1.Introdução
Os benefícios da aplicação do brinquedo terapêutico (BT) em pediatria são amplamente divulgados na literatura. As evidencias sustentam seu uso no cuidado da criança hospitalizada com impacto positivo na diminuição da ansiedade e do medo, não apenas dela, mas de seus familiares, o que contribui para o desenvolvimento de uma assistência de enfermagem mais humanizada, incluindo uma comunicação efetiva, lúdica e imprescindível no processo do cuidar (Sousa et al., 2021). Caracterizado como um tipo de brinquedo estruturado, o BT possibilita à criança aliviar a ansiedade experimentada em situações atípicas para sua idade, que costumam ser ameaçadoras e requerem mais do que recreação para resolvê-la, devendo ser usado sempre que ela tiver dificuldade em compreender ou lidar com a experiência (Steele, 1981). Tendo em vista que brincar no hospital é um direito da criança concebido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e diante de todos os benefícios reconhecidos da pratica do BT, torna-se primordial que essa tecnologia de cuidado humanizadora seja incorporada pelos profissionais em sua assistência (World Health Organization [WHO], 2018). Apesar das diversas recomendações, o BT e o brincar ainda são pouco utilizados na prática clinica pela equipe de enfermagem e interdisciplinar. Os principais fatores dificultadores incluem: falta de tempo, sobrecarga de atividades e o contexto de trabalho, que muitas vezes, não valoriza a iniciativa e nem propicia condições para realiza-la (Chiavon et al., 2021; Claus et al., 2021). As instituições têm papel importante no processo de transformação do cuidado, dando o apoio necessário para tornar essa prática uma realidade, subsidiando os recursos materiais e humanos, para a inclusão do brincar no cotidiano das unidades de atendimento à criança/adolescente (Claus et al., 2021). Considerando a situação de implementação do BT em uma unidade pediátrica hospitalar surgiram alguns questionamentos que nortearam a realização deste estudo: Qual a percepção dos profissionais envolvidos sobre o processo de implementação do BT vivenciado por eles? Quais os fatores facilitadores e as barreiras identificadas por ele em relação ao seu uso na prática? Uma das iniciativas adotadas no processo de implementação do BT foi o treinamento dos profissionais que atuam na referida unidade e a formação de um grupo de referência para o uso do BT, com o intuito de instrumentalizar a equipe de modo a se sentirem preparados para a incorporação deste instrumento em seu cuidado. Conhecer como esta experiência de implementação foi percebida por este profissional pode contribuir significativamente para o delineamento de melhorias futuras na continuidade deste processo. Este artigo resulta do recorte de uma pesquisa que apresenta um modelo de implementação sistemática da prática de brinquedo terapêutico em unidades hospitalares pediátricas (Miranda, 2022). Assim, o estudo propõe-se a: compreender como os profissionais integrantes de um grupo de referência (BrinquEinstein) avaliam o processo de implementação sistemática do BT em unidades pediátricas hospitalares; e delinear os fatores facilitadores e que atuam como barreiras neste processo segundo a perspectiva dos profissionais.
2.Método
Trata-se de um estudo exploratório, de abordagem qualitativa. Os dados apresentados são oriundos de uma pesquisa matricial de mestrado que teve como objetivo desenvolver um modelo de implementação sistemática do Brinquedo Terapêutico em unidades pediátricas hospitalares. O estudo foi realizado na unidade de pediatria, com 20 leitos, e na UTI pediátrica, com 18 leitos, de um hospital geral de extraporte, da cidade de São Paulo. A amostra constituiu-se por profissionais que atuam nestas unidades e são integrantes do grupo de referência em BT, denominado “BrinquEinstein”, e concordaram em participar da pesquisa. A implementação sistemática do BT na instituição iniciou-se nestas duas unidades e seguiu as etapas da ferramenta PDCA, que envolve as seguintes etapas: Plan, Do, Check e Action (Langley et al., 2011). Na etapa “Do”, ocorreu o treinamento dos colaboradores para a utilização do BT na prática clínica, incluindo enfermeiros e técnicos de enfermagem, além de oito profissionais da equipe interdisciplinar (psicólogos, brinquedistas, fisioterapeutas e uma psicopedagogia), num total de 44 participantes. Posteriormente, os profissionais que realizaram o treinamento e manifestaram maior interesse em utilizar o BT na prática foram convidados a integrar o grupo de referência do qual ingressaram 28 profissionais. Neste grupo de referência, todos os integrantes têm a função de estimular e promover o brincar livre e terapêutico com as crianças. Os profissionais de enfermagem comprometem-se a aplicar o BT de forma sistemática no cuidado de enfermagem e auxiliam na criação de jogos e brinquedos que atendam às necessidades de cada criança, seja no preparo para a realização de procedimentos e/ou alívio da tensão e/ou na sua capacitação fisiológica frente ao seu problema de saúde. As brinquedistas, por sua vez, promovem o brincar livre, seja na brinquedoteca ou por meio de empréstimos de brinquedo a crianças que não podem frequentá-la. Ainda auxiliam os demais profissionais no planejamento das melhores intervenções lúdicas juntamente com a psicopedagoga. As psicólogas, além de participarem das discussões de casos das crianças internadas com a equipe, também colaboram na escolha da abordagem lúdica mais adequada. E ainda são acionadas sempre que há a necessidade de acompanhamento psicológico para crianças que, porventura, estejam com dificuldades de adaptação à hospitalização. Já as fisioterapeutas atuam em parceria com a equipe de enfermagem, especialmente no caso de crianças que manifestam resistência diante do atendimento fisioterápico motor ou respiratório, demonstrando medo e ansiedade. Em conjunto, analisam a situação e decidem a melhor abordagem lúdica incluindo o BT, antes e após os atendimentos. Para dar voz aos profissionais sobre a experiência em integrar o grupo de referência BrinquEinstein, empregou-se a entrevista semiestruturada, realizada individualmente, na própria instituição, em local e horário mais conveniente aos participantes, geralmente após o encerramento do turno de trabalho e tiveram uma duração média de 40 minutos. As entrevistas, realizadas entre o segundo semestre de 2020 e o primeiro semestre de 2021, foram conduzidas por uma das pesquisadoras, previamente capacitada para a sua realização, a partir das seguintes perguntas norteadora: Como tem sido para você vivenciar o processo de implementação de BT nas unidades pediátricas? Como percebe a sua atuação como membro do grupo de trabalho BrinquEinstein? As entrevistas foram audiogravada com autorização prévia e, posteriormente, transcrita na íntegra, para serem analisadas segundo os preceitos da Análise Temática Indutiva de Braun & Clark. Por mais que não existam regras fixas para a condução da análise qualitativa, suas orientações amplas seguem seis fases que são flexíveis (Souza, 2019). Na primeira fase, ocorreu a familiarização com os dados, a partir da transcrição e revisão dos dados, da leitura e releitura do banco de dados e dos registros das ideias iniciais durante o processo de análise. Na segunda fase, foram gerados os códigos iniciais, com o objetivo de codificar, de modo sistemático, os aspectos de destaque dos discursos, reunindo extratos relevantes a cada código (Souza, 2019). Na terceira fase, procedeu-se a busca temática, quando foram reunidos os códigos em temas potenciais e todos os dados pertinentes a cada tema em potencial. Em sua quarta fase, realizou-se a revisão dos temas, que consiste na verificação destes temas em sua funcionalidade aos extratos e ao banco de dados (Souza, 2019). Na quinta fase, ocorreu a definição e nomeação dos temas, refinando-se os detalhes de cada tema e a história contada pela análise. Na sexta etapa, deu-se a produção do relatório com os exemplos vivenciados pelos participantes, sendo esta a última análise dos extratos escolhidos e sua relação com a pergunta de pesquisa (Souza, 2019). A análise dos dados ocorreu concomitantemente à sua coleta, norteando as etapas subsequentes, com esclarecimento e aprofundamento de pontos importantes relacionados ao tema. Procedeu-se a leitura criteriosa das entrevistas transcritas para identificar as ideias iniciais, buscando significados e padrões familiares no texto. Códigos foram criados para identificá-los, sendo agrupados em temas potenciais, revisados e refinados em busca de coerência ao longo do conjunto de dados. Todos os temas e codificações foram discutidos e confirmados pela equipe de pesquisa. A elaboração deste estudo seguiu as recomendações para elaboração de pesquisas qualitativas do COREQ - Critérios Consolidados para Relatar uma Pesquisa Qualitativa (Souza et al., 2021). Em cumprimento a Resolução 466/12, o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição proponente, sob o número 4.376.155 (CAAE: 38581120.6.0000.0071).
3.Resultados
Participaram do estudo 13 integrantes do grupo de referência BrinquEinstein, sendo que quase todos eram do sexo feminino (92,3%), com destaque para os enfermeiros (61,5%). Quanto ao tempo de atuação dos profissionais em pediatria variou de 2 a 24 anos, sendo que a maioria deles já atuava há mais de 10 anos nessa área (69%), recebeu informações sobre o BT durante a graduação (61%) e teve oportunidade de utilizá-lo durante as atividades práticas do curso (23%). Da análise, emergiram dois temas que representam a perspectiva de integrantes do BrinquEinstein sobre o processo de implementação do BT: a) Vivenciando um processo transformador e; b) Estabelecendo perspectivas futuras. Estes temas serão descritos a seguir, juntamente com trechos de discursos dos participantes identificados no texto com a letra A, acompanhada de um algarismo arábico que representa o número da entrevista, de acordo com a ordem de realização (A1, A2, A3...).
Vivenciando um processo transformador:
Este tema retrata o quanto participar do processo de implantação do BT foi algo transformador para a pessoa do profissional. Alguns profissionais passaram a se perceber como uma pessoa melhor, tornando- se mais empáticos e envolvidos com as questões emocionais que permeiam a assistência, em especial, exercitar o lado humano do cuidado, conseguir um sorriso das crianças e deixa-las mais tranquilas. E por isso, sentem-se gratificados:
Acho que eu me vi, me enxerguei como uma profissional melhor. Acho que eu consegui ver com outros olhos, não só a arte de cuidar, de fazer o meu melhor para aquela criança e o fato de conseguir tirar um sorriso de uma criança brincando. Eu conseguir sair de lá (da unidade), deixando uma criança bem mais tranquila... conseguir tirar um sorriso [...] respirando mais tranquila. Isso me fez uma profissional muito melhor (A1)
Eu acho que, quando entrei para o (grupo do) brinquedo, eu passei a exercitar novamente esse olhar humano que a gente sempre fala. De fato, ele (o BT) foi incorporado na minha assistência. Hoje fica muito mais fácil e você se preocupa com outras questões que não só as técnicas. (A8)
Uma das participantes relatou que começou a se sentir mais empática, ao ampliar seu olhar para as questões emocionais, enquanto outra, passou a se sentir amiga das crianças depois que começaram a implementar o BT:
eu me sinto muito mais... como eu posso dizer? Empática, sabe? não só resolvo as questões fisiológicas, mas acho que questões emocionais, psicológicas (A12).
as crianças viram amigas mesmo... A gente fala que a gente vira amiga da criança depois que a gente implementa o brinquedo terapêutico (A1).
Os profissionais entrevistados passaram a considerar o cuidado integral e ao mesmo tempo ressignificar o brincar como algo necessário e de grande valor para a construção de vínculo com a criança e família:
Acho que a gente começa a olhar para além disso (do cuidado técnico) ... para a relação ali, de toda a equipe com a criança e com a família e vice-versa e o quanto é importante ter esse recurso (BT) para construção de vínculo (A3)
Na opinião de um dos participantes, os enfermeiros de UTI são céticos, focados na parte clínica e ela, como enfermeira de UTI, ao viver a experiência de aplicação do BT encantou-se com a possibilidade, começou a usar e incentivar o uso do BT na assistência:
Houve a transformação, porque eu vou falar a verdade: enfermeiro de UTI é meio cético. É focado no clínico, no procedimento... E eu acho que houve (transformação) e eu fui igual São Tomé, precisei ver para crer. Foi maravilhoso. E a partir de então, eu comecei a aplicar bastante (o BT), comecei a aplicar, incentivar... (A11).
Outro aspecto transformador considerado pelos profissionais foi a possibilidade de ampliar os conhecimentos, em função da troca de saberes entre os membros da equipe e da participação nas atividades de treinamento, entre outras. Eles sentem-se motivados a ir em busca de mais conhecimentos sobre a criança e para compreender melhor suas manifestações lúdicas:
Os profissionais que estão na assistência ao paciente pediátrico precisam lançar mão do recurso lúdico, independente da formação (categoria profissional). Então, eu fui aprendendo demais com cada membro da equipe. E ainda aprendo (A3).
Os participantes relataram que, após iniciar o processo de implementação do BT, perceberam maior proximidade com a criança e a família e com isso, o vínculo foi sendo mais facilmente construído. Ao mesmo tempo, sentem-se gratificados diante dos resultados obtidos, como a diminuição do medo, do choro, da ansiedade da criança frente ao cuidado prestado.
Então, assim, eu, como profissional, vejo que a implementação do BT, no meu caso, me fez ficar um pouco mais próxima dos pais, das crianças(A1).
Estabelecendo perspectivas futuras:
Este tema retrata as expectativas dos profissionais em relação ao futuro da implementação do BT, envolve propostas e ações que os mantem motivados em busca do fortalecimento do processo. Uma delas é a expansão da implementação para outros setores de atendimento pediátrico do hospital, como o pronto atendimento, oncologia, ambulatórios, além de unidades externas ao hospital:
Eu acho que esse trabalho vai crescer bastante. A expectativa de que todas as áreas de pediatria do hospital, seja na oncologia, seja na central de exames, PA... Mas que todas essas áreas possam ter esse tipo de instrumento e de ação implementada (A3).
Então, eu acho que só tem a crescer, tanto aqui dentro ou fora... dentro da Pediatria, eu falo. Mas, assim, expandir para ambulatórios, para as unidades externas. Porque a gente sabe que eles têm interesse também (A5).
Os profissionais entrevistados mostraram-se animados e seguros quanto à expansão do processo de implementação do BT, também como um modelo para outras instituições. Neste sentido, vislumbram a realização de mais pesquisas e o BrinquEinstein como referência para hospitais de todo o Brasil como um exemplo na incorporação de melhores práticas no cuidado pediátrico.
Espero que a gente possa crescer cada vez mais. Que a gente faça mais pesquisas também. Acho isso muito importante, muito legal... E a divulgação, também, para outros hospitais (A6).
Eu acho que em breve, vamos conseguir levar Brasil afora, para os hospitais referência que queiram e levar como uma prática, um exemplo de boas práticas, de hospital bom, certificado (A12).
Contudo, os profissionais também demonstraram preocupação com a continuidade do grupo BrinquEinstein. Apontam que o processo de implementação deve motivar a participação da equipe interprofissional, estimulando mais pessoas a aderir ao uso do BT na prática, sobretudo os médicos e os novos funcionários da instituição.
O estímulo da equipe, não deixar esse grupo morrer, vamos dizer assim. E crescer cada vez mais mostrando um trabalho em equipe que vai estimular as pessoas. E todo mundo que quiser, pode entrar nesse grupo e ser uma sementinha a mais, até, para levar (o BT para outros lugares). Porque começa aqui, vai para outro lugar e consegue aplicar (o BT). Então, acho que isso é fundamental. (A5)
Continuar no caminho que está Multiplicar, trazer mais pessoas para o grupo e um motivar o outro. Eu acho que isso vai ajudar muito. Acho que os novos que estão chegando, saberem desse projeto, saberem da importância dele, dos resultados que a gente tem. (A9)
Envolver cada vez mais a equipe multi, o médico, e faze-los perceberem que o nosso grupo dá resultado. Os profissionais apontaram a importância do grupo BrinquEinstein continuar investindo na capacitação de colaboradores para o uso do BT, com a perspectiva de ampliar o número de pessoas envolvidas nesta iniciativa, sinalizando, também, para a oferta de cursos de educação a distância.
Eu acho que é importante a gente continuar investindo na formação, na capacitação dos profissionais, para poder ampliar cada vez mais esse trabalho (A3).
Acho que tinha até a proposta de fazer o EAD. Eu só vejo crescimento, não vejo o grupo parando. (A5).
Os profissionais também acreditam ser importante sensibilizar os pais sobre os benefícios do BT para a criança na unidade e como se dá a atuação do grupo. Acho que, se a gente conseguir levar para os pais a importância disso (o BT) ... o que isso traz de bom na internação da criança, talvez se colocar o grupo um pouco mais público, os pais já chegassem com essa ideia que a gente tem esse projeto aqui, que isso é bom, que isso faz a experiencia da criança ser menos traumática (A1).
4.Discussão
Os achados do estudo permitiram identificar que o processo de implementação do BT na perspectiva dos profissionais tem se mostrado exitoso e de relevância para a integração e transformação da equipe interprofissional, impulsionando-os a traçar novas metas e desafios para o fortalecimento do processo. A sustentação para esse movimento tem base na percepção da satisfação da criança e família diante de um cuidado acolhedor, humanizado e centrado no paciente pediátrico, melhorando sua experiência quando mediada pelas interações lúdicas. De fato, brincar oferece oportunidades para interações interpessoais sintonizadas em um ambiente forte e confiante, resultando em uma relação segura entre os brincantes, no caso, a criança e o profissional. Essa sintonia empática se reflete no relacionamento pessoal e quando o profissional se mostra gentil e sensível ao sentimento do outro durante a brincadeira, há ressonância, aumento da ocitocina e estabelecimento de vinculo social (Stewart et al., 2016). Tais aspectos foram relatados pelos participantes, em especial, o quanto viver os benefícios advindos da pratica do BT os transformou enquanto profissionais, tornando-os mais empáticos, amigos das crianças e envolvidos com as questões emocionais que permeiam a assistência. Esse importante ganho caracteriza um dos padrões para melhorar a qualidade do atendimento a crianças e adolescentes nas unidades de saúde preconizado pela OMS. Consiste em padrões definidos a partir do melhor interesse das crianças e adolescentes para garantir que suas necessidades e direitos sejam atendidos, como o brincar em cenários de cuidado em saúde e, de ser cuidada por profissionais habilitados para tal (WHO, 2018). Com o avanço da implementação os benefícios reconhecidos como fortalecedores do caminho ganharam destaque. Entre eles, a constatação pela equipe de que as estratégias lúdicas permeiam o estabelecimento de vinculo, confiança e maior aproximação com os clientes. Destacam ainda, a mudança comportamental das crianças frente aos procedimentos, tornando-se mais colaborativas após receberem uma intervenção lúdica, além dos profissionais também perceberem a redução do tempo gasto na realização desses procedimentos, aumentando as chances de sucesso e segurança na sua execução. Tais aspectos são discutidos em três revisões sistemáticas sobre o uso do brinquedo terapêutico e sua ação na redução de ansiedade, dor e melhora no conhecimento em saúde de crianças. Embora os autores ressaltem a necessidade de estudos com maior rigor metodológico, as evidências existentes apoiam o seu uso como intervenção na prática clínica, em decorrência de seus amplos benefícios (Silva et al. , 2017; Rashid et al., 2021; Godino-Iáñez et al., 2020). Uma revisão de escopo identificou que as intervenções lúdicas tem sido utilizadas em quatro áreas de apoio à criança: em situações de procedimentos e testes diagnósticos, educação, tratamento e recuperação e, adaptação e em outro estudo são apontadas como método não farmacológico pelo seu potencial na redução do medo e da dor, estresse e ansiedade diante de procedimentos dolorosos (Sousa et al., 2021; Gjærde et al., 2021; Zengin et al., 2021). Ainda sobre os benefícios, as perspectivas das famílias a respeito têm sido exploradas em estudos nacionais e internacionais e seus resultados reiteram a potência dessa intervenção para melhorar a experiência em cuidados de saúde de ambos, criança e família, fato reiterado neste estudo (Aranha et al., 2020; He et al., 2015; Yayan et al., 2019). Estudos reforçam a importância de se sistematizar o cuidado lúdico, pois a sua realização estruturada em um modelo de cuidado contribui para reduzir os efeitos negativos da hospitalização, ao favorecer o estabelecimento de vínculos entre a equipe com a criança, estimulando uma participação mais ativa desta no processo de enfrentamento (Maia et al., 2022; Caleffi et al., 2016; Pedrinho et al., 2021). O plano instituído para a implementação como a realização de treinamento da equipe interdisciplinar e o envolvimento dos seus membros a partir da formação de um grupo interdisciplinar de referência em brincar e BT, foi considerado como essencial pelos participantes para o sucesso da implementação do BT, além de inovador. A importância do trabalho em equipe é enfatizada em outro estudo qualitativo realizado na Austrália, com dezoito enfermeiras, que contempla a percepção delas em relação à parceria instituída com especialistas em desenvolvimento infantil, denominadas Child Life Specialist, no uso da distração para crianças submetidas a procedimentos dolorosos. Os resultados ressaltam o quanto essa parceria foi vantajosa para elas, que destacam o valor do trabalho integrado da equipe interdisciplinar (Drayton et al., 2019). Estes achados corroboram os do presente estudo, no qual os profissionais destacam os benefícios obtidos com a formação do grupo de referência e a parceria interdisciplinar instituída. Nessa linha interdisciplinar um estudo recente destaca a necessidade de se criar jogos (digital ou não) e outras estratégias lúdicas com potencial para otimizar o desenvolvimento físico, social, emocional e cognitivo de crianças e jovens com doenças crônicas e suas famílias. Os autores ressaltam a necessidade de envolver categorias profissionais diversas, reforçando assim, a importância do trabalho em equipe interdisciplinar e a perspectiva de um sistema de saúde mais eficiente, com uma relação custo-benefício interessante e possível (Nijhof, et al., 2018). A ferramenta PDCA, devido à sua característica cíclica, implica na necessidade de reavaliação da situação implementada, como forma de garantir a sua manutenção, reconhecendo barreiras não superadas ou novas barreiras que se apresentem e demandando, com isso, um novo planejamento de ações para vencê- las. Nesse sentido, durante a análise dos dados começou a se delinear novas barreiras, como a falta de entendimento dos pais acerca do papel do BT para a criança hospitalizada e o seu desconhecimento por parte de alguns membros da equipe. Diante disso, vislumbram-se possíveis ações a serem traçadas para as próximas etapas da implementação, como intervir junto aos familiares e acompanhantes, informando-os de maneira sistemática sobre o BT e seus reais benefícios para a criança, além de ampliar as atividades de treinamento das equipes para a realização desta atividade. Segundo a literatura, famílias de crianças internadas e que passam por experiências cirúrgicas consideram essencial a incorporação do BT como ação de cuidado em enfermagem. Neste sentido, foram elaboradas propostas para sistematizar as informações a família sobre o uso do BT, sua importância e seus benefícios no cuidado em saúde para o processo de admissão e preparo das crianças para procedimentos cirúrgicos (Aranha et al., 2020; Li et al., 2016). Nossos achados revelam que, para os participantes, o processo de implementação desencadeou o sentimento de orgulho pelo reconhecimento do trabalho com o BT desenvolvido no setor pela instituição. Esse fato gerou ainda mais satisfação nos colaboradores envolvidos na adesão de práticas lúdicas, incluindo não só o BT, mas outras, como brincadeiras e jogos que promovam a distração da criança, entre outras. Nesse contexto, uma das principais expectativas apontadas pelos profissionais é a expansão do uso do BT para outros setores de atendimento pediátrico do hospital, como o pronto atendimento infantil, a clínica de imunizações e os ambulatórios pediátricos, entre outros. Vão mais além, almejando que esta prática seja estendida também para outras instituições de saúde do Brasil. Para alcançar esse intento, estes profissionais reconhecem a necessidade de realizar mais pesquisas sobre o BT em busca de evidências científicas mais robustas sobre o seu uso na prática e a divulgação destes resultados em eventos científicos de maneira sistemática, como forma de incentivar mais profissionais a utilizá-lo, para além dos limites da instituição. Por fim, a realização do estudo contou com uma limitação importante relacionada à ocorrência da pandemia por COVID-19, período que coincidiu com o início da implementação do BT no setor da UTI Pediátrica, além de impactar de forma significativa na realização das entrevistas com os profissionais que vivenciaram o processo de implementação. Isso decorreu do fato de que houve um redimensionamento da equipe de modo a privilegiar a alta demanda de adultos acometidos pela doença, uma vez que, frente à redução de internações de crianças e adolescentes, o bloco pediátrico foi transferido para uma área menor. Este contexto levou à desmotivação do grupo em relação à continuidade da implementação do BT, evidenciada em alguns discursos dos participantes durante as entrevistas. Contudo, no momento em que houve a estabilização da pandemia na cidade de São Paulo, a equipe de profissionais retornou às suas atividades no atendimento à criança e adolescentes. E de forma surpreendente, estes colaboradores voltaram a se interessar para a prática do brincar e do BT, retomando-se as atividades rotineiras de abordagem da criança por meio de atividades lúdicas. Assim, estudos futuros junto aos profissionais da equipe que ainda não fazem parte deste grupo de referência podem trazer informações complementares, especialmente em relação às barreiras na implementação do BT e às estratégias para enfrentá-las. A replicação deste estudo em outros contextos institucionais, considerando inclusive os diferentes níveis de atenção à saúde podem ajudar a consolidar estes resultados sobre a implementação do BT na pratica pediátrica.
5.Considerações Finais
Conhecer a percepção dos profissionais envolvidos no processo de implementação do BT foi fundamental para identificar os pontos fortes desta estratégia, bem como os de melhoria, com vistas à sua manutenção. Possibilitou, também, delinear as perspectivas futuras de crescimento, como: a divulgação ampla desta iniciativa para outros setores da instituição e para além dos seus limites, por meio do aumento de produção científica do grupo de referência em BT; e a criação de propostas lúdicas inovadoras personalizadas voltadas para as necessidades de cuidado do paciente pediátrico. Os relatos dos profissionais evidenciaram também as barreiras que se impõe frente ao processo de implementação, possibilitando definir estratégias para vencê-las e dar continuidade a esse processo. Para tanto, foi preciso resgatar os fatores facilitadores que tiveram um papel importante na manutenção e continuidade da implementação do BT como: a formação do grupo de referência interdisciplinar para a realização desta prática lúdica; o apoio e reconhecimento institucional pela iniciativa deste grupo; a disponibilidade de brinquedos e materiais necessários, obtidos por meio de recursos financeiros fornecidos pela instituição e pelo próprio grupo, a partir de prêmios conseguidos com a participação de seus membros na apresentação em eventos científicos. Com a implementação sistemática do BT e do brincar constatou-se um aumento significativo da pratica desta atividade no bloco pediátrico da instituição, passando a ser incorporado naturalmente à assistência de enfermagem como intervenção importante dentro do cuidado, tanto na pediatria, como na UTI pediátrica.