1.Introdução
Abordam-se aspectos da produção intelectual e do pensamento da professora Amélia Americano Domingues de Castro (1920-2020). Docente da disciplina de Didática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São paulo (USP), desde 1942 até a sua aposentadoria, a professora Amélia se destacou por introduzir as ideias de Jean Piaget no curso de formação inicial docente em Geografia e História à época, já que os cursos eram ministrados juntos desde sua criação em 1934. Sobre o processo de formação docente em nível superior, do primeiro terço do século XX, daremos ênfase à Didática da Geografia (MELLO, 2020 & 2021). Certamente a matriz caracterizada pela orientação escolanovista da época teve inúmeras variáveis, cujas versões é preciso ainda investigar para compreendermos o presente e as múltiplas angústias do pensar o como “fazer” o ensino de Geografia nas escolas na atualidade. Assim, temos como objetivo de pesquisa destacar as bases teóricas do pensamento da professora Amélia, enquanto docente do primeiro Curso de formação de professores de Geografia da FFCL da USP. A contribuição da pesquisa consiste em apontar quais bases didático-pedagógicas fundaram um modo de pensar o ensino na área das Ciências Humanas, com destaque à Geografia (MELLO, 2021). A produção do conhecimento na área da Didática motivou a constituição de orientações destinadas aos professores, centradas nas ideias de Jean Piaget, que foram apropriadas pela professora Amélia. Um forte indício para isto detectamos em conversa com a professora Amélia, quando nos relatou em entrevista (MELLO, 2017), que ela própria quando ingressou na USP, como auxiliar de ensino e depois docente da FFCL, tinha uma preocupação maior que era o como “ensinar a ensinar” o futuro professor da área das Ciências Humanas. Como então, na época a literatura estrangeira sobre Didática indicava que Jean Piaget era um caminho importante para esta questão, ela encontrou no mestre Piaget, e em sua obra, algumas respostas sobre a questão do processo de ensino-aprendizagem (na verdade mais sobre a aprendizagem). Na época Amélia se debruçou sobre a obra piagetiana, fez traduções livres dos textos de Jean Piaget e sistematizou conhecimentos para as aulas de Didática do curso da USP, desenvolveu pesquisas acadêmicas que disseminaram conceitos importantes do psicólogo suíço sobre o processo de desenvolvimento da aprendizagem por parte dos alunos, que acabaram influenciando o ensino de Geografia.
2.Didática e Escola Nova
Conforme apresentamos em Mello (2021) no contexto após os anos de 1930 no Brasil as bases da Psicologia científica estavam sendo estudadas e contribuindo com a organização interna da Didática articuladamente com as premissas do movimento da Escola Nova. Neste sentido Manuel Bergström Lourenço Filho (1897-1970) e Noemy da Silveira Rudolfer (1902-1980) foram alguns dos protagonistas do movimento escolanovista, já que colocaram em prática o projeto de reformulação pedagógica que revelava a necessidade de uma teoria de largo alcance de revisão crítica apontando novas concepções sobre o processo de ensino-aprendizagem. A nova concepção de aluno tinha em vista promover o desenvolvimento “natural” do educando, possibilitando a sua “formação da personalidade”, o que poderia alterar todo o aspecto interno da Didática. A disciplina de Didática sob a responsabilidade da professora Amélia, então, foi se apropriando da concepção piagetiana de educando e do novo conceito de aprendizagem baseando-se nos interesses e necessidades da criança, em que o importante não era aprender coisas, mas aprender a observar, a pesquisar, a pensar, enfim “aprender a aprender”. O conceito de aprendizagem substituiu a idealização dos métodos em detrimento aos aspectos psicológicos da aprendizagem. Desta forma, aprendizagem por parte dos alunos e medida do aprendizado escolar passaram a permear os saberes necessários à prática de ensino. Isto fez com o curso da USP, onde a professora Amélia atuava, também se adequasse a esta premissa. Na época a Didática era um Curso da USP e também disciplina implantada pelo artigo 20 do Decreto Lei n. 1190/39. Assim, a cadeira de Didática Geral e Especial da FFCL da USP foi criada em 1939. A partir de 1940 aparecem os primeiros formados no Curso de Didática. Segundo Veiga (1995) a Didática era considerada no período entre as décadas de 1930 e 1940 enquanto um conjunto de concepções que reuniam uma tradição humanista tradicional e outra humanista moderna. “[...] a concepção humanista moderna se baseia em uma visão de homem centrada na existência, na vida e na atividade.” (p. 30). Como características desta Didática tem-se: a valorização da criança; o incentivo a liberdade, iniciativa e autonomia das crianças; e o respeito as características individuais dos alunos. Dada a importância à criança e seus aspectos psicológicos, os problemas da escola passaram a ser considerados pela questão escolar e técnica, com ênfase em ensinar bem “[...] a Didática também sofre a influência, passando a acentuar o caráter prático-técnico do processo ensino-aprendizagem, onde teoria e prática são justapostas.” (VEIGA, 1995, p. 31). Assim, os métodos e técnicas mais difundidos no curso da USP foram os centros de interesse; o estudo dirigido; as unidades didáticas; os métodos de projetos; as fichas didáticas; o contrato de ensino; a excursões geográficas; e o estudo do meio. Em sua trajetória a Didática enquanto disciplina e Curso teve vigência até 1946, quando o Decreto Lei n. 9053, de 1946 desobrigou o Curso de Didática, mudando o esquema de formação conhecido como três mais um. A partir da Lei de Diretrizes e Bases n. 4024, de 1961, a Didática perdeu as caracterizações de Geral e Especial para ser substituída por Prática de Ensino sob a forma de Estágio Supervisionado. Resumidamente a Didática teve três denominações durante o período que analisaremos, conforme descrito abaixo.
Curso de formação pedagógica do professor secundário (incluindo a disciplina Metodologia de Ensino
Didática Geral e Especial
Prática de Ensino, sob a forma de Estágio Supervisionado.
A Didática foi questionada nos de anos de 1930, conforme concebida por Comenius (1592-1670) - considerado o pai da Didática no mundo ocidental - “a arte de ensinar tudo a todos”, preconizando a metodologia de ensino acima de todas as questões educacionais, conforme registrou na Didactica magna, publicada em 1657. Nela o autor considerou as possibilidades de o professor ter sucesso frente ao emprego de técnicas de ensino, que alinhadas aos objetivos educacionais garantiriam ao mestre a racionalidade técnica-instrumental necessária à prática docente. Tal lógica universal previa a progressão gradual do ensino, assim existiria uma determinada ordem em todas as coisas a serem ensinadas, que levaria em conta a ordem da natureza (BATISTA, 2017). Esta tendência tradicional da Didática é que o Curso da USP tentou avançar, já que desde o início percebe- se o alinhamento com a tendência renovada da Didática. Veiga (1995) ao traçar um panorama histórico sobre a constituição da Didática no Brasil esclarece que a denominação Metodologia de Ensino aparece antes que termo Didática, já que esta era a nomenclatura que constava no Código pedagógico dos jesuítas. No Código a “Metodologia de Ensino (Didática) é entendida como um conjunto de regras e normas prescritas visando a orientação do estudo e do ensino.” (VEIGA, 1995, p. 27). Esta concepção atrelada ao modelo de Pedagogia tradicional dá ênfase ao ensino humanístico centrado no professor que, por sua vez, pode direcionar uma relação pedagógica de cunho autoritarismo. Quanto ao método de ensino prevalece a exposição do professor que deveria organizar o ensino observando os "[...] cinco passos formais de Herbart (preparação, apresentação, comparação, assimilação, generalização e aplicação." (VEIGA, 1995, p. 28). O alemão Johann Friedrich Herbart (1776-1841) foi representante da Psicologia experimental aplicada à educação. Para ele “[...] torna-se enorme a importância do professor, que educa os sentimentos e os desejos dos alunos por meio do controle de suas ideias [...]” (ARANHA, 2006, p. 211). Tal proposta desconsiderava, portanto, a subjetividade do professor e dos alunos reforçando a individualidade e comprometendo a relação dialógica entre professor e aluno.
3.Metodologia e resultados da pesquisa
Utilizamos procedimentos de localização, reunião e organização de fontes documentais relativas a produção intelectual de Castro, divulgada a partir da década de 1950, cujas representações revelam sua área de especialidade. Apresentamos no Quadro 1 a reunião dos principais títulos da autora, organizados por ano de publicação; tipo de texto; editora ou instituição; e título.
Fonte: Banco de dados bibliográficos da Universidade de São Paulo, disponível em http://dedalus.usp.br/ - Busca por autor: Amélia Americano Domingues de Castro, em 02/04/2020. Organizado pela autora.
Após a seleção dos 17 títulos representativos de sua produção intelectual de Castro, a maior parte em formato de livros e artigos, analisamos a configuração textual dos títulos escolhidos. Eles retratam seus estudos ligados à teoria piagetiana. O conjunto desta produção revela sua posição teórica para superação dos receituários do bom ensino positivista. Atenta aos novos rumos da experimentação Didática - teórica e prática e interdisciplinar - Castro incorporou as inquietações de sua época ao encontrar em Piaget algumas respostas para a orientação metodológica referente ao processo de ensino-aprendizagem, de ordem psicológica, cognitiva, moral, social e cultural. Desta forma, o percurso metodológico envolveu análise das bases didático-pedagógicas das ideias escolanovistas que fundaram um modo de pensar o ensino no Brasil, especialmente no aspectos da base teórica do pensamento de Amélia que trouxe o contraponto entre construtivismo piagetiano e o positivismo. Este é um enfoque marcante da produção da autora Após a apresentação da tese de Livre Docência intitulada Didática do estudo: na perspectiva do desenvolvimento intelectual (CASTRO, 1963), a professora Amélia teve intensificada a publicação de mais de uma dezena de artigos, livros e capítulos de livros. No primeiro deles Castro (1967) aborda as relações entre a Didática e a Psicologia com o objetivo de pensar no aperfeiçoamento de técnicas didáticas. Afirma que a Psicologia científica, de base piagetiana, seria um caminho interessante para a superação dos problemas de ordem metodológicos enfrentados pelos docentes. Para ela Piaget, com sua teoria da equilibração, traria para a Didática novas direções para superar o funcionalismo e o behaviorismo conhecidos até então. Traria possibilidades para técnicas de ensino a partir de situações problemas, evidenciando a cooperação entre os alunos, como, por exemplo, os trabalhos em equipe. Na sequência das publicações Castro amplia sua fundamentação teórica explicando as direções de uma “Didática psico-genética”. Em Didática da escola média: teoria e prática (CASTRO, 1969b) apresenta alguns procedimentos didáticos representativos da “nova postura teórica”, em que o professor envolveria o aluno para realizar esforços e aprender noções fundamentais, mobilizando as funções intelectuais, de acordo com sua fase de desenvolvimento intelectual. Dentre os procedimentos destacou o estudo dirigido, enquanto técnica em que o professor mobilizaria o aluno a adquirir os conhecimentos estudando individualmente, a partir das orientações, problematizações e estímulos do docente. Nos anos de 1970 teve publicados Piaget e a Didática: ensaios (CASTRO, 1974b); Instrução individualizada (CASTRO, 1974a); Didática: perspectivas deste século (CASTRO, 1975); e Didática para a escola de 1º e 2º graus (CASTRO, 1978). Naquela década Castro fez um balanço sobre os avanços e os desafios da Didática do começo do século e do começo do final do século XX, traçando os confrontos que existiram na aplicação da teoria psicogenética na prática escolar. Para tanto, defendeu a Didática escolanovista, que na época passou a ser questionada quanto a sua aplicabilidade na prática pedagógica. Nos anos de 1980 Castro se alinhou com as discussões teóricas sobre a reforma do ensino do Estado de São Paulo, momento que as ideias de Emilia Ferreiro sobre alfabetização foram tidas como referencial teórico para o Ciclo Básico de Alfabetização (CBA). Assim, foi propício à autora ter publicado o livro Piaget & a pré-escola (CASTRO, 1983). Na década de 1990, depois de sua aposentadoria na USP e já atuando na Faculdade de Educação, da Universidade de Campinas (UNICAMP), Castro tinha acumulado experiência e notoriedade suficientes para descrever “A trajetória histórica da Didática” (CASTRO, 1991) para um grupo seleto - leitores da revista Ideias. No artigo descreve os marcos de inauguração da Didática como campo de estudos desde o século XVII, quando a “Didática constituiu a primeira tentativa que se conhece de agrupar os conhecimentos pedagógicos.” (p. 16), até o seu progresso enquanto disciplina dos cursos de Licenciatura, no século XX. A partir disto, ressalta o quanto, em sua evolução, a Didática oscilou entre diferentes paradigmas para se entender as relações pedagógicas. Depois dos anos de 2000 a professora Amélia assumiu a Cadeira número 22 da Academia Paulista de Educação, o que fortaleceu o seu reconhecimento. Teve publicado o livro Um olhar construtivista sobre a Educação (CASTRO, 2001a) e um livro organizado em co-autoria com a professora Anna Maria Pessoa Carvalho intitulado Ensinar a ensinar: Didática para a escola fundamental e média (CASTRO, 2001c). Nele as autoras apresentaram o que chamaram de amostra significativa de estudos de professores, futuros professores e pesquisadores, desenvolvidos nos últimos tempos para oferecer uma Didática em ação, nas diferentes disciplinas. Ressaltam a importância se de refletir os problemas da Didática tendo como respostas elementos críticos-reflexivos, como, por exemplo o conceito de atividade. No capítulo O ensino: objeto da Didática (CASTRO, 2001b) a professora Amélia aborda como a Didática foi constituindo seu objeto de estudo. Ela admitiu que “o ensino” considerado núcleo duro da Didática, oscilou entre supervalorizar o seu aspecto pragmático, vinculado ao método; e refugiar-se nas reflexões de caráter genérico e abstratas, o que provocou uma falta de equilíbrio e harmonia no campo. Esta questão delicada para ela deveria ser superada articulando os problemas do ensino à pesquisa científica em Educação. Percebemos nos últimos textos de Castro uma preocupação em explicar os motivos pelos quais a Escola Nova não ter sido amplamente aplicada em sala de aula. De certa forma, ofereceu uma resposta também às críticas advindas das novas concepções teóricas, entre elas a Pedagogia crítico-social dos conteúdos. Vasconcellos (1996) e Nogueira da Silva (2019) destacaram a notoriedade de Castro no campo da Didática e do ensino no Brasil. Em “Mulher, professora universitária e pesquisadora: a trajetória de Amélia Americano Franco Domingues de Castro (1920 - ) no ensino superior”, Nogueira da Silva reforça o caráter revolucionário assumido pela professora Amélia quando ocupou alguns espaços dantes ocupados predominantemente por homens. Para a pesquisadora, ela superou a adversidade e construiu uma sólida carreira, contribuindo entre outras coisas para a difusão das ideias de Piaget no Brasil. Vasconcelos (1996) destaca que a professora Amélia coordenou um dos primeiros grupos de pesquisa no Brasil sobre Piaget. Ao se referir ao “Núcleo da USP” lembrou que a gênese se deu no Instituto de Educação e no Laboratório de Psicologia Educacional, criado por Lourenço Filho com a colaboração de Noemi Silveira. No caso do ensino de Geografia detectamos algumas influências das concepções envolvendo a concepção de formação docente do curso da USP, por meio da produção didática e intelectual de ex-alunos da professora Amélia, tais como Aziz Nacib Ab’Sáber e Lívia de Oliveira. Como relatam Aroldo de Azevedo e João Dias da Silveira, em 1949, o Departamento de Geografia da USP foi criado em 1946, quando Azevedo era catedrático da disciplina de Geografia do Brasil e João Dias da Silveira era titular da cadeira de Geografia física, cujo Professor Assistente era Aziz Nacib Ab’Saber. Os três professores tiveram algumas preocupações com a Didática da Geografia (MELLO & CUANI JR., 2020). Nossas pesquisas anteriores apontam que além dos livros didáticos Azevedo participou da produção do currículo de Geografia para as escolas secundárias, em 1935 (MELLO & CUANI JR., 2020). Também João Dias da Silveira publicou, em 1936, o artigo “A excursão no ensino da Geografia”, além de produzir livros didáticos e quando participou da criação do curso de Geografia em Rio Claro convidou Lívia de Oliveira para assumir a cadeira de Didática da Geografia. Lívia levou para a Universidade Estadual Paulista (UNESP) a tradição piagetiana que a acompanhou durante sua trajetória acadêmica (OLIVEIRA, 2007). Ela se formou em Bacharelado e Licenciatura no curso da USP em 1942, quando a professora Amélia já era responsável pela Didática Especial da Geografia, antes mesmo de ser contratada já era auxiliar do professor Onofre Penteado, titular da cadeira de Didática (MELLO, 2017). Ab’Sáber se formou em 1945 e produziu, enquanto atuava no Departamento da USP, a coleção didática denominada Formas de Relevo, publicado em 1975, que integrava o “Projeto brasileiro para o ensino de Geografia” (MELLO & OLIVEIRA, 2021). A concepção de Didática da professora Amélia dialogou com a pesquisa apresentada na tese de Livre docência de Lívia de Oliveira (1977), onde a pesquisadora deixou registrado que “Muitos dos conceitos que aparecem na primeira e na segunda partes [da tese] foram escolarecidos em discussões mantidas com a Dra. Amélia Domingues de Castro [...]” (p. v). Desta forma, a tese Estudo metodológico e cognitivo do mapa será considerada fonte documental já que a partir dela temos um referencial importante para o campo. Em entrevista cedida para a revista Geosul, em 2007, Lívia de Oliveira informou que em 1961 João Dias da Silveira a convidou para ir para Rio Claro, no Instituto isolado que se tornou a UNESP, para ministrar Didática Especial da Geografia. Na ocosião deixou registrado que “Também, na USP, minha professora de Didática foi Dra. Amélia Domingues de Castro, que já estava trabalhando com Piaget e trocava ideias com ela sobre esta questão. E, até hoje, Piaget é a minha referência.” (ENTREVISTA, 2007, p. 221). Então, o periódico deixou registrado que “Esta sua contribuição se torna uma referência para muitos professores que vão trabalhar prática de ensino.” (p. 222). A partir das categorias “ensino por investigação”, “atividades práticas”, “experimentação” e “estudo cognitivo do mapa” identificamos de forma clara a relação entre o referencial teórico pigetiano replicados por Ab’Sáber e Lívia de Oliveira, ex-alunos de Amélia. A professora Amélia faleceu em São Paulo neste ano de 2020, no dia 30 de agosto deixando seu legado para o campo da Didática e também para o ensino de Geografia.
4. Bases teóricas da aprendizagem em Piaget: um marco na produção de Amélia Americano Domingues de Castro
Conforme apresentamos em Mello (2007) os pressupostos da teoria de Piaget podem ser representados pelas noções de: psicogênese; conhecimento espontâneo; construção do conhecimento: organização e adaptação; construtivismo; e ontogênese e filogênese. Para Piaget, a psicogênese está relacionada com a formação dos conhecimentos e o pesquisador considerava importante “[...] um estudo da evolução dos conhecimentos desde suas raízes [...]” (PIAGET, 1978a, p. 6). Tais pressupostos foram apropriados por Amélia contribuindo para a constituição de uma Didática que visava a superar a doutrina positivista que dava ênfase ao método de ensino. Historicamentente Amélia alimentou e sustentou uma visão construtivista da Didática, já que em sua obra estão presentes a busca de alternativas para a compreensão do processo de ensino-aprendizagem, guiadas pelos estudos piagetianos de compreensão do desenvolvimento cognitivo. Considerando o desenvolvimento cognitivo da criança, Piaget distingue dois aspectos: o aspecto psico- social e o desenvolvimento espontâneo. No primeiro, está incluso tudo o que a criança recebe do exterior, ou seja, aquilo que ela aprende por transmissão da família, da escola, da sociedade. No segundo, está incluído tudo aquilo que a criança aprende por si mesma, ou seja, aquilo que ninguém lhe ensinou, mas aquilo que ela descobriu sozinha. Piaget também denomina o desenvolvimento espontâneo de “desenvolvimento psicológico” (PIAGET, 1978b, p. 211). Essas observações levaram Piaget a formular a teoria dos estágios do desenvolvimento cognitivo. Esses estágios são sucessivos, e, para se passar de um a outro: “É necessário ter construído as pré-estruturas, as substruturas preliminares que permitem progredirmos mais.” (PIAGET, 1978b, p. 215). A organização e a adaptação, de acordo com os pressupostos piagetianos, constituem as invariantes funcionais de todos dos indivíduos. São invariantes, porque são funções comuns ao longo do desenvolvimento cognitivo. A organização subdivide-se em assimilação e acomodação. Piaget considera que “[...] a inteligência é assimilação na medida em que incorpora nos seus quadros todo e qualquer dado da experiência.” (PIAGET, 1970, p.17). Já a adaptação é um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, e esse equilíbrio constitui as ações inteligentes. A transposição da teoria piagetiana para o campo pedagógico se deu por meio da disseminação dessas premissas, muitas delas a partir da produção da professora Amélia. Já a transposição da teoria para a sala de aula é algo bastante complexo e questionado, como sabemos. No Brasil este processo ficou conhecido como - Construtivismo - uma teoria que envolve os seguintes conceitos básicos: sujeito cognoscente, interação entre esse sujeito e o objeto de conhecimento e (re) construção do conhecimento. A criança se envolve em um processo de construção ativo de natureza cognitiva; esse processo de construção do conhecimento em relação à aprendizagem dos conceitos geográficos, por exemplo, envolve a criança, em interação com o objeto de conhecimento (espaço geográfico), ela constrói hipóteses sobre o objeto até chegar a interpretar suas propriedades. Isso faz com que, mesmo antes de compreender o espaço geográfico convencionalmente, a criança, sujeito cognoscente, trata de organizar critérios para interpretar as características formais do espaço; trata-se, portanto, de um processo de “reconstrução” do conhecimento e não de apropriação do conhecimento pronto. Neste sentido, no campo do ensino de Geografia, cada aluno reconstruiria nas grandes linhas os conceitos e categorias geográficas. O desenvolvimento individual repetindo, nas grandes linhas, a desenvolvimento da humanidade vem da ideia da relação entre ontogênese e filogênese. Ao estudar a evolução da inteligência na criança e se deparar com o problema da influência respectiva das “montagens hereditárias” e da “experiência adquirida”, Piaget admite um equilíbrio entre a ontogênese e a filogênese.
5.Considerações Finais
Destacamos aspectos da produção intelectual e do pensamento da professora Amélia Americano Domingues de Castro, cuja marca está presente no percurso histórico do curso de formação docente da USP, desde os anos de 1930, onde a docente se formou e atuou até sua aposentadoria. Uma especialista em Didática, a professora Amélia foi pouco notada na produção sobre o ensino de Geografia até o momento. As bases teóricas de seu pensamento podem ser resumidamente representadas pelos conceitos de Jean Piaget sobre a psicogênese, conhecimento espontâneo, construção do conhecimento, construtivismo, ontogênese e filogênese. No ensino de Geografia o debate sobre a superação dos problemas sobre o processo de ensino-aprendizagem dos conceitos geográficos ganharam evidência ao incorporar o referencial piagetiano como alternativa possível. Neste sentido, a professora Amélia deixou um legado aliado a matriz caracterizada pela orientação piagetiana do século XX, que teve inúmeras variáveis, certamente replicadas por seus ex-alunos como, por exemplo, Lívia de Oliveira. Por fim, as bases teóricas do pensamento da professora Amélia constituem um legado à Didática da Geografia.