1.Introdução
Atualmente, o cancro da mama tornou-se um dos maiores desafios de saúde pública à escala mundial. A International Agency for Results on Cancer (2021) da Organização Mundial de Saúde prevê que em 2030, em Portugal, existam 7219 mulheres com cancro da mama. Um acréscimo comparativamente a 2020, em que se estimou que existiram 7041. Segundo Guedes & Dias (2017), o cancro da mama é a neoplasia mais comum da mulher em idade reprodutiva, sendo a sua prevalência de 40% de todos os cancros em mulheres com idade inferior a 40 anos. Marques (2017) afirma também que se trata da neoplasia mais frequente na gravidez com uma incidência de 1/3000 grávidas. Refere ainda que 0,2%-3,8% dos cancros da mama são coincidentes com a gravidez. O cancro da mama associado à gravidez, apesar de pouco frequente, tem vindo a aumentar nos últimos anos, por existir uma tendência para que as mulheres protelem a maternidade, aumentado assim a sua incidência (Martinez et al., 2018). A definição de cancro da mama associado à gravidez (Pregnancy- Associated Breast Cancer, PABC) refere-se a todos os diagnósticos de cancro durante a gravidez ou 1 ano após o parto (Case, 2016). Geralmente apresenta-se como uma massa indolor ou um espessamento na mama, ocasionalmente associado à secreção do mamilo, e o seu diagnóstico é mais desafiador em grávidas, dado que um peito de tamanho médio, durante a gravidez, normalmente duplica o seu peso de 200g para 400g, resultando numa maior firmeza e densidade, que tornam mais difícil a interpretação, quer do exame clínico, quer da mamografia. Além de que, para as mulheres grávidas, terá de se ter uma atenção especial, devido aos riscos da exposição a radiação ionizante para o feto (Durrani, Akbar & Heena, 2018). Sendo o PABC mais provável de ser diagnosticado num estadio mais avançado, as mulheres grávidas com cancro da mama são mais propensas a apresentarem tumores maiores, nódulos positivos, metástases e invasão vascular (Durrani et al., 2018). Segundo Case (2016), os atrasos no diagnóstico são vitais no prognóstico porque quando o diagnóstico é precoce, este pode ser avaliado, estadiado e tratado durante a gravidez, com segurança e com resultados excelentes, protegendo quer o feto, quer a mãe. Neste sentido, tanto o diagnóstico como a vigilância, devem ser realizados o mais cedo possível, sendo fulcral a articulação entre a equipa multidisciplinar e a grávida, na escolha do tratamento mais eficaz, direcionado e seguro, para a mãe e para o feto (Martinez et al., 2018). As decisões do tratamento devem ser individualizadas e ter em consideração a extensão da doença; a minimização dos danos para o feto; a idade gestacional e; o impacto na gravidez e na fertilidade (Case, 2016). Estando a gravidez e o cancro da mama tão díspares, ao confluírem poderão deixar sequelas importantes para a vida, tanto a nível físico como psicológico (Martinez et al., 2018). As mulheres com diagnóstico de cancro da mama associado à gravidez não conseguem experienciar a gravidez e a maternidade em pleno, por terem que tomar decisões para proteger a saúde do bebé ainda por nascer, às custas da sua própria saúde, ou vice-versa, sendo estes dilemas considerados stressantes e traumáticos (Ives, Musiello & Saunders, 2011). Com o objetivo de compreender as vivências sentidas pelas mulheres com cancro da mama durante a gravidez, realizou-se um estudo descritivo de abordagem qualitativa, para responder à questão “Como é que a mulher com cancro da mama vivencia a gravidez?”. As mulheres com PABC podem precisar de mais apoio psicológico e social do que outras mulheres que estejam a lidar com um diagnóstico de cancro da mama. Contudo, há uma escassez de informação neste sentido (Ives et al., 2011), importando por isso, perceber quais as preocupações predominantes, as mudanças sofridas, os receios, os medos e os sentimentos vividos, quando o momento da gravidez se cruza com o cancro da mama, de forma a podermos estar preparados e criar estratégias para ajudar a ultrapassar este momento difícil.
2.Metodologia
Perante as adversidades com que a mulher grávida com cancro da mama se depara e com a imprevisibilidade da resposta perante o contexto, importa perceber as vivências experienciadas, tendo sido realizado um estudo descritivo de abordagem qualitativa, por duas investigadoras, tendo como questão de investigação: “Como é que a mulher com cancro da mama vivencia a gravidez?”. O estudo obteve a autorização da Comissão de Ética e do Conselho de Administração da Fundação Champalimaud, a 20 de outubro de 2020. Esta instituição é uma referência oncológica no acompanhamento das mulheres com cancro da mama e/ou grávidas. A abordagem qualitativa possibilita uma compreensão ampla dos fenómenos sociais no seu contexto, permitindo a sua visualização através de diferentes perspetivas, abrangendo os aspetos mais significativos (Minayo & Costa, 2018). Atendendo que há uma disponibilidade reduzida de sujeitos elegíveis por o fenómeno ainda ocorrer em número diminuto, utilizámos todas as mulheres disponíveis, ou seja, uma «amostragem por exaustão» (Fontanella, 2021), que foram confrontadas com o cancro da mama concomitante com a gravidez, que estavam a ser vigiadas na Fundação Champalimaud e que aceitaram participar. Foi delineado um guião de questões aprovado pela Comissão de Ética, com tópicos pré-definidos para as entrevistas semidiretivas, que foi a técnica de recolha de informação que facilita tanto o registo, como a análise, a apresentação e a discussão dos resultados que foi privilegiada, por existir flexibilidade para o entrevistador adequar a linguagem, a ordem das questões e até mesmo, introduzir novas questões, expandindo temas que não estavam previstos no guião, com o decorrer da conversação (Magalhães & Paul, 2021). A elaboração das questões abertas, foi baseada no construto teórico e nos objetivos, no sentido de colher o máximo de informação possível acerca das experiências de vida das entrevistadas (Vilelas, 2020). Considerando que a entrevista é um ato de comunicação, devem ser evitadas barreiras comunicacionais como as interrupções e o cansaço do entrevistador e do participante (Magalhães & Paul, 2021). Para o sucesso da entrevista é fundamental a sua preparação. Foi entregue a cada candidata um documento com informações relativas à investigação, bem como foram explicados pormenores e esclarecidas dúvidas sobre a mesma. Após anuírem em participar, foi solicitada a assinatura do consentimento para a sua colaboração e em articulação com cada mulher foi agendada a entrevista, bem como a sua hora e local. Atendendo ao contexto pandémico devido ao Sars-Cov2, foi dada a possibilidade de ser presencial ou via digital. As novas tecnologias surgiram como um instrumento de suporte à pesquisa qualitativa, possibilitando a manutenção das redes de comunicação e colaboração entre investigadores (Presado, Baixinho e Oliveira 2021). As entrevistas foram realizadas pela mesma investigadora, uma foi realizada presencialmente e as restantes através de meios digitais de videoconferência, tornando-se mais desafiador porque devido à sensibilidade do tema, durante a entrevista são expressos pensamentos, experiências, opiniões e sentimentos, e este “afastamento” entre o entrevistador e o entrevistado podia tornar-se impessoal e até dificultar a construção de uma relação de confiança e empatia, exigindo desta forma, mais competências de comunicação por parte do entrevistador (Minayo e Costa, 2019). As entrevistas semidiretivas com gravação áudio, ocorreram entre novembro de 2020 e agosto de 2021, tendo uma duração de 30 a 50 minutos. Para maior proteção dos dados, a colheita de informação relativa à «caracterização das entrevistadas e do cancro associado à gravidez» foi registada à parte, por meio de um questionário com a atribuição de um código numérico. Seguiu-se o início da gravação áudio com a recolha dos restantes dados, registadas com o mesmo código. Garantindo-se o anonimato, a confidencialidade, o direito à privacidade e à proteção dos dados pessoais, a investigadora codificou cada entrevistada e os documentos resultantes da investigação foram apenas guardados no seu computador, não existindo qualquer comunicação de dados pessoais a terceiros. A participação na investigação foi livre e voluntária, sendo as entrevistadas autónomas na tomada de decisão, após serem informadas sobre o estudo e os seus objetivos. A decisão de não participar, não lhes trouxe qualquer prejuízo. Assim, foi tido em conta o consentimento livre e esclarecido, tal como referido pela Direção Geral de Saúde (2015), o respeito pelos grupos vulneráveis, pela vida privada e pela confidencialidade das informações pessoais; o respeito pela justiça e pela equidade; o princípio do equilíbrio entre as vantagens e os inconvenientes; o princípio da redução dos inconvenientes, bem como o princípio da otimização das vantagens (Fortin, 2009). Realizada a transcrição dos discursos das entrevistadas, a análise dos dados foi procedida através da análise de conteúdo proposta por Bardin, que consiste num conjunto de técnicas de análise, não se tratando apenas de um mero instrumento, mas sim de um instrumento adaptável a um campo de aplicação muito vasto (Bardin, 2016). Esta é composta por um conjunto de técnicas, com intuito de obter através de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que possibilitem a inferência de conhecimentos relacionados com as condições de produção/receção destas mensagens e, é organizada em torno de três polos cronológicos: a pré-análise; a exploração do material e; o tratamento dos resultados obtidos, sua inferência e interpretação (Bardin, 2016). Os dados foram analisados com o apoio do software Web Qualitative Data Analysis (WebQda®). Esta ferramenta, permite ao pesquisador “criar categorias, codificar, controlar, filtrar, realizar pesquisas e questionar os dados com o objetivo de responder às suas questões de investigação, utilizando um conjunto de instrumentos metodológicos que possibilitam uma interpretação controlada, baseada na inferência” (Oliveira, Barros e Silva, 2016. p.33). A primeira etapa, a de pré-análise, consistiu na enumeração e na leitura prévia com transcrição integral e fiel no webQDA®, obtendo-se o “corpus” a ser submetido aos procedimentos analíticos e que, segundo Bardin (2016), deve respeitar quatro regras básicas: a exaustividade; a representatividade; a homogeneidade e; a pertinência. A segunda etapa, a de exploração, compreendeu uma segunda leitura do material, mais exaustiva e meticulosa, com o propósito de realizar o recorte (escolha das unidades) e o agrupamento destas em categorias e sub-categorias. No processo de categorização aqui utilizado, o sistema de categorias não é fornecido, resultando da classificação analógica e progressiva dos elementos, sendo cada categoria definida no final. Por fim, na última etapa, o tratamento e a interpretação dos dados, a partir da leitura comparativa das entrevistas, permite a realização de inferências. Participaram 7 mulheres com idades compreendidas entre os 32 e os 47 anos. No que diz respeito às habilitações literárias, verificou-se que 2 entrevistadas (29%) possuíam o mestrado e 5 (71%) a licenciatura. No momento do diagnóstico de PABC, todas tinham idades superiores a 30 anos e 3 tinham mais de 39 anos. Relativamente ao número de filhos, 3 (43%) já tinham sido mães e 1, apesar de não ser mãe biológica, tinha um filho do seu atual companheiro. Nenhuma mulher voltou a engravidar. Uma, já com problemas de fertilidade, sabia que não podia voltar a engravidar, devido ao cancro e à idade, 3 entrevistadas não podem engravidar devido ao tratamento, 2 não querem e apenas 1 coloca como hipótese uma futura gravidez.
3.Resultados e Discussão
A sistematização dos resultados obtidos que emergem da análise das entrevistas pode ser observada sob a forma de código de árvore (Figura 1), em quatro categorias: Vivências no Momento do Diagnóstico; Vivências Durante a Gravidez; Rede de Suporte e, Estratégias de Superação.
Das “Vivências no momento do diagnóstico” emergiram: Choro/ Choque/ Atordoamento; Ambiguidade de acontecimentos de vida; Sentimento de overwhelming e; Transmissão da notícia. As mulheres diagnosticadas com PABC são forçadas a lidar simultaneamente, com dois eventos antagónicos (Ives et al., 2011). Ao descobrirem esta condição, todas elas revelaram experiências particulares desse momento e 5 (71,4%), mencionaram esta ambivalência de sentimentos, referindo que “estava ali entre duas coisas, uma ambivalência de sentimentos.” (E7); questionando-se sobre “como é que Deus me dá vida e morte ao mesmo tempo!?” (E1); “como é que é possível darem-me um bombom, mas um bombom envenenado: vida e morte” (E1). Seis entrevistadas revelaram que a forma como foram informadas as marcou muito: “a reação do médico também não foi a melhor. Ficou tipo parado, nem sabia o que falar ou o que dizer” (E3); “lembro-me da obstetra pelo meio me dizer que que não ia ser nada, que na gravidez só acontecem coisas boas. E essa frase marcou-me.” (E2). Apenas uma referiu que esse momento foi: “espetacular porque acaba por ser um dos dias que me deram das piores notícias, mas dos dias em que também me senti muito bem, rodeada de amor” (E3), tendo a notícia sido transmitida por uma amiga, em sua casa, rodeada pelos seus amigos, família e companheiro. Os sentimentos vivenciados foram influenciados pelo contexto familiar e pela sua história de vida. As emoções mais referidas no momento de diagnóstico foram choro/choque/atordoamento, bem como sentimentos de overwhelming: “eu cheguei ao carro e comecei a chorar, a chorar e a chorar” (E7); “é aquela fase do primeiro impacto e o choque” (E6); “eu fiquei assim meio atordoada” (E3); “é tão overwhelming” (E6). Relativamente à categoria “Vivências durante a gravidez” emergiram cinco sub-categorias: Ocorrências Psicossociais; Ocorrências emocionais; Dificuldades; Medos e receios; e Perceções sobre os cuidados de saúde (Quadro 1).
As ocorrências psicossociais mais mencionadas foram: a perda da fertilidade; a perda da experiência da amamentação; a alteração da imagem e; os encargos financeiros. O tratamento interferiu nas vidas destas mulheres como futuras mães, fazendo com que se sentissem diferentes e que lamentassem a perda de certas experiências, como a amamentação (Rees, 2016). Também fez com que pensassem de forma diferente sobre futuras gravidezes, pois ficaram inférteis ou tiveram que induzir a menopausa devido aos tratamentos, reduzindo a possibilidade de futuras gestações e de viverem o curso de vida que tinham planeado antecipadamente (Rees, 2016), tal como se verificou: “sempre pensámos em ter mais filhos (…) Mas agora por causa deste segundo tumor, já não dá mesmo” (E7); “e então tive que começar a fazer uma injeção mensal, que ainda estou a tomar para fazer a inibição. Por isso estou em menopausa induzida” (E3). Mais de 57% das mulheres verbalizaram a preocupação de não poderem amamentar: “o não poder amamentar foi então uma coisa tremenda mesmo” (E4); “percebi que ok não vou poder amamentar e, chorei muito, chorei muito…” (E6). Devido aos poucos dados existentes sobre a amamentação após a quimioterapia, a sua realização é desaconselhada durante pelo menos quatro semanas após o fim do tratamento devido à excreção desses agentes no leite materno (Faguy, 2015). Rocha (2020) refere que os profissionais de saúde têm opiniões divergentes sobre a amamentação após o cancro da mama e salienta a necessidade de informação e de uniformização da prestação de cuidados, conduzindo a um aumento das preocupações sentidas por estas mulheres. Uma mulher vivenciou todo o processo de não poder amamentar, chegando mesmo a referir ter sofrido “bullying mamário” (E4). Contudo, outras mulheres racionalizaram sobre a situação, aceitando apesar da preocupação e tristeza de não poderem amamentar, tal como aconteceu no estudo de Ives et al. (2011): “não estar só exclusivamente dependente da mãe é uma ajuda (…) Para mim era impossível aquela coisa (amamentar) constante, mesmo que não tivesse feito quimioterapia. Fico muito feliz de perceber que se pode amamentar depois (…) mas não é porque não amamentas que perdes o elo com o bebé” (E6). Aparentemente parece ter sido mais fácil para as mulheres que já tinham tido a experiência da amamentação: “eu achava como dei sempre mama aos outros, achei que era uma coisa que me ia fazer muita confusão, mas não fez de todo” (E7). Vários estudos analisaram a experiência do cancro da mama em termos do seu impacto sobre a feminilidade e a identidade de género e, observou-se que o seu tratamento representa uma ameaça à identidade de género da mulher como resultado por exemplo, da alteração da mama/mastectomia (Rees, 2016). A alteração da imagem foi referida por mais de 85% das entrevistadas: “quando me disseram que tinha que fazer mastectomia total bilateral, para mim foi muito agressivo” (E1); “das coisas que me custou mais (…) foi a queda do cabelo” (E5); “parecia um cadáver, branca, com os olhos encavados” (E6); “é muito estranho, mexe connosco” (E8). Outra ocorrência psicossocial enfatizada, tal como mencionado por Ives et al. (2011), foi a preocupação com os encargos financeiros, não só pelos tratamentos, mas também pela interrupção da carreira profissional. Esta preocupação talvez tenha sido mais acentuada pelo facto da instituição que escolheram para ser vigiadas, ser de carácter privado: “qual foi meu pânico? Foi não ter capacidade financeira para suportar os custos” (E5); “eu até já tinha feito um seguro para ir para o privado.” (E1); “felizmente tive condições financeiras para ser operada” (E3). No que concerne às ocorrências emocionais, as mais frisadas foram: o stress/ansiedade/angústia; a raiva/revolta e; a preocupação com o filho. Segundo Rees (2016), as mulheres diagnosticadas com PABC relataram que o diagnóstico estragou o que deveria ter sido uma fase feliz de suas vidas, e que se confirmou em mais de metade das entrevistadas ao referirem que foi uma experiência muito stressante e angustiante: “não foi uma situação nada fácil (…) é um momento duplamente stressante” (E2); “estava muito stressada (…) comecei a ter noção que aquilo realmente era verdade, o que me estava a acontecer, e então foi horrível” (E3), e que no momento da entrevista, pelo passar do tempo, referiram já ser mais fácil relembrarem e falarem da experiência: “hoje em dia também é mais fácil para mim falar desta experiência (…) quanto mais tempo passa mais tranquila fico” (E2). Altos níveis de ansiedade, stress, e angústia permanecem durante toda a sua experiência de PABC e no pós-parto, resultantes do conflito sentido entre a preocupação com a saúde do bebé e com sua própria saúde e bem-estar, de forma a garantir que recebessem o melhor tratamento possível (Ives et al., 2011). Também o sentimento de raiva e revolta notabilizou-se durante os relatos. Muitas vezes não foi manifestado diretamente, mas pela forma como descreviam ou pelo seu tom de voz, acabava por transparecer que esteve bastante implícito nas suas vivências: “senti muita raiva quando me disseram (…) nunca me podiam ter feito isto” (E1); “fiquei com muita raiva” (E3). No que concerne às dificuldades, as mais descritas foram: conflitos de decisão; problemas conjugais e; o papel de mãe. Uma mulher grávida com cancro precisará tomar decisões que podem afetar a morbilidade do seu filho e, até mesmo a sua mortalidade, podendo ser necessário tomar uma decisão para proteger a saúde deste, às custas da sua própria saúde, ou vice-versa. Estas decisões têm-se mostrado stressantes e traumáticas para estas mulheres (Ives et al., 2011). Este conflito surgiu ao referirem desejar “tentar o melhor dos dois mundos, o que não é fácil…” (E1). Estas mulheres tiveram de escolher entre os tratamentos que lhes foram sugeridos, sabendo as consequências (para elas e para os filhos), todas colocaram o filho em primeiro lugar, procurando o melhor tratamento e local de assistência que lhes permitissem seguir com a gravidez (…) aqui não me disseram que tinha de interromper a gravidez” (E7). Isto aponta a tendência natural das mães, para se preocuparem com os seus filhos antes de si mesmas, mencionado por Ives et al. (2011). Quatro mulheres referiram ter sentido problemas no relacionamento conjugal, pela exigência da experiência: “é tudo muito violento para o casal, não tanto durante o processo, mas após” (E3); “estamos numa fase em que já não tenho paciência nenhuma para ele” (E1), e pela discrepância de opiniões sobre a tomada de decisão: “eu disse: essa decisão não te cabe a ti, essa decisão é minha (…) a decisão de prosseguir com a gravidez é minha! (…) porque sou eu que morro” (E6); “o meu marido só estava preocupado comigo e não com o bebé. Ele até chegou a uma determinada altura a dizer que eu estava a pôr a vida do bebé acima da minha e isso nunca aconteceu” (E1). Uma mulher mencionou problemas sexuais resultantes do tratamento, de acordo com o mencionado no estudo de Ives et al. (2011). A ameaça ao papel de mãe, foi uma das dificuldades sentidas por seis entrevistadas. O medo de não conseguir lidar com o filho ou a possibilidade de ficarem muito doentes, são uma ameaça que sentem à função parental, tal como Ives et al. (2011) constatou e foi percetível nas entrevistas: “fisicamente foi muito difícil (…) eu sentia que não conseguia tomar conta do bebé porque estava tão exausta (…) e sentia- me tão mal” (E3); “há momentos mais complicados, quando eu não tenho força para pegar no bebé ou disponibilidade psicológica porque me sinto mais cansada” (E4). Também a perda da fertilidade molda os seus comportamentos, dado que apesar do cansaço extremo, sentem necessidade de cuidar dos filhos por poder ser a última oportunidade para tal, não querendo por isso, falhar neste papel (Rees, 2016). Os autores referem que as mulheres se sentem ameaçadas como boas mães, ao terem que antecipar/programar o parto; recebido o tratamento para o cancro da mama ou por não poderem amamentar (Rees, 2016). Relativamente aos medos e receios, os mais sentidos foram: o medo de morrer, referido por mais de 70% das entrevistadas e; o medo de voltar a passar pelo mesmo: “e agora, vamos lidar com a ideia que não volta mais. Ou que pode voltar. Isso é uma coisa que me atormenta muitas vezes. E eu sabia que isso era o que me ia atormentar mais” (E5). O receio do estigma social, também foi referido por mais de 55%. Apesar de a literatura não o mencionar, foi algo bastante marcante como se pode perceber nestes pequenos excertos: “inicialmente foi para mim difícil aceitar, socialmente, a mim como grávida a fazer quimioterapia” (E2); “preocupava-me que na rua descobrissem que eu tinha cancro” (E5); “em qualquer lado, aqui ou assim, claro que é estranho e tudo olha (…) porque é muito estranho ver uma grávida careca, ou de lenço” (E7). Isto só vem confirmar que é fundamental, pesquisas que enfoquem estas questões emocionais e sociais enfrentadas por estas mulheres. Relativamente às perceções sobre os cuidados de saúde, Case (2016) defende que o PABC apresenta um cenário único e muitas vezes desafiador, pois a situação exige uma consideração cuidadosa dos melhores interesses da mãe e do feto. O atendimento deve envolver uma equipa multidisciplinar e, as decisões de tratamento devem ser individualizadas e considerar a extensão da doença, minimizar os danos ao feto, o impacto da gravidez e o planeamento da fertilidade. Todas as mulheres referiram que durante todo o processo houve uma articulação entre equipas (oncológica e obstétrica), o que as fez sentirem-se seguras e com confiança nos cuidados prestados na instituição onde optaram por ser vigiadas. Porém, seis destas mulheres referem ter tido uma má experiência noutras instituições, por não lhes transmitirem confiança, não se terem sentido apoiadas, nem envolvidas no processo: “não gostei nada. Não senti, foi uma coisa muito impessoal e há coisas que nos marcam” (E7); “então disse que não queria ser lá tratada. Não queria! Não me senti protegida, não me senti! Eu acho que nós, como pacientes, importamos. O paciente faz parte da equipa, o paciente é uma parte muito importante, faz parte da decisão, faz parte do tratamento e do seu sucesso na doença” (E6). Referiram que as ajudou serem vigiadas por uma instituição de referência, já com experiência nestes casos, deixando-as mais tranquilas e acreditando que fizeram uma boa opção: “fiz bem em ter sido seguida noutro hospital” (E3). Estas afirmações vêm reforçar os autores Ives et al. (2011), quando defendem que é imperativo que estas mulheres sejam bem apoiadas nas suas escolhas pelos profissionais de saúde que as ajudarão e às suas famílias a se ajustarem a essa situação difícil. No que concerne à Rede de Suporte consideramos que o suporte social é um conjunto de mecanismos através dos quais as relações pessoais são capazes de proteger o indivíduo (Peixoto & Peixoto, 2016). A sua existência torna os indivíduos mais fortes e em melhores condições para enfrentarem as vicissitudes da vida (Peixoto & Peixoto, 2016). As entrevistadas referiram que a sua rede de suporte foi indispensável durante todo o processo. Todas referiram o companheiro como elemento fulcral de apoio, 6 mencionaram o apoio da família e 3 o suporte dos seus amigos. Independentemente da sua proveniência, o carinho, o apoio emocional, o suporte e os cuidados recebidos, trouxeram resultados positivos para estas mulheres durante o processo de vivência da gravidez associada ao cancro da mama, fazendo com que se sentissem protegidas e apoiadas: “ele está lá, não é a figura principal, mas ele está lá. E esteve sempre lá! Foi muito importante” (E6); “o apoio da família é essencial (…) foi um apoio incondicional!” (E5). Relativamente às Estratégias de Superação, apesar de cada mulher vivenciar a gravidez e o cancro da mama de forma única, particular e de acordo com as suas crenças e valores (Ives et al., 2011), destas entrevistas, três indicadores foram indubitáveis das estratégias que estas utilizaram para reduzir as ameaças à sua integridade individual e conservar o equilíbrio emocional: Busca de forças ao filho; Aceitação/Positividade e; Conhecer/Partilhar experiências. Todas as entrevistadas referiram ter ganho forças no filho (já nascido ou ao feto da gravidez): “para ir buscar forças, o meu segredo foi este. Porque realmente temos que viver para nós, mas tem de haver objetivos. E o meu objetivo é ver o meu filho crescer” (E1); “agarrarmo-nos com toda a força ao nosso bebé, e pensarmos que queremos vê-lo crescer, que queremos estar bem”; (E4) e “eu foquei-me na minha gravidez e no facto de estar felicíssima e isso fez com que eu não me arrastasse para o cancro da mama” (E6). Todas referiram que aceitar a situação por que estavam a passar com positividade e foco nas coisas boas que tinham nas suas vidas e no que era realmente importante para cada uma, foi essencial para superarem todo o processo: “aceitei! Se assim foi, foi porque Deus assim quis. Alguma coisa vou ter que aprender disto” (E1); “toda essa positividade, também me ajudou imenso a superar bem o processo e a ter outro foco. A não me deixar levar muito pela doença” (E2). Seis mulheres referiram que partilha da sua experiência com outras mulheres em situações semelhantes, ajudou a mudar as suas histórias tal como constatou Rees (2016) no seu estudo.
4.Considerações Finais
Considerando que as mulheres têm vindo a protelar o projeto de maternidade e a aumentar a idade para engravidar, apuramos a tendência para o aumento de casos de cancro da mama na gravidez. A realização de um estudo de abordagem qualitativa permite a compreensão do fenómeno em estudo e atuar como agente de mudança com contributos para a melhoria da qualidade dos cuidados prestados, com especial atenção ao momento do diagnóstico; vigilância na gravidez; rede de suporte e estratégias de superação. Este é um estudo preliminar, que apresenta algumas limitações. Consideramos os resultados do estudo, como uma ferramenta relevante com implicações no cuidar das grávidas com cancro, e na formação e capacitação dos profissionais de saúde. Não obstante, parece imprescindível que esta investigação seja alargada a outras instituições. Mais participantes integrados noutros ambientes de cuidados, resultariam em achados que poderiam trazer contributos relevantes. Consideramos que este estudo apresenta desafios para a prática clínica, para a formação e para a investigação. O recurso à abordagem qualitativa e ao software WebQda®, foram fundamentais na compreensão da temática, bem como este trabalho contribui para o incremento e desenvolvimento da investigação qualitativa.