1.Introdução
A disseminação mundial dos produtos científicos é um ganho para o desenvolvimento social e humano e muito tem contribuído, na saúde, para a melhoria dos indicadores de saúde. O acréscimo de estudos e a proliferação dos resultados é também um desafio para os investigadores, que por um lado têm acesso a estudos diversos, sobre o mesmo tema, muitas vezes, com desenho e qualidade diferentes, mas por outro lado precisam de identificar, avaliar e sintetizar a evidência produzida. Considerando que este desafio é transversal a todas as áreas de investigação, na saúde o debate público atual, pertinente sobre a Prática Baseada na Evidência (PBE) observa que, o uso do conhecimento levanta preocupações com a sua produção, disseminação, eficácia e viabilidade da sua abordagem ao que se alia a necessidade de a evidência suportar a tomada de decisão clínica, que deve ser oportuna, adequada e significativa para as pessoas ou comunidades (Apóstolo, 2017; Baixinho, Ferreira, Marques, Presado, Cardoso, & Sousa, 2019). O exposto levanta questões centrais à síntese da evidência existente e à utilização do método científico para o fazer, mas também aos processos que são usados para transferir e implementar o conhecimento nos contextos de prática clínica, que têm particularidades muito especificas, desde logo o facto dos utilizadores (profissionais de saúde) e dos consumidores (clientes dos cuidados de saúde) (Baixinho, Ferreira, Marques, Presado, & Cardoso, 2017) possuírem competências de Literacia em Saúde, completamente diferentes, o que implica que para transferir o conhecimento e manter o seu uso no tempo há que (re)pensar processos diferentes para profissionais e clientes, com diferentes tipos de estratégias e com comunicação adequada a cada grupo alvo. Esta preocupação encontra eco no trabalho de outros investigadores. Apóstolo (2017) afirma que a transferência do conhecimento para a clínica é um processo complexo e envolve mais do que a disseminação ou comunicação dos resultados de investigação. Implica o planeamento e implementação de estratégias para identificar públicos-alvo, como clínicos, gestores, ‘fazedores’ de políticas, consumidores, entre outros. Outros autores alertam para aspetos como o trabalho colaborativo, o desenho, a implementação e os métodos para organizar e transferir a informação (Baixinho & Costa, 2020; Baixinho et al., 2019) e para o desafio de os tornar compreensíveis e utilizáveis na tomada de decisão (Apóstolo, 2017). Ao supracitado, acrescemos as dificuldades em transferir o conhecimento obtido por estudos de natureza qualitativa, essenciais para a compreensão das práticas, comportamentos, experiências e decisões do individuo e família sobre o seu projeto de saúde, inserido no seu projeto de vida (Baixinho, Ferreira, Marques, Presado, Cardoso, & Sousa, 2018). Os entraves à introdução da evidência são heterogêneos e prendem-se a questões metodológicas e éticas, rigor científico, capacidade de execução do projeto, dificuldades no financiamento da pesquisa, pertinência e utilidade diante das necessidades e políticas de saúde, eficácia na comunicação e divulgação e, falta de uma cultura científica de trabalho colaborativo para o desenvolvimento de produtos que promovam a introdução dos resultados nos contextos (Baixinho & Costa, 2020). Os investigadores que lançam este alerta fazem-no pela constatação que a PBE tem privilegiado as recomendações de guidelines, suportadas essencialmente por estudos de revisão sistemática com meta- análise, ou estudos observacionais de natureza quantitativa e reforçam que, a complexidade dos processos de saúde/doença não pode ser apreendida só com recurso a estudos inseridos num paradigma positivista, sob o risco de exclusão de elementos centrais para os projetos individuais e para o desenvolvimento de cuidados de saúde centrados no cidadão (Baixinho et al., 2018). Ribeiro, Sousa e Costa (2016) ilustram bem a necessidade de complexidade ao considerarem que a inseparabilidade dos fenómenos do seu contexto alicerça a investigação qualitativa, pois é impossível discernir opiniões, perceções e significados dos indivíduos silenciando o contexto. Se considerarmos que os achados qualitativos permitem uma melhor compreensão dos fenómenos na perspetiva das necessidades sentidas e das estratégias utilizadas para a gestão e adesão ao regime terapêutico e autocuidado e até uma transformação qualitativa da prática, estamos perante um repto emergente para a modificação desta realidade que, simultaneamente, permita a individualização do cuidado e traga benefícios diretos sobre a saúde do cidadão (Baixinho et al, 2017). A solução para a demora da introdução dos resultados produzidos por métodos de investigação qualitativos, ou mistos, passa pela compreensão de que os resultados da investigação devem ter significado para os profissionais de saúde, o que determina que o investigador tenha de se preocupar desde o início com a divulgação e incorporação dos resultados na clínica (Baumbush et al. 2008; Baixinho et al, 2017). Mas, até a este nível há desafios claros pela proliferação de modelos, teorias e ferramentas relativas às questões da implementação do conhecimento na clínica (Nilsen, 2015). A titulo ilustrativo referenciamos o trabalho de Nilsen (2015) que observa que é possível identificar três finalidades no uso destas teorias, modelos e ferramentas: (1) descrever e/ou orientar o processo de tradução da investigação em prática, (2) compreender e/ou explicar o que influencia os resultados da implementação e (3) avaliar a implementação. O mesmo autor classifica as abordagens teóricas usadas em 5 categorias: modelos de processo; frameworks ; teorias clássicas; teorias de implementação e ferramentas para a avaliação (Nilsen, 2015). A grande parte destas abordagens são colaborativas/interativas e incluem intercâmbios, mais ou menos frequentes, entre os investigadores (produtores do conhecimento) e os clínicos e clientes dos cuidados de saúde (utilizadores e consumidores do conhecimento) ao longo do processo (CIHR, 2014; Oelke, Lima, & Acosta, 2015). Deste modo, não só os investigadores, mas também profissionais e clientes desempenham um papel ativo, contribuindo para uma ou várias etapas da pesquisa: formulação da questão inicial, validação dos instrumentos de colheita de dados, interpretação, validação e disseminação dos resultados, entre outras (CIHR, 2014). Consideramos que a PBE e a tomada de decisão baseada na evidência necessitam de uma inevitável reflexão por parte dos ‘investigadores qualitativos’, porque a sua produção científica não pode ficar encarcerada nas bases de dados e no fator de impacto das revistas especializadas (Baixinho & Costa, 2020), precisa ser introduzida nos contextos de prática clínica e ser um valor acrescentado. Este artigo é uma instigação aos investigadores, sobretudo aos peritos, para incluírem, na sua pesquisa os aspetos da síntese da evidência qualitativa, da transferência e da implementação do conhecimento na clinica. Corroboramos a opinião de que os desafios éticos, económicos e sociais que a ciência enfrenta obrigam a que a credibilidade científica seja acompanhada por benefícios sociais e humanos (Baixinho & Costa, 2020).
2.Exposição Teórica do tema
Um dos grandes desafios é a rápida e efetiva transferência do conhecimento para os contextos de prática clínica, quer para os profissionais de saúde, quer para os clientes de cuidados que são os principais beneficiários do conhecimento ao permitir o aumento da literacia em saúde e a sua capacitação na gestão dos seus processos de saúde/doença. É consensual que a transferência e implementação do conhecimento pode ser demorada e por vezes difícil, sobretudo para os achados de natureza qualitativa, que por estarem mais dispersos nas bases de dados e com menos estudos de sistematização, uma vez que as meta agregações, metasumários e metasínteses não têm a mesma expressividade nos estudos de síntese de evidência comparativamente com as revisões sistemáticas de estudos quantitativos. Acresce a esta dificuldade, a complexidade do processo do planeamento e implementação de estratégias para a implementação do conhecimento nos contextos de prática clinica, a ausência de trabalho colaborativo entre investigadores, profissionais e clientes dos cuidados de saúde, promovendo a transferência dos achados e tornando-os compreensíveis para a tomada de decisão (Baixinho at al.,2018, 2019). Esta questão é uma preocupação de vários organismos internacionais com responsabilidades na politicas de saúde, nomeadamente da Organização Mundial de Saúde (OMS) (WHO, 2021), que advoga o desenvolvimento de um ecossistema de evidência, definido como um sistema que reflete o formal e as ligações informais e interações entre diferentes atores (e as suas capacidades e recursos) envolvidos na produção, tradução e utilização de evidência. A OMS alerta ainda que os resultados da investigação em saúde são produzidas e recolhidas num ecossistema que inclui atores de diferentes domínios e com agendas diversas, por isso a formulação e adopção de políticas e programas eficazes deve depender, cada vez mais da evidência, a todos os níveis de decisão, incluindo governos, organizações não-governamentais, sociedade civil, investigadores, entre outros (Brasil, 2020; WHO, 2021). No que concerne à criação de evidência a OMS fala do Túnel de criação de evidência (figura 1), reportando-se ao trabalho de Reveiz (WHO, 2021), reforçando que a criação de conhecimento novo e de evidência deve ser acompanhado por um conjunto de estratégias e produtos que melhorem a utilização sistemática da mesma. No domínio da produção de evidência têm 3 fases: 1) investigação primária para a criação de conhecimento; 2) a investigação secundária que engloba os estudos de síntese de evidência e 3) a investigação terciária que culmina na produção de produtos que melhorem a utilização da evidência por todos, facilitando a sua transferência para os contextos clínicos e para o cidadão.
Face ao objetivo do artigo vamo-nos centrar na síntese, transferência e implementação da evidência.
2.1 Síntese da evidência qualitativa
A síntese de evidência a partir das revisões sistemáticas tem a clara vantagem de reunir o conhecimento recente sobre um fenómeno, possibilitando a tomada de decisão clínica com maior segurança e nortear as politicas de saúde e as opções de financiamento (Brasil, 2020; Prihodova et al., 2019; WHO, 2021). Face a outro tipo de estudos, os secundários reúnem todos, ou a grande maioria dos estudos sobre um tema, o que permite conferir maior confiabilidade à evidência; permite a sistematização dos resultados com a possibilidade de avaliação da consistência e confiabilidade da evidência; e permite a generalização dos resultados de forma mais segura (Brasil, 2020). As sínteses podem utilizar métodos quantitativos e/ou qualitativos. O tipo mais conhecido de síntese de provas são revisões sistemáticas (com ou sem meta-análise) e revisões rápidas do efeito de intervenções (WHO, 2021). A revisão da literatura e a consulta das bases permite-nos inferir que as revisões de estudos qualitativos não têm tido o mesmo desenvolvimento dos estudos de meta-análise, o que contradiz o reconhecimento de uma prática clínica dinâmica, que compreende a noção de que o tempo, espaço e contexto influenciam a realidade e que a clínica e a investigação são interativas (Latimer, 2005; Baixinho et al., 2018). De entre os diferentes tipo de revisões sistemáticas as de estudos qualitativos dão suporte metodológico, para integrar ou comparar resultados de estudos qualitativos (WHO, 2021) e, considerando a grande evolução da quantidade de estudos de caráter qualitativo, permitem assim novas interpretações à luz da produção anterior (Mohammed et al., 2016), sintetizando os resultados de estudos individuais dentro de um corpo maior de evidências sobre o tema, com base em metodologias rigorosas, reprodutíveis e transparentes, para determinar o que é conhecido numa determinada área ou se existem lacunas de evidência (WHO, 2021). Nesta secção, abordaremos a elaboração dos metasumários e das metassínteses, como abordagens que dão resposta ao desafio elencado no parágrafo anterior. Os metasumários são produtos da integração de estudos que envolvem a análise de resultados na forma de survey e que podem servir como enquadramento inicial para as metassínteses (Sandelowski et al., 2007). Esta metodologia permite aos investigadores avaliar resultados primários de resultados individuais, o que facilita também uma avaliação da evidência disponível e a sua aplicação para a prática, em primeira instância, e em segunda instância permite que os investigadores avaliem a tendência teórica e/ou metodológica que dará origem ao estudo mais alargado do fenómeno de interesse (Sandelowski et al., 2007; Sandelowski & Barroso, 2003). De ressalvar que, este método se sustenta em reflexões dos investigadores face ao que estes consideram como dados qualitativos ou quantitativos, ou o que é efetivamente um dado importante de análise em detrimento de outra. Além desta perspetiva, os meta-sumários espelham também empiricamente a análise dos investigadores no que respeita ao agrupamento dos dados ou à sua categorização de acordo com os resultados obtidos. Este método pode, como definido anteriormente, ser o ponto de partida para uma reflexão mais aprofundada como a metassíntese. As metassínteses consubstanciam-se como uma abordagem de investigação, que permite aprofundar os fenómenos em estudo, analisando uma nova perspetiva que pode ter origem de várias revisões sistemáticas ou meta-análises. Este tipo de pesquisa reveste-se de desafios acrescidos pois, os dados analisados e que necessitam de ser agregados podem ter origem em vários tipos de abordagens metodológicas, cujos resultados têm que ser posteriormente integrados e reinterpretados (Squarcini et al., 2020). As metassínteses podem ser classificas em 3 grandes grupos (Mohammed et al., 2016):
Construção de Teorias: a partir de vários estudos de caráter teóricos, permite a elaboração de uma nova teoria;
Explicação de Teorias: a partir de estudos primários, é possível a sua análise detalhada, reconstruindo um modelo explicativo da teoria primária;
Estudo Descritivo: a partir de estudos com dados qualitativos, é possível a sua análise com enfoque nos resultados, sendo estes alvo de nova explicação.
A aplicação da metodologia para elaboração das metassínteses tem passos em comum com outras metodologias de investigação qualitativa, sendo estes a definição do foco em estudo (para abarcar o fenómeno que se pretende investigar), a correta amostragem (para definir as fontes primárias e secundárias) que garantam uma sustentação dos dados a analisar e, finalmente, a análise dos dados com uma necessidade premente de garantir a adequada comparabilidade das metodologias subjacentes a cada uma das fontes (Finfgeld, 2003; Garside, 2014; Sandelowski & Barroso, 2003; Thorne, 2019). Estas duas metodologias permitem uma adequada síntese da evidência qualitativa, colocando-a ao dispor do investigador para que esta possa ser eficazmente transferida e implementada nos contextos de prática clínica, mitigando lacunas na gestão do conhecimento dos profissionais.
2.2 Transferência e implementação da síntese qualitativa
As estratégias para melhorar a utilização de evidencia para suportar a tomada de decisão clínica e as politicas de saúde implicam o intercâmbio, a síntese, e a comunicação eficaz de resultados de investigação fiáveis e relevantes (WHO, 2021), com o enfoque na promoção da interação entre os produtores e utilizadores da investigação (Baixinho et al., 2017, 2018; WHO, 2021), eliminando as barreiras à utilização da investigação, e promovendo a adaptação da informação a diferentes públicos- alvo para que as intervenções eficazes sejam disseminadas e tenham maior probabilidade de serem utilizadas (WHO, 2021). Há diferentes modelos que conceptualizam a forma como a evidência se traduz em mudança ao nível das politicas de saúde e na implementação de programas (Brasil, 2020; WHO, 2021). O documento recém publicado da OMS (2021) observa que os produtos que podem ser desenvolvidos a partir da síntese de evidência (investigação terciária) são a forma mais "refinada" de evidência, sintetizando a investigação secundária e, conforme necessário, primária e facilitam a introdução da evidência, pelo formato conciso e de fácil utilização, adaptando-a às necessidades de informação dos utilizadores finais. Corroboramos esta afirmação, mas alertamos que alguns desses produtos carecem de um planeamento e de uma abordagem colaborativa entre investigadores, clínicos e cidadãos pelo risco de não serem ‘consumidos’. Por exemplo as guidelines com intervenções/orientações clinicas podem demorar algum tempo a ser implementadas na prática, sobretudo se a opção privilegiada para a transferência do conhecimento for a de utilização de modelos lineares e unidirecionais, para levar passivamente a informação dos investigadores aos utilizadores e consumidores (Baumbusch, et al., Baixinho et al., 2017). O planeamento de produtos que, para além da sistematização da evidência, fornecem recomendações explícitas, com o objectivo de orientar os interessados na sua ação e facilitam a aplicação da prova (WHO, 2021) também pode agilizar essa transferência, mas sem dúvida que uma das formas de contornar este obstáculo é a opção por modelos colaborativos de trabalho entre investigadores e clínicos, com envolvimento dos clientes dos cuidados de saúde (Baixinho et al., 2018), como refere a OMS (2021) o desenvolvimento de produtos de evidência requer o envolvimento das principais partes interessadas, uma equipa interdisciplinar de profissionais, e a coprodução por investigadores e utilizadores da investigação. A mesma organização adverte ainda que esse envolvimento pode ser central para aumentar a probabilidade que a evidência se traduza em política ou ação (WHO, 2021). Para além das lacunas supracitadas alguns investigadores alertam que as guidelines, algoritmos e outro tipo de instrumentos e suportes para a TC privilegiam os resultados obtidos por estudos predominantemente quantitativos, em detrimento dos resultados da investigação qualitativa (Baixinho et al., 2017). Tradicionalmente, a investigação quantitativa tem tido um peso maior no campo da saúde, predominando na formação e na clínica, preterindo para segundo plano os resultados obtidos através de métodos qualitativos e até mistos (Baixinho et al., 2017). Num artigo sobre a transferência da conhecimento para a clínica os autores reforçam a necessidade dos investigadores (re)pensarem estas questões, pelo questionamento sobre os modos de investigar e a forma como os profissionais da clínica compreendem a investigação, não só os resultados, mas todo o processo, dado que a compreensão alargada de como foi garantida a validade, adequação e objetividade dos achados, permite uma apreciação da qualidade dos mesmos (Baixinho et al, 2018) (Figura 2).
Fonte:
Outrossim para Abreu e colaboradores (2017) é o de produzir evidência que seja útil, que promova melhorias nas práticas sociais e que subsidie a tomada de decisão. Para o conseguir os autores recomendam que desde o desenho do projeto de investigação seja incluída a integração e transferência do conhecimento, levando os investigadores a refletir sobre a utilidade prática do seu estudo (Abreu et al., 2017; Baixinho et al., 2018, 2019). E este desafio não é de menor importância se considerarmos que a incorporação dos resultados da investigação qualitativa permite: uma melhor compreensão dos fenómenos na perspetiva das necessidades sentidas e das estratégias utilizadas para a gestão e adesão ao regime terapêutico e autocuidado; uma transformação qualitativa da prática com individualização do cuidado; e um benefício direto sobre a saúde do cidadão (Baixinho et al., 2017, 2018).
3.Exemplos/casos práticos
Como exemplo de caso prático de síntese, transferência e implementação de evidência qualitativa podemos destacar o projeto Transição Segura o qual inclui uma escola superior de enfermagem, uma instituição hospitalar e um conjunto de centros de saúde, o qual tem como objetivo geral a Translação do Conhecimento para responder aos problemas dos diferentes serviços, e nesse sentido incrementar o conhecimento e empoderar os doentes e famílias que vivenciam o processo de transição do hospital para a comunidade (Baixinho et al., 2017). A metodologia de trabalho entre os diferentes parceiros (academia e instituições prestadoras de cuidados) envolvidos no projeto, tem gerado resultados muito positivos tanto na produção e disseminação do conhecimento, como na apropriação deste pelos contextos. Ao longo dos últimos oito anos de trabalho (2014 - até ao momento) colaborativo o projeto permitiu:
ampliar o conhecimento e habilitar os doentes e famílias para o processo de transição do hospital para a comunidade, diminuindo o tempo de internamento, um resultado com forte impacto na economia da saúde e das famílias, na qualidade de vida dos consumidores de cuidados e na satisfação de todos os envolvidos;
melhorar circuitos de comunicação promotores da continuidade de cuidados para as unidades de saúde de proximidade (cuidados de saúde primários), com consequente diminuição dos (re)internamentos. Disso são exemplo o estabelecimento de protocolos de comunicação entre os diferentes serviços e sujeitos envolvidos, bem como a produção e utilização de algoritmos, como é o caso do “Algoritmo para o cuidado transicional aos cuidadores de idosos dependentes” (Cf. Gomes, Ferreira, Baixinho & Ferreira, 2021), ou o “Algoritmo para a transição segura, do hospital para a comunidade, da pessoa com artroplastia” (Cf. Ferreira, Lourenço, Costa, Pinto, Gomes, Oliveira et.al, 2019) e o “Algoritmo para a transição segura, do hospital para a comunidade, da pessoa com doença mental e sua família” (Cf. Paniagua, Ribeiro, Correia, Cunha, Baixinho & Ferreira, 2018), entre outros (Cf. Guimarães, Teles, Fernandes, Ferreira & Baixinho, 2019; Batista, Pinheiro, Madeira, Gomes, Ferreira, & Baixinho, 2021);
e promover a reabilitação das pessoas dependentes e a inserção na comunidade de pessoas com doença crónica. Disso são exemplo o “Cuidado transicional de reabilitação e continuidade da assistência ao paciente como prática avançada de enfermagem” (Cf. Pedrosa, Ferreira & Baixinho, 2022) e “O cuidado transicional aos cuidadores de idosos dependentes (Cf. Ferreira, Gomes, Baixinho & Ferreira, 2020).
A metodologia utilizada no âmbito de tal projeto estruturou-se em 3 etapas, todas elas interligadas e em interação recíproca, a saber:
planeamento do processo de pesquisa no âmbito do projeto, a partir das necessidades identificadas nos contextos pelos profissionais e investigadores;
investigação com recurso a académicos, enfermeiros clínicos e estudantes de enfermagem, sendo que a investigação desenvolvida optou por metodologias participativas como a pesquisa- ação;
transferência dos resultados para a clínica através das equipas envolvidas e sua divulgação pelos mais variados canais (eventos e revistas científicas da especialidade), trabalho colaborativo entre os envolvidos, reuniões de equipa, bem como a construção de produtos que possibilitaram a implementação dos resultados na clínica, como os algoritmos de suporte à tomada de decisão; normas de procedimento e recurso às novas tecnologias.
Os resultados obtidos têm sido positivos e estimulantes incrementando o desenvolvimento das competências dos profissionais, investigadores e estudantes envolvidos e também a qualidade dos cuidados de saúde no geral e de enfermagem em particular. O próprio utilizador dos serviços de saúde, alvo dos diferentes saberes desenvolvidos, beneficia da transferência e da implementação da evidência pela célere aplicação dos resultados da investigação qualitativa, pelos profissionais nos serviços onde exercem.
4.Aplicação da proposta na realidade/exemplos práticos
A tomada de decisão clínica, como processo de avaliação e seleção das melhores ações que possibilitem atingir os resultados desejados em contexto clínico (Marques et al, 2021), assenta em princípios científicos, com conhecimentos de elevados níveis de evidência e que promovam cuidados de excelência (Farias et al, 2018). Tomada de decisão essa que abrange a integração crítica de evidências de pesquisa com informações sobre preferências do cliente, experiência clínica, contexto clínico e recursos para decisões (Baixinho et al., 2017). A procura pela melhor e mais atual evidência científica tem como objetivo uma otimização do atendimento dos serviços de saúde, dos resultados clínicos, bem como a diminuição de resultados adversos, da mortalidade dos clientes e da taxa de internamento, resultando na minoração de custos (Bento & Lucas, 2021; Santos et al., 2022). A evidência qualitativa possibilita uma humanização dos processos de tomada de decisão ao garantir uma perspetiva subjetiva dos diversos atores sociais envolvidos nos serviços de saúde. Dessa forma, garante que as intervenções e as opções selecionadas para abordar os problemas de saúde e os problemas sociais sejam bem-recebidas pelos atores, exequíveis de serem implementadas e não tragam malefícios ou dificultem direitos (Barreto & Lewin, 2019; Brandão, Ribeiro & Costa, 2018). No entanto, e como já referido, existe uma dificuldade na transferência deste conhecimento para a prática, e do desenvolvimento deste tipo de evidência. Coloca-se então o desafio da sua rápida e segura transferência, para os contextos clínicos. Para tal, é imprescindível a aprendizagem de um conjunto de saberes, atitudes e competências de investigação desde a formação inicial. O contato precoce dos estudantes com a evidência, permitirá uma identificação da sua real dimensão e da imprescindibilidade para a sua prática futura, como profissionais (Baixinho & Ferreira, 2021). A dimensão organizacional das instituições de saúde e o ambiente social dos cuidados de saúde também tem implicações na aplicação da evidência qualitativa, como referem Barreto e Lewin (2019) ao apresentarem quatro passos para o seu reforço: a) avaliar a capacidade organizacional do uso da evidência qualitativa para transmitir a tomada de decisão; b) reforçar a capacitação de identificar, avaliar e utilizar evidências qualitativas através de plataformas de translação do conhecimento existentes; c) aprofundar o conhecimento sobre metasumários e metasínteses, a importância e a fiabilidade dos seus dados e como os usar nos processos de decisão; d) desenvolver mecanismos de priorização para pesquisa qualitativa, através de questões identificadas por sínteses de evidências qualitativas, consultas públicas e processos de decisão. Para que a tomada de decisão na prática clínica dos enfermeiros seja alicerçada em evidências científicas, é indispensável um questionamento constante da prática, baseado num pensamento crítico e na admissão das evidências positivas da PBE, conhecimentos e competências e, apoio para a sua utilização (Bento & Lucas, 2021). Uma visão muito pertinente na tomada de decisão clínica é a PBE em que se transformam problemas clínicos em questões e se localiza, avalia e emprega sistematicamente investigações contemporâneas como base para decisões clínicas (Pinto, 2018). Assim, preconiza-se a utilização da PBE em todas as intervenções de cuidados em saúde, tornando possível uma tomada de decisão segura e credível ao aliar a prática à pesquisa, através de evidências qualitativas validadas (Farias et al, 2018). Este trabalho tem limitações impostas pelas dinâmicas organizacionais. Os contextos clínicos ainda não tem uma cultura de ecossistema de evidência e portanto o trabalho com as equipas implica o desenvolvimento de competências para que elas possa ser também coprodutores do conhecimento para a resolução de problemas complexos. Por outro lado, a metodologia e a construção de equipas em bebidas pela evidência necessita de um compromisso duradouro com os projetos, que nem sempre se consegue em serviços onde a rotação dos profissionais é elevada. Há limitações associadas aos próprios investigadores e à sua presença na clínica, quer pela emergência de outras atividades, quer pelas contingências impostas pelas instituições, por exemplo associadas ao plano de contingência e mitigação da COVID-19, que dificultou todo o trabalho e restringiu a presença.
5.Considerações Finais
O desenvolvimento dos métodos e técnicas de investigação qualitativa, bem como o surgimento de várias ferramentas e softwares de análise qualitativa dos dados tem possibilitado o aumento e a qualidade dos estudos qualitativos. O aumento da evidência ‘Quali’ é claramente um repto para o desenvolvimento de revisões sistemáticas de estudos qualitativos, para aumentar a consistência, a confiabilidade, o rigor e a segurança no uso dos achados que emergem destes estudos. O desafio de uma prática baseada na evidência com o uso do melhor conhecimento e o respeito pelas preferências das pessoas que são alvo de cuidados de saúde, só pode ser vencido com a valorização dos estudos secundários e terciários de natureza ‘Quali’ que suportem a introdução na clínica e com o envolvimento de todos os atores (investigadores, académicos, profissionais e cidadãos). A diversidade das experiências e decisões de profissionais e clientes dos cuidados de saúde, não é de possível compreensão baseada em estudos quantitativos. Mesmo os outcomes clínicos associados à adoção de estilos de vida saudável, mudança comportamental, gestão do regime terapêutico e promoção do autocuidado, entre outros não são possíveis de ser alcançados com sucesso sem que os profissionais integrem conhecimento sobre a própria tomada de decisão individual, diferenças culturais e outros aspetos associados à complexidade da vida humana.