1.Introdução
As manifestações de junho de 2013 no Brasil iniciaram um processo que levou à articulação política do Golpe de Estado sobre o governo Dilma (Purdy, 2017). Este governo, em relação ao espectro ideopolítico, era considerado um governo progressista de centro-esquerda, mas que, após diversas pressões econômicas e políticas, foi cedendo aos capitalistas e suas frações. Para alguns analistas (Mattos, 2020; Carnut, 2021) esta cessão foi um dos diversos elementos que pavimentaram o caminho para a ascensão da extrema-direita no Brasil e a eleição de seu representante Jair Messias Bolsonaro (JMB). Esse movimento de ascensão da extrema-direita brasileira, que iniciou de forma mais ampla com variadas parcelas da população, alimentou-se no transcurso da “guinada à direita” do governo Dilma cuja capilaridade social de insatisfação política se centrou no Partido dos Trabalhadores (antipetismo). Esta insatisfação fez convergir forças sociais nas camadas médias em torno do ataque deliberado à esquerda e suas compreensões de mundo de forma muito similar àquela vivenciada nos Estados Unidos (Stefanoni, 2020) no período do macarthismo. Aproveitando-se da insatisfação popular e da crise econômica brasileira, a direita brasileira guiou-se pelas suas forças ultraconservadoras e assumiu um discurso moralista anticorrupção, que acusa a esquerda de ser responsável por todos os males relacionados à crise social e de subverter a “ordem” através do culto de valores contra a família e contra a religião (Stefanoni, 2020). Associada à erosão dos espaços tradicionais de representação política, a produção constante de uma anomia por parte da razão neoliberal combinada ao uso enérgico das redes sociais reavivaram uma tendência regressiva latente (Robles & Berrocal, 2019). Foi neste cenário que a polarização política cresceu. O descrédito das lideranças políticas de centro-esquerda permitiu a adesão eleitoral a um personagem político desconhecido, que remota ao militarismo hodierno e que recupera a versão fisiologista da política conservadora brasileira. Este personagem, JMB, arregimentou forças sociais ao redor de seu discurso de ódio baseado em uma retórica neofascista (Mattos, 2020). Com um discurso difuso, misturava bandeiras de defesa da liberdade e da autonomia individual ao passo que defendia intervenção militar e perseguição à esquerda (imagem associada ao petismo). Assim, Bolsonaro vocifera e conclama à guerra contra o marxismo e o comunismo, intitulando todos aqueles que nutrem uma perspectiva crítica como “adeptos vermelhos”. Com apoio do exército e de igrejas evangélicas fundamentalistas, prometia governar pela família, a pátria e em nome de Deus e, claro, extirpar o marxismo das instituições. É neste contexto que o “bode expiatório” da guerra cultural ao marxismo ganhou o nome de “marxismo cultural” sendo este o motivo pelo qual a tensão sobre a esquerda é permanente, valendo-se desta justificativa para o ataque ao pensamento social crítico. O marxismo cultural é o que se pode chamar de uma ‘teoria da conspiração’ que foi difundida pelo conservadorismo da extrema-direita estadunidense a partir dos anos de 1990. Trata-se de uma “forma de marxismo”, como alegam esses grupos conservadores, que engloba termos econômicos a termos culturais via Escola de Frankfurt (EF). Segundo os extremistas de direita, o marxismo cultural teria se infiltrado nas sociedades ocidentais com o objetivo final de destruir suas instituições e valores tradicionais através do estabelecimento de uma sociedade global, “igualitária” e multicultural (Lopes, 2019; Schmidt & Santos, 2019). De acordo com essa teoria conspiratória, a EF seria a origem de um movimento contemporâneo da esquerda mundial para destruir a cultura ocidental. Essa teoria da conspiração tem recebido apoio de uma think tank norte-americana chamada Free Congress Foundation e é divulgada majoritariamente por paleoconservadores como Pat Buchanan e William S. Lind. No Brasil seu principal proponente era Olavo de Carvalho, além de Marcel Van Hattem, o Instituto Liberal, Rodrigo Constantino do Instituto Millenium, os proponentes do movimento ‘Escola sem Partido’, o padre católico Paulo Ricardo e instituições confessionais universitárias como a Universidade Mackenzie em São Paulo. JMB e vários membros do seu governo, dentre eles o ex-ministro da educação, Ricardo Vélez Rodríguez e o das relações exteriores, Ernesto Araújo, também acreditam na existência de tal conspiração (Silva, 2020). A expressão ‘marxismo cultural’ em si deriva de uma teoria conspiratória similar que foi muito popular durante a ascensão do nazismo na Alemanha na primeira metade do século XX, onde recebia o nome de ‘bolchevismo cultural’. Especialmente sobre o que ocorreu na Alemanha com o nazismo e nos Estados Unidos (a partir do Espionage Act em 1917), estes acontecimentos podem ser considerados as origens do que a extrema- direita chama hoje de ‘marxismo cultural’ (Costa, 2020). No Brasil, o aumento do uso do termo ‘marxismo cultural’ coincide com esse movimento da direita no intuito de reassumir formalmente o poder do executivo federal. O jornal Folha de S. Paulo, por exemplo, publicou 191 matérias desde 16 de julho de 2011 contendo o termo. Já o jornal O Globo, tem 104 matérias publicadas contendo o termo desde 03 de setembro de 2014. O governo Bolsonaro, desde sua campanha, foi também marcado por questionamentos à ciência e ao conhecimento científico. Isto tem sido mais um elemento que justifica a desvalorização do ensino superior, os cortes de financiamento para universidades federais e a privatização da educação. Ao analisar as perspectivas do Ministério da Educação no governo Bolsonaro, Nacif & Silva Filho (2019) afirmam que:
o programa apresentado, a composição da equipe e as medidas dos primeiros meses de governo apontam para uma sólida decisão de ignorar décadas de pesquisas, dados e evidências sobre a Educação brasileira, por uma luta contra “inimigos imaginários”. O governo coloca-se, desde a campanha eleitoral, numa distância abissal da complexidade das grandes questões da Educação brasileira e isso pode ser observado tanto no diagnóstico da Educação, como na ausência de proposições para os problemas educacionais do país. O Ministério é guiado por três eixos: As teses da privatização, da militarização, associados ao combate à teoria conspiratória conhecida como “marxismo cultural” (Nacif & SIlva Filho, 2019, p. 237).
Na mesma sintonia, em uma entrevista com professor da UFRJ, ex-diretor do ANDES-SN, Luiz Eduardo Acosta, o professor explica melhor como e porque o fenômeno tem atingido com mais força as instituições educacionais.
o “marxismo cultural” [...] avança no bojo da crise sistêmica que abala o capitalismo: seja esta entendida tanto como crise de transição ou de decomposição. Há uma interpretação que diz que em Gramsci, contra Lenin, há uma substituição da classe trabalhadora (operária) pela “classe” intelectual (dos docentes das universidades públicas) que realiza a tarefa de destruição do capitalismo através da conquista moral e intelectual da sociedade, ocupando para isto, os aparelhos privados de hegemonia ou, no dizer de Althusser, os aparelhos ideológicos do Estado. Daí que a luta pela defesa do capitalismo e junto com ele da família e dos costumes tradicionais, é uma luta contra os intelectuais, as universidades públicas, os aparelhos de consenso do Estado (preservando os aparelhos de coerção: forças armadas, polícia, poder judiciário) (Acosta, 2019, p. 308).
Seguindo sua agenda moralista, a extrema-direita brasileira alega que uma doutrinação comunista domina as práticas docentes e que o ambiente escolar é responsável pela difusão da ‘ideologia de gênero’, que confronta os valores da família tradicional (Grigera et al., 2019). Gaudêncio Frigotto, ao ser entrevistado por Hermida e Lira (2020), argumenta que o marxismo cultural se alimenta do culto ao ódio e se utiliza desse sentimento baseado no irracionalismo para despejar ataques a tudo aquilo que se remeta à esquerda, aos socialistas e ao pensamento crítico. Por isso, os criminaliza pela destituição do que, para eles, é a “ordem natural das coisas” (o poder pátrio, a submissão feminina, a subsunção do negro etc) (Mirrlees, 2018). Para eles esta ordem de valores está ameaçada pelos ‘ventos democráticos’ que a escola assumiu nos últimos anos no Brasil. Na matéria mais recente da Folha de S. Paulo que cita o termo, afirma-se que “no governo Bolsonaro, o Ministério da Educação foi transformado em um bunker do olavismo em sua guerra contra o ‘marxismo cultural’”. Faz referência às ideias do escritor Olavo de Carvalho, guru deste presidente, que permeiam o referido ministério, mesmo com a troca de ministros (Alquéres, 2020). Segundo Nascimento (2019, p. 3): “Ricardo Vélez Rodríguez diz que ‘As universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual, que não é a mesma elite econômica [do país]’ [e faz apologia] ao enfrentamento do ‘marxismo cultural’”. Abraham Weintraub, segundo ministro da Educação de Bolsonaro, já deu diversas declarações segregacionistas em relação à educação: “precisamos vencer o marxismo cultural nas universidades [...] Quando um comunista chegar com papo, xinga. Faz como o Olavo de Carvalho diz pra fazer. E quando for dialogar, não pode ter premissas racionais” (Silva, Silva, & Cusati, 2020), ou ainda, de maneira mais tolhida, o terceiro Ministro da Educação de Bolsonaro, Milton Ribeiro (que já foi vice-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie) ao evitar citar o termo ‘marxismo cultural’ diretamente, afirma que a escola deve bater em crianças, evitar falar sobre casamento gay e deve discutir o criacionismo. Nesse sentido, percebe-se que a educação superior tem sido atacada nos últimos anos, com mais força a partir do início do governo Bolsonaro. Da mesma forma, supõe-se que outros países possam estar passando por situação semelhante, de ataque à educação utilizando-se do ‘marxismo cultural’ como justificativa. Por estas razões, é que este artigo visa apresentar uma proposta de Revisão Sistemática Crítica sobre a relação entre o ‘marxismo cultural’ e o ensino superior como forma de explorar esse caminho metodológico de revisão. A intenção é discutir sobre os desafios que significa realizar uma revisão sistemática em revistas marxistas e em temas de difícil recuperação como este.
2.Metodologia
2.1 As Revisões Sistemáticas nas Ciências Sociais: escolha, acúmulo e desafios
Neste estudo foi realizada o delineamento da proposta de revisão sistemática crítica da literatura (Grant & Booth, 2019) em revistas marxistas ou que veiculam majoritariamente seu conteúdo. A opção por este método teve como objetivo demonstrar que o autor pesquisou extensivamente em uma base de dados de escolha e como avaliou criticamente a qualidade do que foi revisado. As revisões sistemáticas críticas vão além da mera descrição e visam a apresentar um grau de análise sobre os estudos incluídos e, quando possível elaborar uma inovação conceitual, teórica ou ambas. Neste sentido, as revisões sistemáticas críticas geralmente aportam novas hipóteses ou constroem novos modelos para compreender um fenômeno em sua pluralidade e não uma resposta em si. O modelo/hipótese resultante pode constituir uma síntese de outros existentes ou de ‘escolas de pensamento’ ou ainda pode ser uma interpretação completamente nova dos dados existentes (Gough, Thomas, & Oliver, 2012). Assim sendo, uma revisão crítica oferece uma oportunidade de ‘fazer um balanço’ e avaliar o que é valioso do corpo dos trabalhos anteriores. Também pode tentar aproximar ou criticar escolas de pensamento concorrentes. Como tal, pode ser uma ‘plataforma de lançamento’ para uma nova fase de desenvolvimento conceitual, e, por isso se diz que as revisões sistemáticas críticas apresentam um perfil ‘configurativo’ das informações, no sentido de desenvolver conceitos, expor pontos de divergência e, quando possível, conectá-los. Por se interessar pela heterogeneidade das compreensões, este tipo de revisão geralmente parte das seguintes perguntas: como entender o desenvolvimento da pesquisa sobre um assunto dentro e em diferentes tradições de pesquisa? Que teorias podem ser geradas a partir da literatura conceitual e empírica? (Gough, Thomas, & Oliver, 2012). É pertinente relembrar que as revisões sistemáticas no âmbito das ciências sociais já são uma realidade com mais de duas décadas de desenvolvimento (Pettigrew & Roberts, 2005). Na busca de síntese de evidências na área das humanidades as revisões têm sido cada vez mais requisitadas, mesmo sob o argumento de que as sínteses nesta área são difíceis de alcançar devido a natureza complexa dos fenômenos sociais e, ainda, pela pluralidade de paradigmas de análise sobre um mesmo fenômeno. Contudo, para Davis et al. (2014), uma síntese imperfeita é melhor do que nenhuma, principalmente quando uma revisão é solicitada para identificar a fronteira de um conhecimento ou para orientação de uma decisão política. Embora a metodologia das revisões sistemáticas seja explicitamente projetada para minimizar o viés, ela está sujeita a formas particulares de viéses, especialmente no âmbito das ciências sociais. Portanto admiti-los a priori e incoporá-los como um limite da análise é essencial já que todo processo de revisão sistemática envolve algum elemento de julgamento. Embora todas as medidas possíveis possam ser tomadas para tornar o julgamento o mais objetivo possível, não há como escapar de que o julgamento humano (e a ciência social em geral) é carregado de valor (O´Dywer, 2003; O´Dywer, 2004). Portanto, mais do que em qualquer área, as revisões sistemáticas nas ciências sociais requerem o trabalho em equipe em grupos ampliados e multiprofissionais. Muitos pesquisadores sugerem que pelo menos mais de dois revisores trabalhem independentemente para selecionar literaturas para inclusão, conduzir avaliação de qualidade e codificar estudos para análise, isso ajuda a evitar vieses e melhorar transparência (Victor, 2008; Xiao & Watson, 2019; Zawacki-Richter et al. 2020; Chapman, 2021). Contudo, quando pensamos na literatura científica marxista, o procedimento de formulação de equipes multiprofissionais para a revisão tende a ser mais difícil, já que alguns problemas emergem: 1) há uma tendência da maioria dos marxistas se encontrarem exclusivamente na área das ciências sociais, 2) o marxismo é uma corrente de produção de conhecimento vastíssima com diversas correntes internas que requerem dos revisores um conhecimento profundo da área, 3) a depender da corrente, o método marxiano (materialismo histórico-dialético) não segue o padrão de escrita tradicional da dita “ciência positiva” (introdução, método, resultado, discussão e conclusão - IMRDC) dificultando: a) o processo de extração de dados; b) o processo de análise da qualidade no uso do método, e c) o processo de classificação do método segundo os parâmetros quali/quanti. Além disso, o tipo de síntese dos dados é muito mais sensível a forma escolhida para a agregação dos resultados (se a agregação se dará pela modalidade: ‘temática’ ou ‘crítica’ ou ‘narrativa’, etc.) podendo levar a conclusões distintas. Ainda, a ‘discussão dos dados’ requer do revisor: 1) um amplo domínio das diferentes correntes internas do marxismo sobre o mesmo fenômeno; e 2) conhecimento dos livros clássicos sobre o tema (que não são recuperáveis nestes tipos de revisão). Por fim, é essencial a existência de revistas para publicação do artigo de revisão que aceitem um ‘números de palavras’ entre 14.000 a 18.000, com sérios riscos de a discussão ficar empobrecida caso se tente realizá-la em um número menor do que este intervalo. Diantes destes desafios é que este caminho apresentado tenta formalizar um primeiro “protocolo” aplicado para um objeto específico que é o caso de uma revisão nas revistas científicas marxistas, partindo-se da experiência de revisar a relação entre ‘marxismo cultural’ e educação superior.
2.2 Pergunta de pesquisa
Assim, a pergunta de pesquisa que foi usada para delinear o caminho metodológico proposto foi: ‘o que a literatura científica marxista apresenta sobre a relação entre a categoria marxismo cultural e a educação superior?’
2.3 Fontes e processo de co-produção dos dados
A busca foi empreendida nos meses de junho e julho de 2020 em 32 revistas científicas assumidamente marxistas (sendo 17 brasileiras, 5 latino-americanas e 10 originadas de outros continentes) a partir de combinações entre os termos livres primários: ‘educação superior’, ‘marxismo cultural’ e ‘guerra cultural’ e os termos livres secundários: ‘Escola de Frankfurt’, ‘bolchevismo’ e ‘conservadorismo’. Os termos livres foram escolhidos com base na experiência dos pesquisadores e na aproximação prévia deles à temática na literatura disponível. Nas revistas de língua espanhola e inglesa, foram utilizadas versões dos termos livres em espanhol e inglês, respectivamente. Quando permitido pelo sistema de busca da revista, operadores booleanos foram utilizados nas estratégias assim como truncamento com asterisco (*) foi aplicado aos termos ‘bolchevismo’ e ‘conservadorismo’. Não foram estabelecidos limites de tipo, disponibilidades de texto e ano de publicação. Essas informações estão descritas na tabela 1.
Os critérios de inclusão foram: a) ser artigo original ou ensaio; b) abordar o objeto de estudo; e c) trazer contribuições para a resposta à pergunta de pesquisa. Os critérios de exclusão foram: a) ser resenha, notícia, biografia, entrevista, debate, dossiê, comentário ou outro tipo de artigo que não se encaixe no primeiro critério de inclusão; e b) não ter o texto completo disponível para leitura. A revisão compreendeu quatro etapas: reconhecimento, identificação, rastreamento e elegibilidade. Todas foram executadas por dois avaliadores. Na primeira etapa, reconhecimento, uma busca exploratória foi realizada em todas as revistas utilizando os termos livres primários com e sem aspas (“ ”) para verificação da existência de publicações disponíveis e definição das estratégias de busca. O termo ‘educação superior’ recuperou publicações por meio das duas formas utilizadas (com e sem aspas). Optou-se pelo uso de aspas, para garantir maior especificidade na captura do termo. Já os termos ‘marxismo cultural’ e ‘guerra cultural’ recuperaram poucas ou nenhuma publicação com o uso de aspas, sendo utilizados sem aspas para elaborar as combinações com os termos secundários. Montou-se estratégias de busca de cada termo livre primário com cada um dos termos livres secundários, com dois deles e com os três. Ou seja, todas as possiblidades de combinação foram realizadas, como informa a tabela 2:
Legenda: T - termo livre; S - estratégia de busca por cruzamentos de termos.
Fonte: Elaboração própria
Uma segunda busca exploratória foi realizada utilizando as estratégias elaboradas. A partir do número de resultados recuperados por cada estratégia, elegeu-se aquela(s) que melhor atendia(m) à pesquisa em cada revista. Essa escolha levou em consideração o nível de refinamento de cada estratégia (figura 1).
Quando se recuperavam resultados em uma revista por meio de uma estratégia de maior nível de refinamento, a mesma era escolhida para a revista em questão. Não havendo resultados, escolhiam-se estratégias dos níveis abaixo, garantindo o maior número de termos livres secundários na(s) estratégia(s) escolhida(s). Ainda não havendo resultados, escolhia-se utilizar o termo livre primário sozinho. É importante ressaltar que ‘marxismo cultural’ e ‘guerra cultural’, apesar de serem termos livres primários, tem alto nível de refinamento quando utilizados isoladamente com aspas, dada a pouca utilização deles na literatura marxista. As estratégias de busca e termos livres primários utilizados por revista está descritos na tabela 3
Na etapa de identificação, realizou-se a busca utilizando os termos e estratégias escolhidas para cada revista (tabela 3). Obteve-se 563 publicações como resultado das quais 312 eram oriundas de revistas brasileiras, 40 de latino-americanas e 211 de outros continentes. Do total, havia 70 resultados repetidos, os quais foram excluídos. Na terceira etapa, realizou-se leitura de 493 títulos e resumos para rastreamento quanto ao tipo de artigo (originais e ensaios) e quanto ao conteúdo (abordar ‘marxismo cultural’ e ‘ensino superior’). Aproximadamente metade das publicações eram resenhas (80) e ainda foram encontrados 15 dossiês, 13 entrevistas, 10 comentários, 7 debates, 7 editoriais, 5 resumos de teses e dissertações, 4 biografias, 4 sessões de notícias, 3 documentos, 3 notas, 3 fóruns, 2 números de revista, 1 relatório de evento, 1 divulgação de um evento e 1 chamada para publicação. Por essa razão, um total de 159 publicações foram excluídas. As 334 publicações que permaneceram tiveram seus títulos e resumos lidos novamente e 299 foram excluídas por não terem relação com o objeto de estudo desta pesquisa segundo os critérios de inclusão. Na última etapa, elegibilidade, 35 artigos foram lidos integralmente e identificou-se que todos contribuem com a resposta à pergunta norteadora. Sem exclusões, os 35 artigos foram incluídos na pesquisa. As informações referentes às três últimas etapas da coleta de dados estão descritas na figura 2 de acordo com fluxograma PRISMA utilizado para estes tipos de revisão (Moher et al., 2015).
2.4 Processo de des-reconstrução dos dados
A análise dos dados extraídos dos 35 artigos incluídos será realizada com o auxílio da Análise Crítica do Conteúdo. Na análise marxista, o uso de métodos e técnicas devem estar adaptados ao estudo do objeto, ou seja, à materialidade no qual se encontra na empiria do ser humano em seu sistema de relações sociais. Por isso, o uso de questionários, entrevistas, observação, experimentação social, análise de conteúdo de muitos documentos oficiais, uso de múltiplos métodos estatísticos e matemáticos para a coleta e processamento das informações coletadas devem ser requeridos em função de como eles “aparecem” (Roumiantsev & Ossipov, 1969). Revisar o conteúdo de estudos marxistas é um desafio (Soares, Campos, & Yonekura, 2013), especialmente pela necessidade de se manter a perspectiva analítica dentro do marxismo, mas sem perder os limites (muitas vezes tênues) de suas correntes internas. Por isso, para manter a coerência em busca da criticidade necessária, irá se utilizar da Análise de Conteúdo Crítica (Utt & Short, 2018). Este é um método explícito para o estudo de textos que também oferece flexibilidade (seja temas, conceitos, categorias ou outros) na abordagem teórica e na seleção textual a fim de des-reconstruir os conteúdos dos artigos incluídos nesta revisão. A análise de conteúdo crítica revela sobre o que é o texto, tendo em mente que o texto não se limita às palavras, mas também pode incluir qualquer objeto, como figuras e outras imagens, que tenha significado para alguém ou que seja produzido para ter significado (Braden & Rodriguez, 2016). A análise de conteúdo crítica é dotada dos seguintes momentos: a) decidir sobre uma proposta de pesquisa e possíveis perguntas, b) selecionar e ler o texto para análise, c) aprofundar dentro de um quadro teórico crítico e selecionar princípios relevantes, d) explorar o contexto sócio-histórico e cultural do texto, e) ler estudos de pesquisa relacionados, f) considerar a própria posicionalidade relacionada ao objetivo e ao texto da pesquisa, g) examinar questões de poder em todo o texto (fechamento, agência e focalização); h) determinar a unidade de análise e organizar a análise de dados, i) envolver-se na leitura atenta dos textos usando as ferramentas analíticas e os princípios teóricos, j) Revisitar a teoria e os textos, escrever memorandos teóricos (Utt & Short, 2018).
2.5 Processo de interpretação dos resultados
O método materialista histórico-dialético será utilizado para interpretação dos dados. O método “caracteriza-se pelo movimento do pensamento através da materialidade histórica da vida dos homens em sociedade, isto é, trata-se de descobrir (pelo movimento do pensamento) as leis fundamentais que definem a forma organizativa dos homens durante a história da humanidade” (Pires, 1997, p. 87).
3.Considerações Finais
Diante da elaboração deste caminho metodológico da revisão sistemática crítica, adaptá-la à forma de divulgação da literatura científica marxista foi um desafio. Isto pode ser verificado pela seguinte limitação descrita a seguir. Esta limitação se refere ao processo de co-produção de dados. Este sempre foi realizado de acordo com o que a realidade dos periódicos marxistas apresentava. Optamos por ir diretamente aos periódicos porque as bases de dados da área de sociologia (Sociological Abstracts, por exemplo, entre outras) são bastante ecléticas. Isso nos daria mais trabalho na organização da busca em termos de periódicos que publicam apenas artigos marxistas. Nesse sentido, optamos por ir direto aos sistemas de busca de periódicos identificados como reconhecidamente marxistas (descritos em seu escopo ou na maioria dos artigos publicados). Isso significou que os pesquisadores tivessem que se adaptar aos diferentes sistemas internos de busca de cada periódico e suas limitações. Em alguns casos as limitações do sistema de busca foram tão grandes que decidiu-se excluir o periódico. Em outros casos foi necessário adaptar-se a tipos de periódicos que cunho mais “jornalístico” (produzidos por organizações marxistas) que apresentavam outra configuração de apresentação em seus sites e que são muito diferentes da apresentação científica clássica (em volumes e fascículos). Pensamos que isso se deva ao fato de os periódicos assumidamente marxistas terem grande dificuldade de financiamento público ou privado para sua sustentabilidade. Essa falta de recursos pode se refletir na estrutura precária do site e no processo editorial pouco profissionalizado. Outra hipótese é que essas dificuldades podem ser decorrentes do interesse de que o conhecimento marxista esteja fora do debate, e uma forma de fazer isso é dificultar sua recuperação na internet. Às vezes, encontrar jornais marxistas tornou-se um trabalho exaustivo de “tentativa e erro” (fase de reconhecimento). Assim, pensamos que o protocolo de busca apresentado neste artigo pode auxiliar outros pesquisadores interessados no debate marxista a encontrar periódicos e utilizar uma forma sistemática para facilitar a reprodutibilidade do caminho a ser seguido.