas sujeitas a medidas de prevenção e controle de infeção para a COVID-19, C - Bem-estar, C - ERPI.
A pesquisa dos estudos foi conduzida no início do mês de março de 2021, através do motor de busca EBSCO, nas bases de dados Academic Search Complete, Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e Cochrane Database of Systematic Reviews. Foi ainda realizada pesquisa na US National Library of Medicine (Pubmed), SCOPUS e Web of Science.
Foram definidos critérios de inclusão e de exclusão (Tabela 1).
A identificação e seleção dos estudos foi conduzida por dois investigadores, combinando com os operadores boleanos OR ou AND, os descritores Medical Subject Headings (Mesh) e palavras-chave, correspondentes a cada uma das dimensões identificadas em PCC. Assim, utilizou-se a seguinte estratégia de pesquisa: ((Residents OR aging OR ageing OR “Older persons” OR “older people” OR elderly OR aged) AND ((Isolation* OR quarantin* OR “Containment strategy” OR “Containment of Biohazards” OR Measur* OR Containment* OR “social distance”) AND (“Disease Transmission” OR “Infectious Disease Transmission, Professional-to-Patient” OR “Infectious Disease Transmission, Patient-to-Professional” OR “Disease Transmission, Patient-to-Professional” OR “Disease Transmission, Professional-to- Patient” OR “Infection Control” OR “Risk Factors” OR “Risk reduction behaviour” OR “Harm reduction”) AND (“COVID-19” OR “2019-nCoV” OR “SARS-COV2”))) AND (Well-being OR wellbeing OR health*) AND (“Residential Facilities” OR “Assisted Living Facilities” OR “Homes for the Aged” OR “Nursing Homes” OR “Long-Term Care” OR “residential aged care” OR “Long-Term Care Facilities”).
Foram identificados 1051 artigos, 30 na Academic Search Complete, 38 na CINAHL, 1 na Cochrane Database of Systematic Reviews, 65 na MEDLINE, 80 na Pubmed, 805 na SCOPUS e 32 na Web of Science. Após a análise do título e do resumo selecionámos 26 artigos para análise do texto integral. Destes, excluímos 20, o que permitiu integrar 6 artigos na nossa amostra final. Estes foram sujeitos à avaliação da qualidade de acordo com a Joanna Briggs International (Lockwood et al, 2015), tendo-se verificado que cumprem os critérios, com avaliações cegas entre dois dos investigadores, a todos os artigos integrados na amostra afinal.
Todos os estudos foram classificados quanto ao nível de evidência: Nível I - meta-análise de ensaios clínicos randomizados (RCT); Nível II - RCT; Nível III - ensaios controlados sem randomização (quase-experimental); Nível IV - estudos de caso-controle ou coorte; Nível V - revisões sistemáticas de estudos descritivos e qualitativos (metassíntese); Nível VI - estudo descritivo ou qualitativo; Nível VII - opinião de autoridades ou relatórios de comissões de especialistas (Ackley, Swan, Ladwig, & Tucker, 2008).
A pesquisa e seleção de artigos foi suportada pelo fluxograma PRISMA recomendado pela Preferred Reporting Items for Transparent Reporting of Systematic Reviews and Meta-Analyses (Moher, Liberati, Tetzlaff, Altman, 2009) (Figura 1).
3 Resultados
Entre 2020 e 2021 identificámos seis artigos que avaliam o bem-estar em pessoas idosas institucionalizadas durante a pandemia. Os artigos que compõem a amostra final representam países dos continentes Asiático (1), Europeu (4) e Americano (1). Quatro dos estudos são quantitativo-descritivos, um estudo descritivo-misto e um qualitativo (fenomenológico) (Tabela 2).
No global, os estudos revelam que os residentes de ERPI, no decurso da aplicação das medidas de prevenção e controle da infeção por COVID-19, experienciaram declínio cognitivo, perda de capacidade funcional, mal-estar emocional e solidão. Estas experiências resultam da perda do contacto humano e da perda de espaço de circulação. A primeira decorre do isolamento provocado pela limitação das visitas de familiares e limitação dos contactos com os profissionais, pelo uso de equipamento de proteção individual. A segunda decorre da impossibilidade de saída para o exterior da instituição, do confinamento nos quartos, ou da mudança de quarto, pela necessidade de segregação.
4 Discussão
Os resultados da amostra bibliográfica apontam para um impacto negativo das medidas de restrição e controle da pandemia na funcionalidade da pessoa idosa, associada à perda de capacidade física pela diminuição da mobilidade e dificuldades acrescidas na marcha (Chee, 2020; MacArtur et al, 2021), depressão (El Hag et al., 2020), maior uso de psicofármacos (Lombardo et al., 2020), declínio cognitivo (O'Caoimh et al., 2020), entre outros. Estes achados são preocupantes e preditores do aparecimento de co- morbilidades e complicações associadas à síndrome de imobilidade.
Por outro lado, as alterações ambientais, a mudança de quarto e as modificações no circuito de acessibilidades aos diferentes espaços dentro das instituições poderão contribuir para o aumento das quedas e dos episódios de confusão aguda. Recorde-se que a prevalência de quedas é elevada nos primeiros 5 dias após a institucionalização, o que é justificado pelo facto de os idosos não conhecerem o espaço físico e pela presença de pessoas estranhas ao seu ambiente, como os funcionários e os outros idosos (Baixinho & Dixe, 2017; Oliveira, Baixinho, & Henriques, 2018).
O aumento da prescrição de psicofármacos na pessoa com demência e, em particular de antipsicóticos, sugerido pelo trabalho de Lombardo et al. (2020), suscita preocupação. Os antipsicóticos, prescritos para comportamentos e sintomas psicológicos da demência, estão associados a aumento da morbilidade e mortabilidade (Corbett, Burns & Ballard, 2014). Regra geral, considera-se que nesta população os riscos superam os benefícios, devendo a sua utilização ser restrita aos casos de falência de medidas não farmacológicas e quando os sintomas causam sofrimento significativo e/ou acarretam risco de dano para a pessoa ou para terceiros. O facto da maioria dos antipsicóticos ser prescrito “off-label”, sem indicação terapêutica aprovada para os sintomas psicológicos da demência, o comprometimento da compreensão e autonomia destas pessoas para prestar um consentimento informado, esclarecido e livre, e a potencial falta de envolvimento dos seus representantes na decisão de utilizar antipsicóticos, amplificam esta problemática.
Os planos de contingência desta revisão revelam uma visão ‘infetocentrica’, não prevendo a avaliação da efetividade das medidas implementadas sobre as síndromes geriátricas associadas ao processo de envelhecimento. Em paralelo, os mesmos estudos não garantem a possibilidade de participação dos idosos institucionalizados na tomada de decisão sobre as referidas medidas, na organização de atividades de promoção da mobilidade e participação social na vida da instituição, aspetos centrais para o fomento da atividade física e preservação da autonomia e qualidade de vida. Maia e colaboradores (2020) defendem que é crucial que as pessoas idosas se mantenham com autonomia e independência funcional, evidenciando capacidade de assegurar a gestão das suas atividades de lazer, de convívio social e trabalho, independentemente da presença ou não de comorbilidades. Esta ideia é reforçada por Beard et al. (2016), ao advogarem que a interação da pessoa idosa com o seu ambiente, suportado na sua autonomia e independência, devem constituir-se como o alicerce para a abordagem de saúde ao idoso.
Entendendo o conceito de mal-estar emocional como o desconforto ímpar, estado emocional vivenciado por um indivíduo em resposta a um stressor específico, ou resposta que resulta em dano, seja temporário ou permanente, para a pessoa (Ridner, 2004), os resultados obtidos são fortemente sugestivos da sua ocorrência na pessoa idosa residente em ERPI. Este mal-estar emocional é manifestado pelos residentes em ERPI por uma sensação de desligamento, desconexão com um mundo que se tornou mais pequeno que “encolheu”, que lhes provoca isolamento social, solidão e, paradoxalmente, lhes dificulta o encontrar um espaço onde consigam estar sós, longe dos restantes residentes (Chee, 2020).
São também relatadas mudanças de humor durante atividades de interação (O'Caoimh et al., 2020), sentimentos de medo e incerteza, frustração, sofrimento (Chee, 2020), maiores níveis de depressão (Lombardo et al., 2020) e ansiedade do que antes do confinamento imposto pela pandemia por COVID-19 (El Hag et al., 2020; MacArtur et al., 2021).
É importante considerar que estes achados poderem ser preditores de instalação de quadros de perturbação mental e declínio cognitivo, necessitando que sejam introduzidas medidas de controle e prevenção do impacto psicológico e emocional da COVID-19 na pessoa idosa (Mukhtar, 2020). Se as medidas implementadas durante o confinamento têm um contributo positivo na prevenção e controle da doença, o mal- estar emocional nos idosos requer uma atenção particular pois estes integram o grupo que tem experienciado o isolamento social mais prolongado (Lee et al., 2020). Algumas ERPI implementaram medidas para contrariar este isolamento dos residentes, promovendo videoconferências ou visitas à janela (McArthur et al., 2021).
Os seis estudos incluídos apresentam um baixo nível de evidência, o que pode ser justificado pela dificuldade em conduzir ensaios aleatorizados e controlados nestas circunstâncias. Acresce que três dos seis estudos reportam perceções dos familiares ou das ERPI, e não dos residentes. Outra limitação diz respeito ao estudo de Lombardo et al. (2020), que se baseia no auto-reporte. É, portanto, fundamental prosseguir a investigação no campo do bem-estar da pessoa idosa institucionalizada.
5 Conclusões
A evidência incluída nesta revisão integrativa sugere que as medidas de prevenção e controle de infeção para a COVID-19 em ERPI condicionaram a perda de contacto humano e a perda de espaço de circulação e influenciaram negativamente o bem-estar das pessoas idosas, estando associadas a efeitos como redução da funcionalidade, perda de capacidade física, depressão, ansiedade, declínio cognitivo e solidão. Recomenda-se a realização de estudos com desenho mais robusto, nomeadamente que permitam investigar a associação entre a restrição de atividade e o aumento de complicações de saúde e acidentes nesta população.
Não obstante a necessidade de controlar a pandemia numa perspetiva epidemiológica, importa monitorizar também o bem-estar das pessoas idosas institucionalizadas e o seu contexto, garantindo a implementação de medidas que se coadunem com as suas necessidades e minorem os efeitos negativos do isolamento.