1.Introdução
Este trabalho tem a sua origem mais remota em estudos anteriores dos autores (Oliveira & Vidal, 2021) acerca da temática da interdisciplinaridade. Em seu percurso, esses estudos foram feitos em busca de um objetivo geral de contribuir na elaboração de indicadores e subsídios para a implantação e desenvolvimento de programas de natureza interdisciplinar, no contexto de ensino superior. Afigura-se relevante o estudo da trajetória da interdisciplinaridade nas instituições de ensino superior (IES): da sua concepção básica, formulada em documentos norteadores, à sua proposição prática, contida nos projetos pedagógicos dos cursos. A propósito, Falcus et al (2019) assinalam a necessidade de adotar práticas interdisciplinares como única forma de enfrentar os desafios sociais globais e de incorporar o aprendizado holístico com base em estratégias de interdisciplinaridade. Deve-se observar uma evolução dos estudos sobre a interdisciplinaridade que se multiplicam e diversificam a partir da segunda metade do século 20 (Falcus et al, 2019); configurando, na atualidade, um panorama bastante amplo: Neves (2019), Santos et al (2019), entre outros. Nos últimos 40 anos, destaca-se a multiplicação de estudos, eventos, cursos, publicações etc, acerca de interdisciplinaridade, tornando-a bola da vez na realidade atual (Coelho et al, 2019). No âmbito da educação superior, uma questão reside em como a interdisciplinaridade - requerida nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), no Brasil - é tratada pelas IES, nos seus respectivos projetos pedagógicos de cursos (PPC). Essa questão básica é traduzida em duas questões específicas: (i) qual é a concepção/interpretação de interdisciplinaridade, contida no PPC? É mera reprodução do texto da respectiva diretriz curricular ou apresenta acréscimos/modificações?; (ii) qual é a previsão do papel dos atores na prática da interdisciplinaridade? Somente pessoas ou pessoas e instituição? A construção do referencial teórico, inicialmente, contemplou alguns aspectos históricos e conceituais, com posterior aprofundamento teórico-metodológico. Constituiu-se de revisões bibliográficas, contendo o pensamento de autores mais dedicados a esses estudos, especificamente quanto à relação interdisciplinaridade/educação superior. Os dados empíricos se constituíram de 142 PPCs identificados em sites eletrônicos de universidades e centros universitários existentes em duas principais cidades das regiões escolhidas, Nordeste Paulista e Triângulo Mineiro, conforme se descreverá, mais detalhadamente, ao longo da caracterização desta pesquisa. Para o seu tratamento, os dados foram agrupados em duas categorias de análise e também apresentados, conforme as áreas de conhecimento dos cursos e os tipos de graduação em que eles se enquadram. Os dados quantificados funcionarão como substrato para uma análise qualitativa.
2.Referencial Teórico
2.1 Interdisciplinaridade e Educação
No final do século XX e início do século XXI, a palavra interdisciplinaridade torna-se presente e proeminente no mundo educacional. Fazenda (2012, p. 42) assinalou em um texto que escreveu na década de 90: “A palavra de ordem desse final de século é interdisciplinaridade na educação”. O termo interdisciplinaridade passou a ser um dos mais representativos de aspirações educacionais no âmbito da produção do conhecimento, como forma de superação do paradigma cartesiano - separação rígida entre sujeito e objeto -, da superação da dicotomia natureza/sociedade e da superação do conhecimento produzido e transmitido em compartimentos estanques. Por oportuno, Coelho et al (2019) pontuam que a hiperespecialização observada nas ciências, em que pese a busca de respostas para desafios da época, tem mostrado diversas fragilidades tanto teóricas quanto epistemológicas e metodológicas ao enfrentar questões complexas. As limitações do pensamento, pautado na fragmentação, tornam-se cada vez mais ressaltadas. Morín (2015, p. 106), ao considerar a necessidade de reforma do pensamento na atualidade, assinala que “o modo de pensamento ou de conhecimento fragmentado, compartimentalizado, monodisciplinar, quantificador, nos conduz a uma inteligência cega, na mesma medida em que a atividade humana normal, empenhada em religar os conhecimentos, é sacrificada em prol da atitude não menos normal de separar.” Portanto, uma reforma no pensamento demanda a promoção de conhecimento capaz de levar à compreensão do global e do essencial. Tal demanda implica em um reconhecimento da multidimensionalidade e da diversidade dos fenômenos e, igualmente, da interdependência dos objetos, fazendo com que a dinâmica de produção do conhecimento necessite de uma forte ligação entre as disciplinas e, muitas vezes, de uma aproximação às demandas sociais (Pena Vega, 2010). O autor prossegue assinalando a necessidade de comunicação efetiva entre os diversos mundos vividos pelo homem. Assim, entende que a interdisciplinaridade reside em nosso modo de ver a realidade, através do conhecimento, e na forma de lidar com essa realidade. Em razão da complexidade cada vez maior dos fenômenos, surge a necessidade de produções do conhecimento fora das fronteiras de cada disciplina. A solução de problemas pode ser invisível no seio de uma única disciplina. Ainda, na produção do conhecimento, um fenômeno se desvela ao mesmo tempo que se vela: há um continuum de surgimento de novas questões a partir de cada descoberta, de cada nova explicação. Isso torna forçoso reconhecer que a apreensão da realidade é incompleta no âmbito de cada campo disciplinar. Questões dessa natureza reforçam as preocupações em melhor compreender as relações entre disciplinas. Primeiramente, reconhecer, como um grande número de teóricos, que interdisciplinaridade não exclui os campos disciplinares, pois o desenvolvimento daquela ocorre a partir do desenvolvimento destes (Fazenda, 2012). Conceitos como multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, vêm a representar a necessidade de estabelecer e explicar pontes entre disciplinas (Nicolescu, 2010). Alguns pontos revestiram-se de proeminência: questões referentes à conceituação da interdisciplinaridade, à pesquisa interdisciplinar e à ação interdisciplinar. Esta, não exclusivamente, mas sobretudo no âmbito da educação. Em acréscimo, há que se mencionar que a crescente complexidade - do conhecimento e da vida atual - acelerada pela multiplicidade da produção de ciência e tecnologia engendrou novas demandas sociais, especialmente, na formação profissional. Roggero (2010) comenta que, no plano da formação profissional, as exigências de novas competências socioprofissionais implicam igualmente em novas abordagens de organização e funcionamento do ensino. A autora propõe o seu agrupamento em quatro categorias: (i) redirecionamento do pensamento lógico- abstrato: visão do generalista além do especialista e entendimento da criatividade como habilidade para solução de problemas, não como talento inato; (ii) Comunicação e linguagens do mundo contemporâneo: habilidades de situar-se nas redes de informação, conhecimento de outras línguas, aperfeiçoamento da língua materna e compreensão da linguagem não verbal; (iii) Trabalho em equipes multidisciplinares: novos tipos de relações socioprofissionais, intercâmbios de informações e conhecimentos interdisciplinares, desenvolvimento de uma liderança educadora para além das habilidades de mando; (iv) Capacidade de adaptação à mudança: desenvolvimento de pensamento estratégico, habilidades de identificação de tendências e foco nas questões sociais. Essas considerações evidenciam a interdisciplinaridade como necessária na atividade educacional. Feldman (2014) observa que o ideal de uma formação interdisciplinar é parte integrante das políticas públicas atinentes ao ensino superior brasileiro, cujas orientações e normas balizam as ações educativas das instituições, consubstanciadas em seus projetos pedagógicos.
2.2 Interdisciplinaridade como Intenção: Implicações para a Prática Universitária
A interdisciplinaridade é vista como uma espécie de devir: algo desejável na atitude do homem em buscar a compreensão da realidade, enfim, do entendimento de seu mundo. Japiassu (1992) reforçou essa ideia de interdisciplinaridade como atitude quando intitulou artigo para a Revista Tempo Brasileiro, como A atitude interdisciplinar no sistema de ensino. Na dimensão educacional, segundo Santos et al (2014), urge mudança de natureza epistemológica, metodológica e pedagógica. Jantsch e Bianchetti (2011) assinalaram a validade dessa pretensão, uma vez que em muitas temáticas se impõe o princípio da interdisciplinaridade, decorrente de esforços na construção do conhecimento e seu ensino, com implicações pessoais e institucionais. Em obra clássica, Santomé (1998) propõe quatro categorias que englobam essas implicações: a) intencionalidade: fazer dialogar o que se isolou e, até mesmo, em certos casos, de reunificar o que se fragmentou; b) mudanças nas estruturas institucionais: promover a ligação mais estreita entre as instituições universitárias com as demais esferas sociais; c) mudança da vida acadêmico-universitária: tornar a universidade um amplo laboratório de conhecimento/ pensamento, com a criação de modelos mais explicativos desta realidade; d) prática pedagógica: construir novas estruturas mentais, novos conteúdos e novas metodologias. Steil (2011) acrescenta que o papel das instituições universitárias é fundamental, na sociedade do conhecimento, reconhecendo as possibilidades da interdisciplinaridade em termos de produção e de aplicação do conhecimento. A autora prossegue comentando que há dirigentes de instituições universitárias que criam suportes para integrar conhecimentos, e acrescenta que a interdisciplinaridade, em muitos casos, é proposta como uma meta ou uma estratégia institucional. Fazenda (2012) assinala a existência de poucas instituições que apoiam, efetivamente, o trabalho interdisciplinar, mas que são nestas poucas que germinam os projetos interdisciplinares de ensino. Depreende-se o papel proeminente das instituições na articulação, difusão e aplicações da interdisciplinaridade (Barreto et al, 2016). Já no início deste século, Coimbra (2000) alertava para a necessidade da vocação interdisciplinar muito mais das instituições do que de indivíduos isolados. Embora existam esforços individuais bem sucedidos de superação de uma formação disciplinar para níveis interdisciplinares, tal transformação precisa ser desenvolvida pelas instituições. Para tanto, os papéis pessoais e institucionais deveriam estar claramente estabelecidos nos projetos pedagógicos dos cursos.
3.Metodologia
A metodologia consistiu em procedimentos como: delimitar as regiões do estudo e as instituições universitárias nelas existentes, identificando, então, os PPCs disponibilizados nesse contexto. Outro procedimento foi o delineamento da pesquisa documental, incluindo a verificação dos textos dos documentos oficiais norteadores para a elaboração de PPCs. O procedimento seguinte foi a análise dos PPCs obtidos nos sites, agrupados em duas categorias: (i) quanto à concepção de interdisciplinaridade; (ii) quanto à previsão do papel dos atores, pessoas e/ou instituições, na sua concretização. Tais categorias correspondem às questões propostas e, nelas, os dados analisados em subcategorias.
3.1 Delimitações
Um primeiro recorte mostra a opção por investigar sites de IES de duas cidades situadas no Nordeste Paulista (Ribeirão Preto e Franca) e outras duas cidades situadas no Triângulo Mineiro (Uberaba e Uberlândia). A delimitação geográfica se explica em razão do significativo número de instituições e cursos existentes nessas duas regiões de importância socioeconômica e cultural no país, além do interesse dos autores por estudos dessas regiões em que exercem suas atividades acadêmicas. Outro recorte é que o estudo limitou-se a PPCs de universidades e centros universitários, uma vez que faculdades isoladas constituem um quantitativo bastante numeroso, para os objetivos desta pesquisa, além de serem menos autônomas na criação de seus cursos. Finalmente, o estudo recaiu apenas sobre PPCs de cursos presenciais.
3.2 Pesquisa Documental
Uma das condições para a realização da pesquisa documental é a averiguação da autenticidade dos documentos a serem analisados. No presente caso, a autenticidade é dada pela coleta dos dados diretamente dos sites das próprias IES em que funcionam os respectivos cursos. Outro aspecto a ser considerado é com relação à natureza do texto do documento. Cellard (2008) alerta sobre a necessidade de, antes de tirar conclusões, levar em conta a existência de diferentes estruturas nos textos dos documentos, que variam em razão de contextos. Muitas vezes são estruturados de forma a fazer sentido somente no contexto específico de sua produção. É precisamente o que ocorre no presente caso. No âmbito das instituições, o PPC é o principal marco regulatório de cada um de seus cursos; reveste-se, então, de fundamental importância para as práticas universitárias, notadamente quanto a políticas institucionais de interdisciplinaridade. Os projetos incluem-se como documentos. Entendemos documento como “qualquer suporte que contenha informação registrada, formando uma unidade, que possa servir para consulta, estudo ou prova” (ABNT 2018, p 2). Justifica-se essa modalidade de pesquisa sobretudo quando consideramos, com Flick (2009), que a construção de explicações sobre eventos pode ser feita a partir de documentos entendidos não como contêineres de informação; mas, sim, como instrumentos de contextualização da informação metodologicamente elaborados. Visto assim, cabe mencionar que, na pesquisa qualitativa, deve ficar clara a inserção do pesquisador no objeto. Tanto as suas motivações, quanto a sua capacidade de observação e compreensão; quanto, ainda, a sua visão de mundo estão presentes na sua investigação, o que leva a uma visão influenciada pelos significados que ele tem incorporados pelas suas práticas sociais. Bortoni-Ricardo (2013, p. 32) defende que o pesquisador “não é um relator passivo, mas um agente ativo.” Esses aspectos todos carecem de ser levados em conta, tendo em vista que a metodologia concentra-se na interpretação que busca entender fenômenos humanos observados em um determinado contexto sociocultural. Também é forçoso acrescentar que a análise interpretativa documental - metodologia que responde bem à questão desta investigação - às vezes é permeada por dados observacionais, obtidos pelos autores em sua vivência profissional, incluindo a participação na elaboração de projetos pedagógicos. Sob a égide dessas caracterizações, uma revisão do conteúdo de documentos norteadores precedeu a análise categorial de conteúdos dos PPCs que constituíram o corpus desta pesquisa.
3.2.1 Documentos Oficiais Norteadoes
Cumpre notar que, no Brasil, a educação é regida, basicamente, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1995, que representou significativa mudança de rumos, em relação à legislação anterior, consistindo, no caso do ensino superior, na substituição de uma marca fortemente tecnicista por uma formação que contempla a cidadania. A partir da LDB, passam a ser emanadas pelo Conselho Nacional de Educação, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos superiores. Caracterizadas pela dinâmica curricular e flexibilidade de sua elaboração - à vista das demandas de adaptação contínua à realidade social e mercado de trabalho - e pela ênfase no desenvolvimento de competências e habilidades para uma formação geral, as DCN trazem orientações gerais que se constituem como um norteamento, a partir do qual as instituições podem desenvolver, com autonomia, as propostas para cada curso de graduação (Silva, 2019). Tais propostas são consubstanciadas nos chamados PPCs. Cabe acrescentar que, via de regra, as DCN incluem a abordagem interdisciplinar como indicador para elaboração dos projetos pedagógicos dos cursos de graduação. Documentos emanados do Ministério da Educação, incluindo o Conselho Nacional de Educação-CNE (órgão responsável pela elaboração e avaliação da política nacional de educação) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais -INEP (órgão responsável pela avaliação de instituições e cursos superiores) são reguladores e norteadores para as atividades das IES. Neles se incluem concepções, exigências e recomendações no tocante à interdisciplinaridade como prática requerida nas IES, consolidadas nos Instrumento de Avaliação de Cursos e Instrumento de Avaliação Institucional Externa (MEC/INEP 2020). Em síntese:
3.2.2 O Corpus: Cursos e Projetos Pedagógicos
Foram identificadas 14 instituições, sendo 08 universidades e 06 centros universitários. Desse total, 07 disponibilizam PPCs completos em seus sites (Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Universidade Federal de Uberlândia, Universidade Estadual Paulista, Universidade de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Universitário Moura Lacerda, Centro Universitário Estácio). As demais disponibilizam algumas informações dos cursos, incluindo a matriz curricular. Uma demonstração dos cursos nas regiões e, entre eles, os que têm PPCs disponibilizados encontram-se na tabela 1.
A tabela 2 mostra distribuição segundo áreas de conhecimento e tipos de graduação:
O panorama geral, apresentado nas tabelas acima, representa o contexto em que os dados específicos passam a ser analisados.
3.2.2 Os Dados e sua Análise
Os dados foram agrupados em duas categorias que, a partir das questões de investigação, foram assim constituídas: (i) concepção e interpretação de interdisciplinaridade; (ii) previsão de atores: pessoas e/ou instituição. Na primeira categoria, a verificação foi feita em dois polos: um em que os PPCs apenas reproduzem as definições existentes nas DCN (aqui identificadas por reproduzidas); e, outro, que se refere às modificações com ampliação em relação ao texto das DCN (identificadas por modificadas). Inclui também todos os PPCs que apresentaram propostas para a realização e/ou projetos interdisciplinares nas suas matrizes curriculares. Quanto à essa categoria, foram obtidas informações em 130 PPCs. Em 93 deles, observa-se uma preocupação em interpretar as indicações das DCN e sua transposição para o ordenamento dos cursos. Portanto, mostram acréscimos ou desdobramentos da concepção básica de interdisplinaridade. Entre esses, há diferenças significativas, que vão desde menções de que a interdisciplinaridade deve ser desenvolvida nos cursos, até descrições bastante detalhadas e propositivas bem delineadas para a efetivação da interdisciplinaridade. Em contraposição, 37 PPCs reproduzem os textos de DCN; e, em alguns casos, nem há reprodução completa da interdisciplinaridade definida nos documentos norteadores; mas, sim, algumas frações desses textos. As tabelas 3 e 4, abaixo, mostram o enquadramento dessas posições nas regiões, bem como segundo as áreas de conhecimento, bem ainda segundo os tipos de graduação:
No levantamento diagnóstico do corpus, considerando os PPCs que se incluem na subcategoria modificadas, foi identificado um elenco extenso de concepções e proposições que se assemelham, de modo que serão mencionadas aquelas mais destacadas e significativas, mesmo porque o relato do estudo exaustivo de todas as manifestações ali contidas, exigiria ultrapassar, em muito, os limites deste artigo. Senão vejamos: um curso de Administração, por exemplo, reconhece a necessidade de uma visão interdisciplinar da realidade para a gestão empresarial em razão das características atuais da economia global e da constante mudança tecnológica. Em complemento, a proposição para que a interdisciplinaridade se realize em dois aspectos, horizontal e vertical, e que tais aspectos correspondam à articulação das disciplinas de cada semestre e entre os diversos semestres. Essa articulação, entretanto, não é esclarecida quanto ao modo de execução. Outro PPC, embora descreva características dos diversos períodos letivos e proponha a interdisciplinaridade em todos eles, não são mencionadas estratégias para alcançá-la, a não ser no caso de uma disciplina “Interpretação de Textos e Técnicas de Comunicação”, que usa textos de outras disciplinas do mesmo período para a realização das atividades por parte dos discentes. Em outros, depreende-se que a interdisciplinaridade deva ser uma característica dos discentes, ou seja, a expectativa é a de que os alunos devam ser capazes de fazer a integração entre as diversas disciplinas. O mesmo acontece, ao que parece, quando se espera do aluno, em atividades complementares, a visão interdisciplinar em leitura e resenhas de livros, filmes, reportagens, entre outras atividades sugeridas pelos docentes. Um dado curioso, entretanto, é que não há nenhuma proposição de natureza operacional e/ou prática quanto a estímulo, capacitação e outros aspectos de formação continuada para os docentes quanto à interdisciplinaridade. Em uma instituição, por exemplo, um PPC de Ciências Biológicas apresenta um “Projeto Integrado de Prática Educativa”. De forma análoga, um curso de Jornalismo opera um “Projeto Interdisciplinar em Comunicação”. O curso de Engenharia de Computação prevê a necessidade de o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) ser desenvolvido em uma empresa que preze pela interdisciplinaridade. Cite-se, ainda, o curso de Fisioterapia que propõe a interdisciplinaridade com o curso de Nutrição. O curso de História, por sua vez, destina 1.710 horas para o “Núcleo de Formação Geral das Áreas Específicas e Interdisciplinares”. Para o curso de Administração, há menção de integração interdisciplinar com uma Empresa Júnior. Em outra instituição, o PPC de Biomedicina agrega um Projeto “Estatística no Cotidiano”. Ainda, o curso de Engenharia de Alimentos registra um organograma, em que se propõem estudos interdisciplinares. Quanto à subcategoria reproduzidas, cumpre notar que, no total de 37 PPCs (tabelas 3 e 4), observa-se reprodução dos textos das DCN, em sua completude ou de maneira fragmentada. Na segunda categoria, “previsão de atores: pessoas e/ou instituição”, os dados foram considerados em duas subcategorias, ou seja, os PPCs que apontam o protagonismo de somente pessoas na consecução da interdisciplinaridade e aqueles que atribuem o papel, tanto de pessoas quanto da instituição, conforme se depreende das tabelas seguintes. Na grande maioria, 99 PPCs mencionam somente o papel de pessoas (alunos e professores) como atores da implementação da interdisciplinaridade. Apenas 17 PPCs congregam o pessoal e o institucional como protagonistas. Sejam as tabelas 5 e 6:
Para a apresentação da segunda categoria, seguimos o mesmo encaminhamento das análises da primeira categoria, em razão dos limites de espaço para este artigo. Assim, apenas para ilustrar, o PPC de um curso de Arquitetura e Urbanismo registra que a interdisciplinaridade deverá ser estabelecida com outros cursos e com a Coordenadoria de Extensão, mas não explicita recursos, estratégias, ou seja, o modus operandi para a consecução. Na mesma instituição, para o curso de Biomedicina, a interdisciplinaridade deverá ser operada por meio das atividades complementares, a partir de lista de sugestões proposta pelo Núcleo Docente Estruturante (NDE). Cursos de Tecnologia em Gestão Comercial, Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos, Tecnologia em Logística e Tecnologia em Processos Gerenciais, enfatizam a utilização de laboratórios pelos discentes em seus PPCs. Sobre o uso de laboratórios, interessante observar um curso de Pedagogia, em que são desenvolvidos projetos de ensino, pesquisa e extensão relacionados à formação inicial e continuada de professores. O laboratório atende, principalmente, às Licenciaturas em Biologia, Química, Psicologia e Pedagogia. Logo se verifica o apoio à formação continuada do docente, mas não especifica nenhum aspecto da interdisciplinaridade. Um PPC de Administração prevê articulação entre docentes envolvidos, com vistas à integração interdisciplinar ou interdepartamental na implementação das propostas curriculares, propondo a criação de uma Comissão Específica para gerir. Paralelamente, o PPC de Odontologia institui a “Avaliação Progressiva Interdisciplinar Anual”, aplicada aos estudantes. Outro dado expressivo é revelado num PPC de Direito, ao afirmar, no perfil do egresso, a necessidade de visão interdisciplinar. Cabe questionar: em que consiste e quais procedimentos e ações são efetivadas para cumprir tal determinação? Mais exemplos: PPCs de Agronomia, Arquitetura e Urbanismo, e outros, atribuem o incremento da interdisciplinaridade aos discentes, docentes e coordenadores de cursos. Um PPC de Artes Visuais oferece, como prática curricular, “Projetos Interdisciplinares”. Outros PPCs como os de Ciência da Computação, Matemática, Letras, incluem o Programa de Educação Tutorial (PET), o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e o Programa Residência Pedagógica para efetivar a interdisciplinaridade. Mencionam-se, ainda, PPCs de Engenharia Química e Nutrição, que incluem a coparticipação de Empresa Júnior e Ligas Acadêmicas, bem como os de Geografia e Engenharia de Alimentos, que propõem interdisciplinaridade intercursos. Em suma, obervam-se, então, nessa subcategoria, proposições de atribuição de papéis tanto para pessoas quanto para órgãos da instituição. Apesar disso, poucos estabelecem responsabilidades financeiras das instituições. Em contrapartida, destaque-se um evento “Mostra Institucional de Ensino, Pesquisa e Extensão”, patrocinado cultural e financeiramente por uma instituição, que dá a conhecer a interdisciplinaridade produzida na sua comunidade acadêmica.
4.Considerações Finais
Neste trabalho, foram considerados dados sobre as concepções de interdisciplinaridade e sobre o protagonismo das pessoas e das instituições, cujo envolvimento é entendido como necessário à sua implementação. A análise dos dados destas categorias apresentou variedade de textos para a concepção de interdisciplinaridade. Em sua maior parte, esses textos não apresentam uma concepção clara e consistente de interdisciplinaridade e, com isso, pode-se considerar, na narrativa de interdisciplinaridade nos PPCs, a existência de um hiato entre a ideia de interdisciplinaridade e o encaminhamento para a sua prática nos cursos. Concorre fortemente para isso, a ausência, salvo exceções, de textos explicativos e operacionais, quanto às atribuições do papel institucional de articulação da interdisciplinaridade na dinâmica universitária. Uma observação geral significativa do corpus é que, nas cidades consideradas, existem mais cursos com PPCs não disponibilizados nos sites do que aqueles disponibilizados. Tendo isso em conta, deve-se admitir que generalizações podem ser temerárias, mesmo no âmbito restrito dessas regiões, que comportam instituições multicursos em outras cidades. Por outro lado, aquilatamos que a metodologia de pesquisa documental, com caminho interpretativo utilizando-se de categorizações, revelou-se: a) adequada aos objetivos e questões de investigação; b) importante no sentido de ser utilizada para estudos posteriores de natureza qualitativa; c) contributiva para ampliação de conhecimento capaz de produzir subsídios úteis para elaboração de PPCs. Cabe acrescentar que os dados, aqui apresentados e analisados, são geradores de novas questões para investigação, a exemplo da interdisciplinaridade intercursos, da pesquisa interdisciplinar, das fundamentações teóricas explicitas e subjacentes etc. Permitem também uma reflexão mais ampla e profunda sobre os PPCs como instrumentos reguladores de cursos, principalmente no tocante à necessidade de criar estratégias que sirvam ao escopo de plenificar a interdisciplinaridade nas práticas acadêmicas.