1.Introdução
O foco do estudo é a Análise Textual Discursiva (ATD), método de análise de dados qualitativos, cujos pressupostos teóricos e metodológicos se encontram descritos no livro Análise Textual Discursiva (Moraes & Galiazzi, 2007), embora desde os anos 90 a construção de um novo método de análise fosse perceptível nos escritos de Roque Moraes. A ATD, ao se constituir como um método analítico que se afasta daqueles identificados com o paradigma positivista, estrutura-se influenciada pela Fenomenologia de Hursserl, pela Complexidade de Edgar Morin e pela Hermenêutica de Gadamer (Galiazzi &Lima&Ramos, 2020). É um método que valoriza a compreensão, ao invés da explicação, dos fenômenos sociais estudados e tem como princípios fundantes a impregnação do pesquisador no material empírico e nos discursos sociais; a auto-organização das ideias como fonte de emergência de novas compreensões e a extrapolação para além contexto empírico para chegar a formulações teóricas sobre o objeto de estudo(Lima, 2019). Em termos operacionais as etapas que constituem a ATD são brevememente descritas na seção dos procedimentos metodológicos. O estudo da Análise Textual Discursiva, justifica-se no fato de o método de análise ser de ampla circulação no Brasil, especialmente na área de Ensino de Ciências da Natureza, área à qual pertencem seus idealizadores. Para ilustrar tal circulação uma busca no Sistema de Publicação Eletrônica de Teses e Dissertações (TEDE) da Instituição onde o Professor Roque Moraes atuou até sua aposentadoria, mostra como resultado que no período de 2007-2017, 200 trabalhos utilizaram a ATD, 166 dissertações e 34 teses. Com 92 deles tendo sido produzidos no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática; 62 no Programa de Pós-Graduação em Educação; 16 no Programa de Pós-graduação em Serviço Social; 15 no Programa de Pós-Graduação em História; oito no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social; quatro no Programa de Pós-Graduação em Psicologia; dois no Programa de Pós- Graduação em Medicina e um no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais (Martins & Lima, 2019). Ainda, o Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática (EDUCEM) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, criado em 2003 pelo Professor Roque Moraes, juntamente com outros educadores, tem forte tradição em uso e estudo da Análise Textual Discursiva. Atualmente, o grupo de pesquisa do PPGEDUCEM/PUCRS tem desenvolvido estudos no sentido de aproximar o método de análise em questão da tecnologia por meio de estudos comparativos entre o processo artesanal e o uso de software de análise, com o intuito de fazer avançar o referencial teórico metodológico da Análise Textual Discursiva. Os resultados representam consistente contribuição para o âmbito da análise em pesquisa qualitativa em educação, como já comunicado e disponibilizado à comunidade acadêmica brasileira e internacional. Dentre os trabalhos divulgados citam-se os seguintes: i) Análise Textual Discursiva e o IRaMuTeQ: os limites de utilização em pesquisas da área do Ensino de Ciências (Amaral- Rosa, Lima & Ramos, 2019); ii) IRaMuTeQ software and Discursive Textual Analysis: Interpretive Possibilities (Ramos, Lima & Amaral-Rosa, 2018); e iii) Análise Textual Discursiva apoiado por software: IRaMuTeQ e a análise de subcorpus (Lima, Amaral-Rosa & Ramos, 2021). Pelas razões antes mencionadas, considera-se que o reconhecimento de universidades, programas e pesquisadores que se valem da Análise Textual Discursiva e o mapeamento de aspectos e condições de difusão vão contribuir para o aprofundamento teórico do método em questão. Tem-se por hipótese de trabalho que avaliar o que é explicitado por outros pesquisadores em seus textos, apontará possibilidades de expansão e, quem sabe, a localização de novas perspectivas para o método de Análise Textual Discursiva, catorze anos após sua divulgação oficial por meio da publicação do livro Análise Textual Discursiva. Por isso, delineou-se uma pesquisa intitulada Panorama da Análise Textual Discursiva: avanços e (res)significações, atualmente em fase de consecução com financiamento da FAPERGS - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Brasil). No delineamento do projeto geral, o corpus é constituído de trabalhos acadêmicos, artigos nacionais e internacionais e eventos, nacionais e internacionais, cujos autores declaram haver utilizado análise textual por meio de Análise Textual Discursiva (Moraes & Galliazzi, 2007). Neste texto, apresentaremos um recorte específico do projeto maior, focalizando teses e dissertações brasileiras que se encontram disponíveis na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). A pesquisa, ora apresentada, tem por objetivo geral: Identificar instituições e programas de pós-graduação brasileiros que assumem a Análise Textual Discursiva como método de análise em suas pesquisas a fim de elucidar compreensões iniciais para atualização do método.
2.Procedimentos Metodológicos
2.1 Abordagem da pesquisa
A pesquisa é de cunho qualitativo (Triviños, 1987; Denzin & Lincoln, 2006; Flick, 2009; Stake, 2011) por prever chegar à compreensão do fenômeno investigado examinando-o no contexto em que ocorre, nesta pesquisa por meio do estudo de teses e de dissertações. O estudo é, ainda, do tipo Metanálise Qualitativa (Sandelowky, Docherty & Emden, 1997; Zimmer, 2006) por se referir à fusão de um conjunto de estudos qualitativos, contexto no qual a metanálise assume os contornos da abordagem qualitativa.
2.2 Metanálise Qualitativa
Na atualidade, a pesquisa do tipo metanálise é realizada em diversas áreas do conhecimento e encontra- se associada a investigações de abordagens qualitativas (Sandelowky, Docherty& Emden, 1997; Zimmer, 2006) e quantitativas (Glass, 1976; Greenhalghg, 1997). De uso frequente na área da saúde e em outras nas quais a análise estatística é a melhor opção para obter respostas a problemas específicos, essa natureza de pesquisa tem sido utilizada, em menor intensidade, por pesquisadores na área das ciências humanas. Stern & Harris (1985) foram pioneiros no uso da expressão metanálise qualitativa para se referir à fusão de um conjunto de estudos qualitativos, contexto no qual a metanálise assume os contornos da abordagem qualitativa. Estudos nesta perspectiva valem-se de dados descritivos, optam por desenhos não estandardizados para construção do projeto e avançam para um enfoque interpretativo, durante todo o percurso. A pesquisa do tipo metanálise qualitativa, ao olhar para o material integrado em um conjunto maior e com um novo objetivo traçado, propicia uma visão aprimorada de determinado fenômeno e amplia a clareza e consistência dos resultados obtidos isoladamente em cada investigação. Além disso, favorece as condições para que o investigador qualitativo chegue a generalizações naturalísticas (Lincoln & Guba, 1985). A relevância de tal modalidade de investigação situa-se em sua capacidade de contribuir para a qualificação do conhecimento produzido. A integração de estudos proporcionada pela metanálise qualitativa ultrapassa a soma das partes, pois possibilita uma nova interpretação dos resultados (Pinto, 2013). É, pois, um tipo de pesquisa importante também para a área da educação (Cardoso, 2007; Cardoso, Alarcão & Celorico, 2010; Pinto, 2013) na medida em que permite investigar um evento educacional específico e aprofundar o entendimento sobre ele. Redesenha soluções de intervenção capazes de qualificar processos pedagógicos a partir da revisão e interpretação de um conjunto expressivo de estudos individuais, reunidos de forma coerente e circunstanciada. Ao particularizar as pesquisas do tipo metanálise qualitativa para o âmbito da educação, além de observados os pressupostos da abordagem qualitativa de investigação, faz-se necessário: (a) a formulação clara da questão a ser respondida; (b) a escolha de fontes e circunscrição do período de abrangência da revisão; (c) o estabelecimento de critérios para seleção dos materiais, levando em consideração os propósitos do estudo; (d) a avaliação dos estudos encontrados, decidindo sobre a pertinência de cada um; (e) a estruturação do corpus; (f) a análise e interpretação dos dados coletados; (g) a organização do quadro geral de resultados, demonstrando a expansão dos resultados individuais para responder à questão inicialmente formulada. Salienta-se a atenção que deve ser dispensada ao item (f), que inicia pela escolha de um método de análise. Por tratar-se de investigação qualitativa, assume- se, para esse fim, a Análise Textual Discursiva (Lima& Richter, 2018).
2.3 Corpus
O corpus de análise foi construído por meio de buscas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações. Examinaram-se todos os relatórios disponíveis na plataforma, no período entre 15 de dezembro de 2021 e 31 de janeiro de 2022, quando se considerou finalizado o processo. Como critério de inclusão foi estabelecido que seriam selecionados aqueles relatórios de pesquisa nos quais o termo “Análise Textual Discursiva” se referisse ao método analítico idealizado por Moraes e Galiazzi (2007). A checagem desse aspecto ocorreu pela leitura dos resumos e foi promovida a exclusão dos relatórios em que o termo “Análise Textual Discursiva”, entre aspas, não se encontrava vinculado ao método de análise estudado e no caso de não haver referência aos autores Roque Moraes e Maria do Carmo Galiazzi. A busca permitiu localizar 1248 pesquisas que assumem a Análise Textual Discursiva, método analítico, foco do presente estudo, distribuídos em 131 programas de pós-graduação sticto sensu, vinculados a 68 instituições de ensino superior brasileiras. Os resultados se encontram discutidos na próxima seção.
2.4. Análise dos dados
De forma coerente com o tema e propósitos da pesquisa, os materiais que constituem o corpus são analisados pelo método de Análise Textual Discursiva (Moraes & Galliazzi, 2007). A Análise Textual Discursiva é um processo organizado em torno de três focos principais: unitarização, é o momento inicial, de desconstrução dos textos para identificar e isolar ideias importantes e significativas. Esse processo de desmontagem resulta em unidades de análise, que expressam aspectos referentes ao fenômeno que está sendo investigado; categorização, é a fase na qual as unidades de análise são agrupadas em categorias iniciais e utiliza-se como critério o estabelecimento de relações entre as ideias anteriormente fragmentadas. As ideias reunidas em uma categoria têm perspectivas de convergência e de dissonância. Na etapa subsequente, mas ainda nessa mesma fase, as categorias iniciais são reunidas em outras mais abrangentes e em menor número, denominadas categorias intermediárias. Por fim, as categorias intermediárias são reorganizadas em um número reduzido de categorias; produção de metatextos, é a fase em que a análise das categorias formadas dá origem a produção de diferentes tipos de texto, denominados metatextos. Esses são continuamente aperfeiçoados, resultando na construção do texto final que contempla descrição e interpretação.
3.Resultados e Discussões
Inicia-se a seção analisando o quadro geral de resultados obtidos e salientando alguns aspectos desafiadores que se apresentam quando as informações para a construção do corpus são plataformas digitais. O levantamento inicial, mostrou 1248 trabalhos. Cabe destacar que o alcance desse número não foi simples, exigindo uso de elementos booleanos e leitura analítica em busca da eliminação de repetições. Desse modo, cada trabalho foi considerado uma única vez, procurando garantir um princípio essencial da metanálise que se caracteriza como um procedimento de integração de estudos distintos (Zimmer, 2006). O cuidado referido no parágrafo anterior, encontra subsídio em Pinto (2013), cujos textos enfatizam a relevância da escolha das fontes e os critérios de seleção dos materiais como passos fundamentais para a investigação. Levando esses elementos em consideração, no repositório digital da CAPES foi digitado o termo “Análise Textual Discursiva”, entre aspas, elemento booleano que retorna sentença completa. Também aferiu-se "An?lise textual discursiva". A substituição da letra a acentuada (á) pelo símbolo de interrogação (?) é justificada pela percepção dos pesquisadores de que o sistema, em muitas oportunidades, não reconhece a acentuação e efetua essa troca. O fato suscita reflexões, trazendo à tona dois aspectos que merecem ser mencionados: a fragilidade do sistema de armazenamento de dissertações e teses brasileiro e a atenção necessária que o pesquisador necessita para a realização desse tipo de pesquisa. Sobre o primeiro aspecto, a fragilidade do sistema de armazenamento de teses e dissertações, é possível dizer que ele seria mais eficiente se tivesse um uso mais intuitivo e menos propenso a apresentar informações não pertinentes ao foco da investigação, como os mencionados e, também porque a plataforma é alimentada pelas instituições. Na hipótese de má comunicação, ou negligência institucional, a plataforma pode disponibilizar aos usuários dados incompletos, levando pesquisadores a conclusões também incompletas. Portanto, é possível estimar que o número alcançado, 1248 produções, pode ser ainda maior. Sobre o segundo aspecto, especialmente se o pesquisador for iniciante e estiver desacostumado ao confronto de dados e à assunção de uma atitude crítica frente aos resultados oriundos do cenário digital, poderá enfrentar dificuldades, considerando a existência de dados mascarados que não revelam o real contexto da produção. A tecnologia digital exige um uso crítico, social e competente dos recursos tecnológicos digitais, conjunto de habilidades denominada de letramento digital. Percebemos a amplitude do conceito de letramento digital em sua relação com a leitura e a escrita realizada em um âmbito social. O letramento não é apenas considerado como uma prática, ou um eco da escrita na sociedade letrada, mas como a condição de quem participa ativa e efetivamente dentro dela. Possivelmente, Freire (1996), quando preconizava utilização da leitura e da escrita para a compreensão e entendimento do mundo, mesmo sem utilizar o conceito, estava fazendo referência ao que entendemos hoje por letramento. Seguindo a mesma linha argumentativa, o letramento digital apresenta uma relação com as práticas sociais de leitura e escrita que o sujeito efetiva sob a chancela do suporte digital. A partir de tais reflexões, considera-se que o letramento digital ultrapassa os atos de ler e escrever em um suporte digital. Flores (2013) corrobora esse pensamento, definindo o letramento digital como o domínio de distintos gêneros digitais e a sua aplicação em um domínio social, pressupondo o desenvolvimento da capacidade analítica e crítica do sujeito enquanto cidadão. O autor atrela o letramento digital a três elementos: gêneros textuais digitais, práticas sociais e eventos de letramento. Gêneros digitais compreendem as diferentes formas de se ler e escrever em um contexto digital. Compreendem uma leitura plural, composta por elementos escritos, sonoros, pictóricos, dentre outros, presentes em blogs, sites e e-mails, por exemplo. Práticas sociais são as maneiras estabelecidas culturalmente com que os sujeitos efetuam a interação com os seus pares. Já os eventos de letramento apresentam uma relação com ações sociais estabelecidas por intermédio das distintas formas de leitura (Flores, 2013). Assim, é possível se entender que a metanálise, quando tem como fontes de dados as plataformas digitais, exige do pesquisador competências relacionadas ao letramento digital a fim de estabelecer critérios, para além de dimensões técnicas, capazes de tornar o corpus construído representativo do contexto de produção social que pretende examinar. Na investigação em questão, num rápido exercício, é possível perceber que quando o pesquisador digita Análise Textual Discursiva, a plataforma retorna mais de quinhentos mil resultados (fig. 1).
Esse fato é explicado pelo funcionamento do mecanismo de busca, que consulta a expressão, mas também as palavras de forma individual trazendo, assim, resultados que não são os desejados para a investigação. Bicudo (2014) enfatiza a necessidade da busca contemplar pesquisas significativas, que estejam voltadas ao tema e ao problema de pesquisa, e compartilhem da mesma visão epistemológica. O uso das aspas, que fornece a expressão na íntegra, melhora o processo de levantamento, mas ainda não é definitivo, sendo necessário um olhar cauteloso voltado à exclusão de eventuais trabalhos que empregassem a ATD em outra concepção, o que na visão de Bicudo (2014) é essencial para o sucesso da metanálise. Salvaguardadas as ponderações anteriores e mantendo-se o foco no objetivo geral, já é possível traçar algumas considerações relativas ao panorama dos trabalhos. O uso da ATD no cenário brasileiro foi expandido, a partir das ideias inicialmente preconizadas no ano de 2007. Sobre esses dados é possível dizer que o uso de Análise Textual Discursiva é preponderante nas instituições onde os autores do método, Roque Moraes e Maria do Carmo Galiazzi, vincularam-se durante sua trajetória profissional: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e Universidade Federal do Rio Grande (FURG). As duas instituições contam com programas de doutorado na área de ensino de Ciências reforçando, assim a hipótese de que os pressupostos teóricos e operacionais do método tenham alcançado seus orientandos e esses tenham exercido um importante papel na disseminação da ATD no distintos programas de pós-graduação nos quais passaram a atuar após o doutoramento. Os autores da obra, ambos com intensa inserção na academia, são responsáveis pela difusão do método analítico em eventos, palestras, cursos, além da própria circulação do livro impresso e de artigos publicados por ambos e, também, por novos pesquisadores por eles formados (Galiazzi et al., 2020). O método popularizou-se em distintas instituições, localizando-se o maior número de relatórios na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (257 relatórios). Dentre as instituições que apresentam acima de 50 relatórios que se valem da ATD em suas investigações se encontram: Universidade Federal de Santa Maria (86 relatórios); Universidade Federal do Rio Grande do Sul (80 relatórios); Universidade de Caxias do Sul (56 relatórios); Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (56 relatórios); Universidade Estadual de Londrina (53 relatórios) e Universidade Federal de Santa Catarina (52 relatórios). Se, por um lado, observa-se que as instituições com maior volume de relatórios situam-se na região sul do Brasil, região de origem dos autores, por outro lado a Análise Textual Discursiva é utilizada, também, em instituições da região norte, Universidade Federal do Amazonas (25 relatórios); da região nordeste, Universidade Federal da Bahia (11 relatórios); da região sudeste, Universidade Federal de São Carlos (39 relatórios) e da região Centro-Oeste, Universidade de Brasília (13 relatórios). Além de observar-se uma difusão da ATD em instituições situadas em todas as cinco regiões, nas quais são agrupadas as unidades da federação brasileira, percebe-se uma variada distribuição também por diversas áreas do conhecimento. Apesar de a obra original não estabelecer nenhuma área específica, a inserção dos autores nas áreas de Ensino de Ciências e Matemática e, também, em Educação, trouxe um expressivo número de trabalhos. São 1062 relatórios referentes a essas áreas, e observaram-se ramificações interessantes como, por exemplo, o uso da ATD por pós-graduandos de Geografia (12 relatórios), Botânica (4 relatórios), Linguística (10 relatórios), Música (4 relatórios) . Ainda, para ilustrar tal dispersão citam-se pesquisas que se valeram da ATD como método analítico em programas de pós-graduação em Direito ( 3 relatórios), em Enfermagem (8 relatórios), em Engenharia Ambiental (2 relatórios) e em Computação (2 relatórios), dentre outros. A análise desse cenário, que mostra uma propagação do método chegando a diferentes áreas, levanta uma questão sobre as razões que podem contribuir para os pesquisadores elegerem a ATD como método de análise em suas investigações. Uma explicação possível, está no fato de Análise Textual Discursiva ser direcionada ao escrutínio de textos entendido de uma forma diversificada acolhendo também imagens, história oral, expressões linguísticas, dentre outros. Nessa perspectiva, reúne um conjunto amplo de instrumentos para a construção do corpus da pesquisa (Moraes & Galiazzi, 2007). A posição teórica assumida pelos autores pode ser um possível fator de adesão ao método, posto que a Análise Textual Discursiva assume uma posição intermédia, com a Análise de Discurso num extremo e a análise de conteúdo num outro limite (Moraes & Galiazzi, 2007). Essa espécie de posição mediana, mantendo na essência tanto a descrição quanto a interpretação, buscando o implícito e o explicito, pode ser um dos prováveis atrativos. Metaforicamente, os autores explicam essa posição, comparando o investigador a um navegador em um rio: na análise de conteúdo navega-se a favor da correnteza, enquanto na análise de discurso o sentido é contrário. Já na Análise Textual Discursiva, o navegador está ora a favor, ora contra a força das águas, também podendo mergulhar e explorar as profundezas (Ibid.). Essa fluidez, passível de permitir ao investigador descrever, interpretar, compreender e criticar de maneira simultânea pode ser um fator essencial para a adesão de pesquisadores a essa metodologia. Salienta-se que os pesquisadores vinculados à Análise Textual Discursiva passam por transformações, sempre com base em emergências auto-organizadas (Moraes & Galiazzi, 2007). Em um de seus últimos textos, o Professor Roque Moraes discutiu tais transformações, originadas no envolvimento com o fenômeno a ser estudado. Pondera o autor que a Análise Textual Discursiva propicia a reflexão, e por consequência, a reformulação de compreensões iniciais, de ordem epistemológicas, ontológicas e metodológicas, podendo levar à ruptura com paradigmas, especialmente com o paradigma dominante de ciência. Ele argumenta ainda que nesse processo o pesquisador assume-se como autor e reconhece ser a sua capacidade interpretativa responsável pela construção de novas compreensões cada vez mais valiosas sobre o objeto de estudo (Moraes, 2020). Percebe-se ser essa transformação do sujeito pesquisador, durante o processo de análise, uma possível causa para o uso do método de análise aqui apresentado.
4.Considerações Finais
O cenário estudado permite algumas constatações, como fragilidade do sistema brasileiro de armazenamento de teses e dissertações, a necessidade de habilidades de letramento digital para o uso da metanálise qualitativa, a propagação da ATD como método de análise em distintas instituições, programas e áreas. A metanálise qualitativa, como possibilidade de congregar diversos estudos e contribuir para a área, exige do pesquisador competências específicas, como, por exemplo, inventariar, sintetizar, resumir e criticar. Em um cenário de informações disponibilizadas no contexto digital, tornam-se desejáveis as capacidades de navegação, leitura e crítica de textos digitais, componentes do letramento digital. A popularização do conhecimento, a partir da divulgação de trabalhos científicos à comunidade, de forma simples e gratuita é algo positivo. No entanto carece de zeladoria dos órgãos responsáveis com o fim de manter a organização e o acesso facilitado e de responsabilidade das instituições em fornecer os trabalhos de forma correta e no prazo hábil. Em relação à expansão da ATD enquanto método de análise, percebe-se as instituições às quais os autores estavam vinculados, como fontes originais e ainda preponderantes na assunção do método, mas observa- se que foram produzidos ecos significativos partindo das ideias originais. Algumas características do próprio método de análise podem ser responsáveis por tal espalhamento para outros programas e áreas. Por último, cabe salientar que para além da constatação de crescimento notável no emprego da ATD como método de análise, há outros aspectos que necessitam ser analisados como, por exemplo, o modo como os pesquisadores que fazem uso do método, lidam com os pressupostos preconizados originalmente por Moraes e Galiazzi (2007) e a existância (ou não) de processos de redimensionamentos. Essas e outras situações de pesquisa seguem movendo os autores deste artigo em busca de compreensões para os fluxos e contornos que a ATD vem ganhando ao longo dos anos.