1.Introdução
A temática da violência permanece dentre os temas importantes abordados e tratados mundialmente. Está nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), particularmente no objetivo ODS 5.2: "Eliminar todas as formas de violência contra mulheres e meninas nas esferas pública e privada, incluindo tráfico e exploração sexual e outros tipos de exploração sexual” (World Health Organization [WHO], 2019). Acerca da violência sexual, um desafio permanente é o atendimento em situações de violência sexual, especialmente no que se refere à articulação da rede. Resultados de estudos apontam que há fragilidades na integração intersetorial dos serviços para atender pessoas que sofreram violência sexual (Sehnem et al, 2019). Nesse sentido de possibilidades de articulação, o georreferenciamento na área da saúde pública é um instrumento tecnológico que tem auxiliado no planejamento, na gestão, vigilância e análise de dados socioespaciais, constituindo uma análise situacional de saúde. O mapeamento, que é um processo de construção de mapas, com auxílio do georreferenciamento, vem sendo desenvolvido em várias dimensões na área da saúde (Ibiapina & Bernardes, 2019). Na esfera nacional, pode-se citar, entre outros, um estudo que identificou geograficamente beneficiários categorizados como propensos a Diabetes Mellitus tipo 2, utilizando no método o instrumento de georreferenciamento para implantação e apresentação das informações (Dallagassa et al., 2019). Em âmbito internacional também se encontra estudo com o uso dessa tecnologia, com vista ao planejamento em saúde, assim como rastreamento de doenças (Ramasco-Gutiérrez et al., 2017). No que tange à violência sexual contra a mulher, especialmente, o atendimento intersetorial, conhecer os serviços que compõem uma rede de atendimento e identificar sua respectiva localização pode facilitar e melhorar a qualidade da atenção em situações de violência sexual. Isto é, o manejo das situações de violência sexual tem suas peculiaridades, requerendo agilidade, conhecimento e encaminhamentos adequados (Brasil, 2012; Florianópolis, 2016). A intersetorialidade compreende a articulação entre pessoas de diferentes setores saberes e poderes no enfrentamento de problemas complexos (Warschauer & Carvalho, 2014). Na área da saúde, pode ser considerada como uma forma de superar a fragmentação do conhecimento, de políticas e estruturas sociais em prol da saúde da população. A atuação intersetorial envolve a população e o espaço geográfico, possibilitando identificar problemas e soluções. Assim, a intersetorilidade constitui uma forma de planejar, executar e controlar a prestação de serviços de modo a assegurar acesso igualitário e equitativo às pessoas (Warschauer & Carvalho, 2014; Junqueira, 1997). Salienta-se que, em situações de violência sexual, é importante ter presente o atendimento nas primeiras 72 horas. Isso por conta do tratamento profilático de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), especialmente, pelo início da terapia antirretroviral ocorrer nesse período como recomendam documentos (WHO, 2019; Brasil, 2012; Florianópolis, 2016). Nesse período, também, é que o uso da anticoncepção de emergência tem maior eficácia na prevenção da gravidez, como demonstrou um estudo realizado em Santa Catarina (Delziovo et al.,2018). A rede articulada favorece a integração intersetorial de serviços e promove a continuidade do cuidado (Sehnem et al, 2019); logo, mapear e georreferenciar os serviços de atendimento à mulher em situação de violência sexual constituem uma possibilidade de articular a rede e assegurar a integralidade no atendimento. Assim, justifica-se a importância desse estudo, que tem a propositiva de olhar o atendimento à mulher em situação de violência sexual na perspectiva geográfica\geoespacial como um caminho para articulação e integração dos serviços. Assim, questiona-se: Qual a disposição geográfica dos serviços de atendimento à mulheres em situação de violência sexual? Desse modo, o objetivo é: mapear os serviços de atendimento à mulher em situação de violência sexual em um município na região norte do Estado do Rio Grande do Sul, região sul do Brasil.
2.Método
Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo com mapeamento e georreferenciamento dos serviços de atendimento à mulher em situação de violência sexual no município em estudo. Durante o percurso do mapeamento dos serviços de atendimento, surgiu a necessidade de mapear e georreferenciar os locais de distribuição da Profilaxia Pós-Exposição (PEP). Assim, foi solicitado ao setor de IST/HIV da 6ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS) informações sobre a organização da PEP no município em estudo e região, sendo fornecida pela coordenação do setor referido uma lista com os locais de distribuição. O local do estudo foi um município localizado na região norte do Rio Grande do Sul (RS), sendo mapeados os serviços de atendimento à mulher em situação de violência sexual e os locais de distribuição da PEP na região da 6ª CRS. O município tem cerca de 200 mil habitantes e é a 6ª economia do RS, denominado como capital do Planalto Médio Gaúcho (Passo Fundo, 2019a). O sistema de saúde do município abrange uma macrorregião de municípios dos estados do RS, Santa Catarina e Paraná, bem como de regiões do Sudeste e do Centro-Oeste do país. O município dispõe de hospitais e centros médicos, ambulatórios de atendimento básico e especializado, clínicas, consultórios médicos e odontológicos, laboratórios e farmácias. O sistema hospitalar é de alta complexidade, abrangendo internações, diagnósticos, tratamentos oncológicos e cardioneurovasculares, transplantes e banco de tecidos (Passo Fundo, 2019a). Na área da saúde pública, a secretaria de saúde é organizada em 5 coordenadorias, desenvolvendo ações de prevenção e atendimento à população (Passo Fundo, 2019b). No território gaúcho, a saúde organiza- se política-administrativamente em 19 CRS. As CRS são responsáveis pelo planejamento, acompanhamento e gerenciamento das ações e serviços de saúde em um território. O RS possui 30 Regiões de Saúde, agrupadas em 7 Macrorregiões de Saúde. A 6ª CRS, da qual o município do estudo faz parte, abrange 62 municípios em três regiões: região do planalto; região das araucárias e região do Botucaraí (Secretaria De Estado Da Saúde Do Rio Grande Do Sul [SES/RS], 2016). Com relação ao atendimento às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) no RS, serviços como Atenção Básica, Serviços de Atendimento Especializado (SAE), Ambulatórios, Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) e Unidade Dispensadora de Medicamentos (UDM), fazem parte da Rede de atendimento IST/HIV/Aids (SES/RS, 2019). Na 6ª CRS, em situações de violência sexual, a PEP é disponibilizada nos hospitais, SAEs/ UDMs. Os dados, levantamento das informações para o mapeamento, foram obtidos por meio de reunião com a coordenadora das Doenças e Agravos Não Transmissíveis (DANTs) da 6ª CRS, utilizando uma lista dos serviços de atendimento à mulher em situação de violência sexual e pesquisa online no site da prefeitura do município. Parar a coleta de dados, foram identificados por meio do levantamento das informações os serviços de atendimento à mulher em situação de violência sexual existentes no município e realizado o georreferenciamento: 2 hospitais; serviços da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), sendo: SAE; Núcleo de Vigilância Epidemiológica, Unidades de Saúde, CAPS II - Centro de Atenção Psicossocial Nosso Espaço, CAPS AD Vida Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas. Além da área da saúde: o Departamento Médico Legal (DML), a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), o Ministério Público, serviços da Secretaria de Cidadania e Assistência Social (SEMCAS): Centro de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS), Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM) e a Unidade de acolhimento para mulheres em situação de violência-Maria da Penha; a Universidade de Passo Fundo (UPF): Projeto de extensão - Clínica de estudos, prevenção, intervenção e acompanhamento à violência (Cepavi) e o Programa de extensão - Programa Projur Mulher e Diversidade. Também se destaca o Conselho Municipal: Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (COMDIM) que abrange a Coordenadoria Municipal da Mulher. Para o georreferenciamento dos serviços quanto à distribuição espacial, foi utilizado o Software ArcGIS® 10.1; um Sistema de Informações Geográficas (SIGs) usado para capturar, armazenar, gerenciar, analisar e apresentar informações geográficas. O georreferenciamento envolve tecnologia de informática, banco de dados e cartografia digital, que pode ser aplicado para planejamento e monitoramento na área da saúde (Ross, Pedrosa & Portela, 2017). E o mapeamento compreende um processo de construção de mapas em que são empregadas técnicas de topografia, geoprocessamento, SIGs, códigos e signos para a descrição objetiva da realidade (Ibiapina & Bernardes, 2019) Após a coleta (levantamento das informações), que ocorreu no período de janeiro a março de 2019, foi realizada a tabulação dos dados, o georreferenciamento e a geração dos mapas a partir dos dados obtidos. Na tabulação dos dados, houve a elaboração de quadros no Microsoft Word® para organizar esses dados, relacionando os locais de atendimento aos respectivos endereços. Para o georreferenciamento e produção dos mapas, utilizou-se o programa Software ArcGIS® 10.1. Os dados geoespaciais (Shapefile) do município foram apresentados por pontos que indicam a localização dos serviços. Esta fase de georreferenciamento e produção dos mapas foi realizada com auxílio de profissional técnico em geoprocessamento. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos CEPSH/UFSC, sob protocolo 3.057.595 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 02536818.1.0000.0121.
3.Resultados
A partir das informações obtidas, foi possível chegar aos resultados do georreferenciamento e a produção dos mapas. Por conseguinte, foram gerados cinco mapas, sendo que o primeiro corresponde ao mapa da localização geográfica do município de Passo Fundo/RS, apresentado na Figura 1. O segundo, ilustrado na Figura 2 diz respeito à distribuição da localização dos serviços de atendimento à mulher em situação de violência sexual, no município. A distribuição dos serviços de atendimento à mulher em situação de violência (72 horas), no município, é apresentada na Figura 3. A distribuição da localização das Unidades de Saúde, no município são apresentadas na Figura 4. Por fim, a Figura 5 apresenta o mapa da distribuição da localização dos locais de dispensação da PEP, na 6ª CRS.
Salienta-se que os serviços de atendimento à mulher em situação de violência sexual no município foram organizados em: serviços nas primeiras 72 horas e serviços após 72 horas da ocorrência da violência sexual. Ressalta-se também que a unidade de acolhimento para mulheres em situação de violência - Maria da Penha, não está georreferenciada por questões de sigilo, desse modo não é apresentada no mapa, mas faz parte dos serviços de atendimento do município.
4.Discussão
A Figura 1 apresenta a localização geográfica do município em que foi realizado o presente estudo. Município esse localizado na região norte do estado, com uma estrutura na área da saúde que pode atender suas demandas e também de outras regiões (Prefeitura de Passo Fundo, 2019a). A produção da Figura 2 engloba a distribuição da localização dos serviços de atendimento à mulher em situação de violência sexual no município, com os locais de atendimento de serviços recomendados nas primeiras 72 horas e serviços após este período. Já na Figura 3 é apresentada a distribuição dos serviços de atendimento à mulher em situação de violência sexual nas primeiras 72 horas. Esta forma de apresentação dos serviços foi adaptada de documentos que norteiam a organização do atendimento à mulher em situação de violência sexual (Brasil, 2012; Florianópolis, 2016)). Conhecer os serviços que precisam ser acionados nas primeiras 72 horas após a violência sexual é fundamental, pois alguns procedimentos estão dentro desse prazo, como, por exemplo, o início do tratamento com os antirretrovirais (WHO, 2019). Nesse período, as condutas têm maior impacto na diminuição de risco de gravidez, em que a administração da contracepção de emergência em até 72 horas evidenciou ser o maior fator de proteção (84%) para a gravidez (Delziovo et al.,2018). O desafio de articular os serviços descritos na figura 3 (distribuição dos serviços de atendimento à mulher em situação de violência sexual nas primeiras 72 horas), partindo para uma ampliação de articulação com os demais serviços elencados na figura 2, são esforços constantes, pois fragilidades na integração da rede de enfrentamento da violência sexual contra a mulher, como a precária estrutura física dos serviços, favorece a revitimização e fragilizam a assistência prestada à mulher (Sehnem et al., 2019). Logo, o mapeamento na área da saúde pode colaborar na visualização da localização dos serviços, podendo auxiliar o profissional em encaminhamentos assertivos e o manejo adequado de cada situação conforme suas particularidades. Os desafios da integração da resposta à violência sexual são sinalizados também em âmbito rural, onde a mulher nesse contexto se encontra mais vulnerável devido à falta de informação, a dependência do companheiro que pode limitar o acesso aos serviços, a desatenção dos profissionais e a desarticulação da rede (Costa et al., 2017). Esses fatores, ressaltam a necessidade de melhorar a resposta nas situações de violência sexual, reforçando o quanto a intersetorialidade é importante embora sua implementação ainda é desafiadora. Assim, para além da disponibilização dos serviços é necessária a articulação entre eles, favorecendo a qualificação no atendimento. A relação articulação e qualidade, como possibilidade de assegurar a integralidade no atendimento, é sinalizada em estudo que preconiza ações intersetorias e articuladas (Trentin et al., 2019). Neste sentido, resultado de um estudo internacional salienta que a capacitação, no sentido de integrar a avaliação em saúde, pode atender às necessidades de saúde das mulheres, assim como a utilização de protocolos e as parcerias sustentam colaborações intersectoriais (Gmelin et al., 2017). Para tanto, a produção dos Mapas representados pela Figura 2 e pela Figura 3 apresentam os serviços que podem, por meio do planejamento de ações e estratégias, melhorar a articulação. Os estudos que adotam o mapeamento, com o uso de recursos como o georreferenciamento para planejar ações, identificar e rastrear doenças entre outros, têm se destacado na área da saúde no Brasil (Dallagassa et al., 2019; & Ross, Pedrosa & Portela, 2017). Na Espanha, identificou-se um estudo em que a Direção Geral de Saúde Pública desenvolveu mapas de vulnerabilidade em saúde para o planejamento, prioridades e intervenção de equipes de saúde (Ramasco-Gutiérrez et al., 2017). Os serviços de Atenção Primaria à Saúde (APS) e especializados, que são parte também dos serviços de atendimento à mulher em situação de violência sexual, como porta de entrada ou contrarreferência no seguimento do acompanhamento após o atendimento de emergência, são apresentados Na Figura 4, como Unidades de Saúde. Observa-se que a localização dessas unidades no município concentra-se no território urbano. Os poucos serviços na área rural é uma realidade presente em outros cenários; mostrando algumas dificuldades de acesso aos serviços por pessoas em situação de violência, justamente pela ecassez e a acessibilidade geográfica às ações nas áreas rurais (Costa et al, 2017). Ainda que disponíveis a articulação entre os serviços e a integração da rede de atendimento é uma necessidade constatada em estudos na APS (Sehnem et al, 2019); assim como o uso de protocolos e a capacitação dos profissionais (Costa et al., 2019). A figura 5 tem a particularidade de apresentar um serviço de abrangência regional. É a distribuição dos locais de dispensação da Profilaxia Pós-Exposição (PEP), na 6ª CRS de Passo Fundo/RS. Conhecer os locais de distribuição da PEP em âmbito municipal e regional, subsidia o profissional, especialmente aqueles que atuam em serviços que atendem além de mulheres do município, mulheres da região, a contrarreferência para a continuidade do tratamento com os antirretrovirais. O acompanhamento após o atendimento de urgência se faz necessário, mas há algumas dificuldades como a adesão e seguimento pós-exposição à violência sexual (Delziovo et al., 2018). Ressalta-se, ainda, que o município dispõe de serviços preconizados na Rede de Atendimento. No entanto, a interrupção da gestação é referenciada para outros municípios, com locais de referências hospitalares para interrupção da gravidez nos casos previstos em lei no RS (Rio Grande do Sul, 2019). As limitações do estudo constituem no uso de uma lista de serviços como fonte de dados, assim como a busca online no município, podendo existir outros que não foram identificados. Os resultados do estudo poderão subsidiar o planejamento da implantação da intersetorialidade dos serviços no município em estudo. Além disso, poderá contribuir ao profissional a identificação dos serviços existentes e sua respectiva localização, agilizando encaminhamentos adequados, evitando a revitimização da mulher.
5.Considerações Finais
Mapear os serviços de atendimento à mulher em situação de violência sexual possibilitou olhar o espaço de atuação profissional e o atendimento à mulher na perspectiva geográfica/geoespacial. Além disso, por meio do georreferenciamento e produção dos mapas, obter uma noção dos espaços existentes no território, podendo projetar possibilidades de fluxo e por consequência contribuir para melhorar a articulação entre os serviços. Esses achados refletem a qualificação das pesquisas qualitativas quando articuladas com tecnologias na área da saúde, dessa forma, o estudo contribui para a ampliação de possibilidades metodológicas a qual mantém o rigor das pesquisas qualitativas expandindo a aplicabilidade de seus resultados. A utilização de processos de investigação que possibilitam a articulação direta com demandas sociais de saúde, favorece a gestão, articulação, planejamento e ação de estratégias que contemplam e qualificam as práticas de cuidado. No caso do georreferenciamento, foi possível observar uma ação direta nas lacunas da intersetorialidade em saúde. A visão socioespacial, que permitiu uma análise situacional de saúde, direcionou estratégias para o fortalecimento da articulação da rede de atenção à saúde de mulheres em situação de violência sexual, reforçando a importância da utilização de estratégias distintas de investigação qualitativa. Os Mapas representados pela Figura 2 e pela Figura 3 sinalizam a existência de serviços de referência no município, concentrados em área urbana. O Mapa da Figura 4 mostra as unidades de saúde pública que podem colaborar nos encaminhamentos de referência e contrarreferência que envolvem o atendimento das mulheres em situações de violência sexual. O mapeamento dos locais de distribuição da PEP na região indica que, para além da articulação intersetorial entre os serviços do município, é necessária uma articulação regional. Esta particularidade advém de serviços localizados no município constituírem também em serviços de referência regional, demandando desse modo um conhecimento dos profissionais de serviços municipais e regionais, especialmente no que diz respeito à PEP. A presente pesquisa não apresentou limitações.