1.Introdução
As hepatites virais são problemas de saúde que afetam milhões de pessoas e estão entre as principais causas de incapacidade e morte no mundo (Naghavi et al., 2017). No Brasil, entre os anos de 1999 e 2017, foram notificados 718.837 casos, sendo que o ano de 2017 concentrou 40.198 casos (Ministério da Saúde, 2018). A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu como meta da agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável a eliminação das hepatites virais até 2030 (Day et al., 2019). Assim, cada país é responsável pelo desenvolvimento de ações que contribuam para a redução dos casos e mortes associadas à doença (World Health Organization, 2019). As taxas de mortalidade relacionadas às hepatites virais estão associadas à cirrose hepática e hepatocarcinoma, desencadeados por infecções dos vírus hepatitis B (HBV) e hepatitis C (HCV) (World Health Organization, 2019). O enfrentamento das infecções crônicas e agudas é realizado com imunização para a hepatite B e tratamento medicamentoso para ambas (Ministério da Saúde, 2018). Outro tipo de hepatite, causada por um vírus satélite da hepatite B, capaz de desencadear a forma mais grave dos casos crônicos, é a hepatite D. Os tratamentos raramente eliminam o vírus da hepatite D (HDV), porém a vacinação para hepatite B contribui para o controle dos casos (Turon-Lagot et al., 2019). Diferentemente das hepatites B, C e D, as hepatites A e E são autolimitadas e relacionadas a casos agudos. Ocasionalmente, as doenças causadas pelos vírus da hepatite A (HAV) e da hepatite B (HEV) também podem desencadear insuficiência hepática fulminante (Stanaway et al., 2016). No Brasil, é oferecida pelo Sistema Único de Saúde a vacina para o vírus HAV para a população com idade entre 15 meses e 5 anos (Ministério da Saúde, 2018). A literatura científica ressalta distintos grupos sociais vulneráveis para a infecção pelos vírus da hepatite, predominando a população usuária de drogas injetáveis (Day et al., 2019), as pessoas privadas de liberdade (Sazzad et al., 2020), em situação de rua (Rezaei et al., 2016), de países de baixa renda (Stanaway et al., 2016) e imigrantes de países em que a doença é endêmica (Lee et al., 2017). A identificação destes grupos vulneráveis e dos diferentes padrões de desgaste e de fortalecimento por eles vivenciados aponta para a importância da análise das hepatites virais sob a perspectiva da determinação social. Justifica-se este estudo pelo potencial de reconhecimento da determinação social do processo saúde- doença relacionado às hepatites virais, o que poderá contribuir para o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento que ultrapassem a concepção hegemônica da multicausalidade, considerando a forma de inserção dos sujeitos e dos grupos sociais na estrutura de produção e reprodução social (Egry et al., 2018). Ainda, emprega metodologia qualitativa para análise aprofundada do processo saúde-doença e sua relação com a perspectiva social abordada na análise dos fenômenos pelas produções científicas. O estudo é orientado pelo paradigma da Saúde Coletiva, que considera o território como espaço de produção da vida e de expressão das necessidades em saúde e das vulnerabilidades reportadas aos grupos sociais (Egry, 2018). Diante disso, o objetivo foi mapear pesquisas sobre hepatites virais com referenciais que explorem a perspectiva social da Saúde Coletiva.
2.Método
Trata-se de uma revisão de escopo, orientada pelas recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR). Para tanto, foi desenvolvido um protocolo de revisão de escopo com base no preconizado pelo Instituto Joanna Briggs (Peters et al., 2020) que orientou a busca de pesquisas que atendessem aos critérios de elegibilidade elencados e apresentou como pergunta de pesquisa: quais são as pesquisas produzidas sobre hepatites virais aderentes a referenciais teórico-filosóficos que abordam a perspectiva social da Saúde Coletiva? A pergunta de pesquisa foi construída com base na estratégia PCC, que preconiza como elementos fundamentais o acrônimo mnemônico: P - Problema; C - Conceito e C - Contexto. Foram definidos os elementos: P (perspectiva social); C (hepatites virais) e C (saúde coletiva). Os critérios de elegibilidade foram pesquisas publicadas nas línguas portuguesa, espanhola e inglesa, sem data-limite de publicação. Foram incluídos estudos primários, empíricos, quantitativos e qualitativos, de qualquer desenho ou metodologia; estudos que apresentavam alguma perspectiva social associada às hepatites virais; e estudos produzidos no contexto da saúde coletiva. Foram excluídos estudos relacionados a comorbidades, vacinação, taxas de prevalência e incidência da doença, e tratamento medicamentoso. A busca foi feita em três etapas, por três pesquisadoras independentes. A primeira etapa foi desenvolvida na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), selecionada por incluir bases de dados de abrangência internacional na área da saúde, como: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Caribbean Network of Health Sciences Libraries (MedCarib), Pan American Health Organization - Institutional Repository for Information Sharing (PAHO-IRIS) e WHOLIS. Na segunda etapa, a busca foi expandida para a biblioteca virtual Scientific Electronic Library Online (Scielo) e para a base de dados Scopus. Na terceira etapa, foi utilizada a base de literatura cinzenta Google Acadêmico. Respeitando a estratégia PCC foram elencados os descritores: P (social determinants of health OR determinants, epidemiologic OR needs assessment OR health-disease process OR epidemiology OR critical epidemiology OR social determinants of health OR social epidemiology), C (hepatitis, viral, human OR hepatitis A OR hepatitis B OR hepatitis C, chronic OR hepatitis D OR hepatitis E) e C (collective health). A estratégia de busca foi utilizada com variações, de acordo com cada base de dados. Para a busca de literatura cinzenta no Google Acadêmico foi utilizada a combinação das palavras-chave "hepatitis, viral, human", "social determinants", "health" e "hepatites virais", "determinação social" e "determinação". A coleta dos dados foi realizada no período que abrange a data de início das publicações em cada base de dados e bibliotecas virtuais, até o dia 23 de fevereiro de 2021. Os títulos e resumos foram lidos e analisados pelas três pesquisadoras responsáveis pela busca, para identificar aqueles elegíveis para leitura na íntegra e seleção da amostra final. Eventuais dúvidas foram discutidas até o alcance de consenso por meio de reunião virtual. A amostra selecionada foi organizada em planilha Microsoft Excel com instrumento desenvolvido pelas autoras para extração das seguintes informações: título, ano de publicação, área de concentração, país da instituição responsável pelo estudo, tipo de estudo, local de desenvolvimento, amostra do estudo e tipo de hepatite abordada. Além disso, buscou-se apreender: o referencial teórico-filosófico utilizado e sua relação com os aspectos sociais da saúde; a abordagem das categorias gênero, geração, classe social e raça-etnia e a relação com as necessidades em saúde e as vulnerabilidades sociais. As categorias analíticas adotadas para este estudo foram: Determinação social do processo saúde-doença, Necessidades em saúde e Vulnerabilidades. A determinação social do processo saúde-doença considera os processos de adoecimento e morte como socialmente determinados, relacionados aos modos de produção e reprodução social, que impactam as formas de viver e sobreviver dos grupos sociais (Breilh, 2015). As necessidades em saúde são, também, necessidades de reprodução social. Abrangem diferentes dimensões da vida e não se restringem a problemas de saúde ou doenças que acometem os indivíduos, podem ser de âmbito físico, psíquico, afetivo, social, cultural ou político, de modo que a qualidade de vida e saúde são dependentes da sua satisfação (Barros et al., 2021). A vulnerabilidade é compreendida como um conceito que ultrapassa o risco e indica a suscetibilidade de uma população a determinados agravos. O reconhecimento das vulnerabilidades envolve a compreensão e a interpretação dos processos e fenômenos a partir de uma perspectiva social e política, que permite identificar potenciais de desgaste e fortalecimento de determinados grupos sociais (Padoveze et al., 2019). A planilha de coleta de dados foi incorporada ao software de análise qualitativa webQDA (Costa et al., 2021) por meio da ferramenta de codificação automática. Os dados relativos à caracterização dos estudos (ano de publicação, área de concentração, país da instituição responsável pelo estudo, tipo de estudo, local de desenvolvimento, amostra do estudo e tipo de hepatite) foram codificados como Descritores. Os dados relacionados às categorias sociais, às necessidades em saúde e às vulnerabilidades sociais foram codificados por meio dos Códigos Árvore. Para a elaboração dos Códigos Árvore foi utilizada a técnica de análise de conteúdo temática, constituída pelas etapas de pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados, interpretação e inferência (Bardin, 2011). A etapa de tratamento dos dados no software foi realizada por duas autoras deste estudo. A segunda autora realizou a codificação de todas as informações conforme os temas e as categorias analíticas. Em seguida, a terceira autora realizou a validação dos códigos de acordo com as categorias empíricas temáticas por meio da ferramenta de codificação oculta. Após esse processo, houve a emergência de três categorias empíricas com seus respectivos temas que serão apresentados em um de quadro na seção dos resultados.
3.Resultados
A busca mapeou 784 estudos potencialmente elegíveis, permanecendo 36 na amostra final (Figura 1).
O Quadro 1 apresenta a lista de artigos incluídos, destacando o nome do primeiro autor, ano de publicação e título dos estudos.
Entre os 36 estudos selecionados, a maior parte foi publicada em 2019 (07 artigos), seguida pelos anos 2018 e 2017 (04 artigos). O artigo mais antigo foi publicado em 1996 e o mais recente em 2020. No que se refere à área de atuação dos autores, destacou-se a saúde pública (19 artigos), a medicina (05 artigos), a sociologia da saúde (04 artigos) e a epidemiologia (03 artigos). As áreas de segurança sanitária, saúde e economia, saúde comunitária, enfermagem e biociências apresentaram um artigo cada. Em relação ao país de origem dos autores, 11 eram dos Estados Unidos da América (EUA), seis da Austrália, quatro do Brasil, três do Irã, dois da Holanda e um da Polônia, Turquia, Sri Lanka, México, França, Malásia, China, Suíça e Reino Unido. Um artigo envolveu três países. No que diz respeito aos tipos de hepatites virais, 15 versavam sobre a Hepatite C, 13 sobre a Hepatite B e quatro sobre a Hepatite A. Quatro artigos foram relacionados a mais de um tipo de hepatite viral. Sobre a metodologia de pesquisa, destacaram-se os estudos de abordagem quantitativa (20 artigos) e qualitativa (16 artigos). Os participantes das pesquisas foram usuários de serviços de saúde (09 artigos), população em geral (07 artigos), profissionais de saúde (05 artigos) e usuários de drogas (04 artigos). Também foram pesquisadas as populações imigrantes, em situação prisional, infantil, jovem, chefe de família, minoria social e rural. A leitura dos artigos selecionados permitiu a emergência de três categorias empíricas: A perspectiva social do processo saúde-doença das hepatites virais; A expressão das categorias sociais no fenômeno das hepatites virais; As necessidades em saúde associadas às hepatites virais (Quadro 2).
4.Discussão
A primeira categoria, A perspectiva social no processo saúde-doença das hepatites virais, aborda o comportamento dos participantes amplamente associado ao risco de infecção de hepatites virais. O principal fator de risco foi o uso de drogas injetáveis (Banwell et al., 2005; Cloud et al., 2019; Farias et al., 2019; Fortier et al., 2015; Meffre et al., 2010; Rezaei et al., 2016; Sazzad et al., 2020; Skeer et al., 2018; Treloar et al., 2015; Trooskin et al., 2005) seguido pela infecção por tatuagem (Farias et al., 2019; Meffre et al., 2010; Treloar et al., 2015), piercing (Meffre et al., 2010; Treloar et al., 2015), violência (Sazzad et al., 2020; Treloar et al., 2015), sexo (Farias et al., 2019; Van Der Veen et al., 2009) e ingestão de alimentos e água contaminados (Mäusezahl et al., 1996). Para além da dimensão individual, uma parcela dos artigos destacou a inserção dos indivíduos no território como determinante para exposição às hepatites (Farias et al., 2019; Kauhl et al., 2015; Le Gautier et al., 2020; Mäusezahl et al., 1996; Tosun et al., 2018; Valdespino et al., 2007; Zheng et al., 2017). Regiões que concentram elevado número de pessoas em situação de vulnerabilidade social apresentaram aumento nas taxas de transmissão (Rezaei et al., 2016; Tosun et al., 2018; Trooskin et al., 2005; Valdespino et al., 2007; Zheng et al., 2017). O estigma social das hepatites virais foi destacado como barreira para diagnóstico e tratamento (Lee et al., 2017; Rajamoorthy et al., 2019; Skeer et al., 2018). Dentre os produtores e reprodutores desse estigma, evidenciaram-se os profissionais de saúde, operadores de políticas públicas, seguradoras de saúde (Skeer et al., 2018), organizações governamentais (Behzadifar et al., 2019; Skeer et al., 2018; Zabihi et al., 2017) e empregadores (Le Gautier et al., 2020). O risco de infecção também foi relacionado ao processo migratório devido às barreiras de acesso aos serviços de saúde pelos imigrantes (Freeland et al., 2020; Lee et al., 2017). A população em situação prisional teve destaque, pelo compartilhamento de equipamentos para o uso de drogas injetáveis (Meffre et al., 2010; Snyder et al., 2019; Treloar et al., 2015). Para além do risco a que essas populações estão expostas, é preciso reconhecê-las como vulneráveis, com necessidades em saúde que demandam conhecimento e transformação da realidade. Suprir as necessidades destes grupos envolve ampliar a visão sobre os fenômenos sociais e políticos, relacionados às suas condições de vida e adoecimento, além de um olhar sobre o contexto em que se inserem, identificando possibilidades de intervenção efetivas (Padoveze et al., 2019). A segunda categoria, A expressão das categorias sociais no fenômeno das hepatites virais, incluiu a abordagem - ainda que de maneira superficial - das categorias gênero, geração, etnicidade e classe social relativas aos grupos sociais. Parte dos artigos destacou que os homens eram mais propensos à infecção por hepatites virais e à realização do seu diagnóstico (Kauhl et al., 2015; Le Gautier et al., 2020; Meffre et al., 2010; Tohme et al., 2013; Tosun et al., 2018; Williams et al., 2019). Além disso, os homens expressaram preocupação com a infecção por relação sexual extraconjugal, devido à influência na sua reputação (Gonzales et al., 2006; Van Der Veen et al., 2009). As mulheres apresentaram maior intenção de buscar informações sobre as hepatites virais e risco de infecção por relações sexuais, drogas injetáveis e agressões (Cloud et al., 2019; Gonzales et al., 2006; Sazzad et al., 2020). Enquanto parceiras, consideraram que podem ser infectadas devido ao comportamento sexual do marido (Van Der Veen et al., 2009) e expressaram preocupação em relação ao diagnóstico, pelo medo do fim do relacionamento (Le Gautier et al., 2020). Como mães, relataram o apoio incondicional aos filhos infectados (Van Der Veen et al., 2009) e o sentimento de culpa quando se sentiam responsáveis pela infecção (Le Gautier et al., 2020; Silva et al., 2005). Foi possível reconhecer nos homens receio da discriminação no círculo social e do abandono pelo parceiro, no caso das mulheres. Ambas as situações sinalizam o medo de ser rejeitado e ser alvo de preconceito, o que faz com que as pessoas escondam o diagnóstico ou evitem buscá-lo. Isso pode aumentar a dificuldade para iniciar ou manter o tratamento, bem como as consequências da contaminação e a probabilidade de transmissão para os parceiros sexuais. Detectou-se, ainda, que predomina nas mulheres o sentimento de culpa em relação à saúde dos filhos, independente de o contato com vírus ter acontecido via cônjuge e ou o pai da criança. Tal sentimento emerge como resultado de uma situação que se contrapõe à norma social que naturaliza a responsabilidade da mulher pelo cuidado e zelo para com a família (Carvalho & Monteiro, 2021). Duas pesquisas revelaram que jovens adultos tinham maior conhecimento sobre os riscos de infecção, maior propensão à solicitação de teste diagnóstico e maior confiança em lidar com as opiniões alheias sobre o comportamento sexual (Banwell et al., 2005; Zheng et al., 2017). Contudo, outros dois artigos identificaram que os jovens adultos expressaram maior preconceito sobre o processo de transmissão (Henderson & Kawakami, 2018; Van Der Veen et al., 2009). Os idosos reportaram menor preocupação com a sua condição de saúde (Zheng et al., 2017) e as crianças estavam mais susceptíveis à contaminação no espaço doméstico e escolar (Vieira et al., 2010). A maior parte dos estudos envolveu participantes negros (Farias et al., 2019; Freeland et al., 2020; Gonzales et al., 2006; Lee et al., 2017; Skeer et al., 2018; Tohme et al., 2013; Trooskin et al., 2005). A população asiática foi referenciada em três estudos (Gonzales et al., 2006; Lee et al., 2017; Tohme et al., 2013), a população latina e hispânica em dois estudos (Gonzales et al., 2006; Tohme et al., 2013) e a população indígena em um estudo (Treloar et al., 2015). Dessa forma, identificou-se que parte dos artigos analisados foram conduzidos entre grupos de minoria de poder, conhecidos internacionalmente pela sigla de Black, Asian, and Minority ethnic (BAME) que, historicamente, sofrem processos de segregação espacial, social e racial que afetam negativamente a saúde dos indivíduos, em especial os negros (Yang et al., 2020). A renda dos participantes foi associada à percepção sobre os problemas de saúde, ao entendimento das informações e à adesão aos procedimentos terapêuticos (Farias et al., 2019; Le Gautier et al., 2020; Rajamoorthy et al., 2019; Skeer et al., 2018; Tosun et al., 2018; Williams et al., 2019; Zabihi et al., 2017; Zheng et al., 2017). Os participantes com menor nível socioeconômico, que recebiam benefício governamental ou estavam desempregados apresentaram maiores taxas de infecção (Behzadifar et al., 2019; Henderson & Kawakami, 2018; Meffre et al., 2010; Valdespino et al., 2007). A terceira categoria, As necessidades em saúde associadas às hepatites virais, abordou de que maneira os participantes percebem a doença em relação ao diagnóstico e à prevenção. Além disso, envolveu o desconhecimento sobre a doença, a necessidade de educação em saúde e o papel da religião e da família no cuidado. O processo de triagem para o diagnóstico das hepatites virais foi citado nos artigos selecionados e os participantes salientaram necessidade de maior sensibilidade, cuidado, tempo e atenção por parte dos profissionais de saúde nos momentos de testagem (Le Gautier et al., 2020; Lee et al., 2017; Skeer et al., 2018; Treloar et al., 2015; Wallace et al., 2017). A vacinação foi citada como importante medida para a prevenção de infecções por hepatites virais (Snyder et al., 2019; Valdespino et al., 2007; Van Der Veen et al., 2009; Zheng et al., 2017). Contudo, os artigos apresentaram como aspectos negativos o desconhecimento da população a respeito da vacina, o que interfere na baixa cobertura vacinal (Gonzales et al., 2006; Zheng et al., 2017), o alto custo das vacinas e o dilema da escolha de grupos prioritários para a vacinação (Snyder et al., 2019). Destaca-se que as vacinas estão entre as principais e mais importantes estratégias de proteção contra a infecção por alguns dos vírus causadores das hepatites, bem como para outras doenças e infecções que afetam a população. Apesar disso, o desconhecimento quanto à sua eficiência e os discursos anti vacina que ganham espaço nos últimos anos geram medo e desconfiança. O desconhecimento não é apenas a ausência de esclarecimento, mas um processo ativo que media a determinação social do processo de saúde-doença. Um grupo social com menor acesso à informação está mais propício a buscar e acreditar em informações errôneas de fontes não confiáveis, que podem influenciar a decisão de aderir a imunização (Frugoli et al., 2021). Ainda, considerando os aspectos negativos apresentados nos artigos encontrados, é possível identificar um espaço amplo para atuação governamental focada no interesse coletivo e no combate às hepatites. É fundamental que as vacinas tenham a sua produção incentivada e que sejam planejados programas de imunização fundamentados em preceitos éticos e epidemiológicos, para ampliar a oferta sem custo para os diferentes grupos sociais (Souza & Buss, 2021), além de novas estratégias de combate à recusa e ao abandono vacinal (Frugoli et al., 2021). O desconhecimento dos participantes também estava presente no processo de transmissão das hepatites virais (Cloud et al., 2019; Tosun et al., 2018; Treloar et al., 2015; Van Der Veen et al., 2009; Wallace et al., 2017) sendo relacionado a baixos níveis de escolaridade (Farias et al., 2019; Meffre et al., 2010; Rajamoorthy et al., 2019; Silva et al., 2005; Tohme et al., 2013; Zheng et al., 2017). Os artigos recomendaram que as ações de educação em saúde não deveriam se manter restritas aos serviços de saúde, mas serem estendidas para outros espaços sociais (Fang & Stewart, 2018; Gonzales et al., 2006; Mäusezahl et al., 1996; Rajamoorthy et al., 2019; Rezaei et al., 2016; Silva et al., 2005; Snyder et al., 2019). A relação entre os usuários e os profissionais de saúde foi retratada como uma barreira para o diagnóstico e o tratamento das hepatites (Skeer et al., 2018). Os participantes relataram negligência e rejeição, principalmente, na divulgação do diagnóstico. Esses fatos foram reportados por usuários de drogas, imigrantes, mulheres lésbicas e bissexuais (Banwell et al., 2005; Behzadifar et al., 2019; Fang & Stewart, 2018; Skeer et al., 2018). Somente dois artigos relataram a necessidade de qualificação dos profissionais de saúde como forma de melhorar a qualidade da atenção à saúde (Fang & Stewart, 2018; Garcia & Facchini, 2008). Ações de educação continuada podem contribuir para aumentar o conhecimento das equipes de saúde sobre as hepatites virais, seus agravos, formas de transmissão, cuidados e populações vulneráveis (Joukar et al., 2017). Trata-se de estratégia voltada ao atendimento seguro, de qualidade e humanizado, que pode minimizar obstáculos para o acesso e para o vínculo do paciente com os serviços e os profissionais. A religiosidade foi mencionada como elemento de fortalecimento para usuários infectados (Pessôa & Vasconcellos, 2013). A família também foi citada devido à contribuição para o cuidado, tratamento e enfrentamento do processo de adoecimento (Pessôa & Vasconcellos, 2013; Van Der Veen et al., 2009). Contudo, um artigo relatou a dificuldade de os participantes compartilharem o diagnóstico da doença com os familiares (Lee et al., 2017) e dois artigos identificaram a reação negativa da família diante do diagnóstico (Banwell et al., 2005; Fang & Stewart, 2018). Tanto o apoio da família quanto a religiosidade mostraram associação significativa com o enfrentamento das hepatites virais e suas consequências, bem como o suporte aos pacientes em cuidados terminais, com influência direta sobre a sua qualidade de vida. Portadores de hepatites virais relatam esperar apoio emocional, instrumental e informativo que, além de serem fonte de amparo emocional, podem amenizar significativamente o sofrimento psíquico (Sohail et al., 2019).
5.Considerações finais
Os resultados apontaram que apesar de os estudos abordarem de alguma maneira a perspectiva social das hepatites virais, constatou-se que não realizam uma análise aprofundada sobre a determinação social do processo saúde-doença e os correspondentes potenciais de desgaste e de fortalecimento das populações pertencentes aos diferentes grupos sociais. A implicação destes resultados para a prática profissional em saúde está em identificar que os serviços de saúde precisam ampliar as ações de educação em saúde, a cobertura vacinal e a qualificação do atendimento, principalmente, no que se refere ao momento do diagnóstico das hepatites virais e da escuta qualificada e sem julgamentos. As limitações deste estudo foram relacionadas à exclusão de artigos de periódicos que não se encontravam em acesso aberto e à inclusão de apenas uma fonte de busca na literatura cinzenta. Contudo, essas limitações não invalidam os resultados encontrados, uma vez que revelam a necessidade de produzir mais pesquisas sobre o tema a fim de suprir essa importante lacuna do conhecimento. Destaca-se que o estudo inovou ao utilizar a funcionalidade do software de análise qualitativa webQDA para a condução da revisão de escopo. Além disso, os resultados destacam o potencial da metodologia qualitativa utilizada para o desenvolvimento de estudos que buscam analisar de maneira aprofundada as produções científicas, sobretudo aquelas que abordam a perspectiva social.