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New Trends in Qualitative Research

versão On-line ISSN 2184-7770

NTQR vol.14  Oliveira de Azeméis set. 2022  Epub 01-Ago-2022

https://doi.org/10.36367/ntqr.14.2022.e726 

Artigo Original

Atores do Ecossistema de Inovação no Setor Público: Uma Abordagem Qualitativa Comparada Brasil-Espanha

Actors in the Public Sector Innovation Ecosystem: A Comparative Qualitative Approach Brazil-Spain

Dayse Karenine de Oliveira Carneiro,1 
http://orcid.org/0000-0002-6456-8557

Antonio Isidro,1 
http://orcid.org/0000-0003-1174-8586

J. Ignacio Criado,2 
http://orcid.org/0000-0002-9184-9696

1 Universidade de Brasília, Brasil

2 Universidade Autônoma de Madrid, Espanha


Resumo:

A discussão sobre ecossistema de inovação vem se intensificando nos últimos 15 anos e, considerando que os serviços públicos desempenham um papel essencial para a gestão da inovação, uma abordagem na qual as organizações públicas ocupam um lugar central apresenta uma oportunidade de avanço teórico-empírico na temática. Utilizando-se de uma abordagem qualitativa e comparada, o objetivo deste artigo é caracterizar os atores envolvidos no ecossistema de inovação no setor público. Para tal, foram utilizadas como objeto de análise de conteúdo 224 experiências de inovação no setor público premiadas no Brasil e na Espanha, no período de 2007 a 2018. Mediante aplicação de três princípios relacionados com rigor científico da pesquisa - validade, confiabilidade e replicabilidade - os resultados apresentam uma base de dados com descrição longitudinal do fenômeno que consolida evidências empíricas que classificam os atores relacionados com os ecossistemas de inovação no setor público brasileiro e espanhol. Para além do exposto, os dados analisados revelaram ecossistemas com característica endógena, bem como variáveis que traduzem elementos-chave para a inovação pública. Ademais, a análise oportunizou repositório de informações conferidas aos gestores e formuladores de políticas públicas, que almejam incrementar o desempenho dos projetos de inovação no setor público.

Palavras-chave: Inovação no setor público; Ecossistema de inovação; Atores; Brasil; Espanha.

Abstract:

The discussion on innovation ecosystem has been intensifying over the last 15 years and, considering that public services play an essential role for the management of innovation, an approach in which public organizations occupy a central place presents an opportunity for theoretical and empirical advancement in the theme. Using a qualitative and comparative approach, the objective of this article is to characterize the actors involved in the innovation ecosystem in the public sector. To achieve this goal, 224 awarded innovation experiences in the public sector in Brazil and Spain, from 2007 to 2018, were used as the object of content analysis. By applying three principles related to scientific rigor of research - validity, reliability and replicability - the results present a database with a longitudinal description of the phenomenon that consolidates empirical evidence that classifies the actors related to innovation ecosystems in the Brazilian and Spanish public sector. In addition, the data analyzed revealed ecosystems with an endogenous characteristic, as well as variables that translate key elements for public innovation. Furthermore, the analysis provided a repository of information conferred to managers and policy makers, who aim to increase the performance of innovation projects in the public sector.

Keywords: Public Sector Innovation; Innovation Ecosystem; Actors; Brazil; Spain.

1.Introdução

O conceito de ecossistema possui a sua gênese na biologia (Moore, 1993;1996), quando foi definido como uma comunidade de organismos vivos ou não, que convivem no meio ambiente onde estão inseridos, em processo de interação mútua. Não obstante, esse conceito perpassa esse entendimento e trata ecossistema de inovação enquanto um conjunto de atores, atividades, artefatos, instituições e suas relações, em evolução, que são importantes para o desempenho inovador de um ator ou de uma população de atores (Gomes et al., 2018; Granstrand & Holgersson, 2020).

Observou-se na literatura (Li & Garnsey, 2014; Rong & Shi, 2015; Oh et al., 2016; Ritala et al., 2017, Bassis & Armellini, 2018) lacunas teórica e metodológica referentes a conceituações e análises do construto ecossistema de inovação, especialmente no contexto do setor público, o que pode levar a definições polissêmicas e concorrentes.

Entretanto, a inovação no setor público se delineia numa trajetória irreversível diante das pressões da sociedade contemporânea por melhores serviços públicos, o que justifica a necessidade de compreensão destes ecossistemas (Gomes et al.,2018), tanto no âmbito nacional quanto internacional, além das informações advindas de iniciativas das nações desenvolvidas serem positivas para o aprimoramento da gestão pública de países em desenvolvimento, promovendo um compartilhamento que sirva de guia para novas experiências de inovação (Isidro, 2018; Bason, 2018; OECD, 2019).

Para superação destes problemas sociais complexos, nos ecossistemas de inovação onde as organizações públicas têm papel preponderante, múltiplos atores devem criar conjuntamente valor público a partir de inovações, cujas capacidades de realização por conta própria possuem uma série de restrições (Gomes et al., 2018). Não obstante, esses atores desempenham atividades distintas, papéis diferentes e possuem motivações e capacidades heterogêneas (Granstrand & Holgersson, 2020). Esses desafios dos ecossistemas de inovação no setor público estão se tornando cada vez mais críticos para o sucesso dos esforços de inovação na conjuntura atual (Bogers et al., 2019).

Nessa ótica, faz-se necessário responder a seguinte questão de pesquisa: quais os atores estão envolvidos no ecossistema de inovação no contexto do setor público? Para responder esse questionamento, o objetivo deste artigo é caracterizar os atores envolvidos no ecossistema de inovação no setor público. Para tal, foram utilizadas, como objeto de análise qualitativa e comparada, as experiências de inovação no setor público premiadas no Brasil e na Espanha, no período de 2007 a 2018.

A fim de alcançar o objetivo proposto, o artigo possui a seguinte estrutura, além dessa introdução: marco teórico contendo revisão de literatura sobre ecossistema de inovação, a dimensão atores do ecossistema e suas categorias no contexto do setor público; método, com delineamento da pesquisa, seleção da amostra das experiências de inovação e procedimentos de coleta e análise de dados; resultados e discussão oriundas das análises comparadas do Brasil e Espanha; e por fim, são apresentadas as considerações finais.

2.Ecossistema de Inovação no Setor Público

Parte-se do entendimento de Djellal, Gallouj e Miles (2013), os quais afirmam que os princípios dos serviços públicos podem estimular inovações específicas na medida em que envolvem questões que valorizam inter- relações. Nesse sentido, a inovação pública raramente é resultado de esforços individuais e requer a colaboração de uma série de atores públicos e privados, incluindo organizações públicas e de outros setores, formuladores de políticas públicas, funcionários públicos, especialistas, empresas privadas, grupos de usuários, organizações de interesse, organizações públicas, associações comunitárias, entre outros (Gallouj et al., 2018; Desmarchelier, Djellal & Gallouj, 2019; Bogers et al., 2019).

Diante da lacuna teórica e metodológica na literatura de abordagem que trate dos ecossistemas de inovação, com enfoque na perspectiva do setor público (Li & Garnsey, 2014; Rong & Shi, 2015; Oh et al., 2016; Ritala et al., 2017; Bassis & Armellini, 2018), o conceito de “ecossistema de inovação no setor público” foi definido na presente pesquisa como “sistema que mobiliza um conjunto de atores, componentes e recursos, para criação e implementação, de forma colaborativa, de inovações que gerem valor público para a sociedade e para as organizações públicas”.

Consoante esta definição e como proposta de representação de um sistema interdependente e complexo, consolidou-se da literatura (Gallouj & Weinstein, 1997; Djellal & Gallouj, 2008; Djellal, Gallouj & Miles, 2013; Gallouj et al., 2018; Desmarchelier, Djellal & Gallouj, 2019) que a dimensão denominada de “Atores do ecossistema” elenca os múltiplos atores considerados relevantes e envolvidos no ecossistema de inovação no contexto do setor público, os quais foram classificados em: setor público, privado, terceiro setor e sociedade. A Tabela 1 dispõe as categorias dos atores do ecossistema, seguidas da descrição, bem como os autores relevantes na literatura que embasam a classificação.

Tabela 1: Dimensão, categorias, descrição e referências de análise do ecossistema de inovação no setor público. 

3.Método

O presente estudo se utilizou de abordagem qualitativa (Creswell, 2014; Humphreys & Jacobs, 2015) e comparada (Godoy, 1995) com o objetivo de usufruir da riqueza metodológica que advém da diversidade das técnicas de coleta e análise de dados, e fornecer, com isso, uma visão abrangente para o fenômeno ecossistema de inovação no setor público no Brasil e Espanha (Silva, Godoi & Bandeira-de-Mello, 2012).

Nessa perspectiva, a escolha do Brasil e Espanha se justifica em virtude destes países estarem em processo de implementação de agenda de governo digital, de acordo com o Índice de Governo Digital, proposto pela OCDE (OECD, 2020), cuja avaliação apresenta oportunidade de comparação e integração de diferentes contextos no tocante à inovação pública e potencializa o conhecimento sobre os recursos necessários para a consecução de experiências inovadoras em suas diversas formas de expressão. Além disso, os dois países possuem repositórios que dispõem de bases de dados sistemáticas de casos de inovação premiados, por meio de concursos promovidos pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP, 2020), no Brasil, e Ministério de Política Territorial e Função Pública (España, 2019), na Espanha, com o intuito de reconhecer e promover tais práticas.

Caracteriza-se por ter um caráter exploratório e descritivo, pois foram investigadas características do referido fenômeno, dada a lacuna detectada, e descritiva quando busca explicar conceitos e fatos relacionados com as inovações públicas (Vergara, 2005). O recorte temporal da pesquisa é longitudinal (Ployhart & Vandenberg, 2010), uma vez que foram analisadas 224 experiências premiadas como boas práticas de inovação no âmbito da gestão pública brasileira e espanhola de 2007 a 2018, ou seja, ao longo de 12 anos.

Ressalta-se como meio de aumentar a fiabilidade científica desta pesquisa, a aplicação de procedimentos de coleta e análise de dados baseados em três princípios: validade, que diz respeito a uma adequação epistemológica entre os objetivos da pesquisa e os instrumentos utilizados para identificar o fenômeno sob investigação; a replicabilidade, a qual está relacionada com os parâmetros que permitem conferir o nível com que a pesquisa pode ser replicada por outros pesquisadores; e, confiabilidade, que trata da confirmação que os resultados das análises são dados fiáveis, ou seja, permanecem constantes mesmo com possíveis variações (e.g. mudança de codificadores) no processo de medição (Neuendorf, 2002; Krippendorff, 2018; Riffe et al., 2019).

Primeiramente, a coleta de dados foi realizada por meio das pesquisas bibliográfica e documental. A primeira utilizou-se da coleta, leitura e interpretação de livros e artigos científicos sobre ecossistemas de inovação e inovação no setor público, com vistas a identificar os atores envolvidos. Já a pesquisa documental, consistiu no exame documentos de natureza relacionada ao objeto de estudo escolhido, no caso específico os relatos das experiências de inovação, buscando-se novas ou interpretações complementares (Scott, 2014).

Em atendimento ao princípio da validade, foi realizada validação de conteúdo por juízes da dimensão atores e categorias relacionadas ao ecossistema de inovação no setor público, por meio de processo de medição estatística dos conceitos intencionados a serem utilizados na análise de conteúdo posterior. Foi utilizada a técnica denominada Coeficiente de Validação de Conteúdo (CVC), proposta por Hérnandez-Nieto (2002) e o formulário do CVC foi enviado a 10 juízes por e-mail, o qual foi respondido por seis deles, como meio de gerar subsídio ao processo de validação do conteúdo. Todos os juízes que participaram do processo de validação são especialistas em inovação no setor público, com experiência mínima de dois anos.

Após a realização do CVC, foi gerada uma tabela com códigos de análise válidos e significativos para analisar o fenômeno ecossistema de inovação no setor público, que foi aplicada para coleta de evidências das 224 experiências inovadoras do Brasil e da Espanha, por meio da utilização do Software NVivo 12, que identificou para cada relato a dimensão atores, categorias e variáveis previamente definidas e validadas e, por conseguinte, utilizou da funcionalidade Matriz Analítica para geração de planilha do Software Microsoft Excel, com vistas a uma sistematização da codificação da dimensão e categorias dos respectivos ecossistemas para cada país.

Ante o processo de análise de conteúdo dos casos premiados, como meio de incrementar a confiabilidade, foram realizados repetidos testes de confiabilidade (Neuendorf, 2002) em diferentes momentos da pesquisa (piloto e após a codificação), por meio da comparação entre as codificações feitas com outros dois pesquisadores, além da autora da pesquisa, todos especialistas na temática inovação no setor público. Para a codificação piloto e de todos os demais casos, foram selecionados aleatoriamente (um caso relativo a cada ano) de 12 relatos de casos brasileiros e 11 espanhóis em cada etapa, totalizando ao final, 24 brasileiros e 22 espanhóis, amostra considerada pelos autores Sampaio e Lycarião (2018) acima do mínimo de 10% do total de casos analisados. Para análise estatística dos resultados, estes testes atenderam ao proposto por Freelon (2010), que dispõe, via sítio eletrônico da internet, de cálculo on-line de quatro coeficientes de confiabilidade entre pesquisadores codificadores: Kappa de Cohen, Pi de Scott, Alfa de Krippendorff e Concordância Percentual.

E, por fim, a aplicação do princípio da replicabilidade (Neuendorf, 2002) nesta pesquisa demonstrou-se por meio da descrição detalhada de todos os procedimentos realizados para coleta e análise de dados, para que outros pesquisadores cheguem a resultados iguais ou similares aos apresentados neste estudo.

Com relação aos procedimentos de análise, realizou-se análise de conteúdo categorial proposta por Saldaña (2015), com utilização da técnica de codificação, que se tratou de processo analítico no qual uma frase, parágrafo ou página são analisados em relação ao seu conteúdo e significado, na busca por convergências que possam explorar novas facetas sobre o fenômeno estudado e, com isso, incrementar o conhecimento teórico-empírico sobre os atores envolvidos com inovação pública (Capelle, Melo & Gonçalves, 2003).

Recorreu-se à triangulação (Denzin, 2012) das técnicas análise documental das experiências de inovação e revisão de literatura dos principais conceitos dos modelos de inovação no setor público, para proposição dos atores (dimensão e categorias) a priori, que foram utilizados no processo de codificação e estão dispostos na Tabela 1.

Para consecução da segunda etapa, Saldaña (2015) recomenda que seja elaborada a análise propriamente dita. Assim, os códigos definidos foram aplicados nas 224 experiências de inovação, em operações de codificação, decodificação, categorização e enumeração, a fim de identificar as informações de interesse, no caso específico dessa pesquisa, a dimensão atores, categorias e variáveis que foram utilizadas para análise do ecossistema de inovação no setor público dos dois países. A Figura 1 apresenta o fluxograma do método da pesquisa.

Figura 1 Fluxograma do método de pesquisa. 

Para além da análise de conteúdo e etapas perseguidas com vistas a um rigor metodológico, a abordagem qualitativa adotada oportunizou a consolidação de evidências empíricas que demonstram, de forma comparada, a presença dos atores que atuam no ecossistema de inovação no setor público brasileiro e espanhol.

4.Resultados e Discussão

Os resultados da análise de conteúdo demonstram a criação de categorias e dimensão ex ante, por meio da triangulação supracitada e leitura flutuante, e ex post, a partir da validação das mesmas pelos juízes e posterior aplicação nos casos de inovação selecionados, como forma de aumentar o rigor metodológico da pesquisa. Ao final, na base de dados da pesquisa consta 224 experiências de inovação no setor público codificadas e analisadas, que possibilitaram uma descrição longitudinal do fenômeno, cuja disposição dos dados se apresenta por meio de planilha do Software Microsoft Excel.

Ao final da codificação, procedeu-se com a extração de unidades de contexto, que foram classificadas segundo: dimensão, categoria, país, quantidade de unidades de contexto codificadas, quantidade de casos de inovação que estas unidades de contexto se fizeram presentes, exemplos da codificação, e por fim, variáveis, as quais emergiram da análise de conteúdo dos casos e traduzem evidências da inovação pública dos dois países. Para a caracterização dos atores, estes foram quantificados e classificados na coluna variáveis, a partir da análise de conteúdo realizada. A coluna unidade de contexto dispõe de um exemplo dos trechos codificados entre colchetes, o número da experiência premiada, o ano e a(s) variável(is) identificada(s) pela pesquisadora, na sequência. A Tabela 2 apresenta os resultados da análise de conteúdo comparada referente à dimensão atores do ecossistema de inovação no setor público do Brasil e Espanha.

Tabela 2: Sistematização da análise de conteúdo comparada da dimensão atores dos ecossistemas de inovação no setor público brasileiro e espanhol. 

A análise da dimensão atores do ecossistema de inovação do setor público evidenciou a presença dos atores das categorias setor público, setor privado, terceiro setor e sociedade em atuação no ecossistema dos dois países, o que corrobora com o proposto pelos autores Desmarchelier, Djellal e Gallouj (2019).

No contexto brasileiro, os atores da categoria setor público foram subdivididos observando a administração do Estado, a qual estratificou em três níveis de governo a federação: federal, estadual e municipal. A esfera de maior relevância foi a federal, desempenho que se explica em função da expressiva quantidade de órgãos públicos federais alocados em Brasília, com menor representatividade dos atores das esferas estaduais e municipais, o que reflete indicativo de baixo desenvolvimento de inovações de forma descentralizada.

Na Espanha, apresenta-se contexto similar na Administração Pública, que se divide em três níveis básicos de administrações territoriais independentes e autônomas (Olmeda, Parrado & Colino, 2017): Administração Geral do Estado (Central), Administração Autônomas (Autonômico) e Administrações Locais (Local). Observou-se que a atuação das organizações públicas do nível central se destaca em detrimento dos demais atores no ecossistema do país, por serem responsáveis regimentalmente pela organização e funcionamento geral da Administração Pública. No entanto, os atores públicos dos níveis Autonômicos e Locais também se apresentam como desenvolvedores de inovação nesse país.

Ressalta-se que houve uma convergência dos atores do setor de serviços públicos, em especial das organizações públicas, como preponderantes no desenvolvimento das inovações brasileiras e espanholas. No entanto, as articulações com os atores do terceiro setor e setor privado se mostraram nos resultados em menor número, o que evidencia a necessidade de exploração das parcerias destes atores com as organizações públicas para a inovação e refuta o disposto por Brogaard (2021), quando afirma que a colaboração entre governos e empresas está em ascensão para inovar os serviços públicos. Além disso, esta baixa colaboração diverge do proposto pelos autores Desmarchelier, Djellal e Gallouj (2019), que reforçam a disposição dos diversos atores atuando em rede para inovar.

No que concerne à atuação da sociedade, os resultados apontam a necessidade de fortalecimento do espaço público em termos de abertura da gestão das organizações públicas, além da institucionalização de práticas participativas para o desenvolvimento da inovação, enfatizando a importância de um papel mais autônomo da sociedade na geração de valor público, conforme argumenta os autores Gallouj et al. (2018).

Observou-se que as universidades, enquadradas nesta pesquisa tanto como atores públicos quanto privados, apresentaram-se em atuação no ecossistema dos dois países, porém de maneira mais expressiva na Espanha. Estes resultados reforçam a importâncias dos atores universidades, que além de serem responsáveis pelo desenvolvimento do capital humano e do avanço da tecnologia, espera-se cada vez mais que eles participem como parceiros de desenvolvimento econômico da indústria e dos governos locais, estaduais e nacionais, de acordo com o proposto pelos autores Heaton, Siegel e Teece (2019).

A baixa articulação entre os atores do setor público, privado, terceiro setor e sociedade demonstra que os ecossistemas dos dois países têm naturezas endógenas, onde as diversas organizações públicas prevalecem como protagonistas no desenvolvimento das inovações, contudo não garantem uma participação massiva de outros stakeholders, o que diverge da proposta de processo aberto de colaboração de Bekkers e Tummers (2018).

Os resultados sugerem a prevalência do modelo clássico de inovação (Schumpeter,1934; Nelson & Winter, 1978) nos ecossistemas de inovação analisados, o que os levam a serem caracterizados como assimétricos e parcialmente fechados, ou seja, voltados essencialmente para a consecução das estratégias organizacionais dos entes públicos.

5.Considerações Finais

A partir de uma discussão sobre ecossistemas de inovação, com ênfase no contexto do setor público, o presente estudo caracterizou a dimensão atores desses ecossistemas. Para tal, foi realizada análise de conteúdo comparada de 224 relatos de experiências de inovação no setor público premiadas, pela ENAP e Ministério de Política Territorial e Função Pública, cujo lócus de pesquisa foram os países Brasil e Espanha respectivamente, no período de 2007 a 2018.

Ressalta-se que a análise qualitativa e comparada demonstrou que os ecossistemas dos dois países podem ser caracterizados como endógenos, vez que apesar de possuir uma configuração aberta, apresentaram baixa articulação dos atores do setor público e assimetria da participação entre os atores do setor privado, terceiro setor e sociedade.

Observaram-se três princípios relacionados com rigor científico da pesquisa qualitativa - validade, confiabilidade e replicabilidade - para construção de uma base de dados com experiências de inovação no setor público, que possibilitam uma descrição longitudinal do fenômeno. Entretanto, como contribuição para fins gerenciais, as análises qualitativas comparadas realizadas comportam repositório de informações conferido aos gestores e formuladores de políticas públicas que almejam incrementar o desempenho dos projetos de inovação no setor público.

No entanto, o presente estudo possui limitações em função dos componentes de análise propostos não esgotarem outras classificações dispostas na literatura. Outrossim, a utilização de amostra circunscrita aos casos premiados de inovação do Brasil e Espanha permite a obtenção de validade destes países, porém a generalização dos resultados ao contexto de outros países é limitada.

Diante das limitações expostas, sugere-se agenda de pesquisas futuras com replicação desta pesquisa para investigação de projetos de inovação considerando a realidade de outros países, adaptando os fundamentos propostos para análise do ecossistema de inovação no setor público. Como linha futura de estudos, pesquisas quantitativas que estudem as relações entre a dimensão, categorias e variáveis caracterizadas também se apresentam como fonte de novas evidências de validade e de informações para a gestão de experiências de inovação nesse setor.

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Recebido: 01 de Fevereiro de 2022; Aceito: 01 de Abril de 2022

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