1.Introdução
A unidade de cuidados intensivos (UCI) é um local onde se concentram recursos humanos e técnicos que permitem assegurar a monitorização e tratamento de pessoas em falência orgânica, quer iminente ou estabelecida, que se apresenta como possivelmente reversível (Penedo et al., 2013). Segundo Pais (2012) e Wunsch et al. (2010), é nestas unidades que se encontra hospitalizado o doente crítico, ou seja, a pessoa que, por falência de um ou mais órgãos ou sistemas, necessita de meios avançados de monitorização e intervenção terapêutica, verificando-se que a ventilação mecânica invasiva é uma situação de elevada prevalência nestas unidades. Num estudo epidemiológico sobre o uso de ventilação mecânica invasiva em unidades de cuidados intensivos nos EUA em 2010, concluiu-se que 30 a 70% das pessoas hospitalizadas neste contexto se encontram ventiladas mecanicamente (Wunsch et al., 2010). A ventilação mecânica invasiva possibilita o acesso direto à traqueia, assegurando a permeabilidade da via aérea. Este acesso requer a presença de um tubo endotraqueal, na maioria dos casos, ou de traqueostomia, em casos particulares, nomeadamente quando é necessária a manutenção de ventilação mecânica invasiva por um período de tempo prolongado (Ordem dos Médicos, 2020). Há diversos motivos que justificam a necessidade de intubação, seja por situação obstrução da via aérea ou incapacidade de manter a respiração espontânea associada a sinais clínicos e laboratoriais compatíveis com dificuldade respiratória (Ordem dos Médicos, 2020). A ventilação mecânica invasiva, uma vez que impede o fluxo de ar através das vias aéreas superiores torna a fonação impossível, o que compromete a comunicação oral e a expressão das necessidades básicas da pessoa ventilada (Happ, et al., 2004), podendo causar sofrimento psicológico (Khalaila et al., 2011), frustração, pânico, medo e raiva, diminuição da autoestima e distúrbios do sono (Laakso, et al., 2011). A limitação na comunicação presente nestas pessoas incrementa ainda o risco de eventos adversos, insatisfação com os cuidados e pode impactar a saúde a longo prazo, ressalvando-se o sofrimento emocional vivenciado durante o internamento nas UCI pelas pessoas submetidas a ventilação mecânica invasiva que, devido à dificuldade comunicacional, pode conduzir a uma condição de stress pós- traumático (Bartlett, et al., 2008; Carruthers, Astin & Munro, 2017; Guttormson, Bremer & Jones, 2015; Wade et al., 2012). Relativamente à comunicação, este é um fenómeno inerente ao ser humano e considerada uma “(…) ferramenta essencial no desempenho de qualquer atividade profissional ligada aos cuidados de saúde” (Campos, 2017, p. 92), sendo que possibilita à equipa de saúde, em diferentes contextos, compreender a pessoa que se encontra vulnerável, devido à situação de saúde e suas limitações, e auxiliar a mesma a lidar com situação de grande carga emocional (Campos, 2017). A comunicação tem um papel bastante importante no processo terapêutico uma vez que é um comportamento humano essencial para o funcionamento psicossocial e não é apenas uma atividade linguística, mas também social (Ortega- Chacón & Díaz, 2016). A comunicação com a pessoa que se encontra ventilada mecanicamente é uma situação desafiante (Gomes, 2020). Uma variedade de estudos já comprovou que 49 a 82% das pessoas hospitalizadas em unidade de cuidados intensivos relataram que a comunicação enquanto mecanicamente ventiladas, se tornou extremamente difícil ou totalmente impossível (Khalaila et al., 2011). As pessoas ventiladas relatam frequentemente uma elevada dificuldade em expressar-se na ausência da possibilidade de usar a comunicação verbal, comprometendo a sua autonomia e independência, colocando-as numa situação de grande vulnerabilidade (Martinho & Rodrigues, 2015), podendo desencadear sentimentos como medo, ansiedade e situações clínicas como a depressão (Dithole, et al., 2017). No contexto de UCI, verifica-se que a comunicação com os doentes é dificultada não só pela presença do tubo oro traqueal, mas também pela sedação, gravidade da situação clínica, entre outros. Os estudos observam que a pessoa pode sentir algum tipo de desconforto ou incómodo, e não consegue expressar- se, o que aumenta o risco de erro médico, alterações hemodinâmicas e frustração na pessoa e até no profissional que presta cuidados (Bartlett, et al., 2008; Carruthers, Astin & Munro, 2017; Dithole, et al., 2017; Guttormson, Bremer & Jones, 2015; Wade et al., 2012), que apesar da proximidade com o doente nem sempre consegue estabelecer estratégias de comunicação eficazes (Dithole et al., 2017). O estabelecimento de uma comunicação eficaz entre a pessoa, a família e a equipa de saúde é essencial nos cuidados centrados na pessoa e possibilita melhorar os cuidados prestados, satisfação e o bem-estar da pessoa ventilada, aliviar o seu sofrimento, promove a tomada de decisão da pessoa (Carruthers et al., 2017; Hoorn, et al., 2016). Carruthers et al., (2017) advogam que a utilização das diferentes estratégias de comunicação pode assegurar a diminuição da gravidade das situações a nível psicológicos, diminuindo a prevalência, a longo prazo, de morbilidade nos sobreviventes dos cuidados intensivos Face ao exposto é objetivo deste estudo: Identificar as estratégias de comunicação com a pessoa com ventilação mecânica invasiva.
2.Metodologia
Em função do objetivo e de uma primeira pesquisa exploratória que permitiu identificar revisões sistemáticas sobre o tema optou-se por realizar uma revisão Umbrella (UR), segundo o protocolo da JBI para este tipo de estudos (Aromataris et al., 2017). As revisões Umbrella, permite a sintese de revisões sistemáticas, respondendo à questão de investigação com um maior nível de evidência e possibilitando recomendações para a clínica. A questão de pesquisa elaborada com recurso à estratégia de pesquisa PICo, foi: “Quais as estratégias de comunicação com a com ventilação mecânica invasiva em unidade de cuidados intensivos?”. A população alvo considerada centrou-se na pessoa ventilada, as intervenções definidas foram as estratégias comunicacionais e o contexto selecionado foi a unidade de cuidados intensivos (Cummings, Browner & Hulley, 2008; Donato & Donato, 2019). Foram definidos critérios de elegibilidade para os estudos a selecionar: estudos disponíveis com full text e gratuitos, com limite temporal 2011-2021, em língua portuguesa, inglesa ou castelhana e que fossem revisões sistemáticas da literatura, que incluíssem apenas adultos sob ventilação mecânica invasiva em contexto de unidade de cuidados intensivos, não sedados. Como critérios de exclusão definiram-se estudos que abordassem os cuidados intensivos no serviço de urgência e estudos que incluíssem crianças e adolescentes; ventilação mecânica não invasiva ou pessoas sob sedação. Foram selecionados os descritores, para as diferentes bases de dados, para a elaboração da Query, a partir dos termos communication, artificial respiration, intensive care unit e systematic review. Foram utilizados os boleanos OR para alargar os resultados de pesquisa e o conector AND para agrupar os descritores selecionados. Assumiu-se a seguinte estratégia de pesquisa, S1 AND S2 AND S3 AND S4, tendo por base:
S1) Communication OR nonverbal communication OR communication aids for disabled OR augmentative communication OR alternative communication OR communication strategies OR assistive communication device OR Communication tools OR Communication methods OR Communications AIDS;
S2) Artificial Respiration OR artificial respirations OR mechanical ventilation OR mechanical ventilations OR ventilator patient OR ventilated invasive mechanical OR ventilation Pulmonary Ventilation OR mechanical ventilator experience patients;
S3) Intensive care unit OR critical care OR ICU OR Intensive care units;
S4) Systematic Review.
A pesquisa de artigos foi realizada nas bases de dados CINAHL, Scopus, MEDLINE, Cochrane e no motor de busca B-on, considerando-se como base a questão Query previamente definida, adaptada aos termos MESH e Subject Headings. Fruto desta pesquisa, entre o dia 15 de junho e o dia 29 de junho de 2021, foram encontrados 35 artigos, sendo que foram excluídos 11 duplicados, sobrando um total de 24 artigos, dos quais 18 foram excluídos apenas pelo título (2 devido à população alvo não corresponder, 13 por não corresponderem aos critérios de elegibilidade e 4 pelo tipo de estudo) e 1 pelo resumo (devido à temática não corresponder). Na fase final foram aceites 4 artigos (Figura 1). Estiveram envolvidos dois investigadores na estratégia de pesquisa, triagem e extração dos resultados, que efetuaram o processo de modo independente. Nos casos de não consenso recorreu-se a um terceiro. Para a extração dos resultados, foi elaborada uma tabela Excel.
A síntese temática foi utilizada no presente estudo para explorar a questão de pesquisa. Cada artigo foi resumido e organizado de acordo com os seguintes itens: identificação do estudo (autor, ano de publicação, país), objetivo, desenho do estudo, participantes, resultados. No sentido de sistematizar a informação obtida, os resultados dos artigos que permitem responder à questão de investigação foram extraídos e analisados. Dois investigadores realizaram a extração dos dados, a qual foi posteriormente aferida pela equipa de investigação, para aumentar a fidedignidade.
3.Resultados
Na tabela 1 apresentam-se os estudos da amostra bibliográfica, país, amostra da revisão sistemática, objetivos e principais conclusões.
4.Discussão
As quatro revisões sistemáticas incluídas exploram estratégias de comunicação diferentes. No E1 os autores identificaram que as intervenções de comunicação para pessoas conscientes e ventiladas mecanicamente em unidade de cuidados intensivos são, em geral, o uso de tabelas de comunicação, válvulas fonatórias, eletrolaringe e estratégias de comunicação alternativa e aumentativa de “alta tecnologia”, porém, afirmam que a combinação de diferentes estratégias aumenta a eficácia das intervenções. Não obstante, chegaram à conclusão que dados recentes demonstram que este problema poderia ser colmatado em cerca de 50% das pessoas, com recurso a ferramentas simples de comunicação assistiva, sendo o método mais acessível de todos os pontos de vista, o uso de tabelas de comunicação. Concluíram também que é recomendada uma combinação de várias estratégias (Hoorn et al., 2016). Não sendo objetivo desta UR, mas que contribui para a compreensão do fenómeno, reportamos que Hoorn et al., (2016) referem que apesar de existirem diversos tipos de recursos materiais que permitem o uso destas estratégias de comunicação, existe uma lacuna de intervenções sistematizadas e formação da equipa de enfermagem neste tema. O que reforça os achados do estudo de Martinho e Rodrigues (2015) que concluíram que a maioria das pessoas ventiladas mecanicamente reportam mais dificuldade em comunicar com os profissionais de saúde do que com a sua família, os quais não apresentam qualquer tipo de formação na área, constatam também que a comunicação de necessidades fisiológicas (como aspiração, dor ou alteração de decúbitos) é considerado o tema mais difícil de comunicar e que constitui a grande maioria da comunicação entre pessoa ventilada e enfermeiro. Neste sentido e acrescendo à falta de formação, surge a falta de recursos disponíveis em meio hospitalar, como reforçado por Ortega-Chácon et al. (2017). Esta UR permitiu identificar a comunicação aumentativa como uma estratégia viável e segura, definida como sendo complementar à fala, como o uso de gestos e expressões faciais, enquanto a comunicação alternativa se baseia no recurso a outros sistemas e técnicas para fins de comunicação, como dispositivos geradores de fala (Zaga, Berney, & Vogel, 2019). Uma revisão de literatura excluída, porque não ser sistematizada, observa que de facto as estratégias comunicacionais com a pessoa ventilada mecanicamente, se centram principalmente no uso de gestos, expressão facial, linguagem corporal, movimentos da cabeça, aperto das mãos, toque e uso de materiais como lápis e papel ou tabelas com palavras, imagens e as letras do abecedário. Chegaram ainda à conclusão que o uso de estratégias de comunicação mais sofisticadas, de cunho mais tecnológico, como o método VOCA (comunicação usando síntese de voz), ou ferramentas de comunicação alternativas ou adaptativas, como teclados virtuais, ou o uso do rato do computador com os olhos (eye tracking), são recursos escassamente disponíveis em ambiente hospitalar, apesar da sua elevada eficácia (Ortega-Chácon & Diaz, 2017). A utilização da comunicação aumentativa e alternativa (AAC), conceito que refere-se a todas as formas de comunicação que não envolvem falar (ASHA, 2019), é indicada em pessoas com compromisso do discurso ou linguagem. É dividida em dois tipos, a AAC de baixa tecnologia e a comunicação aumentativa e alternativa de alta tecnologia. A comunicação aumentativa e alternativa de baixa tecnologia inclui a utilização de gestos, utilização da expressão facial, linguagem corporal, movimentos de cabeça, apertar as mãos, o tato, utilização de materiais como o lápis e o papel, as letras do alfabeto e utilização de imagens (Ortega-Chacón et al., 2016). Já a comunicação aumentativa e alternativa de alta tecnologia é um método recente de aplicação da tecnologia nos contextos de saúde (Berney & Vogel, 2019). Ju, Yang e Liu (2021) obtiveram como resultados, que o método mais apropriado e fidedigno no auxílio da satisfação da necessidade de comunicar destas pessoas é a comunicação aumentativa e alternativa, a qual pode ser subdividida em duas secções: AAC de baixa e alta tecnologia (por exemplo, VOCAs, software específico, tabets), mas tal como Carruthers, Astin e Munro (2017) concluem que a evidência sobre estas estratégias é ainda inconsistente, no que concerne à utilização das tecnologias de AAC na diminuição das dificuldades comunicacionais e eficiência das mesmas. Uma das revisões sistemáticas identifica também potenciais barreiras ao uso destas estratégias tais como a falta de familiarização com o equipamento, a falta de formação e as restrições de tempo (Carruthers et al., 2017). Ju et al. (2021) acrescem ainda que a falta de treino das equipas, leva a que esta estratégia comunicacional, muitas vezes, não foi colocada em prática, devido à falta de habilidade dos enfermeiros para manipular estes dispositivos. Outro ponto importante reside no facto de algumas das estratégias incluídas neste grande grupo da comunicação alternativa e aumentativa, requererem também o treino da pessoa ventilada. Ju et al. (2021), verificaram que sendo doentes críticos, estas pessoas se apresentam bastante vulneráveis, e devido à situação clínica encontram-se frequentemente cansadas e despender uma parte do seu tempo na aprendizagem do uso destes dispositivos, embora benéfico do ponto de vista comunicacional, iria ser ‘desgastante’. Identicamente, Zaga et al. (2019) concluíram que mesmo curtas sessões de 20 minutos de treino seriam bastante cansativas para pessoas sob ventilação mecânica invasiva. É importante considerar a existência de outras atividades preconizadas para estas pessoas, tal como a reabilitação. Outras dificuldades para o uso destas estratégias, pelos doentes, são a capacidade motora dos membros superiores, o estado cognitivo que pode apresentar flutuações ou deterioração decorrentes do processo patológico, as alterações sensoriais como a diminuição da acuidade auditiva e visual (Hoorn et al., 2016). Face a estas dificuldades recomenda-se a elaboração de protocolos simples, com instruções para a comunicação entre a pessoa com dificuldades comunicacionais e para a equipa de saúde (Hoorn et al., 2016). Estes protocolos permitem a padronização das intervenções desenvolvidas, e auxiliam na tomada de decisão relativamente às mesmas, sendo um importante fator para o desenvolvimento de uma prática baseada na evidência (Pott et al., 2013). Os mesmos podem ajudar a colmatar a falta de formação e/ou a falta de sensibilidade dos profissionais de saúde para esta temática. Porém, o protocolo não pode substituir a necessidade de individualização da intervenção, tendo em conta as suas especificidades (medos, receios, valores, necessidades, cultura) e a identificação de estratégias que melhor se adaptam ao seu estado de saúde, podendo existir uma combinação das diferentes estratégias de modo a aumentar a efetividade da comunicação (Ortega-Chacón et al., 2016).
5.Considerações Finais
Esta revisão Umbrella permite concluir que existe uma grande diversidade de estratégias de comunicação com a pessoa sob ventilação mecânica invasiva destacam-se a utilização de gestos, a expressão facial, linguagem corporal, movimentos de cabeça, apertar as mãos, o tato, a utilização de materiais como o lápis e papel, as letras do alfabeto, as placas de palavras e imagens, válvulas de comunicação, eletrolaringe, tubos de traqueostomia com dispositivos que permitam a comunicação e dispositivos de comunicação alternativa e aumentativa de alta tecnologia. Sobressai a utilização de tabelas de comunicação, como a intervenção mais simples, económica e com boa adesão por doentes e profissionais. Os dispositivos de comunicação alternativa e aumentativa de alta tecnologia tem sido uma aposta, mas os resultados da revisões sistemáticas referem que a evidência ainda não é robusta relativamente à sua eficácia e segurança. As principais limitações desta revisão Umbrella são o viés causado pela utilização de artigos apenas em português, inglês e espanhol, a opção por full text e a limitação às bases de dados referidas. Estudos futuros de natureza qualitativa devem explorar a satisfação e a adesão das pessoas internadas em unidades de cuidados intensivos e das suas famílias às diferentes estratégias para a promoção da comunicação.