1.Introdução
As mudanças globais ocorridas ao longo das últimas décadas estabeleceram significativas transformações à trajetória social, política, cultural e profissional da mulher. Estas transformações trouxeram novas perspectivas de vidas às mulheres, que aos poucos, entenderam que não precisavam mais pertencer somente à esfera do lar e que poderiam também ocupar espaços na sociedade que eram ocupados por figuras tipicamente masculinas. No entanto, no universo profissional, as relações de gênero ainda são marcadas por uma grande disparidade entre direitos e oportunidades.
A iniciação da mulher no mercado de trabalho trouxe luz a questões pouco debatidas. A divisão sexual nas organizações, em sua maioria, é percebida como fenômeno sociocultural, que tem como exemplo o papel da mulher exercendo tarefas supostamente femininas como continuação das tarefas domésticas e de subordinação, ocupando na maioria das vezes baixos níveis organizacionais, enquanto os homens têm privilégios e ocupam os postos mais altos. Nesse passo, o histórico de desigualdade também reflete de forma muito significativa dentro das Forças Armadas, a qual ratifica a dominação masculina.
Diante desse cenário, esta pesquisa reside na possibilidade de proporcionar o melhor entendimento sobre o “efeito teto de vidro” em uma instituição militar do Brasil. O objetivo é compreender as dificuldades enfrentadas pelas mulheres militares, no que tange a ocupação dos postos mais altos de sua cadeia hierárquica. De maneira específica, identificar se as militares percebem a segregação no ambiente de trabalho e a segregação por patente.
2.A Mulher no Mercado de Trabalho e o Teto de Vidro
A participação da mulher no mercado de trabalho tem crescido consideravelmente, mas segundo Henderson (2016), elas ainda não ocupam, quando comparadas aos homens, posições no alto das pirâmides organizacionais. Embora o mercado de trabalho esteja, de forma geral, aberto à participação feminina, essa inserção não dialoga com as promoções e a ascensão na carreira da mulher. Ao entrarem no mercado de trabalho, as mulheres, entram em um mundo construído por e para os homens, não encontram um ambiente propício para se desenvolverem dentro das organizações (Soranz, 2009).
Para Mello e Marques (2019) as diferenças em desfavor das mulheres se perpetuam nas mais diversas instâncias como em salários inferiores, ofícios precários, divisão sexual do trabalho, sub-representação nos altos escalões, entre outras. Tabak (2002) vai além, e afirma que as razões que convergem para a sub-representação feminina na alta hierarquia corporativa vão desde obstáculos institucionais, dadas as estruturas funcionais não favoráveis às mulheres, até entraves psicológicos.
Vaz (2013) aponta que, embora a sociedade adote um discurso de enaltecimento à ascensão da mulher, com a narrativa de sua conquista ao lugar público, essa manifestação torna-se vulnerável quando analisada pela ótica do chamado “teto de vidro”. Steil (1997) entende que o fenômeno teto de vidro é um exemplo de generificação velada nas organizações que impossibilita a ascensão das mulheres a níveis mais altos da hierarquia. A autora ainda conceitua teto de vidro como “uma barreira que, de tão sutil, é transparente, mas suficientemente forte para impossibilitar a ascensão de mulheres à níveis mais altos na hierarquia organizacional” (Steil, 1997, p.62-63).
Manganelli (2012) enfatiza que o teto de vidro ou também chamado de “glass ceiling”, é um fenômeno que define um limite invisível na carreira das mulheres, impedindo-as de crescer profissionalmente. O teto de vidro se evidencia no afunilamento hierárquico de gênero, ou seja, quanto mais elevado o nível nas organizações, menor a participação feminina (Vaz, 2013).
Coelho (2006) projeta duas vertentes que buscam explicar o teto de vidro, uma enfatiza a discriminação e a outra a diferença comportamental entre homens e mulheres. Marry (2008) identifica dois modelos complementares de interpretação do teto de vidro, o primeiro remete às práticas discriminatórias, manifestas ou veladas, que visam excluir as mulheres das posições de poder, o segundo enfatiza a menor predisposição feminina a assumir cargos de comando.
Bjerk (2008) apresenta a visão de que o teto de vidro não tem correlação apenas com o preconceito, mas com uma suposta dificuldade em avaliar as habilidades femininas. O ambiente empresarial parece falhar, não respeitando a subjetividade feminina, as diferenças e a diversidade que elas personificam.
Para Enriquez (2012), há uma lista não exaustiva de barreiras que compõem o teto de vidro, que poderia ser composta pelos estereótipos que a sociedade forma acerca das mulheres e a falta de oportunidade para as mulheres formarem experiência em gerenciamento. Além disso, o autor ainda acrescenta, as culturas empresariais hostis, as obrigações da mulher em casa e a sua falta de iniciativa e de espírito de liderança. Lombardi (2008) observa que em geral as empresas fornecem ambientes tipicamente masculinos, não privilegiam as especialidades e áreas de trabalho assumidas por mulheres, e não valorizam os atributos mais presentes nas mulheres, como habilidade nos relacionamentos e na conciliação de conflitos.
Coelho (2006), destaca que o fenômeno teto de vidro só ocorre com as mulheres que visam chegar em cargos de comando, ou seja, àquelas que ainda não chegaram lá, para as que lá estão o fenômeno não ocorre. Como se, para as que conseguiram chegar, as barreiras não existissem mais. Rocha (2014) acredita que as barreiras do teto de vidro estão em todo o trajeto da carreira da mulher.
As mulheres, além de lutarem contra o preconceito e a discriminação, precisam mostrar o tempo todo que são competentes e competitivas (Aguiar, 2007). Cappelle et al. (2004) reforçam a necessidade das mulheres em ter que provar diariamente que são tão qualificadas e competentes quanto os homens para conseguirem se manter nas suas funções, muitas vezes tendo que assumir posturas consideradas masculinas para se firmar em sua posição. Precisam fazer tudo que os homens fazem, só que melhor que eles (Lima, 2009).
Peterson e Albrecht (1999) explicam que as organizações são capazes de formatar, definir e reproduzir as distinções hegemônicas entre masculino e feminino de maneira sutil e poderosa. Além disso, as organizações, por muitas vezes, criam estereótipos que associam a capacidade da mulher de chegar a posições de maior prestigio a sua sexualidade (Betiol & Tonelli, 1991). Outro agravante, segundo Almeida (2015) é o machismo, pois alguns homens ainda não aceitam a ideia de serem comandados por mulheres. Para alguns homens, a mulher em posição de comando é vista como uma inapropriada inversão de papéis (Adão, 2007).
Ramos (2013) afirma que a busca da igualdade da mulher para com o homem é uma igualdade na forma de tratamento, de respeito, de abertura as oportunidades independentemente do sexo, e não uma igualdade de características. Para Hirata (2004) enquanto a divisão do trabalho for assimétrica, a igualdade não passará de uma utopia.
3.Método
A pesquisa qualitativa busca entender o significado dos dados estudados, tendo como base a percepção do fenômeno em seu contexto (Triviños, 1987). Este tipo de pesquisa deve ser utilizado quando um fenômeno complexo pode ser mais bem observado e compreendido no contexto em que ocorre e do qual faz parte, devendo ser analisado a partir de uma perspectiva integrada (Godoy, 1995).
Minayo (2007) explica que “em pesquisas qualitativas, não se pretende generalização dos resultados e sim o aprofundamento, a abrangência e a diversidade no processo de compreensão, seja de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma política ou de uma representação” ( p. 197).
Como objeto do estudo, foram escolhidas mulheres militares, partindo da perspectiva de suas experiências e vivência cotidiana em um ambiente majoritariamente masculino. O contato com as entrevistadas foi inicialmente realizado, com o propósito de explicar o objetivo do estudo e importância de cada participação. Seguidamente, as entrevistas foram realizadas. O sigilo foi garantido e todas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. o estudo obteve um parecer favorável da Comissão de Ética da Instituição, que considerou estar de acordo com os princípios estabelecidos na Declaração de Helsínquia. Com intuito de preservar o anonimato de cada participante, suas falas foram evidenciadas com a letra “E”, seguidas do número correspondente à ordem que as entrevistas foram realizadas, de acordo com a Figura 1, a seguir:
Foram recolhidos os dados por meio de 10 entrevistas individuais semiestruturadas, com 11 perguntas. Pela casualidade pandêmica, após o primeiro contato telefônico, as entrevistas foram realizadas a partir da aplicação de um formulário enviado via correio eletrônico. Os dados levantados foram analisados em concordância com as técnicas de análise de conteúdo propostas por Bardin (2002).
4.Discussão
Em décadas recentes, as mulheres têm aumentado em grande número a força de trabalho paga e muitas têm entrado em trabalhos anteriormente dominados por homens (Oliveira, Gaio, & Bonacim, 2008). Nesse sentido, estas relações podem ser percebidas em todas as organizações, com um destaque para as organizações militares, em função do seu estereótipo masculino (Cappelle, 2006).
Na maioria das vezes, as mulheres são alocadas em posições particulares vistas como mais femininas, e os trabalhos realizados por elas tornam-se definidos como “trabalho de mulher” (Oliveira, Gaio & Bonacim, 2008).
[...] ainda existe essa definição entre ser mulher e ser homem no ambiente militar (E-4).
[...] em geral tarefas colaterais, exemplos: montar árvore de Natal do setor; compor mesa de almoço em evento militar (E-9).
Há funções específicas que há preferência por mulheres, principalmente ligadas a relações públicas (E-10).
As falas da E-4, E-9 e E-10 vão de acordo com o contexto de divisão sexual do trabalho e de naturalização da atribuição de determinadas tarefas às mulheres e outras aos homens (Miguel, 2001). Adams (1990) alerta sobre a chamada “armadilha da compaixão”, o conjunto de crenças difundidas e aceitas socialmente, que atribuem à mulher, como suas funções mais importantes, os papéis de proteção, criação e promoção do crescimento de outros.
Dessa forma, percebe-se a importância de elas serem vistas como militares acima do fato de serem mulheres, visto que a identidade militar deve se sobrepor a identificação do gênero para elas serem aceitas (Takahashi, 2002). Cappelle (2006) enfatiza que, ainda que as mulheres possuam os mesmos ou melhores níveis de escolaridade que os homens, ainda existem algumas disparidades quando se discute a igualdade entre gêneros, o que vai ao encontro da fala da E-3.
Minha função sempre foi de assessoramento e, por vezes, me senti desacreditada não só pelo fato de ser mulher, mas também em razão de modernidade da cadeia de hierarquia, muito embora possua maior qualificação e experiência profissional que o mais antigo [...] (E-3).
As organizações, na maioria das vezes, ignoram, dispensam ou desvalorizam sistematicamente o conhecimento e as perspectivas que as mulheres possuem e que geralmente são importantes e competitivamente relevantes, mas isso se desvia da “sabedoria” aceita, oriunda dos homens (Oliveira, Gaio & Bonacim, 2008), o que fica evidenciado nas falas a seguir:
Já senti em momentos de assessoramento, você fala OK e, após, se falar um homem e principalmente se for de carreira, basta, é o suficiente para que sua opinião/assessoramento seja irrelevante e você fique desacreditada. Já percebi olhares de descrédito, deboche e desdém e muitas vezes são profissionais extremamente qualificadas (E-3).
No meu caso, em momentos de reuniões, muitas vezes, a opinião masculina prevalecia, mesmo eu apresentando argumentos relevantes para uma tomada de decisão (E-6).
As falas acima de E-3 e E-6 se justificam nas teorias de Simeone (1978), pois, apesar das mulheres ocuparem formalmente uma posição de responsabilidade, a maneira como o gênero é conceituado, pode significar que elas ainda não estão ‘incluídas’ por outros membros da elite, mas permanecem ‘nas margens’. É muito comum encontrar mulheres que avançam na hierarquia da organização e ainda enfrentam desconfiança em relação à sua competência e desempenho, sendo, assim, desvalorizadas (Powel et al, 2008).
Então, sinto que é meu dever demonstrar que somos capazes e eficientes. Que podemos estar onde os homens estão, mesmo em meios e atividades operativas. [...] Ainda, se é mulher, jovem, e com uma aparência minimamente ‘agradável’, por assim dizer, há que se provar o tempo todo que possui competência e valor, porque mesmo coisas mínimas podem ser vistas como uma “cocha” (E-9).
Lávinas (1997) observa que as mulheres precisam o tempo todo se sobressair em suas funções na busca de um reconhecimento nivelado ao de uma figura masculina, o que configura, ainda que de modo sutil, uma complexa relação de poder, conforme exposto nas falas de E-5 e E-10 abaixo:
Somos testadas a cada momento. Precisamos ser extremamente técnicas e preparadas para não errar na hora da execução de um trabalho, pois qualquer erro, por menor que seja, é visto como despreparo por ser mulher (E-5).
A mulher que quer se destacar no trabalho precisa “provar” que é tão boa quanto eles (E-10).
Baseada na estrutura androcêntrica, as Forças Armadas, seguem um perfil que demonstra falhas ao ceder igualdade de oportunidades e desenvolvimento da capacitação militar, fazendo, assim, com que sua estrutura seja limitada à atuação do homem e excludente à presença feminina (Dantas, 2018). A cultura das organizações militares brasileira, além da hierarquia e da disciplina remonta valores patriarcais resultantes de um processo histórico de subordinação de gênero (Cappelle et al., 2002). Para Bourdieu (1999) os homens têm articulado estratégias de resistência pelo fato de se sentirem ameaçados, mesmo que simbolicamente, em relação à sua imagem de virilidade e à sua posição histórica de dominação, o que fica visível nas falas a seguir:
Devido ao fato de existir uma cultura de machismo nas forças armadas, em não confiar que a mulher seria capaz de assumir função de liderança ou realizar missões que exijam força física (E-6).
Ser homem em meio militar é normal, é a regra do jogo... ser mulher é ser exceção, e tentar se enquadrar o melhor possível, em termos comportamentais e de relações interpessoais, para se assemelhar àquilo que é visto como o ‘normal’. Há uma crença, mesmo que velada, em muitos oficiais e praças do sexo masculino, de que a mulher não deveria ter sido incorporada na força (E-9).
A crença quase natural em nossa sociedade, de que o homem é superior à mulher, acaba legitimando a discriminação (Moraes, 2004), e interferindo nos critérios de avaliação de desempenho.
Embora as regras sejam as mesmas e impostas a todos, eu sinto uma atmosfera predominantemente masculina. A mulher tem que estar feia, para não chamar a atenção. Entendo que não é o ambiente para vaidades excessivas, [...] devem existir regras e padrões, mas homens e mulheres são diferentes e tem que se ajustar em suas diferenças para que se possa falar em igualdade (E-3).
Jones e Makepeace (1996) alertam sobre a existência de critérios mais rigorosos para a ascensão feminina do que aqueles adotados para a avaliação masculina. Isso quer dizer que, em alguns casos, em avaliações de líderes, ser mulher pode representar um aspecto negativo por si (Powel et al, 2008), como relata E-5:
Foi notória a baixa na minha avaliação por ser mãe e ainda estar amamentando, por isso, precisava de alguns períodos do dia (aproximados 40min) para realizar a ordenha do leite. Mesmo realizando meu trabalho sem nunca ter atrapalhado o bom andamento, recebi avaliação baixa e fui comunicada por minha chefe (na época) que o motivo da baixa da minha avaliação foi justamente por causa dessa questão, que o meu avaliador taxou como indisponibilidade para o serviço (E-5).
Muitos são os desafios enfrentados pelas mulheres nos ambientes militares (Cappelle et al., 2002). As mulheres oficiais acabam tendo que se esforçar mais que os homens para serem respeitadas e obedecidas, uma vez que sempre surgem dúvidas acerca da sua capacidade de liderar (Giannini, Folly & Lima, 2017). Os homens apresentam maior dificuldade em trabalhar em equipe, desafiam mais a autoridade, principalmente quando esta é desempenhada por mulher (Betiol & Tonelli, 1991). Assim como corroboram as falas de E-6 e E-9:
[...] Na minha área [...], a maioria dos meus subordinados na equipe são homens, e muitos ficam incomodados por serem geridos por uma mulher (E-6).
[...] Em geral, senti dificuldades em realizar tarefas que envolviam liderar grupos com maioria de militares do sexo masculino, subordinados, pois me parece haver uma presunção inicial de que teríamos menos autoridade e seríamos mais tolerantes com falhas de quaisquer tipos que líderes do sexo masculino (E-9).
O trabalho feminino tem chamado à atenção não só para a proporção da inclusão das mulheres ao mercado de trabalho, mas também para as características de tal inclusão (Bruschini, 1985). Cappelle et al. (2002) destacam que as relações de gênero no ambiente militar são marcadas pelo mito da igualdade entre homens e mulheres, ideologia amparada pela cultura predominante das organizações burocráticas para disfarçar a percepção de assimetrias de gênero. Na visão das autoras, o mito da igualdade funciona, como um artefato cultural que visa continuar alimentando as representações sociais, os valores e os pressupostos de que todos são tratados da mesma forma, estando em concordância com as falas de E-9:
[...] Mas pensando no contexto como um todo, e falando em probabilidades quanto à igualdade de gênero, as mulheres podem sim ter mais dificuldades. [...] Não há, via de regra, espaço e valorização pelo fato de sermos diferentes dos homens. O que somos, claro [...] (E-9).
Enquanto as mulheres permanecerem em uma minoria (numérica e cultural), dificilmente terão lugar significativas reconfigurações na álgebra simbólica que ainda se localiza no espaço militar em uma reserva do modelo dominante de masculinidade, tornando a paridade de gêneros ainda mais necessária para uma redução mais efetiva dos comportamentos preconceituosos (Carreiras, 1995, p. 125).
Essa situação representa mais um reforço na condição vulnerável das mulheres, refletindo o despreparo dos militares homens diante da situação nova de lidar com mulheres no cenário militar (Orichio, 2012). A entrada das mulheres na caserna, tornando-se profissionais militares, não representou a superação das diferenças de gênero. Ao contrário [...], abrir os quartéis para as mulheres, em especial os brasileiros, foi uma exigência muito mais legal e política que uma reivindicação sociocultural (Mathias & Adão, 2013, p.164).
[...] acredito que as mulheres estão começando a alcançar posições de destaque profissional por uma questão política [...]. [...] Menos de 1%… São poucas as mulheres que participam de missões internacionais. [...] Precisam se preparar melhor, mas como respondi anteriormente, foi uma decisão política colocada em prática à toque de caixa, por isso não houve a adequação necessária (E-5).
Para Dantas (2018), mulheres que optam por seguir a carreira militar enfrentam desafios que limitam sua atuação e participação nas Forças, gerando assim, debates internos sobre a presença feminina, a capacidade de execução de atividades e a ocupação de cargos de comando. Segundo Steil (1997), os obstáculos relacionados ao teto de vidro impedirão, o progresso feminino aos postos de comando e sua visibilidade. A visão que se tem das mulheres constitui um dos principais desafios enfrentados por aquelas que optam por seguir a carreira militar (Silva, 2007).
[...] em diversas reuniões encarregadas mulheres que receberam funções de homens eram muito mais cobradas por resultados que seus antecessores, que não eram cobrados da mesma maneira (E-2).
Ainda que não haja restrições oficiais à ascensão na carreira feminina, há uma segregação entre homens e mulheres (Donadio, 2009). No campo da liderança, o modelo predominante ainda é masculino (Madruga et al., 2001), o que evidenciamos nas falas de E-1, E-2 e E-3 a seguir:
É mais comum que os homens sejam indicados para os cargos de direção (E-1).
Numericamente vemos muitas mulheres, mas não ainda ocupando cargos de relevância como Chefes de Departamento ou algum outro cargo de chefia (E-2).
Por preconceito, machismo, questões culturais e por haver a crença de que a mulher não é capaz de desempenhar as mesmas tarefas dos homens, de exercer cargos com funções decisórias em que tenham que lidar com grandes pressões (E-3).
Para ultrapassar o teto de vidro, as mulheres têm que criar uma nova identidade que se adapte às exigências organizacionais específicas, bem como ao ambiente (mais ou menos favorável ao seu desempenho) que as próprias organizações lhes propiciam (Belle, 1993). Embora Bruschini (1993) afirme que houve um significativo aumento na presença da mulher em cargos de liderança, Orichio (2012) tem como evidente, que a ascensão nas carreiras se relaciona ao gênero e não à especialidade ou função profissional de exercício. A autora ainda acrescenta que as mulheres oficiais, desde sua entrada na Força, foram tratadas com discriminação em função de gênero.
Não deveria, mas infelizmente há pessoas ocupando cargos com mentalidade retrógrada que impede essa igualdade que deveria fluir normalmente, afinal, somos iguais (E-5).
Segundo Bourdieu (2002), para galgar posição de destaque, a mulher teria que externar atributos além daqueles explicitamente exigidos para o desempenho do cargo, quais sejam a estatura física, uma voz, ou aptidões, como a agressividade, a segurança, e a autoridade dita natural, para as quais os homens foram preparados e treinados.
Em muitos casos, principalmente em situações de liderança ou exercícios físicos, a cultura predomina em relação ao homem ser mais forte ou mais inteligente. Entretanto, várias mulheres se destacam em ambas as situações, mostrando que podem ser capazes de dominar qualquer função (E-6).
As militares, ainda que não tenham conhecimento teórico sobre o fenômeno teto de vidro, são capazes de reconhecer em sua rotina diária a prática dele. Percebe-se em suas falas, que em alguns momentos de suas carreiras, elas se deparam com a desigualdade de gênero, com a cobrança de ser igual aos homens para que sejam respeitadas, com as tarefas tipicamente femininas, com o preconceito, discriminação e com as mínimas oportunidades de crescimento profissional.
5.Considerações Finais
A integração das mulheres à carreira militar, desde o início, não proporcionou equidade. Os quadros de nível superior são destinados aos homens, o que não garantia as mesmas oportunidades de acesso a todos os postos da carreira militar.
Apesar da conquista das mulheres à novas oportunidades de ascensão de carreira, a prática se configura de forma diferente. É mais comum que os homens sejam indicados aos cargos de direção. As militares, muitas vezes, são vista como incapazes de exercer cargos com funções decisórias. Embora numericamente as mulheres se façam presentes ao meio militar, ainda não ocupam de forma expressiva, cargos de alta relevância.
Pode-se concluir que, desde o início de sua trajetória na esfera militar, as mulheres foram inseridas em um contexto diferenciado, voltado à visão androcêntrica, que as limitavam em funções divididas por gênero e criavam barreiras que as impediam de ascender profissionalmente, achados que corroboram os estudos de Cappelle (2006), Ourichio (2012) e Dantas (2018).