1.Introdução
Mundialmente as doenças crónicas, são uma das principais causas de morte (41 milhões pessoas/ano), equivalente a 71% de todas as mortes no mundo. Estima-se ainda que, anualmente, cerca de 15 milhões destas pessoas, se encontram entre os 30 e os 69 anos de idade. Os quatro grupos de doenças crónicas responsáveis por esta morte prematura, refletem-se nas doenças cardiovasculares (17,9 milhões), nas doenças oncológicas (9,3 milhões), nas doenças respiratórias (4,1 milhões) e na diabetes mellitus (DM) (1,5 milhões) (World Health Organization [WHO], 2021). Atualmente, cerca de 9,3% da população em idade adulta (463 milhões), entre os 20 e os 79 anos de idade, vivem com DM (International Federation of Diabetes [IFD], 2019). Em 2018, a prevalência estimada da DM na população portuguesa com idades compreendidas entre os 20 e os 79 anos de idade foi de 13,6%. Significando assim, que mais de 1 milhão de portugueses neste grupo etário tem DM, dos quais 56% já diagnosticados e 44% ainda não diagnosticados (Raposo, 2020). A DM reporta-se a uma desordem metabólica múltipla, caracterizada por uma hiperglicemia crónica com distúrbios no metabolismo dos hidratos de carbono, lípidos e proteínas, resultantes de deficiências na secreção ou na ação da insulina, ou de ambas (Correia et al., 2015). Assim, um mau controlo metabólico pode levar a múltiplas complicações, entre as quais, complicações do foro cardíaco e renal, aterosclerose, retinopatia diabética e neuropatia (WHO, 2016). Verificando-se a necessidade urgente de prevenir a DM, e melhorar a capacidade de autocontrole dos níveis de glicose no sangue (Caifang et al., 2020). A coordenação de cuidados na gestão do controle de sintomas e da redução do risco, com a finalidade de minimizar as complicações a longo-termo, requer uma imperativa estruturação de cuidados com o propósito de envolver não só a pessoa com diabetes, como também os profissionais de saúde (Taylor & Bircher, 2016). É pertinente pensar no desenvolvimento de um projeto de melhoria contínua da qualidade (PMCQ) dos cuidados. A implementação deste tipo de projetos parte da identificação e respetiva descrição da problemática, do desvio em relação à norma ou em relação a um padrão de comparação que é pretendido alcançar, focalizadas por áreas de atenção da prática de Enfermagem (Dias, 2014; Pearson, 2019). Assim, define-se como objetivo para a realização da presente revisão scoping: Analisar a evidência científica acerca da adesão ao regime terapêutico da pessoa com DM no âmbito de um PMCQ. E deste modo, pretende-se responder à seguinte questão de investigação: Como se caracteriza a adesão ao regime terapêutico (ART) da pessoa com DM no âmbito de um PMCQ?
3.Metodologia
Esta revisão scoping tem como guidelines a metodologia proposta pelo Joanna Briggs Institute (JBI) para revisões scoping (Peters, 2015). O objetivo é analisar a evidência científica acerca da ART da pessoa com DM no âmbito de um PMCQ. A pergunta orientadora é: “Como se caracteriza a ART da pessoa com DM no âmbito de um PMCQ?” De acordo com o JBI, as análises scoping têm como objetivo fornecer um mapa do alcance da evidência disponível relativa a um período de tempo específico permitindo a identificação de questões para ajudar a promover a saúde e, no nosso caso, os cuidados de enfermagem baseados em evidências, aumentando o conhecimento, identificando lacunas e alertando para a necessidade de efetuar outras revisões sistemáticas (Peters, 2015). Formulou-se a questão de revisão a partir da estratégia PCC, em que se considerou: População (P), a pessoa com DM; Conceito (C), a adesão ao regime terapêutico; Contexto (C), todos os contextos. Foram incluídos na revisão scoping estudos que: a) quanto ao tipo de participantes, abordem pessoas com DM; b) quanto ao conceito, abordem a ART; c) quanto ao contexto, abordem todos os contextos (cuidados de saúde primários (CSP) e hospitalar); d) quanto ao tipo de estudos, abordem estudos quantitativos e qualitativos. Os estudos quantitativos incluíram desenhos transversais, retrospetivos, de validação psicométrica, randomizados e não-randomizados, enquanto os qualitativos foram descritivos, associados a um desenho quantitativo. Já as revisões sistemáticas da literatura foram meta-análises. A estratégia de pesquisa teve como objetivo encontrar tanto estudos publicados quanto não publicados. Utilizaram-se três etapas de pesquisa. A primeira etapa foi desenvolvida na CINAHL e MEDLINE, com uma análise das palavras-chave contidas nos títulos e nos resumos. Na segunda etapa, numa pesquisa mais ampla, foram utilizadas as mesmas palavras-chave e termos de pesquisa, nas bases de dados da plataforma EBSCOHost. Na terceira etapa, identificaram-se novos estudos mediante pesquisa nas referências bibliográficas de todos os artigos incluídos. Esta revisão limitou-se a estudos publicados em inglês e português. Foi definido limite temporal, os artigos obtidos estão limitados ao período de 2016 a 2021, período este estabelecido de forma a obter a evidência científica mais recente, considerando que o período de cinco anos é um elo essencial entre os resultados da pesquisa em saúde e a tomada de decisão em saúde baseada em evidências (Brooker et al., 2019). A pesquisa foi efetuada nas seguintes fontes: CINAHL; MEDLINE; Scopus, Cochrane Database of Systematic Reviews; Scientific Electronic Library Online (SciELO). As palavras-chave utilizadas inicialmente em inglês foram: Diabetic Patients AND Diabetes Education OR Patient Education OR Self-management OR Therapeutic Regimen OR Therapeutic Adherence AND Quality Improvement OR Evaluation and Quality Improvement Program. Consideraram-se os termos de pesquisa no resumo. A relevância dos artigos foi examinada por dois revisores independentes. Os artigos completos foram considerados para os estudos que continham os critérios de inclusão desta revisão. Se existisse alguma dúvida na análise dos resumos sobre a relevância desse estudo, obtinham-se os artigos na íntegra, sendo posteriormente analisados de forma independente. Para resolver eventuais divergências entre revisores, recorreu-se a discussão entre os dois revisores. Nos casos em que não existiu consenso, recorremos ao terceiro revisor. Os dados foram extraídos dos artigos incluídos na revisão, recorrendo-se a uma tabela de extração dos resultados, de acordo com o objetivo e a pergunta da revisão e segundo a metodologia de revisões scoping do JBI (Peters, 2015). A tabela de extração encontra-se organizada pelos seguintes dados: Título; Autor(es); Ano de publicação; País; Objetivos; Desenho do estudo; População em estudo/Tamanho da amostra/Participantes; Contexto; Conceito(s) relevantes da questão de revisão/Instrumento(s) de medida; Principais resultados. Seguindo as orientações de Levac, Coquhoun & O`Brien (2010), os dados foram obtidos sem discordância entre os revisores, que não consideraram necessidade de contatar ou solicitar aos autores primários informações/esclarecimentos sobre os dados, de acordo com Arksey & O’Malley (2005). A Figura 1 especifica os resultados das etapas da análise, seguindo o modelo PRISMA Flow Diagram (Moher et al., 2009).
4.Resultados
Após a remoção dos artigos duplicados (Moher et al., 2009), identificaram-se 59 estudos para seleção da revisão. Um total de 36 artigos cumpria os critérios de inclusão com base na verificação dos títulos e dos resumos. Uma vez obtidos os artigos de texto completo, estes foram lidos e examinados, 21 cumpriram os critérios de inclusão, dos quais 12 são análises retrospetivas da implementação de PMCQ. Importa referir quais as publicações de maior frequência, após analise dos artigos selecionados, nos diferentes continentes. Assim temos, o continente Americano, representado pelos Estados Unidos (9 publicações) e o Brasil (1 publicação) apresentou o maior número de publicações, com 48%. Seguidamente, a Ásia, nomeadamente a China (5 publicações) e a Tailândia (2 publicações), com 33%. A Europa, representada pelo Reino Unido (2 publicações) e pela Irlanda (1 publicação), 14%. Finalmente, o continente Africano representado pela África do Sul (1 publicação), com 5%. Das 21 publicações elegíveis para inclusão na revisão scoping, 57% foram avaliações retrospetivas (AR) de PMCQ; 14% foram estudos randomizados (ER); e as restantes publicações foram: 3 revisões sistemática da literatura (RSL) com meta-análise (14%), 1 estudo não randomizado (ENR) (5%), 1 estudo de corte (EC) (5%), 1 estudo qualitativo (EQ) (5%). Três publicações restringiram-se ao ambiente hospitalar (14%), enquanto que as restantes (86%) foram em regime de ambulatório e/ou em cuidados de saúde primários.
5.Discussão
O objetivo desta revisão scoping foi analisar a evidencia científica acerca da ART da pessoa com DM no âmbito de um PMCQ. Para responder a essa questão, foram incluídos 18 estudos primários. Tendo sido relevante incluir revisões sistemáticas, dizer que apenas três, incidiam no contexto de cuidados desta revisão, sendo estas meta-análises (Chen et al., 2019; Cradock et al., 2017; Lim et al., 2018). A revisão de Chen et al. (2019) compara os resultados associados à ART sobre o controle glicémico através da intervenção em grupo versus a educação ao regime terapêutico realizado à data em pessoas com DM na China. A revisão de Lim et al. (2018) analisa a eficácia sustentada da implementação de um modelo integrado constituído por múltiplas componentes no tratamento da DM tipo 2, baseado no Modelo de Cuidados Crónicos (MCC). Já a revisão de Cradock et al. (2017) identifica as técnicas de mudança de comportamento e as características das intervenções do foro dietético e de atividade física para pessoas com DM tipo 2, que estão associadas à alteração do valor laboratorial de hemoglobina glicada (HbA1c) e de peso corporal. Essas revisões da literatura examinaram a evidência científica com objetivos distintos, mas nenhuma versa sobre o tema da presente revisão scoping. Assim, consideramos de elevada abrangência mundial a evidência nela apresentada. A educação e o suporte para o autocuidado da DM no momento do diagnóstico, e a atualização da educação em DM são consideradas intervenções fulcrais para a ART e, consequentemente, atingir as metas glicémicas e conviver com as vivências relacionadas com o dia a dia da doença (James, 2020; Wan et al., 2018; Zhu et al. 2021). As pessoas com DM, que não participam em programas de educação, têm quatro vezes mais probabilidades de desenvolver complicações relacionadas com a DM (James, 2020). Uma das principais razões para a sua não adesão a este tipo de intervenções, é a falta de informação e a falta de referenciação por parte de outros profissionais de saúde (James, 2020). Assim, de forma a prevenir complicações relacionadas com a DM, é essencial focalizar a atenção na melhoria de acesso a programas de educação sobre a DM, e implementar estratégias de encaminhamento que visam pacientes com baixa estabilidade glicémica (James, 2020; Marinho et al., 2017). Os PMCQ devem de ilustrar modelos de melhoria que associem as mudanças de processo, baseadas em intervenções de enfermagem alicerçadas pela evidência científica mais recente, com os resultados obtidos na pessoa com DM, traduzidos em benefícios de saúde para as mesmas (Nicklesa et al., 2019). Com a implementação deste tipo de iniciativas é essencial ter o apoio da liderança de enfermagem e médica, envolver os profissionais que irão ajudar na sua concretização, promover o apoio da equipa multidisciplinar e o envolvimento da equipa na sua formação, garantir a consistência em todos os materiais desenvolvidos, assegurar o feedback da equipa e à equipa, e demonstrar abertura para a adaptação de materiais e das estratégias desenvolvidas (Higgins et al., 2020; Oba et al., 2020). Os PMCQ integrados em ambiente clínico são considerados métodos relevantes para aumentar os ganhos em saúde da pessoa com DM (Nicklesa et al., 2019). Nos PQCQ, o enfermeiro é percecionado como um elemento dinamizador entre a equipa multidisciplinar (Ginzburg et al., 2018; Oba et al., 2020). Desenvolver cuidados de saúde em parceria, entre a equipa, permite motivar as mudanças no estilo de vida da pessoa com DM e diminuir a fragmentação e a duplicação de cuidados entre os diversos profissionais de saúde (Andrich & Foronda, 2020; Chaowalaksakun et al., 2016; Ginzburg et al., 2018; Oba et al., 2020). A estrutura da equipa deve ser aquela em que nenhuma hierarquia é estabelecida, e o valor de cada elemento seja manifestamente reconhecido por todos (Wan et al., 2018). A mudança de estilo de vida e a ART, requerem um comprometimento da autodisciplina de cariz vitalício da parte da pessoa com DM (Chaowalaksakun et al., 2016; Lim et al., 2018). Os profissionais de saúde devem estabelecer um plano individual após uma avaliação estruturada, alicerçado em objetivos específicos para a pessoa com DM e promover a responsabilização pelo seu autocuidado (Chan et al., 2019; Chaowalaksakun et al., 2016; Young, 2019). Este plano individual deve corroborar uma abordagem holística da pessoa com DM, tendo em conta não só a abordagem médica da doença, como também os recursos financeiros, o ambiente social, a literacia, as ideias culturais e as suas preferências (Nelson et al., 2018). É assim, fundamental, compreender quais as causas para um mau controle glicémico, entre as quais se destacam: a baixa adesão à terapêutica medicamentosa, hábitos alimentares desadequados, pouca atividade física e elevados níveis de stresse (Cradock et al., 2017; Oba et al., 2020). A educação para a saúde deve, assim, ser baseada nestas temáticas: autogestão da terapêutica medicamentosa, hábitos alimentares saudáveis, prática de exercício físico regular e gestão dos níveis de stresse (Cradock et al., 2017; Chaowalaksakun et al., 2016; Oba et al., 2020; Wan et al., 2018; Young, 2019). Devendo ainda ser abordados temas como a iniciação e a titulação de insulina, e desenvolvidas estratégias como o aconselhamento por telefone/follow-up, a educação em grupo ou individualizada, a avaliação de enfermagem e o apoio aos familiares e/ou cuidadores informais, encaminhamento para outras especialidades médicas (Andrich & Foronda, 2020; Chan et al., 2019; Chaowalaksakun et al., 2016; Fallas et al., 2020). Para além dos modelos tradicionais de educação para a saúde face a face, viabilizar a mesma através das novas tecnologias (via telefone/informática) permite uma autogestão glicémica significativamente superior, facilitando a compreensão dos participantes sobre o regime terapêutico, proporcionando a motivação para cumprir as recomendações quanto ao autocuidado e diminuindo as barreiras geográficas entre a sua morada de residência e as unidades de saúde (Chen et al., 2019; Davies et al., 2019). O controle precoce da DM é um dos fatores mais importantes para a gestão dos fatores de risco, prevenindo o desenvolvimento de complicações associadas à DM (Wan et al., 2018). Os resultados dos PMCQ incluem a melhoria dos níveis de HbA1C (Andrich & Foronda, 2020; Ginzburg et al., 2018; Holtrop et al., 2017; Lim et al., 2018; Oba et al., 2020; Wan et al., 2018) e dos níveis de colesterol (Ginzburg et al., 2018; Webba & Rheeder, 2017), redução da incidência doença cardiovascular (Ginzburg et al., 2018; Wan et al., 2018; Webba & Rheeder, 2017) e das complicações microvasculares (Wan et al., 2018), redução das taxas de reinternamento (Lim et al., 2018; Oba et al., 2020; Wan et al., 2018) e diminuição das taxas de mortalidade (Wan et al., 2018). A introdução de estratégias educacionais em DM para os profissionais de saúde envolvidos, traduzem-se em melhorias significativas no atendimento à pessoa com DM (Higgins et al., 2020; Holtrop et al., 2017). Estas estratégias devem ser constituídas por uma abordagem multidisciplinar e ser baseadas na aquisição de conhecimentos sobre fisiopatologia da doença, avaliação global da pessoa com DM, desenvolvimento de estratégias de mudança comportamental e melhoria do autocuidado, conhecimento sobre os recursos da comunidade (Ginzburg et al., 2018; Holtrop et al., 2017; Marinho et al., 2017).
6.Considerações Finais
Esta revisão permite examinar a evidencia científica acerca da ART da pessoa com DM no âmbito de um PMCQ. Os PMCQ devem ilustrar modelos de melhoria que associem as mudanças de processo, baseadas em intervenções de enfermagem alicerçadas pela evidência científica mais recente, com os resultados obtidos na pessoa com DM, traduzidos em benefícios de saúde para as mesmas. Os PMCQ integrados em ambiente de prática clínica são considerados métodos relevantes para aumentar os ganhos em saúde da pessoa com DM. Desenvolver cuidados de saúde em rede e na equipa, permite motivar as mudanças no estilo de vida da pessoa com DM e diminuir a fragmentação e a duplicação de cuidados entre os diversos profissionais de saúde. A educação e o suporte para o autocuidado da DM no momento do diagnóstico, e a atualização constante da educação para a saúde em DM são consideradas intervenções essenciais para a ART e, consequentemente atingir as metas glicémicas e conviver com o dia a dia da doença. A educação para a saúde deve ser baseada na: autogestão da terapêutica medicamentosa, hábitos alimentares saudáveis, prática de exercício físico regular, gestão dos níveis de stresse e iniciação e a titulação de insulina. E igualmente devem ser desenvolvidas estratégias como o aconselhamento por telefone/follow-up, a educação em grupo ou individualizada, a avaliação de enfermagem, o apoio aos familiares e/ou cuidadores informais e o encaminhamento para outras especialidades médicas. Os resultados dos PMCQ incluem a melhoria dos níveis de HbA1C e de colesterol, redução da incidência da doença cardiovascular e das complicações microvasculares, redução das taxas de reinternamento e diminuição das taxas de mortalidade. Apesar dos resultados interessantes que a presente revisão scoping concedeu, esta apresenta algumas limitações. A investigação analisada tem-se debruçado na repercussão dos resultados analíticos face às intervenções da equipa multidisciplinar. Para estudos futuros é importante abordar os resultados das intervenções da equipa de saúde face aos resultados qualitativos na adesão ao regime terapêutico (tríade regime medicamentoso, alimentar e exercício físico) da pessoa com DM.