1.Introdução
Há um contexto histórico que fundamenta o surgimento das creches no Brasil, para suprir demandas de caráter social e, por vezes, assistencialista, ancorado por políticas públicas e de direitos, trazendo novos olhares para esse campo que tem ganhado destaque na educação básica e na formação. A partir da década de 1970, influenciados por fatores sociais os governos federal, estaduais e municipais, iniciaram a expansão e atendimento voltado para a criança pequena no ensino público (Silva, 2014). A Constituição do Brasil de 1988 estabeleceu o direito à educação básica enquanto a Lei nº 12.796, de quatro de abril de 2013, (Brasil, 2013) alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que, entre outros aspectos, aponta a obrigatoriedade e gratuidade da educação infantil para a faixa etária de crianças até cinco anos de idade, visando seu desenvolvimento integral, bem como os aspectos físicos, psicológico, intelectual e social, complementando as ações da família e da comunidade. Segundo Campos et al., (2011), a partir dos anos 2000, as mudanças na legislação e na política educacional, fizeram com que a educação infantil obtivesse reconhecimento, impulsionando seu crescimento. Para Gatti (2014), o trabalho dos professores demanda uma compreensão sobre a realidade das escolas e crianças, favorecendo situações de aprendizagem. Constata-se que há insuficiência na formação para o desempenho desse trabalho. No Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil - RCNEI (1988), também se destaca o princípio do cuidado na esfera da instituição da educação infantil como parte integrante da educação. A formação dos professores ainda representa grande desafio para as políticas educacionais. Muitos países têm desenvolvido ações e políticas voltadas para a área educacional, incluindo a formação docente (Valença et al., 2020). A educação infantil, sendo uma profissão crescente no âmbito pedagógico traz a interface entre o cuidar e o educar, potencializando o fator emocional, visto que envolve relações interpessoais com crianças pequenas, conforme sinaliza Montenegro (2005). Nesse contexto, exigiu-se das instituições formas de organização delimitando as funções do profissional que atua diretamente com a educação infantil, sendo essas o Pedagogo e os Auxiliares de Desenvolvimento Escolar (ADE). Essa última categoria foi criada no município estudado para atuar junto ao pedagogo nas atividades da Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI). A articulação entre cuidado e educação, há muito discutida, mantém relação direta com a questão da formação inicial e contínua de professores, calcada na necessidade da construção de uma identidade profissional coesa. É primordial resgatar a dimensão ética do cuidado agir com sensibilidade reconhecendo que a criança pequena necessita do afeto e atenção no seu processo de educação (Monção, 2017). Os desafios, de articular o educar e o cuidar, também estão nos processos na formação dos profissionais. Segundo as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (Brasil, 2013) o cuidar e o educar constituem parte das ações educativas destinadas a crianças a partir de zero ano. O cuidado com a criança desde a primeira infância exerce duplo papel: manter sua saúde, o conforto e bem-estar e dar à criança referências sobre si mesma, o outro e o ambiente. O direito à educação é inerente à formação da pessoa em sua essência humana. Nesse sentido, se torna necessário o educador ter bases sólidas de conhecimentos relacionados ao olhar cuidadoso em sua prática profissional, inserindo a criança com o ambiente externo e com um grupo social diferente de sua família. Esse contexto denota a necessidade de verificar como as instituições de educação infantil estão trabalhando com suas capacidades e desafios frente à vivência cotidiana nas creches. Portanto, pretende-se, assim, contribuir de alguma forma para a melhoria do atendimento com crianças de creches, captando como os cuidados em saúde e as práticas pedagógicas estão sendo realizados, identificando os desafios, seus determinantes e estratégias de superação, para que o profissional da área de educação infantil possa atuar com segurança no trato com crianças pequenas. Como também perceber o modo como os professores, os ADEs e gestores compreendem a realização da prática pedagógica e do cuidado na educação de crianças de zero a dois anos, identificar problemas e estratégias de sua superação.
2.Método
A abordagem desta pesquisa é qualitativa por possibilitar profunda imersão no campo, obtendo participantes com interesse e oferecendo grande riqueza para a análise de dados (Collado et al., 2013). A pesquisa foi desenvolvida na rede municipal de ensino em educação infantil de cidade de médio porte do centro-oeste do interior do Estado de São Paulo, Brasil, com aproximadamente 40 escolas de educação infantil, sendo cinco Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEI), 21 Escolas Municipais de Educação Infantil e Creche (EMEI-creches); nove Escolas Municipais de Educação Infantil e Creche (Berçários - específicas para a faixa etária de 0 a 1 ano e 7 meses de idade), três Entidades Privadas Filantrópicas de Educação Infantil (EPFEI), - todas elas atendendo a crianças na faixa etária de 0 a 5 anos de idade; duas Escolas Municipais de Ensino Fundamental e Educação Infantil (EMEFEI). Adotou-se, como critério de seleção das escolas, a escolha de uma de cada região (Norte, Sul, Oeste, Leste e rural); o fato de ser mais distante ou próxima da região central; ser EPFEI ou EMEI-creches. Esta escolha das escolas, ocorreu pelo tipo de amostragem por conveniência nas cinco escolas selecionadas, garantindo dados significativos na realização deste estudo. Os participantes foram dois gestores de nível central; cinco diretores; cinco pedagogos e nove ADE, tendo como critério de inclusão o profissional de maior tempo na atividade. Como critério de exclusão, adotou-se o fato de ser gestor de nível central ou local, bem como profissional que está na unidade escolar municipal há menos de um mês. A coleta foi realizada em duas fases. Na 1ª fase, utilizou-se a entrevista semiestruturada com todos os participantes. Utilizando-se um roteiro, com disparadores-guia para a conversa, possibilitou ao entrevistado discorrer sobre a temática sem se prender, necessariamente, à indagação formulada (Minayo, 2013). Abordou-se o processo de trabalho dos profissionais na EMEI, qual sua concepção de cuidado e educação e as relações estabelecidas entre eles, além dos desafios percebidos pelos profissionais. Nesse artigo focaremos o processo de trabalho dos profissionais e seus desafios para realizá-lo. Utilizou-se a Análise de Conteúdo, modalidade temática, com os dados da 1ª fase e, posteriormente, na 2ª fase, permitindo validar as inferências por meio da análise dos contextos, por procedimentos adotados na pesquisa ou achados científicos (Minayo, 2013). Segundo Minayo (2013), os momentos da análise temática que significaram e compuseram as etapas da pesquisa, foram os seguintes - Pré-análise; leitura flutuante e exaustiva do material transcrito, resultando na delimitação das categorias de análise; Processamento: leitura dialógica e exploração do material de modo investigativo; elaboração da síntese interpretativa, baseada no registro produzido a partir da transcrição das entrevistas, selecionando fragmentos dos depoimentos para a elaboração dos achados, conclusões e pressupostos. Após a análise dos dados iniciais coletados, foi realizada a 2ª fase da pesquisa na qual se utilizou como método a oficina de trabalho. A oficina de trabalho foi empregada como estratégia de devolutiva dos resultados obtidos pela pesquisa, validando a análise dos dados, proporcionando também reflexão sobre os fatos observados, elaborando os problemas a partir do material apresentado, identificando seus determinantes e propondo estratégias de intervenção para os problemas/desafios identificados (Campos et al, 2010). Dessa forma, todos os atores envolvidos puderam propor estratégias de intervenção para os problemas, podendo repensar práticas relacionadas ao processo de trabalho com crianças na educação infantil. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos pelo Parecer 2569052/2018. Iniciou-se a pesquisa somente após todos os participantes realizarem leitura, ter esclarecimentos e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Solicitou-se autorização para que as falas das entrevistas fossem gravadas para posterior transcrição, garantindo a privacidade, o respeito profissional, e a fidedignidade dos dados, como garantia dos aspectos éticos e legais da pesquisa. Para preservar a identidade dos participantes, inseriram-se as falas sinalizando a sua categoria profissional ou cargo. Os gestores foram identificados pela letra “G” e o número da entrevista (G1, G2, G3, ... G7), os pedagogos P (P1, P2, ... P5) e os ADEs (ADE1, ADE2, ... ADE9). Nas oficinas, identificou-se pelas letras OF e o número da oficina (OF1, OF2, ... OF5).
3. Resultados e Discussão
3.1 O Processo de Trabalho na Educação Infantil
A pesquisa contou com a efetiva participação dos profissionais envolvidos que colaboraram para os resultados e discussão aqui apresentados. Que nos proporcionou uma rica e extensa documentação destacados nas entrevistas, oficinas de trabalho com os profissionais participantes permitindo registrar o percurso do trabalho com todos os sujeitos envolvidos, os resultados são expressos nos processos e a multiplicidade de fatores que fazem parte dessa pesquisa (de Souza et al., 2017). Os participantes consideram que o trabalho com a criança dessa faixa etária ser prazeroso e de grande responsabilidade, pois exige dedicação intensa na organização das atividades leva em consideração a participação do ADE, este auxilia ativamente nos processos de ensino-aprendizagem, envolvendo-se nas práticas educativas. Os trechos transcristos das entrevistas e/ou oficinas sinalizam alguns momentos que permitem afirmar as visões dos profissionais destaca a importância do envolvimento entre escola e família comprometida com a aprendizagem escolar, conforme as falas a seguir.
“[...] A criança se adapta rápido e a gente tem um retorno muito rápido desta inserção da criança e até da família, mais é um trabalho prazeroso e a responsabilidade é muito grande [...]. Até maio vamos receber crianças de quatro meses [...] tenho criança que vai até oito meses [...].” (P2) “[...] Tem todo um cuidado por cima do planejamento, por cima do acompanhamento, as orientações [...] os pais dão este feedback, gostam dos professores e quando não gostam eles se colocam, eles se posicionam, então realmente o acompanhamento é essencial.” (G4)
Ao professor cabe coordenar a turma sob sua responsabilidade tendo conhecimento para orientar o ADE. Todos os momentos escolares são importantes e considerados momentos de aprendizagens, mas cada professor tem o seu ritmo, a sua metodologia, baseados no planejamento, no desenvolvimento de projetos investigativos. No momento de chegada das crianças a escola, o professor junto com o ADE ou estagiária, dedica um tempo para a acolhida delas, uma forma de aconchegar a criança para que a mesma se sinta bem.
“A gente recebe as crianças sempre junto com o professor [...]. O professor tem o contato com os pais, a gente tem o contato com as crianças [...].”(ADE1) “[...] Nós temos uma rotina, acho muito importante a rotina para que eles se sintam seguros. Então quando eles chegam, nós fazemos uma chamadinha, já para ir guardando o nome dos colegas, se diferenciando [...] eles estão percebendo que têm o outro. Então, ele começa a memorizar os nomes dos colegas e a contar [...].”(P4)
Associado ao cuidar existe o fazer pedagógico para essa faixa etária. Os ADE auxiliam os professores dando o suporte necessário, enquanto o professor desenvolve a parte pedagógica que acontece de forma simultânea junto aos de cuidados. A contribuição desse fazer pedagógico é muito clara e pode ser acompanhada no desenvolvimento integral e global da criança ao final do ano letivo; possibilitando à criança viver experiências nas formas sensoriais, lúdicas, verbais, corporais e expressivas desde a mais tenra idade, tendo como eixo norteador o brincar de acordo com as DCNEB (Brasil, 2013).
“[...] a gente faz o momento da hora da roda, [...] nós vamos fazer a contagem, ‘Quantos vieram? Olha quem faltou’ [...] porque a criança já começa a participar deste momento, ela tenta também contar da maneira dela [...] A mordida continua fazendo parte da minha fala todos os dias, porque eu tenho criança que ainda morde, então todos os dias na hora da roda, pergunto ‘Posso morder o amiguinho? Não’ [...]”. (P3) “[...] depois do lanche a gente tem a atividade [...] às vezes a gente faz alguma atividade manual e depois a gente tem também a atividade na sala do multiuso e lá tem vários materiais pedagógicos. Então, cada dia procuro diversificar. [...] a gente vai procurando se envolver, sempre observando o avanço d’aonde eles compreenderam no início e aí com o passar dos dias o quanto que eles vão alcançar na compreensão [...]” (P4)
Ao citarem a prática da “atividade em roda”, buscam o reconhecimento dos integrantes no grupo, mas também da construção de regras no processo de desenvolvimento da criança. Silva et al. (2017), apresentam reflexão sobre o uso da roda de conversa na educação infantil, destacando a importância da escuta do outro, do silêncio, do diálogo e da constituição da subjetividade e dos sujeitos. O trabalho pedagógico desenvolve-se por meio do brincar em se tratando de crianças pequenas. Ao educador cabe dar segurança e afeto. Também se destaca que o educar é a aprendizagem e o princípio pedagógico o discernimento das situações, estimular o desenvolvimento intelectual da criança e formar um indivíduo crítico, um cidadão consciente. Educar é preparar a criança para exercer a cidadania, aprender as regras e os costumes sociais. Aprende-se com o outro e nas relações que se estabelecem em cada ação que se realiza. Educar é ensinar o tempo todo; faz parte do currículo, é uma relação de troca de experiências no grupo. Kramer et al. (2020) destaca a importância da relação adulto e criança para a formação futura, que se confirma nos depoimentos dos profissionais.
“[...] Na verdade, no momento que você educa para ser um cidadão você educa em outras questões também. Principalmente, quando você tem um olhar de ver aquela criança em ser um cidadão crítico, aí então você educa de diferentes esferas [...]. Então, educar ele é amplo também e o educar precisa do cuidar... [...].” (P5) “[...] Você está ensinando o ser humano a lidar com o outro porque no mundo a gente sempre tem que estar ensinando as crianças que as coisas não vão ser do jeito que ela quer e assim de acordo com regras, de acordo com costumes sociais, ela tem que respeitar isso [...].” (ADE5) “[...] Você aprender com o outro e você se colocar ‘ah meu espaço é esse, o espaço do outro é aquele, mas me relaciono com ele’. A importância dele como esse outro agrega, esse outro contribui para nossa formação [...].” (G4)
Considera-se que o educar é amplo e precisa do cuidar, principalmente nesta fase de vida da criança, não há educação infantil sem o cuidado, engloba o afeto e carinho transmitido. Na primeira infância se ensina a comer e a ter respeito às diferenças, se coloca limites e regras, ou seja, se educa. Nesse sentido, conforme o texto da DCNEB, a educação é direito individual humano e coletivo em que se agregam valores sociais (Brasil, 2013).Para Ciríaco & Zenerati (2015), “a criança é um ser social dotada de capacidades afetivas, emocionais e cognitivas” e interagindo tanto com seus familiares como professores poderão aprender ampliando conhecimentos, esses é que lhe fornecerão condições para que se promova seu desenvolvimento ao longo da vida. Cabendo ao profissional da Educação Infantil reconhecer e valorizar as diferenças e peculiaridades da infância podendo contribuir com seu trabalho pedagógico para as vivências e as experiências infantis.De acordo com Martins Filho e Delgado (2016), os adultos na creche, são os responsáveis pela tarefa de conduzir o processo educativo e pedagógico, bem como o de organizar as práticas que devem abordar os conhecimentos que fazem parte também das dimensões expressivas e corporais.Nos primeiros anos de vida a criança realiza suas primeiras aprendizagens estabelecendo comunicação com o adulto. Segundo Monção (2017) essas práticas sociais são efetivadas tanto no contexto educacional quanto no familiar. Entretanto, na creche, estão vinculadas ao conhecimento sobre o desenvolvimento da criança e à educação em espaços coletivos, o cuidado do corpo também associado ao desenvolvimento da personalidade da criança.
3.2 Desafios e perspectivas na educação de crianças de zero a dois anos
Durante as oficinas de trabalho em cada unidade pesquisada, ao se apresentar os resultados analisados da 1ª fase da investigação para o pedagogo, ADE e gestora local, buscou-se a sua validação, a identificação dos problemas e dos desafios frente à temática abordada, a explicação dos seus determinantes e a elaboração de propostas de superação e de estratégias de intervenção. Captou-se, na visão dos participantes, como um primeiro problema a divergência da concepção de cuidar e educar entre as famílias e a escola. Eles sinalizam que a família vê a escola como assistencialista, ou seja, percebem que existem visões diferentes com relação à missão da escola de educar e cuidar. Destacam ainda que essa divergência ocorre em função do baixo índice de participação dos pais nas reuniões escolares, considerando isso como desinteresse em relação ao desenvolvimento da criança. A relação das famílias com a escola tem se mostrado conflituosa, em alguns momentos, por não considerarem que a escola seja espaço de formação e educação das crianças, na perspectiva dos participantes da pesquisa, mas local que possam deixá-las enquanto trabalham, bem como por terem referências diferentes dos valores a serem constituídos junto às crianças.
“[...] a gente tá ficando cada dia mais chocada. É que a família tá vendo a escola não como escola, infelizmente. [...] como um depósito. [...] parece que não quer ficar, muitas famílias, com o filho.” (OF1) “A questão da família chega a ser um pouco difícil, porque nós temos aqueles pais que trabalham e não conseguem organizar horários para participar da vida escolar da criança, mas ainda assim consegue que venha um avô, um representante. [...] E a gente tem aqueles casos extremos que são mesmo porque as famílias se eximem das responsabilidades, jogam para a escola. Temos aqueles pais também que são extremamente participativos, colabora, vem nos auxiliar [...]”. (OF3) “[...] mas se a gente for ficar pegando crianças doentes para ficar, quando você vê está com uma turma doente. Então, você não precisa só de um professor, você vai precisar de enfermeiro dentro da sala. E aí descaracteriza o que é a função da escola [...].” (OF4)
Percebe-se que os profissionais e os gestores direcionam as causas do problema para as atitudes das famílias frente ao processo de educação, não se questionando e problematizando as condições sociais para que essas famílias possam ter outras formas de se organizar e construir outra visão com relação ao processo educacional. Nesse sentido, Monção (2015), destaca que a integração entre o cuidado e educação, quando compartilhada entre família e educadores, constitui-se no elemento-chave para uma educação infantil democrática e de qualidade das creches. Há a expectativa de que os pais participem do processo educacional, tendo maior proximidade com a escola, compreendam as situações que acontecem com os seus filhos, que possam auxiliar nas situações problemáticas e que a criança venha para a escola sem os problemas de doença, sinalizando na oficina que:
“A gente precisava encontrar uma forma de que os pais de fato participassem, [...] mas não conseguem. São raros os pais que vem perguntar sobre o filho [...] e ainda temos uma situação delicada, por exemplo, nós temos aqui na escola casos muito sérios de crianças que quando a gente começar fazer o trabalho pedagógico, a gente percebe as dificuldades das crianças e as vezes a gente chama os pais para conversar, ainda assim tem pais que não conseguem vir, não acolhem a orientação da escola.” (OF3)
Há um conflito entre o desejo e a realidade na educação infantil, entre as condições das famílias e das escolas para construírem os processos educacionais. Os desafios para que o processo ocorra numa perspectiva de constituição de sujeitos estão presentes nos dois segmentos. Percebe-se a presença de nós críticos como a estrutura familiar para realizar a educação dos filhos, muitas vezes determinados pelas condições sociais de estruturação das famílias, de trabalho, de constituição de responsabilização, dentre outras situações. Esses determinantes interferem no compartilhamento da tomada de decisão no processo educativo das crianças.
“Eu acho que é questão de orientação às famílias [...] depende da postura que a direção toma com essa família. Se você orienta, se você explica a necessidade, os pais em primeiro lugar são as crianças. É claro que vai ter um caso ou outro que não vai dar mesmo, mas quem tem a responsabilidade, o amor pela criança [...]”. (OF4) “A comunidade é essencial na escola. Quem faz a escola é a comunidade, você tem uma comunidade, tem uma escola! Comunidade é importantíssimo, cria o vínculo! [...] então a comunidade é o sentimento de pertencimento [...]”. (OF5)
Ao elaborarem as propostas, os participantes identificaram que, nessa situação acima, não tinha o que fazer em algumas situações. Porém, propuseram soluções como a participação e aproximação dos pais nas atividades cotidianas da escola, maior envolvimento e pertencimento em relação à escola, construindo uma relação de confiança. Por outro lado, questiona-se a visão e a formação dos professores e ADE, para que possam analisar as situações vividas numa perspectiva crítica, reflexiva, podendo, também, pensar sobre as ações que a escola tem construído para auxiliar na compreensão e resolução desses problemas, refletindo sobre a sua prática, sua intencionalidade, bem como compreender os processos sociais envolvidos na prática educacional. A partir das divergências sobre o cuidar e educar entre as famílias e a escola é preciso que ocorra a construção de relações de confiança entre estes diferentes atores para que possam compreender os problemas considerando as diversas explicações, seus contextos, para buscarem soluções pactuadas entre os envolvidos. A educação articulada ao cuidar envolve as ações dos profissionais, seja ele pedagogo ou ADE e necessitam de sustentação teórica e prática, por parte dos profissionais e delimitam os procedimentos da prática profissional entre o ADE e o professor, tendo sido destacado que:
“[...] É, ter vivências, ter um contato pelo menos, porque eu acho que quando a gente tem um contato a gente vai reformulando a nossa prática, mas aí em questão de zero a dois a gente não tem, no curso de pedagogia [...]”. (OF4) “Eu acho que essa capacitação, esses cursos, deveriam ser contínuos, tanto para professor quanto ADE, ou também às vezes mesclar, fazer porque trabalha junto, eu acho que deveria ser feito dessa forma para ir moldando”. (OF1)
Nesse contexto, os profissionais sinalizam que há necessidade de processos de formação que sustentem as práticas pedagógicas e de cuidado com as crianças de zero a dois anos. Segundo Infantino (2015) a educação permanente, na perspectiva reflexiva sobre as próprias práticas, poderia ser uma oportunidade para a compreensão dos problemas, fundamentação e construção de estratégias de superação das situações problema. No processo de formação e constituição de sujeitos, outro aspecto que merece ser pensado são as condições de trabalho, dentre essas o número de crianças por sala. Há escolas em que a proporção de profissionais para o número de crianças é adequado, porém, em outras situações há um aumento dessa proporção, considerando a redução de profissionais, sinalizando que:
“[...] a questão do número de crianças dentro de uma sala é um problema. [...] a gente tem uma dinâmica que as atividades que são quase feitas individualmente [...].” (P5) “[...] aqui é muito tranquilo, eu falo na quantidade de crianças, dá para trabalhar. Porque a gente vê às vezes se o número é muito grande fica difícil o cuidado, não vai ser a mesma coisa [...].” (ADE3)
As crianças, por meio de relacionamentos socioafetivos, no contato e nas relações que se estabelecem com o mundo, os adultos da família, os profissionais da creche e também com outras crianças, experienciam e aprendem com essas relações. Esse processo favorece o desenvolvimento e a aprendizagem infantil. Porém, na creche conta com o auxílio de profissionais, desde que capacitados adequadamente, direcionam as aprendizagens com conteúdos pedagógicos que influenciam no desenvolvimento infantil (Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância , 2014). Ten Catte (2013), ao abordar o acompanhamento do profissional em formação, considerando seus graus de autonomia e domínio, menciona que precisa ocorrer a partir de referências ou parâmetros estabelecidos pela instituição de ensino, para proporcionar grau de confiabilidade nas ações a serem efetuadas durante as atividades nos cenários de prática. Esses graus são os parâmetros para acompanhar o desenvolvimento dos estudantes e/ou profissionais, sendo importante a responsabilização que o estudante/profissional assume frente às ações a serem realizadas.
4.Considerações Finais
A análise dos dados considerou a visão dos professores, ADE e gestores, dando destaque para a contribuição da técnica de oficina de trabalho, na qual os dados qualitativos foram validados durante a sua realização, por meio da participação conjunta de todos os participantes, em cada escola, na discussão das temáticas propostas. Essa estratégia metodológica possibilitou desvendar e compreender como ocorre o processo de trabalho com as crianças de zero a dois anos, bem como seus desafios cotidianos. A partir da primeira fase da pesquisa, a imersão nos dados oportunizou ampliar pontos que não tinham sido percebidos, um aspecto vantajoso da pesquisa, mas a interação entre as diferentes visões também construiu novos olhares para o processo de trabalho, além de perceberem os desafios a serem enfrentados, através do diálogo proporcionado pela segunda fase do estudo nessa pesquisa. Dessa forma, considerou-se que o educar é amplo e precisa do cuidar, principalmente na fase de vida da criança de zero a dois anos. Mencionando que educar e cuidar, nessa faixa etária, é um conjunto e não se consegue fazer sozinho, precisando da família e da escola. O trabalho pedagógico desenvolve-se por meio do brincar, estando focado nas crianças enquanto sujeitos, estimulando o desenvolvimento intelectual, formando um indivíduo crítico e um cidadão consciente, sendo de fundamental relevância em seu processo de formação. Captou-se que, mesmo com os esforços realizados em dividir as atribuições, o professor fica responsável pelo planejamento das ações e execução das estratégias pedagógicas, tendo auxílio do ADE na execução das atividades. Porém, como o educar e o cuidar não estão dissociados, percebe-se a necessidade de uma construção compartilhada e uma prática dialógica entre os profissionais que atuam com as crianças. Dentre os problemas captados estão as condições estruturais e de planejamento das atividades, formação dos profissionais para sustentar as atividades e as divergências entre a escola e as famílias no processo de cuidar e educar. Tanto a formação inicial como a contínua do pedagogo e mesmo do auxiliar de desenvolvimento escolar, que não apresenta nenhuma formação específica para executar suas atribuições, não têm favorecido uma prática fundamentada e atualizada para atuar na educação infantil junto às crianças de zero a dois anos. Há um esforço pessoal para planejar e buscar conhecimentos que sustentem as práticas. Os participantes propuseram que seja implementada uma formação permanente para todos os profissionais, inserida na carga horária contratada, tendo como intenção a reflexão das práticas realizadas, compreensão de seus determinantes, elaboração de novas estratégias para superar os problemas e que sustentem as ações cotidianas.