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New Trends in Qualitative Research

versão On-line ISSN 2184-7770

NTQR vol.13  Oliveira de Azeméis set. 2022  Epub 08-Set-2022

https://doi.org/10.36367/ntqr.13.2022.e711 

Artigo original

Representações sociais dos profissionais de Enfermagem brasileiros sobre a Covid- 19 no contexto da saúde mental

Social representations of brazilian nursing professionals about the Covid-19 the context of mental health

Maria do Perpétuo do Socorro Sousa Nóbrega1 
http://orcid.org/0000-0002-4974-0611

Priscila Maria Marcheti2 
http://orcid.org/0000-0002-1662-4139

Sonia Regina Zerbetto3 
http://orcid.org/0000-0002-2522-1948

Larissa Almeida Rézio4 
http://orcid.org/0000-0003-0750-8379

Aline Macêdo Queiroz5 
http://orcid.org/0000-0002-7374-011X

Anderson Reis de Sousa6 
http://orcid.org/0000-0001-8534-1960

Wanderson Carneiro Moreira1 
http://orcid.org/0000-0003-2474-1949

1Universidade de São Paulo (USP), Brasil

2Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Brasil

3Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Brasil

4Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Brasil

5Universidade Federal do Pará (UFPA), Brasil

6Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil


Resumo:

Objetivo: Analisar as representações sociais dos profissionais de enfermagem residentes no Brasil sobre a pandemia da Covid-19 no contexto da saúde mental. Método: estudo qualitativo com 719 profissionais das cinco regiões geográficas, a partir de formulário virtual. Empregou-se o software IRaMuTeQ®️ para preparo do material empírico e Análise de Conteúdo Temática, e interpretação à luz do referencial teórico das Representações Sociais. Resultados: Participaram Técnicos de Enfermagem (20%), Enfermeiros (47,2%), Obstetrizes (0,5%), Enfermeiros docente-pesquisadores (15%), Enfermeiros Pós-graduandos (13,4%), Enfermeiros especializando (3,7%). As RS dos profissionais de enfermagem são elaboradas na esfera do processo de trabalho precarizado e nas vivências naturalizadas da construção social da profissão, antes e no contexto pandêmico, são fotografias da realidade de uma categoria tomada como máquina de uma engrenagem e não constituída de sujeitos de direitos. Revela-se uma realidade que tem subtraído a possibilidade de estes projetarem planos para o futuro e abre espaço para a produção do adoecimento mental. É fundamental ampliar o debate sobre os desafios cotidianos da profissão para que seja possível potencializar o valor do seu trabalho, de vanguarda e sua essencialidade nos sistemas de saúde, e que a Enfermagem não pode calar. Considerações Finais: Foi possível apreender que os profissionais de enfermagem residentes no Brasil, vinham realizando o trabalho de forma precarizada antes da pandemia da Covid-19, e em suas práticas não produziam grandes questionamentos. Com a pandemia e o risco de contaminação, os profissionais passaram a olhar a prática profissional mais de perto e sentiram medo das vivências naturalizadas e simplificadas frente ao não uso de equipamentos de proteção individual. Logo, compreenderam que cuidar do outro implica também cuidar de si. Este estudo também revela que os profissionais precisam ressignificar a construção social da profissão e constituir uma consciência de classe frente ao modo de produção no qual estão inseridos.

Palavras-chave: Pandemia; Infecção Coronavírus; Enfermagem; Saúde Mental; Profissionais de Enfermagem; América Latina; Brasil.

Abstract:

Objective: To analyze the social representations of nursing professionals residing in Brazil about the Covid-19 pandemic in the context of mental health. Method: qualitative study with 719 professionals from five geographic regions, using a virtual form. The software IRaMuTeQ®️ was used to prepare the empirical material and Thematic Content Analysis, and interpretation in the light of the theoretical framework of Social Representations. Results: Nursing Technicians (20%), Nurses (47.2%), Midwives (0.5%), Professor-Research Nurses (15%), Graduate Nurses (13.4%), Specializing Nurses (13.4%) participated. 3.7%). The SR of nursing professionals are elaborated in the sphere of the precarious work process and in the naturalized experiences of the social construction of the profession, before and in the pandemic context, they are photographs of the reality of a category taken as a machine of a gear and not constituted of subjects of rights. A reality is revealed that has subtracted the possibility of them projecting plans for the future and opens space for the production of mental illness. It is essential to broaden the debate on the daily challenges of the profession so that it is possible to enhance the value of its work, which is avant-garde and its essentiality in health systems, which Nursing cannot ignore. Final Considerations: It was possible to understand that nursing professionals residing in Brazil had been performing their work in a precarious way before the Covid-19 pandemic, and in their practices did not produce major questions. With the pandemic and the risk of contamination, professionals began to look more closely at professional practice and were afraid of naturalized and simplified experiences in the face of not using personal protective equipment. Therefore, they understood that taking care of the other also implies taking care of themselves. This study also reveals that professionals need to re-signify the social construction of the profession and constitute a class consciousness in the face of the mode of production in which they are inserted.

Keywords: Pandemic; Coronavirus infection; Nursing; Mental health; Nursing professionals; Latin America; Brazil.

1.Introdução

Desde a declaração de estado de pandemia proferida pela Organização Mundial da Saúde em decorrência da COVID-19 (WHO, 2020), os profissionais de Enfermagem do Brasil foram mobilizados para o enfrentamento de uma crise sanitária jamais vivenciada nos últimos 100 anos. Mostraram-se sensibilizados com o sofrimento da população e com questões que afetam a saúde física e mental de seus pares (Fernandes & Ribeiro, 2020). A publicização nas mídias sociais da COVID-19 revela à sociedade o impacto que a pandemia trouxe aos profissionais de saúde, quanto ao agravamento do desgaste físico, emocional e adoecimento que vem se perpetuando de longa data devido às precárias condições de trabalho (Fernandes & Ribeiro, 2020). Considerando que os profissionais de enfermagem são a maior força de trabalho do Sistema Único de Saúde brasileiro, e que seu trabalho se concretiza em longos períodos de permanência nos serviços, estudo aponta que estes têm sido extremamente afetados com o aparecimento e enfrentamento dessa nova doença em termos de saúde física e mental, em especial, os que atuam na assistência direta (Moreira, Sousa & Nóbrega, 2020). São expressivos o sofrimento psíquico e a prevalência de sintomas de angústia (71,5%), depressão (50,4%) e ansiedade (44,6%) em níveis consideráveis e prementes de intervenção clínica (Lai, et al., 2019); sentimentos de raiva, medo, quadros de depressão, ansiedade, burnout e comportamento suicida (Moreira, Sousa & Nóbrega, 2020; Moreira, et al., 2021 ). E mesmo os que não atuam na assistência direta, estão susceptíveis devido à “traumatização secundária”, que ocorre pela identificação com o sofrimento dos colegas vitimizados (Li, et al., 2020). Diante desse momento singular e histórico que a enfermagem brasileira vem enfrentando, essa pesquisa visa subsidiar medidas de suporte àqueles profissionais que atuam na prática assistencial, de gestão e na condução de políticas públicas de saúde de abrangência nacional em curto, médio e longo prazos. Dessa forma, ancorado no cenário supracitado, este estudo guiou-se pela questão de pesquisa: Quais as representações sociais dos profissionais de enfermagem sobre sua atuação no contexto da pandemia Covid-19 e a relação com a saúde mental? Assim, o objetivo do estudo é analisar as representações sociais dos profissionais de enfermagem residentes no Brasil sobre a pandemia da Covid-19 no contexto da saúde mental.

2.Método

2.1 Desenho do estudo

Estudo exploratório, com abordagem prioritariamente qualitativa (Bryman, 2012), desenvolvido com enfermeiros, obstetrizes e técnicos de enfermagem, de diferentes níveis de atenção à saúde e cenários de atuação profissional, das cinco regiões do Brasil. Neste país investigado, a categoria profissional de enfermagem está organizada em subcategorias, respaldadas em lei de exercício profissional vigente, com regulação das atividades profissionais específicas para cada uma delas.

2.2 Coleta de dados

Acompanhando a tendência tecnológica e dinâmica das populações em nível mundial, que acessam cada vez mais a internet, o convite para participar da pesquisa foi disponibilizado em redes sociais: Facebook®, Instagram®, Twitter®, WhatsApp®, tais como correios eletrônicos (e-mail), com instrumento composto por questões sobre dados sociodemográficos, laborais e de saúde, e a proposição: “Relate as suas vivências e sentimentos como profissional de enfermagem diante do contexto da pandemia Covid-19”. O instrumento foi submetido à validação interna por quatro pesquisadores experientes na área de Saúde Mental, em Enfermagem Clínica e um profissional de enfermagem atuando na assistência às pessoas com a Covid-19, submetido a pré-teste. Ao perceber a dimensão da Covid-19 na vida dos profissionais de enfermagem, optou-se por revelar a gravidade da situação de um determinado momento, portanto, os dados apresentados retratam o período pandêmico de 22/abril a 08/junho de 2020. A confiabilidade na coleta de dados foi mantida pelo recolhimento de e-mail para evitar duplicidade de resposta; eliminação de formulários inconclusos ou semipreenchidos; manutenção do último formulário enviado pelo participante; extração e organização dos dados supervisionados por quatro pesquisadores. Adotou-se os critérios do Consolidated Criteria For Reporting Qualitative Research (COREQ).

2.3 Análise e tratamento dos dados

Para o tratamento dos dados sociodemográficos, laborais e clínicos utilizou-se o Software IBM® SPSS® Statistic versão 25. O processamento dos dados qualitativos deu-se pelo Software IRaMuTeQ®(Camargo & Justo, 2018). Neste estudo foi aplicada a Classificação Hierárquica Descendente, apresentada por meio de dendrograma, que classifica a frequência por classes de palavras que se relacionam diretamente, e garantem a representação do fenômeno investigado. A preparação do material para análise foi conduzida pelos pesquisadores que se debruçaram sobre os relatos e dados dos participantes, que foram identificados com o código entrevistado (ent), seguido do número da ordem de preenchimento do formulário, sexo (sex), profissão (prof) e região do país (reg). Após processados os dados, extraídas as classes e a composição do dendograma, aplicou-se o método de Análise de Conteúdo Temática, que permitiu agrupar os fragmentos dos conteúdos junto às unidades de sentido (Clarke & Braun, 2013). Os achados foram analisados à luz do referencial teórico das Representações Sociais (RS) que possibilita acessar elementos e peculiaridades da vida social a fim de explicar acontecimentos que impactam a sociedade (Natt & Carrieri, 2014). A representação é parte do todo da consciência e se dá sempre em torno de algo circunscrito. A RS consiste na ação de possibilitar a emersão de algo que está ausente e são elaboradas sempre em torno das relações dos sujeitos entre si e com o ambiente (Viana, 2008). Têm como principal característica a capacidade de transformar algo desconhecido em familiar, aproximando-o da realidade cotidiana das pessoas, funcionando como um modo de interpretação da realidade, sobre um mesmo objeto ou conteúdo; ao mesmo tempo são formas de conhecimento elaboradas e compartilhadas que contribuem para construir uma realidade comum a um mesmo conjunto social (Natt & Carrieri, 2014). Justifica-se a escolha desse referencial teórico na certeza de que os profissionais de enfermagem compartilham o momento histórico pandêmico e constroem suas representações.

2.4 Aspectos éticos

Projeto aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, Ministério da Saúde, Brasil, em respeito às Resoluções 466/2012 e 510/2016, parecer nº 3.954.557/2020. Todos os participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

3.Resultados

São Técnicos de Enfermagem (20%), Enfermeiros (47,2%), Obstetrizes (0,5%), Enfermeiros docente- pesquisadores (15%), Enfermeiros Pós-graduandos (13,4%), Enfermeiros especializando (3,7%). Atuam simultaneamente em duas categorias profissionais (3,6%) Técnico de Enfermagem e Enfermeiro. A Tabela 1 retrata o perfil sociodemográfico, clínico e laboral de 719 participantes que responderam a pesquisa em ambiente virtual.

Tabela 1 Caracterização dos participantes do estudo. Brasil, 2020 (n=719). 

A análise do corpus processado no software IRaMuTeQ® deu-se em 32 segundos, gerou 1.294 Unidades de Contexto Elementar (UCE), das quais 1.233 foram aproveitadas 95,3%. A partir de matrizes e cruzamentos dos segmentos de textos e palavras, foi aplicado o método da Classificação Hierárquica Descendente (CHD) e obteve-se quatro classes em dois subcorpus: “A” - intitulado “Trabalho” composto pelas classes 1 (A fragilidade no processo de cuidar) e 2 (As situações precárias de trabalho, o (des)valor e a profissão invisível), com 216 (17,5%) e 318 (23,68%) das UCE do corpus total, respectivamente. O subcorpus “B”, intitulado “Sentimentos” contém os relatos correspondentes às classes 3 (Momentos de medo, ansiedade e angústia, no futuro incertezas) e 4 (Esperança e fé em dias melhores), com 407 (33%) e 292 (23,7%) das UCE, do corpus total, respectivamente (Quadro 1).

Quadro 1 Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente do Estudo, Brasil, 2020. 

No subcorpus “A”, na perspectiva dos profissionais de enfermagem, foram revelados conteúdos das RS frente ao processo de trabalho, como a sociedade percebe a participação desses profissionais no novo contexto da pandemia, na relação com o paciente infectado e frente às instituições para as quais prestam serviço. Nessa relação, referem sentimento de impotência, medo do desconhecido, exaustão e aflição ao prestar cuidado, que advém das próprias condições de trabalho oferecidas. Os impactos na saúde mental são compreendidos e justificados pelos profissionais em função da estrutura institucional que combina duas formas de exploração: a sobrecarga e a intensificação do trabalho, nas constantes mudanças de setor que geram sentimentos de insatisfação, insegurança e incertezas, nos novos protocolos técnicos que precisam dominar para cuidar da população (Classe 1). Considerando que as condições para o desenvolvimento do trabalho não são adequadas, os profissionais se expõem aos riscos no exercício de suas ações e, fragilizados, se sentem desvalorizados e com medo de sofrerem violência provocada por pacientes e familiares não empáticos diante do trabalho que estão desenvolvendo (Classe 2), conforme mostra a quadro 2.

Quadro 2 Conteúdos temáticos e relatos de sustentação da Classificação Hierárquica Descendente - Classe 1 e Classe 2. Brasil, 2020. 

O subcorpus “B” revela as emoções e medidas de enfrentamento, manifestações de sofrimento no âmbito da saúde mental e os impactos negativos na qualidade de vida e nos níveis de satisfação dos profissionais. Embora sofrendo, verbalizam o desejo de lutar e de transformar uma realidade, mas se sentem (des)esperançosos no futuro em função do presente marcado pelo sentimento de desamparo que a profissão vive. Sozinhos, buscam no suporte emocional de suas redes pessoais, compostas por colegas que passaram e/ou permanecem suportando uma situação de desgaste no trabalho, a validação e legitimação de sua dor e acolhimento emocional. Ainda refletem que é preciso valorizar os momentos simples e prazerosos da vida, zelar por suas relações interpessoais, creditam à ajuda Divina e às evidências científicas soluções ao sofrimento (Quadro 3).

Quadro 3 Conteúdos temáticos e relatos de sustentação a Classificação Hierárquica Descendente - Classe 3 e Classe 4. Brasil, 2020. 

Fonte: Dados da pesquisa, Brasil, 2020

4.Discussão

A pesquisa possibilitou que profissionais de enfermagem de todas as regiões do país expusessem suas representações do processo de trabalho diante do novo da doença Covid-19. Mostrou que houve necessidade de adaptações e mudanças laborais para que pudessem atender a população e garantir sua proteção. Nesse sentido, as representações sociais dos profissionais deste estudo corroboram a literatura que contextualiza um processo de trabalho precarizado que vem sendo regularizado e naturalizado pela categoria há muito tempo (Souza, 2016). A naturalização e regularização deste processo de trabalho é fruto da construção social, que se confronta com o presente e produz uma necessidade urgente de proteção para a categoria profissional (Araújo & Morais, 2017). Quando os profissionais questionam as rotinas exacerbadas pela pandemia, diminuição de equipes na linha frente, desgastes com o uso prolongado dos EPI, redução na troca de materiais por insuficiência (Oliveira, 2020), revelam a simplificação e mecanização de sua prática. Nessa direção, foram acionados a rever os processos de trabalho por meio de treinamento e protocolos específicos. Os profissionais de enfermagem até percebiam a precariedade do trabalho, mas, não conseguiam questionar a naturalização, regularização e simplificação do cotidiano em que estavam/estão inseridos e, por medo, incerteza e insegurança, tornam-se vulneráveis ao adoecimento. Esse processo está relacionado às questões de poder presentes nas estruturas organizacionais e governamentais, no tecido de interações entre diferentes atores, intensificadas pelos aspectos culturais, econômicos, históricos e sociais (Adamy, Zocche & Almeida, 2020). Com a pandemia da Covid-19, os profissionais de enfermagem passam a perceber o descompromisso dos gestores das instituições e dos órgãos fiscalizadores, e dão voz aos integrantes da profissão para que estes possam questionar as condições desgastante de trabalho e o cuidado de si. À vista disso, é impossível conceber uma assistência que prescinde do básico, que é a proteção individual do trabalhador. Há necessidade, portanto, de reflexão mais profunda sobre o processo de trabalho dos profissionais de enfermagem, para (re)adaptá-los à exigência de condições seguras para exercerem sua prática profissional, independentes de períodos pandêmicos. Considerando a essencialidade da profissão para enfrentar o maior desafio sanitário do século e até mesmo antes da pandemia, a OMS destaca o déficit de profissionais de enfermagem no mundo e a desvalorização da profissão entre os países (WHO, 2020). No Brasil, esta realidade tornou-se ainda mais desoladora, sobretudo pelo elevado adoecimento e morte de profissionais contaminados. Dentre o início de 2021 até o momento, foram 23 técnicos/auxiliares de enfermagem (28,8%) e oito enfermeiros (10,0%) diagnosticados. Mas, desde o início da pandemia foram registrados até 08/04/2021, 51.947 infectados e 747 óbitos de profissionais de enfermagem (COREN, 2021). O trabalho em enfermagem é conduzido em fluxo tensionado, isto é, de forma reativa (just in time), com cobrança desproporcional sobre os profissionais, que intensifica o processo de trabalho e retroalimenta a lógica de mercado capitalista (Souza, 2016). Somado ao receio de se contaminar com a Covid-19, os profissionais de enfermagem podem se afastar e não prestar cuidado centrado na pessoa. E, por acreditar que o direito à vida daqueles que estão sob seus cuidados é maior que o suposto direito às condições mínimas para realizar seu trabalho, ficam vulneráveis à Covid-19. Assim, os profissionais de enfermagem são expostos à violência provocada por pacientes e seus familiares, e para se protegerem, arriscam-se a distanciar-se da relação interpessoal, própria da profissão. Ademais, alguns profissionais sentem culpa por não estarem atuando junto aos pares na linha de frente dos cuidados, mas, mantêm-se firmes na polivalência, multifuncionalidade, flexibilidade e na aceitação de tudo. Enfrentando o processo de trabalho no momento pandêmico, os profissionais de enfermagem sofrem em função das transformações, readaptações e dos desgastes desencadeados pelos cenários de contaminação e óbitos no exercício do trabalho. Nessa direção, tem sua saúde mental fortemente afetada, com sofrimentos e prejuízos ao psiquismo e outras dimensões da vida. Nesse labirinto de emoções, expressam angústias, desestabilização emocional, dor, incertezas, preocupações, tensões, insatisfação, infelicidade, amedrontamentos, incertezas, tristeza e ansiedade. Todavia, preservam a fé para terem condições emocionais de enfrentar as circunstâncias geradoras desse sofrimento e tentam promover uma esperança realista entre os pares com vistas a abrir os horizontes para dias melhores, embora se sustentem na ciência em busca da cura para a doença. Considerando que a esperança é um processo dinâmico que orienta a pessoa para o futuro (Querido & Dixe, 2016), os profissionais resgatam vivências que advêm da construção histórica e social da profissão, pautada na resiliência, no fazer pelo próximo, no processo de trabalho de esforço e dedicação para sustentar o presente. Apesar de trazerem representações sociais de intenso sofrimento, expressam o valor da vida, de amor ao próximo, continuidade de missão e união, que proporcionam forças para continuarem na batalha e suportarem as adversidades, valores que estruturam e orientam a enfermagem enquanto prática social (Zoboli & Schveitzer, 2013), no presente e nos desafios para o futuro. Reforça-se o altruísmo da profissão que constitui um recurso efetivo para superarem a sua desvalorização e resgatarem a autoconfiança necessária nesse momento de pandemia. Mas, há de se ter atenção, porque em excesso, o altruísmo pode ser prejudicial e gerar culpa devido ao senso de responsabilidade pelo bem-estar do outro (Ricard, 2015). À vista disso, a sociedade levantou a bandeira do heroísmo para a profissão, como se estivesse resgatando seu histórico nas guerras a quem precisa de cuidados, e demonstra gratidão, satisfação e algum reconhecimento. Embora essa oferta, as representações sociais dos profissionais são que a sociedade não os reconhece com o devido valor. Tal fato acontece em função do lugar social que a profissão de enfermagem ocupa? Ressalta-se que, neste momento sócio-histórico da pandemia, os profissionais têm olhado para essas questões, e essas podem funcionar como uma tentativa de construir a consciência de classe, e gerar modificações na organização social e nas relações de trabalho para a profissão. Mas, para garantir melhores condições de trabalho e proteger a saúde mental dos profissionais, são necessárias intervenções sobre o modo de atuação (produção), que levem em consideração os determinantes sociais (Alegria, et al., 2018) que impactam a profissão como renda salarial (40,3% recebendo menos de um salário mínimo), quesito raça/cor (49,4% pretos e pardos), gênero (87,1% são mulheres) e a questão da carga excessiva de trabalho (67,2% acima de 40 horas semanais) conforme resultados do presente estudo, para minimizar o adoecimento. Partindo para a conclusão, as representações sociais dos profissionais de enfermagem do antes e no contexto pandêmico, são fotografias da realidade de uma categoria tomada como máquina de uma engrenagem e não constituída de sujeitos de direitos. Revela-se uma realidade que tem subtraído a possibilidade de os profissionais projetarem planos para o futuro e abre espaço para a produção do adoecimento mental. A produção desse conhecimento científico precisa ser transferida para o desenvolvimento de Políticas Públicas de trabalho e renda que promovam melhores condições de trabalho e saúde mental da categoria. Logo, é fundamental ampliar o debate sobre os desafios cotidianos da profissão para que seja possível potencializar o valor do seu trabalho, seu lugar de vanguarda e sua essencialidade nos sistemas de saúde, e que a Enfermagem não pode calar.

4.1 Limitações do estudo

Devem ser observadas a impossibilidade de aprofundar os temas elencados pelos profissionais, pelo fato da coleta de dados ter sido conduzida em diferentes estágios e regiões com diferentes realidades de trabalho e repercussões da pandemia.

5.Considerações Finais

Com a opção do referencial teórico das Representações Sociais (RS), foi possível apreender que os profissionais de enfermagem residentes no Brasil, vinham realizando o trabalho de forma precarizada antes da pandemia da Covid-19, e em suas práticas não produziam grandes questionamentos. Com a pandemia e o risco de contaminação, os profissionais passaram a olhar a prática profissional mais de perto e sentiram medo das vivências naturalizadas e simplificadas frente ao não uso de equipamentos de proteção individual. Logo, compreenderam que cuidar do outro implica também cuidar de si. Este estudo também revela que os profissionais precisam ressignificar a construção social da profissão e constituir uma consciência de classe frente ao modo de produção no qual estão inseridos.

6.Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e ao Ministério da Saúde (MS). Chamada MCTIC/CNPq/ FNDCT/MS/SCTIE/Decit nº 07/2020 - Pesquisas para enfrentamento da COVID-19, suas consequências e outras síndromes respiratórias agudas graves, pelo apoio financeiro, Processo nº 4011002020.

7.Referências

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Recebido: 01 de Fevereiro de 2022; Aceito: 01 de Abril de 2022

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