1.Introdução
A cultura de segurança do paciente (CSP) nas organizações de saúde é, ao redor do mundo, fenômeno de investigação, sendo tema prioritário para implementação de melhorias, avaliação e monitoramento. Sua avaliação traz benefícios para os serviços e pacientes, uma vez que permite desenvolver estratégias de melhorias, bem como a divulgação de tendências futuras. Análises amplas da literatura sobre pesquisas que investigam este fenômeno em hospitais têm revelado uma vasta gama do uso prioritário da abordagem quantitativa (Azyabi et al., 2021). Os aspectos metodológicos que se apresentam nas pesquisas avaliativas de cultura de segurança configuram-se em três principais eixos: abordagens de pesquisa; ferramentas de pesquisa para coleta de dados; e níveis de agregação de dados (Pumar-Méndez et al., 2014). Investiga-se, comumente, a qualidade da assistência e os aspectos que determinam a CSP, em geral, a partir de cortes transversais quantitativos, lançando mão de questionários para acessar dimensões culturais. Tais dimensões envolvem atitudes de segurança dos profissionais, o estilo de gestão, trabalho em equipe e recursos para a segurança do paciente. As diferenças entre as percepções apresentam-se por meio de escores, que revelam médias e percentis para cada dimensão de cultura analisada pelo instrumento (Azyabi et al., 2021). Todavia, apesar das vantagens que este delineamento apresenta como o baixo custo no uso de questionários e maior velocidade de coleta e análise de dados, produzindo uma avaliação mais célere, autores clássicos no campo das Ciências Sociais, no que se relaciona com a avaliação da cultura organizacional, consideram o emprego hegemônico da abordagem quantitativa para este fim como fator limitante (Russo, 2017; Schein, 2001). Estudos que optaram por avaliar a CSP apenas por meio de questionários assumem que responder unicamente a estes instrumentos dificilmente reflete adequadamente todas as dimensões inerentes ao construto “cultura” (Giménez-Marín et al., 2015). Ainda, revela-se não ser suficiente a tentativa de traduzir apenas as percepções dos funcionários por meio de escores, sem investigar demais parâmetros complementares como resultados da assistência e comportamento pessoal (Carvalho et al., 2015; Prates et al., 2021). Soma-se a isto a baixa confiabilidade das respostas devido às inconsistências internas nas dimensões dos questionários aplicados (El-Jardali et al., 2010; Beck et al., 2018) e adaptações transculturais de questionários sem consulta aos desenvolvedores da versão original, podendo comprometer seu uso. Justifica-se, portanto, a forte recomedação da inclusão do viés qualitativo neste campo de estudo (Azyabi et al., 2021). Neste sentido, este estudo teve por objetivo mapear o uso da abordagem qualitativa em estudos de avaliação da cultura de segurança do paciente em serviços hospitalares a nível mundial, e sintetizar as contribuições e limitações evidenciadas na literatura quanto a utilização da abordagem.
2.Método
Trata-se de uma scoping review que seguiu as recomendações do capítulo 11 do manual de sínteses de evidências do Joanna Briggs Institute (JBI's) (Aromataris & Munn, 2020). A revisão foi primariamente conduzida em outubro de 2020 nos meses de novembro a dezembro, e objetivou investigar o tipo e a prevalência das abordagens metodológicas das pesquisas de cultura e clima de segurança do paciente. Estes resultados foram previamente publicados (Pol et al., 2021). Realizou-se uma atualização, na segunda quinzena de fevereiro de 2022, respeitando o protocolo da revisão, que encontra-se registrado na plataforma Open Science Framework (OSF). Todos os arquivos suplementares da revisão encontram-se disponibilizados ao público ao fim do texto (Pol & Crozeta, 2020). Realizou-se as etapas: 1) Desenvolvimento de título e pergunta; 2) Critérios de elegibilidade; 3) Estratégia de Pesquisa; 4) Seleção da fonte de evidência; 5) Extração de dados; 6) Análise das evidências; e 7) Apresentação dos resultados. A extensão Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta- Analyses (PRISMA) para Scoping Reviews (PRISMA-ScR) (Tricco et al., 2018) foi aplicada para melhorar a qualidade dos resultados reportados. Utilizou-se a sigla PCC para formulação da questão de pesquisa, sendo respectivamente População, Conceito e Contexto: a) estudos qualitativos de avaliação do clima de segurança e cultura de segurança do paciente; b) Metodologias diagnósticas da cultura de segurança do paciente; e c) Serviços hospitalares. Assim, teve-se como questão norteadora: “Quais as contribuições do viés qualitativo para as pesquisas avaliativas da cultura de segurança do paciente?”. Para formulação da estratégia de busca partiu-se de busca prévia na literatura de estudos que versassem a respeito da temática, testes de estratégias em bases de dados, até a adição de termos-chave para serem incorporados como descritores ou palavra-chave. As buscas foram realizadas nas bases de dados Lilacs, Cinahl, Medline e Web of Science. O processo de seleção dos estudos (screening) foi realizado por duas revisoras de forma independente, a partir dos critérios estabelecidos. Um terceiro revisor esteve disponível para resolver quaisquer discrepâncias. Para esta etapa utilizou-se o software EndNote®. Foram incluídos estudos com textos completos disponíveis em inglês, português e espanhol, estudos primários e secundários, teses e dissertações que buscassem verificar o clima e/ou cultura de segurança do paciente em serviços hospitalares públicos ou privados, no período de 2000 a 2022. A seleção da periodicidade considerou a divulgação, em 2000, do documento do Institute of Medicine (IOM) “To Err Is Human: Building a Safer Health System” (Kohn et al., 2000), que sensibilizou e impulsionou pesquisas na área de segurança do paciente. Foram excluídos estudos de construção e validação de instrumentos, adaptação transcultural, construção de formulários curtos, carta ao editor, bem como estudos que objetivaram associar a cultura de segurança às outras variáveis. Os resultados foram analisados de forma descritiva por três revisoras. As considerações dos autores que optaram por conduzir a pesquisa avaliativa de cultura seguindo um viés qualitativo foram analisadas por meio da nuvem de palavras e similitude, por meio do software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRaMuTeQ®). Este estudo dispensa parecer de comitê de ética em pesquisa, por tratar-se de estudo de revisão.
3.Resultados
A primeira busca incluiu 107 estudos. A busca atualizada identificou 273 novos estudos, dos quais 52 foram removidos após identificadas as duplicadas. Dos restantes, 160 estudos foram removidos por não avançarem no estudo de elegibilidade. Na etapa de leitura do texto completo 11 estudos encontrararam- se indisponíveis, resultando numa amostragem final de 50 novos estudos. Ainda, dois estudos adicionais foram recuperados a partir da plataforma Research Gate e Google Acadêmico, e um estudo adveio da amostra de uma das revisões de literatura inclusas, por tratar-se de desenho qualiquantitativo. O fluxograma Prisma (Figura 1) demonstra a seleção detalhada dos estudos.
Prevalece como desenho metodológico adotado nas pesquisas de cultura de segurança o corte transversal de abordagem quantitativa, com emprego de questionários auto aplicáveis. Seguem-se, por ordem de maior prevalência, respectivamente, os estudos de métodos mistos, qualitativos e qualiquantitativos. No total, foram selecionados 15 estudos primários para análise (Tabela 1). Os demais estudos podem ser acessados no banco de dados da pesquisa, conforme destacado anteriormente.
Dentre os estudos com viés qualitativo prevaleceu os desenvolvidos no Brasil n= 6, seguidos da Arábia Saudita n= 2, Suécia n =1, Croácia, Hungria, Espanha e Suécia n=1, Portugal n=1, Austrália n=1, Espanha n=1, Reino Unido n=1 e Etiópia n=1. Para a presente revisão concentrou-se em analisar os relatos que cada estudo trouxe a respeito das contribuições e limitações da aplicação da abordagem qualitativa, seja isoladamente ou em união ao componente quantitativo. Da amostra de 15 estudos primários, nove trouxeram contribuições referentes à aplicação do componente qualitativo. Dos quatro estudos que conduziram a pesquisa utilizando exclusivamente a abordagem qualitativa, apenas o E80 e E85 trouxeram contribuições e limitações. Dentre os estudos qualiquantitativos, o E40 trouxe apenas contribuições. Os estudos de métodos mistos foram os que mais identificaram contribuições desta abordagem, sendo estes o E21, E64, E107, E108, E116 e E121, conquanto apenas o estudo E116 apontou limitações (Tabela 2). Optou-se por apresentar os dados analisados segundo a técnica de nuvem de palavras (Figura 2) e análise de similitude (Figura 3), a fim de discutir as inferências percebidas.
*Safety Attitudes Questionnaire
Foi analisada a nuvem de palavras obtida a partir das contribuições relatadas sobre a aplicação do componente qualitativo nas pesquisas de CSP, na qual as palavras mais evocadas foram: “Segurança” (f= 10), “Misto” (f= 10), “Método” (f= 9), “Cultura” (f= 9), e “Paciente” (f= 8). Os demais termos apresentaram- se de 3 a 5 vezes.
A análise de similitude (Figura 3) relevou três palavras centrais nos relatos das contribuições: “Método”, “Misto” e “Segurança”. Dessas, ramificaram-se em dois polos conexidades que, com base na teoria dos grafos, podem indicar, respectivamente, as seguintes inferências: 1) Uso do método misto para fornecer análises aprofundadas da cultura de segurança em hospitais e 2) Pesquisa qualitativa como facilitadora para compreensão das percepções do contexto dos participantes.
Quanto às limitações, destacaram-se dois aspectos importantes de serem discutidos relacionados à abordagem qualitativa e um relacionado à pesquisa de métodos mistos, no que dizem respeito a possíveis vieses nos resultados das pesquisas.
4.Discussão
4.1 A Natureza Qualitativa das Variáveis de Cultura
A primeira versão da revisão teve por objetivo investigar os aspectos metodológicos das pesquisas avaliativas de CSP, com foco em analisar a prevalência e incidência das abordagens empregadas num período de 20 anos. Os resultados prévios revelaram um alto quantatitativo em relação às duas medidas mencionadas, de estudos quantitativos, transversais, com aplicação de questionários auto- administráveis. Este dado pode ser encontrado em outras revisões da literatura (Pumar-Méndez et al., 2014; Azyabi et al., 2021) Todavia, compreende-se ser necessário refletir sobre a natureza do fenômeno sob investigação, para que não prevaleça o paradigma científico do pesquisador, muitas vezes já enraizado, mas sim, que seja empregada a abordagem que atenda ao objeto do estudo. Em seus escritos, Abdalla e Guabiroba (2018) apresentam esta problemática e comentam que, ao superestimar uma via de investigação, os pesquisadores tendem a subestimar a outra. Os autores ainda enfatizam que esta forte dicotomia entre os componentes metodológicos é passível de apresentar prejuízos. Shein (2001) conceitua a cultura em três níveis, denominando-os, do mais superficial ao mais profundo: “Artefatos”, “Valores casados” e “Certezas básicas fundamentais”. O primeiro diz respeito às estruturas e processos que apesar de visíveis, são difíceis de decifrar. No segundo estão dispostas as estratégias, objetivos e filosofias que a organização adota. O terceiro refere-se aoo inconsciente, crenças, percepções, pensamentos e sentimentos pressupostos. O nível mais profundo da cultura apresenta-se como a fonte dos valores, de onde surgem todas as ações. Também observa-se que os “Valores Casados” fortalecem os “Artefatos”, pois considera-se que os objetivos, estratégias e filosofia fundamentam a estrutura e os processos da Organização. Cada nível da cultura de uma organização revela a característica qualitativa que suas variáveis possuem. Em qualquer organização existem processos decisórios de como será a estrutura física, como a exemplo de ambientes menos ou mais compartimentalizados e a escolha das vestimentas e cores, formalidade no atendimento ao cliente, limites de relação entre as hierarquias conforme estabelecido no organograma, normas internas, dentre outros. Ademais, todos os demais aspectos relacionais promovem e perpassam uma cultura, já que a CSP faz parte de fundamentos da Organização que seguem valores e propósitos fortalecendo as ações assistenciais seguras. Entre os diversos aspectos que o autor pontua, apresenta-se a utilização de questionários que se destinam à este fim, tendo afirmado há 21 anos que:
“Existem estudos detalhados previamente elaborados e questionários que afirmam medir a cultura, mas em termos do modelo de cultura que eu apresentei, eles apenas revelam alguns dos artefatos, dos valores abraçados e talvez uma ou duas certezas mais profundas. Eles não alcançam certezas tácitas compartilhadas que podem ser importantes em sua organização.” (Schein, 2001, p. 71)
4.2 A Abordagem Híbrida para o Diagnóstico da CSP
Russo (2017) propôs um modelo de diagnóstico de cultura organizacional baseado em princípios como a inclusão de profissionais de todos os níveis hierárquicos e profissionais, emprego de questionários e entrevistas com questões alinhadas às que o questionário visa obter respostas, e por fim, apresentação de um relatório completo com todos os dados da pesquisa às partes interessadas, como a exemplo dos gestores locais da cultura de segurança em serviços de saúde. Baseado nesta modelagem prévia, foi elaborado um modelo de diagnóstico da CSP em pesquisa de mestrado, denominado em sua primeira versão “DIAGNÓSTICO-CSP 2021” (Silva, 2021). Este modelo tem como componente metodológico a abordagem de métodos mistos, também conhecida como abordagem híbrida, apoiada por Russo (2017) como tendo o potencial de suprimir possíveis falhas de captação de dados quando os componentes são utilizados isoladamente. Mais especificamente, o modelo desenvolvido adota o desenho sequencial explanatório, que possui um caráter quantitativo preliminar no qual são direcionados questionários à população-alvo, a fim de se obter um primeiro banco de dados com escores que revelarão potencialidades e/ou fragilidades, e servirão como guia para a etapa qualitativa (Creswell, 2018). Após estes dados em mãos, o pesquisador tem o papel de analisá-los minuciosamente para a partir dos entrelaçamentos centrais ou aspectos de interesse, elaborar questões de entrevistas a serem empregadas com indivíduos de interesse na amostra. A presente revisão identificou um maior número de contribuições relatadas pelos autores que conduziram pesquisas de métodos mistos para avaliar a cultura de segurança. Devido a isto, a análise de similitude revelou a ideia central de que esta abordagem é adequada para conduzir examinação aprofundada da cultura de segurança em Organizações hospitalares. Isto se deve à relevância que o viés qualitativo exerce na busca de compreender e/ou explanar fenômenos com alto grau de subjetividade. Decididamente, cabe ao viés qualitativo o papel de ser holístico, de envolver os pesquisadores a ponto de demandar-lhes reflexões mais profundas sobre os aspectos que orbitam o objeto de pesquisa. Além disso, este componente se beneficia de análises múltiplas e em diferentes momentos, posto que dados primários podem trazer insights de qual direção seguir, do que explorar mais ou menos (Polit & Beck, 2019). Estas características conferem à este componente metodológico a qualidade que justifica sua utilização nas pesquisas de CSP, preferivelmente unida ao viés quantitativo. Visualiza-se dentre os estudos desta amostra a realização de triagulação de dados a partir do questionário Hospital Survey Safety Culture (HSOPSC) e dados de entrevistas (Moretão, 2019; Nicácio et al., 2020; Titi et al., 2021), e ainda, adicionado à observação não-participante (Granel et al., 2020; Granel-Giménez et al., 2021). O Safety Climate Questionnaire (SCQ) foi utilizado junto à análise temática, gerada a partir das discussões de grupo focal (Tarling et al., 2017) e o Safety Attitudes Questionnaire (SAQ), em conjunto com dados advindos de grupos focais (Lorenzini et al., 2021) e de entrevistas semiestruturadas (Freitas et al., 2021). Todavia, entre as pesquisas de métodos mistos foram identificadas além de contribuições, uma limitação relacionada à possíveis vieses de resultados, devido à pesquisa ser realizada em duas ou mais etapas. Similarmente, dentre as pesquisas que optaram por não utilizar questionários, observou-se que dois dos quatro estudos (Alzahrani et al., 2019; Danielsson et al., 2018) trouxeram tanto contribuições do viés qualitativo, quanto suas limitações. Dentre a amostra de estudos qualiquantitativos, apenas Allen e colaboradores (2010) relataram vantagem em agregar os componentes, afirmando que ter conduzido este tipo de pesquisa apenas com questionário não teria sido a escolha mais assertiva ao que se propôs investigar.
4.3 Caminhos para Dirimir as Limitações
Devem ser empregadas estratégias, partindo da equipe de pesquisadores, a fim de minimizar e sempre que possível, limitar a ocorrência de vieses de qualquer tipo. O estudo de Allen e colaboradores (2010), apesar de não ter descrito limitações do viés qualitativo de modo explícito, deixou claro que a carga de trabalho e a rotina dos funcionários influenciaram diretamente na taxa de adesão à pesquisa. Os autores declaram que uma estratégia recomendada por autores de surveys é organizar reuniões, fornecendo tempo e espaço para o preenchimento dos questionários. Entende-se que, de modo similar, devam ser organizados locais apropriados para a condução de entrevistas individuais ou em grupos. Além disso, o tempo necessário para as entrevistas deve ser previamente acordado com o público-alvo. Ainda, entre as pesquisas qualitativas foram destacados dois importantes aspectos que devem ser considerados ao optar por esta abordagem. O primeiro é que entrevistas podem incorrer em constrangimento por parte do participante, levando-o a responder de modo incompleto ou inverídico, conforme destacado por Alzahrani e demais autores (2019). Sabe-se que pesquisas com seres humanos que envolvam risco de constrangimento devem instituir medidas para minimizá-lo. Uma medida adotada pelo modelo de diagnóstico de CSP anteriormente citado é propor que as entrevistas sejam conduzidas por um pesquisador externo à organização, ao invés de por um superior direto ou indireto. Um exemplo prático seria formalizar parcerias entre pesquisadores da academia e o serviço de saúde, no qual o próprio serviço pode realizar a fase de avaliação via questionários de clima de segurança, e, após análise dos dados primários, elaborar roteiros de entrevistas a serem conduzidas por pesquisador parceiro treinado e com experiencia na condução de entrevistas. O segundo aspecto diz respeito ao nível de conhecimento da equipe em relação aos pormenores das técnicas qualitativas de pesquisa, fator apontado como mais uma limitação neste tipo de pesquisa, segundo Danielsson, Nilsen, Rutberg e Carlfjord (2018). Um dos critérios para garantir a qualidade de pesquisas qualitativas inclui, à priori, utilizar o checklist Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ) (Tong et al., 2007), posto que abarca 32 itens a serem checados pela equipe de pesquisa na realização de cada etapa ou fase de condução de entrevistas e grupos focais. No que se relaciona à equipe de pesquisa, importa que haja o treinamento para coleta, transcrição e codificação dos dados. Para isto, é relevante a condução de pesquisa piloto, a fim de alinhar o direcionamento de cada pergunta. Idealiza-se que o estudo exponha quais foram as unidades analisadas e que apresente a codificação final, as categorias e os temas que surgiram, se indutiva ou dedutivamente. Ainda, o paradigma adotado para análise dos dados bem como sua justificativa devem estar claros. Ademais, deve-se citar o emprego de softwares que porventura auxiliaram os pesquisadores. Os dados ainda podem ser checados entre os coletadores, realizando uma auditoria entre a equipe (Patias & Von Hohendorff, 2019). Sobre o viés de resultados relatado por Granel-Giménez e demais autores (2022), relacionado ao desenho sequencial explanatório dos métodos mistos, eles mesmos afirmam que o intervalo de tempo requerido é inevitável quando um investigador coleta dados e observa as práticas dos participantes em vários locais. No entanto, as entrevistas e as observações têm menos variabilidade no registro e mais uniformidade na análise. Para minimizar tal viés, aconselha-se que cada etapa de pesquisa - quantitativa e qualitativa - seja realizada o mais próximas possível. O quanto antes os dados analisados quantitativamente puderem ser analisados e dado seguimento para a fase de entrevistas, melhor será para garantir adesão do participante, e contribuir para a análise e interpretação dos dados por parte do pesquisador. Em termos gerais, não concercentes ao desenho conceitual do estudo, muitos são os pesquisadores que identificam a não generalização amostral em avaliações de cultura de segurança, seja para outras unidades ou outros serviços, como uma limitação (Granel et al., 2020; Titi et al., 2021, Freitas et al., 2021; Nicácio et al., 2020). Todavia, há de se considerar que é justamente pela cultura de segurança ser um fenômeno multifacetado e composto tanto por fatores internos quanto externos ao contexto do serviço de saúde, que dificilmente os resultados desse tipo de pesquisa serão, de fato, generalizáveis.
5.Considerações Finais
A amostra final foi composta por 160 estudos, onde houve a prevalência do corte transversal de abordagem quantitativa, seguidos de estudos por ordem de maior prevalência, respectivamente, de métodos mistos, qualitativos e qualiquantitativos. Analisando-os quanto às contribuições e limitações para a aplicação da abordagem qualitativa, nove apresentaram contribuições e três trouxeram também limitações. De quatro estudos que utilizaram exclusivamente a abordagem qualitativa, dois trouxeram contribuições e limitações. Dentre os estudos qualiquantitativos da amostra total, apenas um trouxe contribuições. Os estudos de métodos mistos foram os que mais identificaram contribuições sobre a utilização desta abordagem, sendo um total de seis estudos, conquanto apenas um apontou limitações. Considera-se que o presente estudo permitiu mapear o uso da abordagem qualitativa em estudos de avaliação da CSP em serviços hospitalares a nível mundial, pois evidenciou-se a necessidade de desevolver a natureza qualitativa das variáveis de cultura visando analisar aspectos mais subjetivos, instrínsecos na cultura de uma organização, uma vez que a prevalência de estudos quantitativos não permite alcançar certezas mais subjetivas, importantes para as instituições. A pesquisa possibilitou sintetizar as contribuições e limitações evidenciadas na literatura, que ficaram evidentes nos caminhos para dirimir as limitações, sendo eles: para que carga de trabalho e a rotina dos funcionários não influencie diretamente na taxa de adesão à pesquisa é necessário organizar as reuniões, fornecendo tempo e espaço para o preenchimento dos questionários o qual deve ser previamente acordado com o público-alvo. Com relação aos possíveis contrangimentos causados pelas entrevistas propõe-se que sejam conduzidas por um pesquisador externo à organização, por meio de parcerias entre pesquisadores da academia e os serviços de saúde. Ainda, para aprimorar as técnicas da pesquisa qualitativa é necessário seguir checklist pré existente na literatura e realizar treinamentos da equipe por meio de pesquisas piloto além disso para evitar viés nos resultados aconselha-se que cada etapa de pesquisa - quantitativa e qualitativa - seja realizada o mais próximas possível. A utilização de uma abordagem híbrida para o diagnóstico da CSP apresenta-se como potencial supressor de falhas na captação de dados, ressalvando-se a possibilidade de eventuais limitações. Compreende-se a relevância de unir técnicas qualitativas e quantitativas à investigação da cultura de segurança do paciente, com o intuito de explorar, explanar e expandir o que os escores advindos dos questionários de clima e atitudes de segurança possam representar. Recomendam-se esforços por parte dos pesquisadores para sobrepujar os altos índices de prevalência e incidência de pesquisas restritas unicamente à abordagem quantitativa para avaliar a CSP dos serviços de saúde. Ainda, o corpus amostral total desta revisão revelou que poucas são as pesquisas avaliativas que propõem estratégias práticas e intervenções voltadas à resolução dos problemas identificados, indicando uma necessidade a ser atendida em futuras pesquisas. Por fim, reafirma-se que o uso do componente qualitativo contribui para as pesquisas de CSP, já que permite ampliar o lastro de conhecimentos acerca do fenômeno, facilitando a identificação de dados subjetivos do contexto de cada cultura voltada à segurança do paciente.