1.Introdução
A incapacidade associada à hospitalização se desenvolve entre o período de acometimento pela doença aguda e a alta hospitalar, atinge áreas específicas como deambulação, autonomia e independência que culminam no déficit de mobilidade global (Soudert et al., 2015; Carvalho et al., 2018). Nesse sentido, a independência e a autonomia são aspectos primordiais da qualidade de vida e estão ligados à eventos relacionados ao movimento e à mobilidade. Durante a hospitalização de pessoas idosas, o declínio funcional é um evento frequente e que necessita prevenção (Tavares et al., 2021; Carvalho et al., 2018). Estudo mostrou que ao menos 34% destas pessoas perdem a sua independência, como consequência não intencional da permanência hospitalar (Lim et al., 2020; Valenzuela et al., 2018). Autores apontam um risco de 30% a 60% de a pessoa idosa desenvolver nova dependência para as atividades de vida diária durante a internação hospitalar, e em todos esses aspectos a falta ou diminuição da mobilidade contribui para isso (Surkan et al., 2018; Hoogerduijn et al., 2006). Entre os motivos para a baixa mobilidade de pessoas idosas hospitalizadas, destacam-se: a prescrição de repouso no leito, a polifarmácia, o uso de drogas psicotrópicas e de dispositivos, a má nutrição, o medo de quedas, a incapacidade da pessoa idosa, algias, além de aspectos relacionados a própria infraestrutura hospitalar, recursos humanos e materiais inadequados (Dermody et al., 2018; Resnick & Boltz., 2019; Tavares et al., 2021; Kirk et al., 2019). Esse problema é altamente prevalente em pessoas idosas hospitalizadas e pode ser consequência do insuficiente estímulo ao movimento, descrito como uma das principais barreiras a ser enfrentada nos hospitais (Valenzuela et al., 2018; Resnick & Boltz., 2019; Lim et al., 2020; Dermody et al., 2018). Durante a hospitalização, a equipe a enfermagem tem um papel determinador na manutenção ou reparação das funcionalidades através da mobilidade ou estímulo a esta, contudo, protocolos de prevenção de riscos como os acidentes e quedas impõem atenção e, até mesmo, limitação para que essa ação seja realizada, visando evitar outros danos e agravos à saúde do paciente. Assim, embora a equipe compreenda a mobilização como uma prática crucial na prevenção ou recuperação da incapacidade associada à hospitalização (Tavares et al., 2021; Kirk et al., 2019), pode ter limitações institucionais para sua realização. No processo de enfermagem, a mobilidade da pessoa idosa hospitalizada pode ser trabalhada através de tarefas rotineiras, para além da deambulação ou mudança de decúbito. Assim, o estímulo ao autocuidado no momento da medicação, da higiene, da alimentação, na mobilização do leito para a cadeira, no uso de dispositivos urinários entre outras atividades de cuidado, são exemplos de oportunidades que podem ser utilizadas para motivar a mobilidade e o exercício da autonomia. Estudo que objetivou determinar a viabilidade e aceitabilidade de uma intervenção de mobilidade conduzida por voluntários para melhorar os níveis de atividade em pessoas idosas hospitalizadas, encontrou como barreira a falta de conscientização da equipe sobre esse cuidado. Apontou, ainda, lacunas no conhecimento e falta de atitude dos enfermeiros como influentes para a falha no estímulo a mobilidade de pessoas idosas no hospital (Lim et al., 2020; Valenzuela et al., 2018). Logo, autores (Valenzuela et al., 2018; Constantin et al., 2018; Lim et al., 2020; Santos et al., 2021) sugerem que se examine a percepção da equipe de enfermagem sobre o seu papel na mobilidade de pessoas idosas hospitalizadas, para compreender como a cultura desta equipe interfere na sua atuação em relação a esse cuidado, em diferentes contextos sociais. A pesquisa qualitativa que se segue, contribui na investigação realizada ao elucidar a percepção de aspectos reais, do cotidiano, que não vem pronto e é moldado a partir de percpeções que perpassa o universo pessoal e socialmente determinado. Nesse sentido este trabalho teve como objetivo apreender a estrutura da representação social da equipe de enfermagem acerca da mobilidade de pessoas idosas hospitalizadas.
2.Método
Estudo descritivo fundamentado na Teoria das Representações Sociais. Realizado com a equipe de enfermagem de onze enfermarias clínicas de um hospital público universitário na cidade de Salvador, Bahia, Brasil. A coleta de dados ocorreu em duas etapas, no período entre novembro e dezembro de 2020. O grupo social investigado foi selecionado diante dos seguintes critérios: atuantes no cuidado direto à pessoa idosa hospitalizada, em atividades assistenciais e administrativas, por pelo menos três meses e excluídas aqueles afastados do trabalho por qualquer motivo no período da coleta. Ainda em relação à coleta de dados, após consentimento, foi aplicado questionário de identificação com dados sociodemográfico visando caracterizar o grupo quanto: idade, gênero, categoria profissional, tempo de profissão e de assistência direta à pessoa idosa hospitalizada além da capacitação, e ainda, a aplicação de uma técnica projetiva através do Teste de Associação Livre de Palavras (TALP) (Sá, 2002). Na segunda etapa da coleta foi realizada entrevistas individuais com enfermeiros e técnicos de enfermagem, em local reservado, guiada por um roteiro previamente elaborado, com cinco questões norteadoras direcionadas ao objeto de investigação. Os critérios de seleção dos participantes foram os mesmos nas duas etapas. A aplicação do TALP se deu coletivamente, em grupos de até sete pessoas, respeitando o distanciamento social, com utilização de máscaras N95 e álcool em gel, devido a pandemia da COVID-19. Antes da apresentação do estímulo indutor foram dados esclarecimentos sobre sua aplicação, evitando perda de dados. Foi solicitado que escrevessem até cinco palavras que viessem à mente, por ordem de importância, após ouvir o estímulo indutor: Mobilidade da pessoa idosa hospitalizada. A seguir, foi solicitado que justificassem em texto corrido, a escolha da palavra considerada mais importante. Sua aplicação ocorreu em momentos distintos, no posto de enfermagem e em diferentes turnos. As entrevistas foram individuais, em uma sala privativa do hospital. Os pontos investigados na entrevista foram: a representatividade que a equipe atribui à mobilidade de pessoas idosas dentro do hospital; a rotina diária desses profissionais e o direcionamento de cuidados relacionados a mobilidade; e as facilidades, dificuldades e eventos adversos enfrentados pela equipe, com relação a esse cuidado, em sua rotina de trabalho. Para análise dos dados obtidos pelo TALP foi utilizado o software Ensemble de programmes permettant l’analyse des évocations (EVOC) 2005, que permitiu a formação do quadro de quatro casas, com identificação de termos do Núcleo Central (NC) e Núcleo Periférico (NP). O uso do EVOC permite ordenar os termos evocados a partir de uma combinação da Frequência de Evocações (F) e Ordem Média de Evocações (OME). Possibilita ainda organizar as cognições através de quadrantes, onde as mais frequentes e prontamente ditas formam o NC, e as demais são distribuídas no núcleo periférico (Sá, 2002). Após transcrição das entrevistas gravadas, juntamente com as justificativas em texto corrido extraídas do TALP, aqueles que tinham relação com o objeto de estudo foram destacados e agrupados por temas similares. A partir daí, formou-se um glossário com 24 palavras centrais relativas aos temas, que possibilitou a análise através da organização de categorias temáticas (Bardin, 2016) com a união de termos a partir da similaridade de sentidos. Para discussão, utilizou-se de literatura pertinente, que dialogou com o resultado do TALP, organizado no quadro de quatro casas e as categorias temáticas construídas. As justificativas provenientes do TALP e da entrevista guiada pelo roteiro foram enumeradas por ordem cronológica e identificadas com as letras “PT” sugerindo a fala dos profissionais técnicos de enfermagem e “PE” os profissionais enfermeiros. Este estudo faz parte de um projeto matriz intitulado: “Cuidado à pessoa idosa durante a hospitalização e transição hospital-domicílio”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia sob parecer: 4404983.
3.Resultados
Participaram do TALP 100 profissionais de enfermagem, 76 do sexo feminino e 24 do sexo masculino, sendo 60 técnicos de enfermagem e 40 enfermeiros. Destes, participaram da entrevista 16 enfermeiros e 11 técnicos de enfermagem, totalizando 27 profissionais. A idade dos participantes variou entre 24 e 59 anos, e o tempo de atuação nas unidades entre menos de um ano a mais de 10 anos. Dentre os enfermeiros, 31 realizaram algum tipo de especialização (MBA, latu senso e strictu senso). Entre os técnicos de enfermagem que tinham nível superior, 34 eram especialistas em alguma área da saúde, nenhuma relacionada à gerontologia. Foi construído um glossário com 24 termos identificados nos discursos dos participantes após transcrição. Estes foram unidos por similaridade, originando três categorias temáticas: Cuidados de mobilidade envolvendo os riscos, Cuidados de mobilidade, voltados para manter a independência/autonomia e Cuidado para lidar com as barreiras à mobilidade. Os dados produzidos pelo TALP e processados pelo software EVOC, foram organizados através do quadro de quatro casas (Quadro 1).
Fonte: Elaborado pelo software Evoc (2005)
O quadro revelou a dimensão da problemática em torno da mobilidade da pessoa idosa hospitalizada para o grupo social investigado, que envolve o contexto e o ambiente. Os termos que compõem o quadro de quatro casas a exemplo da “Queda”, “Atenção”, “Segurança”, “Lesão” e “Risco”, se conectam com a primeira categoria temática: Cuidados de mobilidade envolvendo os riscos. A segunda categoria denominada: Cuidados de mobilidade para manter a autonomia/independência, esteve representada pelas evocações: “Cuidado”, “Acamado”, “Dependência”, “Deambular”, “Banho”, “Movimento”, “Fisioterapia”, “Estímulo” e “Ajuda”. Inferindo uma narrativa de que o cuidado para manter a autonomia/independência inclui outras pessoas como os profissionais da fisioterapia e a família.
Nós orientamos a família e o próprio paciente porque eles costumam ficar mais prostrados quando estão no hospital e precisam ser estimulados a levantar. Muitos deles têm essa capacidade, mas se acomodam. PE-14
O idoso precisa ter sua autonomia preservada, sendo protagonista do cuidado e não ficar se sentindo um objeto cuidado”. PT-08
A terceira categoria denominada Cuidado para lidar com as barreiras à mobilidade, formou-se através dos termos “Cuidado”, “Atenção”, “Dificuldade”, “Cadeira” e “Acessibilidade”. Traz o sentido de que as barreiras são dificuldades encontradas nesse cuidado e estão relacionadas à acessibilidade como disponibilidade de cadeiras.
A falta de equipamentos é um problema. Não tendo cadeira de banho suficiente, a gente faz o banho no leito. PE-07
Temos problemas com a estrutura física do hospital, os banheiros são pequenos e com desnível. PT-08
Temos poucos profissionais, então é melhor fazer o banho no leito”. PT-07
É difícil focar na mobilidade, com a quantidade de atribuições que temos”. PE-11
No quadro 1, dentre os 500 termos evocados, 240 se repetiram, 53 tiveram frequência maior que 10, sendo “Queda” e “Acamado” os mais frequentes (F=30), aparecendo nove vezes como mais importantes, formando o NC, juntamente com o termo “Cuidado” (F=25). Os termos que se apresentam nesse quadrante estão objetivados em situações cotidianas vivenciadas pelo grupo investigado, sinalizando efeitos que a hospitalização gera na mobilidade de pessoas idosas hospitalizadas, como as “Quedas”, se constituindo um risco constante, muitas vezes impedindo o estímulo ou realização da mobilidade. A frequência dos termos evocados apresentados no quadro 1 variou entre 10 e 30. Os termos com alta frequência e baixa OME foram: “Queda” (F=30; OME=2,367), “Acamado” (F=30; OME=2,500) e “Cuidado” (F=25; OME=2,760). A evocação com maior OME foi “Banho” e, embora esse momento seja uma grande oportunidade para que a pessoa idosa seja estimulada ou movimentada, para as participantes essa evocação foi a menos priorizada por importância dentre as demais do quadro. Apresentar menor OME significa que o grupo estudado prontamente evocou o termo. Logo “Dificuldade” (F=13; OME=1,846), com menor OME, representou a vivência diária desses profissionais com relação a mobilidade. É possível suscitar que a queda esteja na raiz e no sentido da representação desse grupo. A formação do NC traz ideia de que a mobilidade da pessoa idosa hospitalizada é representada pelo risco de “Queda” que implica na condição de “Acamado” e requer “Cuidados”. A situação de “Acamado”, por sua vez, é uma realidade vivenciada no cotidiano hospitalar e demanda maior atenção às ações de “Cuidados” individualizados, baseado em atitudes profissionais e pessoais que implicam diretamente na qualidade da assistência prestada. A primeira periferia ou segundo quadrante, composto pelos termos “Ajuda” (F=20; OME=3,250), “Acessibilidade” (F=19; OME=3,000) e “Atenção” (F=17; OME=3,176), abriga termos que se conectam com o NC. É evidente que o termo “Ajuda” se conecta com o NC e está relacionado à dificuldade que envolve mobilizar a pessoa idosa hospitalizada especialmente quando restrita ao leito. Tal fato implica na ajuda da família/cuidador, de outros profissionais e da própria pessoa idosa, que se tiver condições de exercer sua independência e autonomia, deve participar dos seus cuidados. Nesse sentido, o termo tende a se conectar com outras palavras do quadro incluindo “Dificuldade” que é cuidar da mobilidade de uma pessoa idosa acamada e da necessidade de “Ajuda” para realizar essa tarefa constantemente, de maneira atenta, segura e eficaz, evitando riscos. A “Acessibilidade” também se comunica com o NC ao envolver o “Cuidado” na atenção à prevenção de riscos de “Queda”, evidenciando a necessidade de estrutura adequada a esse cuidado. O termo “Atenção”, parece fazer referência não só à atenção profissional, mas, também, quando relacionado aos cuidados voltados à prevenção de riscos.
Devemos estar atentos ao mobilizar os idosos, por serem indivíduos mais susceptíveis a danos (quedas, fraturas) PT-58
A segunda periferia ou quadrante inferior direito está representada com as evocações dos termos: “Lesão” (F=16; OME=2,938), “Cadeira” (F=13; OME=3,007), “Dependência” (F=12; OME=2,833), “Risco” (F=11; OME=2,909), “Estímulo” (F= 10; OME=3,100) e “Banho” (F=10; OME=3,500) que explicam, sustentam e protegem o NC. Em uma das falas, foi pontuado:
Eu acho importante a mobilidade do paciente no leito para evitar lesões de pele. Mudança de decúbito também, principalmente quando acamado. PE-4
O cuidado voltado para prevenção de lesões e outros riscos são dependentes também de fatores condicionais como se a pessoa idosa é ou está acamada. Pode-se inferir que para esse grupo, o termo “Queda” se mostrou mais saliente do que “Lesão” e que a figura da “Lesão” pode estar representada como caráter mais individual do que do grupo. O termo “Dependência” aparece no quadro sinalizando uma representação possivelmente ligado ao termo “cuidado” no NC, alinhando “dependência” à demanda de “cuidados”. Em relação ao termo “Banho”, nos discursos foi apontado como oportunidade de mobilidade, sendo um momento valorizado pela equipe para este estímulo.
O momento de maior cuidado para a mobilidade é no banho, quando a gente consegue estimular o autocuidado. PT-02
A gente tenta levar o idoso para o chuveiro. PE-13
O quarto quadrante ou zona de contraste mostra termos com baixas F e OME. Logo, embora tenham sido lembrados poucas vezes, quando evocados, foram elencados como mais importantes pelas profissionais. São eles: “Deambular” (F=16), “Dificuldade” (F= 13), “Segurança” (F=13), “Movimento” (F=11) e “Fisioterapia” (F=10).
A gente orienta e estimula para que ele levante. Ficamos sempre ao lado para alguma necessidade. PT-05
“Deambular” se apresenta como uma forma de cuidado, com forte influência para o grupo, embora menor do que o termo “Acamado”, este associado a uma representação do grupo acerca da pessoa idosa hospitalizada, com F = 30.
É fundamental estimular o paciente a deambular, e ser independente. PT-90
O idoso totalmente acamado é difícil mobilizar. Não adianta movimentar ele, às vezes, no lugar de benefícios, pode trazer riscos. PT-01
Fizeram parte também da zona de contraste os termos “Movimento” (F=11, OME=2,364) e “Fisioterapia” (F=10, OME=2,600) que juntos, envolvem representações fortes em outras pertenças. O termo “Fisioterapia” revela que o cuidado profissional voltado para a mobilidade da pessoa idosa hospitalizada não é compreendido como algo apenas executado pela equipe de enfermagem.
4.Discussão
Quanto à associação entre a mobilidade da pessoa idosa hospitalizada e o gerenciamento do risco de queda, os termos “Queda”, “Atenção”, “Segurança” e “Risco” tem significados que juntos apontam a “Queda” como um problema sério para as pessoas idosas, estando associada a altas taxas de morbimortalidade, incapacidade funcional e institucionalização precoce segundo autores (Copetti et al., 2020; Hoogerduijn et al., 2006; Sarges et al., 2017; Silva et al., 2015). Um estudo que avaliou os preditores de declínio funcional em pessoas idosas hospitalizadas, identificou risco de queda elevado em 48% dos pacientes acompanhados, onde 58,5% pacientes tinham medo de cair, e quatro pacientes caíram durante o internamento hospitalar (Tavares et al., 2021). Possivelmente, esses dados expliquem o termo “Queda” aparecer no NC como representação acerca da mobilidade de pessoas idosas hospitalizadas para o grupo investigado. Tal representação é compreensível pelo fato da queda ser um indicativo da qualidade do cuidado, e a sua prevenção está citada no Artigo 8o da RDC (Resolução de Diretoria Colegiada) Nº 36, de 25 de julho de 2013 (Brasil, 2013). Juntamente com a “Queda”, as “Lesões” por pressão também são indicadores da qualidade do cuidado, e a sua prevenção também está citada no Artigo 8o da RDC (Brasil, 2013). Assim, estas duas situações rotineiramente têm seu risco gerenciado pela equipe de enfermagem (Cavalcante et al., 2016). Estas situações, juntas ou individualmente, estão na memória do grupo abordado, quando evocado sobre a mobilidade de pessoas idosas hospitalizadas. Nesse sentido a queda pode ser ocasionada pelo estímulo à mobilidade de forma insegura no cenário hospitalar, e a lesão por pressão como uma consequência do déficit de estímulo à mobilidade pela equipe, ou causada por um trauma durante uma queda após mobilização realizada de forma insegura. Estudo que objetivou descrever o envolvimento da equipe de enfermagem no processo de manutenção e promoção da mobilidade de pessoas idosas hospitalizadas, concluiu que esta se concentrava principalmente na prevenção de problemas como quedas, para reduzir os riscos, mantendo a segurança com relação a esse evento, em detrimento de intervirem na reabilitação para melhorar os níveis de mobilidade e autonomia (Kneafsay et al., 2013). Assim, é possível inferir que a atuação das profissionais de enfermagem no cotidiano hospitalar, envolve o gerenciamento de riscos com avaliações direcionadas à mitigação de eventos adversos, sem pensar na reabilitação dessas pessoas para a alta com mais autonomia. Baseado nisso, estudo identificou que o diagnóstico risco de queda foi prevalente nas avaliações dos enfermeiros nos prontuários analisados (Dermody-King et al., 2014). Diante dos dados, suscita-se que a mobilidade da pessoa idosa no contexto hospitalar pode ser negligenciada por influência do medo da ocorrência de quedas durante as ações de cuidado. Esse tema emergiu em um estudo que buscou explorar as percepções dos pacientes e seus cuidadores, bem como dos enfermeiros sobre a promoção da mobilidade. Apontou que o medo da queda e da provável sobrecarga de trabalho dos enfermeiros se acaso ocorresse, desestimulou as pessoas idosas a manterem suas atividades de mobilidade como a caminhada (Lim et al., 2020; Valenzuela et al., 2018). O resultado das entrevistas corrobora em sentido próprio àquilo que foi encontrado no quadro de quatro casas, principalmente no que se refere aos termos que assumiram posições fortemente ancoradas na memória social das profissionais como “Queda” e “Lesão” no sentido de risco para a atenção à segurança do paciente. O “Cuidado” destacado representa a práxis da enfermagem. Estudo que objetivou analisar as representações da enfermagem sob a ótica de outros profissionais de saúde como fisioterapeutas e médicos, encontraram o termo “Cuidado” também pertencente ao NC (Santos et al., 2016). Nesse estudo, o “Cuidado” faz interface com a identidade do grupo. O léxico “Cuidado” dá sentido à Representação Social, principalmente por se apresentar como ação desses profissionais e está relacionado com outras palavras do quadro devido a sua capacidade de abranger diferentes sentidos e significados em diversos níveis. O outro termo encontrado no NC, diz respeito à condição/situação da pessoa idosa hospitalizada segundo a representação do grupo. Assim, a condição de “Acamado” remete a “Cuidados” constantes e, durante a hospitalização, são de responsabilidade da equipe, podendo, em algumas situações, se estender também aos acompanhantes/familiares. O termo “Acamado” pode fazer relação ao termo “Cuidado”, quando pensado na ótica da dificuldade que é mobilizar uma pessoa idosa com dependência funcional. Esses termos, junto a “Quedas”, apareceram como representação do grupo. Logo, observa-se uma representação fortemente ligada a dependência, imobilidade e risco. Não obstante, é provável que associem a mobilidade de pessoas idosas hospitalizadas com o ato de caminhar ou estar acamado, e tal associação parece ser comum pois, deambular, no universo consensual, parece ter sentido de “estar fora da cama”, remetendo, muitas vezes, ao status condicional prévio de saúde. O contrário também é verdade, onde se observa a figura do acamado para determinar a condição de doença. Contudo, a associação da pessoa idosa hospitalizada com o termo “Acamado” é perigosa, visto que pode tornar-se “normalizada” dificultando o estímulo da autonomia e independência (Carvalho et al., 2018; Tavares et al., 2021). O termo “Dificuldade” apresentou a menor OME do quadro, tendo sido prontamente evocado. Isso mostra a capacidade das palavras em atribuir sentido às coisas e, nesse caso, é difícil mensurar a dimensão da dificuldade em mobilizar pessoas idosas hospitalizadas, quando recursos humanos, materiais e infraestrutura podem influenciar na segurança desse cuidado (Goes et al,. 2021; Kneafsay et al., 2013). Assim, não foi descontextualizada que essa cognição veio prontamente do inconsciente desse grupo. Estimular a pessoa idosa é imprescindível para a manutenção da autonomia, diminuindo o risco de dependência funcional iatrogênica (SOUDERT et al., 2015). Nesse sentido, a evocação “Estímulo” foi apresentada no quadro de quatro casas pelas profissionais. O termo “Segurança” também foi identificado no quadro pertencendo à zona de contraste, se comunicando com o NC, principalmente através da evocação “Queda”. Sobre isso, estudo que objetivou explorar a relação entre atribuições dos enfermeiros, responsabilidade por deambular com pacientes idosos hospitalizados e suas decisões sobre se devem ou não deambular, mostrou que 40% dos enfermeiros participantes não se sentiam responsáveis por esse cuidado, compreendendo como um cuidado da “Fisioterapia”, outra evocação das participantes. (KING et al., 2013). A educação para o estímulo, durante o contato físico, é fundamental para ajudar na manutenção/recuperação da mobilidade e, nesse sentido, é necessário dar mais visibilidade para essa ação e atenção às barreiras que dificultam a sua realização. Ademais, a capacitação em serviço é primordial para sensibilizar os profissionais dos benefícios da mobilidade para esses pacientes, alertando de que esta vai além da deambulação e da mudança de decúbito. Do ponto de vista da fundamentação teórica, ainda não se pode afirmar a RS, uma vez que a teoria requer multitécnicas e testes de centralidade e de similitude das cognições para dar concretude a esta representação. Os dados, embora limitados a um grupo em um serviço de saúde, revelam a complexidade da mobilidade de pessoas idosas hospitalizadas, vinculada a fatores de ordem individual, institucional, social e profissional. Contudo, os resultados apresentam a estrutura da representação, mostrando domínios cognitivos, atitudinais e funcionais.
5.Considerações Finais
O estudo possibilitou compreender os processos que envolvem a mobilidade, a partir de evocações importantes trazidas diretamente pelo grupo, favorecendo intervenções. Contribuiu ainda para a metologia qualitativa ao elucidar a percepção de aspectos reais, do cotidiano, elaborado a partir de percepções que perpassa o universo pessoal e socialmente determinado. Os dados analisados revelam que para o grupo investigado a estrutura das RS sobre a mobilidade da pessoa idosa hospitalizada está fortemente ancorada no risco de queda para pessoas idosas e, consequentemente, na ação de deambulação como atividade que requer muito cuidado, conhecimento, suporte estrutural e superação individual, para ser adotada. Abordar esse tema com o grupo suscitou reflexões para melhorar os estímulos à autonomia da pessoa idosa no cotidiano do cuidado. A mobilidade é uma ação de liberdade do ser humano e sua interrupção traz consequências diretas para as pessoas envolvidas. Os resultados demonstram que a cultura da mobilidade depende da apropriação deste cuidado pela equipe de enfermagem, bem como investimentos e apoio institucional para garantir a funcionalidade global das pessoas idosas hospitalizadas. É importante que pesquisas sejam desenvolvidas em outros cenários, identificando fatores internos e externos que contribuem ou dificultam a execução desse cuidado.