1.Introdução
As cirurgias realizadas em todo o mundo são cerca de 230 milhões e mais de 7 milhões resultam em complicações para o paciente, muitas vezes, passíveis de serem identificadas em diferentes fases da cirurgia (Patterson, 2009; Rinaldi et al., 2019).
No Bloco Operatório (BO) existe a premissa constante de procura da qualidade dos cuidados, porque as complicações geradas pela falta de segurança neste serviço podem tornar-se numa das principais causas de morte e deficiência para os pacientes (Bohomo & Tartal, 2013).
O programa “Cirurgia Segura Salva-Vidas” e a Lista de Verificação da Segurança Cirúrgica (LVSC) ou “Checklist Cirúrgica”, difundida em 2009 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), evidenciam a importância da segurança cirúrgica do paciente. A sua imperiosidade surgiu da necessidade de melhorar a segurança do paciente, face a um volume cada vez maior de cirurgias, da perceção de melhores resultados de saúde e com menor desperdício de recursos (Rodrigo-Rincon et al., 2015).
A LVSC foi desenvolvida com o intuito de ajudar as equipas cirúrgicas a reduzir a ocorrência de eventos adversos e sentinela, passíveis de danos aos pacientes, com um desenvolvimento baseado na simplicidade, ampla aplicabilidade e possibilidade de mensuração (Edwards, 2005). Para Ahmed et al. (2013) citados por Matos et al. (2021), a LVSC “representa uma estratégia (…) promissora, para a gestão da segurança do paciente, e tem sido utilizada como uma intervenção para a prevenção de falhas, padronizando as práticas e promovendo uma cultura de trabalho em equipa” (p. 241).
A realização da Cirurgia Segura é obrigatória para todos os blocos operatórios do Serviço Nacional de Saúde (SNS), exigindo a dinamização e desenvolvimento do trabalho em equipa e comunicação interpessoal, elucidando que a antecipação de eventos críticos nos diferentes tempos operatórios tem uma intervenção positiva na prevenção de complicações (Direção Geral de Saúde ENT#091;DGSENT#093;, 2013; Wu et al., 2017). A ilação retirada infere que a prevenção do erro e os resultados favoráveis de um procedimento cirúrgico, dependem de todo um trabalho de equipa num processo de cuidados individualizado ao paciente (Bohomo & Tartal, 2013; Wu et al., 2017).
Neste sentido, o presente estudo pretende ser o primeiro estudo de caso sobre a perceção dos profissionais de saúde da importância da implementação do programa “Cirurgia Segura Salva Vidas”, na qualidade dos cuidados prestados, num hospital público, decorridos 12 anos desde o início da implementação.
2.Enquadramento teórico
A segurança do paciente é um tema que sempre teve relevância nos cuidados de saúde, tendo sido iniciada uma discussão acerca da sua importância nos anos oitenta, na área da ortopedia, com um programa da American Academy of Orthopaedic Surgeons, o “Wrong Site Surgeons” (Meinberg & Stern, 2003). Na década seguinte, no final dos anos 90, o Institute of Medicine emitiu um relatório onde refere que um milhão de danos e quase 100 mil mortes ocorrem todos os anos nos Estados Unidos devido a eventos adversos (Institute of Medicine, 2001). Mais tarde, em outubro de 2004, surgiu um conjunto de políticas desenvolvidas em âmbito global pela OMS, quando foi criada a Aliança Mundial para a Segurança do Paciente (AMSP), que passou a definir temas prioritários a serem abordados a cada dois anos, conhecidos como Desafios Globais (OMS, 2009).
A OMS quando criou a AMSP, teve como objetivo principal o de impulsionar esforços globais para o fortalecimento da segurança do paciente em todos os seus países membros e para isso estabeleceu seis metas mundiais, nomeadamente a identificação correta do paciente, a comunicação efetiva, a segurança do processo do medicamento, a cirurgia segura, a redução do risco de infeções associadas aos cuidados de saúde e a prevenção de quedas (Grazziano et al., 2016).
De entre as várias medidas tomadas pela AMSP está a criação, em 2008, do desafio global “Cirurgias Seguras Salvam Vidas”, preconizando protocolos de segurança cirúrgica, cujo principal “objetivo era a redução do número de mortes e danos relacionados com os procedimentos cirúrgicos em todo o mundo, através da definição de um conjunto central de normas de segurança, que fossem aplicadas universalmente” (Matos et al., 2021, p. 239).
Neste âmbito foi implementada a LVSC, a qual consiste numa confirmação oral pela equipa cirúrgica sobre a realização das etapas básicas para assegurar um procedimento anestésico seguro, a profilaxia contra infeções, o trabalho em equipa e outras práticas essenciais numa cirurgia (Haynes et al., 2009). Segundo a OMS (2009), a utilização de uma lista de verificação tem várias vantagens, nomeadamente, ajuda a sistematizar e recordar questões de rotina que são facilmente esquecidas em pacientes críticos ou situações de stress; clarifica as etapas mínimas num processo complexo; promove a comunicação e o trabalho em equipa; e, estabelece a base para um elevado nível de desempenho.
Seguindo as diretrizes da OMS, são destacados três momentos chave durante o ato cirúrgico e abrangidos os pontos considerados críticos para a promoção e manutenção da segurança do paciente (Matos et al., 2021):
1. Sign in ou identificação, aplicado antes da indução anestésica, onde deve ser verificado verbalmente o nome do cliente e o local em que será́ realizado o procedimento. É neste momento que se verifica o consentimento informado, se está assinado e autorizado. Deve ser validado com a equipa da anestesia se existe dificuldade quanto ao acesso da via aérea do paciente, risco de aspiração ou alguma alergia.
2. Time out ou confirmação é realizado antes da incisão na pele. É o momento da pausa cirúrgica, onde é confirmado novamente o nome do cliente, o procedimento a ser realizado, o local de incisão, o uso de profilaxia antibiótica e tromboembólica, e a disponibilidade dos exames laboratoriais e de imagem. Todos os profissionais que estão na sala operatória deverão se apresentar com nome e função, em seguida, o cirurgião e o enfermeiro coordenador validam os pontos críticos para a cirurgia, tempo e perdas hemáticas.
3. Sign out ou registo deve ser aplicado antes do cliente sair da sala operatória, com confirmação do número de compressas e instrumentos, identificação das peças anatómicas ou amostras obtidas, avaliando quaisquer informações de danos em equipamentos, e antes que o paciente seja encaminhado para a unidade de cuidados pós-anestésicos, são validadas as perdas efetivas com o cirurgião.
Na prática, estas fases de verificação são um continuum e recomenda-se que o mesmo seja realizado por um único profissional, que é chamado de coordenador da lista, normalmente o enfermeiro circulante. O coordenador da lista precisa de ter o conhecimento de todo o processo anestésico-cirúrgico, podendo interromper o processo ou impedir o avanço no caso de algum item insatisfatório. Quando o coordenador faz a verificação da lista juntamente com a equipa multiprofissional e o paciente, o procedimento é realizado com sucesso (Patterson, 2009).
Em Portugal, a LVSC é uma das estratégias adotadas pelo Plano Nacional de Segurança do Paciente, como sendo um procedimento relativamente simples, com potencial para a redução de danos relacionados a procedimentos cirúrgicos. Objetivando uma uniformização de procedimentos, a Direção Geral de Saúde (DGS) criou a “Norma Cirurgia Segura, Salva-Vidas”, com objetivo de melhorar a segurança cirúrgica, evitar mortes e complicações, permitindo medir o impacto da utilização de instrumentos de gestão de risco na qualidade dos resultados dos procedimentos cirúrgicos (DGS, 2013).
Desde o início do seu desenvolvimento, diversos estudos verificaram que a implementação da LVSC, foi capaz de reduzir a mortalidade cirúrgica, as complicações pós-operatórias e custos para o hospital, além de ajudar a consciencializar o papel de cada um na equipa, aumentando a discussão sobre possíveis eventos críticos (Haynes et al., 2009; Takala et al., 2011).
O hospital em estudo é classificado como hospital central e credenciado como entidade pública empresarial (EPE) desde 2007. Nesta entidade são prestados cuidados assistenciais, em contextos de urgência/emergência, cirúrgicos e internamentos. A sua missão é prestar cuidados diferenciados adequados e em tempo útil, garantindo padrões elevados de desempenho técnico-científico (SNS, 2016).
Nesta instituição, a LVSC teve início em 2010, numa aplicação informática baseada na checklist da OMS. Na prática, apresentava muitas lacunas em termos de preenchimento e muito dependente do funcionamento da própria intranet do hospital, o que conduzia a tempos longos de preenchimento e não cumprimento dos tempos preconizados. Mais tarde, para colmatar estas falhas de preenchimento, a LVSC passou a ser registada na plataforma da DGS, no próprio Registo de Saúde Eletrónico do paciente, o que melhorou bastante as lacunas dos dados em falta, mas que tornou todo o processo de registo dependente da interface entre o programa de processo clínico eletrónico em utilização no hospital, o ALERT™, e a plataforma da DGS. Em termos de resultados finais, existiam vários processos sem preenchimento, por isso, apesar de ser sempre realizada a cirurgia segura salva-vidas, não existia evidência da sua realização. Nestas situações, foi sempre registado em suporte papel estes dados, bem como reportado à entidade da DGS e aos auditores externos ao processo.
Desde 2021 que a LVSC foi inserida no atual programa de registo do BO, Patient Care(, o que permitiu que as dificuldades de registo fossem totalmente ultrapassadas, não existindo problemas na efetivação dos registos.
A nível interno do serviço, a equipa responsável pela LVSC é a Diretora do BO e uma Enfermeira Especialista Dinamizadora dos Sistemas e Tecnologias de Informação. Em 2018/2019 foram efetuadas sessões formativas de conhecimento e esclarecimento pela Enfermeira Dinamizadora do programa “Cirurgia Segura Salva-Vidas” em todos os serviços cirúrgicos, com melhorias reconhecidas por toda a equipa, em termos de reconhecimento e consciencialização da importância da realização e preenchimento.
3.Método
O método de investigação utilizado foi o estudo de caso. Este é um método de investigação empírica, que objetiva o estudo de um fenómeno contemporâneo de forma profunda e no seu contexto atual e real. É uma forma de pesquisa que utiliza, normalmente, dados qualitativos, podendo ser coadjuvados com dados quantitativos, recolhidos a partir de eventos reais, com o objetivo de explicar, explorar ou descrever fenómenos atuais inseridos no seu próprio contexto (Martins, 2008).
Com este estudo de caso pretendemos analisar a perceção dos profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) sobre a importância da implementação do programa “Cirurgia Segura Salva-Vidas”, bem como do seu registo, na qualidade dos cuidados prestados, num BO de um hospital central da região Alentejo, decorridos doze anos desde o início da implementação.
Desta forma, realizou-se uma pesquisa de campo, com abordagem exploratória e descritiva, em que um dos métodos de colheita de dados utilizado foi o grupo focal, o qual constitui uma técnica que objetiva a recolha de dados, podendo ser utilizada em diferentes momentos do processo de investigação. Segundo Trad (2009), é uma técnica que tem vindo a ser utilizada para explorar as conceções e experiências dos participantes, de forma isolada ou combinada com outras técnicas de colheita de dados primários, que deve ser usada para avaliar o que as pessoas pensam, mas também como pensam e porque pensam daquela forma.
Para além do grupo focal, como forma de recolha de dados, foram realizadas entrevistas com guião orientador e método observacional.
A amostra foi constituída por 55 indivíduos, selecionados de modo intencional. Os critérios de inclusão na amostra foram o desempenho de funções (médicas e de enfermagem no BO) com envolvimento no preenchimento da LVSC e a aceitação em participar na recolha e partilha de dados de forma voluntária. Na prática foram abordados todos os profissionais disponíveis para responder.
Os participantes no estudo foram divididos em três grupos focais. O primeiro foi composto por 6 profissionais de enfermagem da área da cirurgia ortopédica; o segundo por 10 profissionais de enfermagem da área da cirurgia geral; e, o terceiro foi composto por profissionais médicos e enfermeiros, num total de 10 indivíduos. A sua duração foi em média 20 minutos. Considerando a nossa questão de investigação, com necessidade de compreensão e discussão entre pares, foram definidas cinco fases inerentes à realização dos grupos focais, nomeadamente a fase de planeamento, de preparação, de moderação, de análise dos dados e divulgação dos resultados (Krueger & Casey, 2009).
As entrevistas foram realizadas de forma individual a 29 participantes e tiveram uma duração compreendida entre os cinco e os dez minutos.
Tanto os grupos focais como as entrevistas foram realizadas na sala de reuniões do BO do hospital em estudo, durante o horário de trabalho dos participantes, por um único investigador, o qual teve em conta no seu registo dos dados as expressões faciais, gestos e tom de voz dos participantes no estudo, não tendo havido recurso a meios audiovisuais e sendo realizada a transcrição integral de todas afirmações.
A análise dos dados das entrevistas foi feita mediante a técnica de análise de conteúdo, com sequência cronológica de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação (Bardin, 2011). Os dados dos grupos focais foram registados e analisados pela técnica de brainstorming não estruturada (Putman & Paukus, 2009). Definiram-se como categorias de análise dos dados: a influência do preenchimento da LVSC nos cuidados prestados aos utentes; a identificação de critérios de qualidade, risco e segurança dos cuidados; o significado da LVSC para os profissionais; e a comunicação estabelecida na equipa e a formação acerca da LVSC. Não foram realizados cruzamentos de dados sociodemográficos dos participantes com as narrativas obtidas.
O método observacional foi aplicado apenas aos enfermeiros, já que são o grupo profissional envolvido no processo efetivo de registo da LVSC. Esta colheita foi realizada desde o acolhimento ao paciente no BO, até à sua transferência para a unidade de cuidados pós anestésicos, após a cirurgia.
O período de recolha e análise dos dados decorreu entre abril e maio de 2022, no qual no hospital em estudo foram realizadas uma média de 800 cirurgias. O estudo teve início após parecer favorável do Conselho de Administração do Hospital, bem como da Comissão da Ética para a Saúde, com os números de parecer 626-040/22. Foram garantidos o sigilo e o anonimato dos participantes envolvidos na investigação, sem qualquer identificação do profissional de saúde.
4.Análise e Discussão dos Resultados
Os dados recolhidos mostram a perceção dos grupos profissionais, médicos e enfermeiros (Figura 1), envolvidos na realização e registo, com diagnósticos da situação e identificação de possíveis melhorias. Tendo em conta as especificidades, em termos de papel que desempenham no processo, foram analisados individualmente os grupos profissionais de médicos e enfermeiros.
Os profissionais de saúde médicos avaliados pertenciam a cinco especialidades da carreira médica, entre as quais, anestesiologistas e cirurgiões. A maioria era do sexo feminino, 61% (Figura 2), tinham uma idade entre os 31-40 anos (30%), com habilitações académicas (Figura 3) ao nível da licenciatura (83%).
Quando questionados sobre a influência da LVSC nos cuidados prestados aos pacientes apenas dois médicos não reconheceram a sua importância, considerando que a influência da LVSC, no cuidado, não existe, porque “se todos cumprirmos as nossas funções é igual” e que “é só mais um critério”.
Treadwell et al. (2014) citados por Matos et al. (2021) referem que as barreiras para a implementação da LVSC incluem a confusão relativamente a alguns aspetos práticos da sua utilização, a gestão da sua implementação mantendo um fluxo de trabalho eficiente e as crenças e atitudes de alguns profissionais para com a lista.
A maioria dos profissionais identificou os critérios de qualidade, risco e segurança como os mais relevantes em termos de objetivo da cirurgia segura, com descrições como:
“Torna o procedimento cirúrgico mais seguro e com menos erros”;
“Garante uniformização de procedimentos e diminui os riscos de erros”;
“Critério de qualidade dos cuidados que prestamos”;
“Garante mais segurança para pacientes e profissionais”.
Podemos, ainda, validar estes resultados na pergunta sobre qual o significado da LVSC para os profissionais, em que a maioria identificou ser uma “fonte de comprovação do cuidado e da qualidade do procedimento”.
A implementação da LVSC tem sido associada a reduções concomitantes nas taxas de morte e complicações entre pacientes submetidos a cirurgias, num grupo diversificado de hospitais (Haynes et al., 2009; Panceri et al., 2013; Rinaldi et al., 2019).
Interessante verificar que num grupo focal, um profissional refere que a LVSC é um instrumento que tem o cerne do seu desenvolvimento na comunicação, afirmando que “a checklist da cirurgia segura é um instrumento desenvolvido para nos ensinar a comunicar entre equipa”. Para além da especificidade desta afirmação, a comunicação entre equipa foi um ponto referido como importante por parte dos profissionais de enfermagem. Estas informações recolhidas realçam a importância de que no BO, e mais especificamente o ambiente peri-operatório, requer uma comunicação entre equipas multiprofissionais, com necessidade de promoção de reflexões e debates, objetivando a qualidade dos cuidados centrados no cliente (Lingard, 2012).
A comunicação permite de facto uma melhor realização e registo da LVSC, reconhecido pela maioria dos profissionais para que os erros sejam evitados. Sabemos que a comunicação em equipa diminui erros e eventos adversos, mas também a comunicação entre profissional e paciente, que deve ser sempre centrada nas suas necessidades, deve ser eficaz e eficiente (Lingard et al., 2006).
O BO, pelas caraterísticas inerentes aos cuidados, é um dos locais de exercício profissional com maior probabilidade de erros e acidentes, potencialmente evitáveis (Zegers et al., 2011). A atividade que se desenvolve nestes serviços reveste-se de elevada complexidade pelas múltiplas varáveis a que naturalmente está submetida, inerente a uma ação interdisciplinar e multiprofissional que envolve fatores da equipa e da organização.
A necessidade de formação contínua entre equipas foi identificada por mais de 90% dos participantes, com justificativas de garantir mais segurança, através da comunicação individual e em equipa. Na verdade, foram ao longo dos últimos anos feitas algumas formações sobre o preenchimento da LVSC, ao nível da equipa do BO e ao nível das equipas cirúrgicas, que contribuiu para uma consciencialização e adesão ao preenchimento; no entanto, existirá sempre uma necessidade de formação contínua reconhecida, quer pelos novos profissionais, quer pela acomodação.
Tostes e Galvão (2019) citados por Matos et al. (2021) referem que o ensino sobre a LVSC, o treino prático da equipa para a sua utilização, a simulação na formação em equipa são alguns dos fatores facilitadores para a sua implementação
Os profissionais de enfermagem abordaram questões relativamente à prática de realização de registos da LVSC, para além das perguntas partilhadas pelos profissionais médicos relativamente à segurança do paciente.
A maioria dos profissionais eram do sexo feminino, 91% (Figura 4), com mais de 30 anos (97%) e habilitações ao nível da licenciatura (84%). Quase 50% dos profissionais trabalhavam no BO (Figura 5) há mais de 21 anos (44%).
Todos os profissionais apontaram bastantes melhorias na agilidade de registo da checklist com a nova plataforma Patient Care(, onde são efetuados todos os registos cirúrgicos e ninguém referiu dificuldades atuais no preenchimento.
Importa referir que desde a sua implementação, em 2010, que a plataforma e software de registo não tem sido sempre a mesma e desde há um ano que o registo é feito no atual programa Patient Care(, sem problemas de efetivação de registo.
A qualidade, risco e segurança foi referido pela maioria dos enfermeiros, quando questionados sobre a influência da checklist nos cuidados prestados aos pacientes, afirmando que:
“É um critério de qualidade dos cuidados que prestamos”;
“Ajuda a melhorar e prestar melhores cuidados”;
“Melhora a qualidade porque temos sempre este alerta para vários pontos”;
“Torna os procedimentos cirúrgicos mais seguros e com menos erros”.
No entanto, três dos profissionais enfermeiros não identificaram quaisquer benefícios, manifestando afirmações como:
“Nos cuidados que eu presto não tem qualquer influência”;
“É só mais um critério”.
Em resposta à questão sobre o significado LVSC, quase 90% responderam ser uma fonte de comprovação do cuidado e de qualidade do procedimento (86%). Não obstante, um dos profissionais considerou não ser importante e três consideraram que poderia ser substituído por uma entrevista.
Também, no que concerne à formação, 81% identificou como importante a formação contínua justificando a necessidade de uniformizar e atualizar conhecimento.
Os profissionais envolvidos num dos grupos focais referiram que só o facto de estarem todos juntos e ouvirem o que os outros têm a dizer sobre o assunto ou vários pontos do preenchimento, já identificaram como melhoria formativa e conseguem esclarecer e partilhar dúvidas.
A OMS, para além do registo da LVSC, recomenda que exista um ciclo de melhoria contínua nas instituições onde o procedimento está implementado, que contemple a avaliação da cultura de segurança do paciente. Esta cultura de segurança do paciente torna-se primordial para a qualidade dos cuidados em saúde, que como processo dinâmico deve contemplar políticas de saúde que considerem uma identificação e avaliação dos riscos, como implementação de ações de melhoria nas áreas identificadas como primordiais (Reis & Silva, 2014).
Segundo Fragata (2012), as instituições e organizações que prestam cuidados de saúde devem ter políticas de gestão que tenham em conta e trabalhem a cultura de segurança de forma eficaz, com compromisso constante com a segurança do paciente, que podem passar por implementar novas estratégias ou novos instrumentos, que de certa forma capacitam os profissionais na sua dimensão de grupo e organização.
Os participantes no estudo apresentam um conhecimento fundamentado sobre a importância da cirurgia segura na qualidade dos cuidados, com informações esclarecidas e abrangentes quanto ao uso da checklist. A análise dos resultados revela que os enfermeiros e médicos consideraram-na como importante na qualidade dos cuidados prestados e na prevenção de erros.
Esta questão foi equacionada e prevista pela OMS, quando estimou uma diminuição de 500 mil óbitos a partir do uso da LVSC, com base num estudo que previamente tinha avaliado pacientes antes e depois da utilização da checklist, com resultado da redução de complicações em 36% e 47% de mortalidade (OMS, 2009).
Com base nos resultados e codificações primárias encontradas conseguimos delimitar quatro metas consideradas importantes e com definição de objetivos a atingir, nomeadamente: adesão à LVSC, identificação do paciente, consentimento informado e marcação do local cirúrgico.
4.1 Meta 1: Adesão à LVSC
Foi constatado uma elevada adesão à realização e registo da LVSC e as causas do não preenchimento foram consequência de questões administrativas, nomeadamente pacientes provenientes do Serviço de Urgência ainda sem número de processo ou transferidos da Unidade de Cuidados Intensivos, sem procedimento cirúrgico atribuído. Em todos estes casos de não preenchimento, a LVSC foi realizada, apenas não foi efetivado o seu registo, pelo que a adesão é considerada positiva.
A equipa de enfermagem identificou que a alteração da plataforma de registo melhorou e motivou o seu preenchimento para a grande maioria dos profissionais. Num dos grupos focais realizados com a equipa de enfermagem, foi referido que tem existido uma melhoria e maior envolvimento dos profissionais médicos para a realização da cirurgia segura.
Dois enfermeiros apontaram que as perguntas relativamente ao tempo e perdas sanguíneas, inerentes e previsíveis à cirurgia, parecem sensibilizar alguns cirurgiões.
No BO em estudo, o responsável pelo preenchimento da LVSC é o enfermeiro circulante; no entanto, os enfermeiros maioritariamente afirmam ser uma responsabilidade partilhada com o enfermeiro de anestesia, tanto na realização como no preenchimento.
4.2 Meta 2: Identificação do paciente
A identificação do paciente é fundamental para a sua segurança em todos os momentos decorrentes da prestação de cuidados de saúde (Sales et al., 2021).
Ao longo dos cinco anos do Plano Nacional de Segurança do Paciente (2015-2020), foi fomentado a segurança do paciente no SNS, com melhorias ao nível de questões específicas como: a cultura de segurança, a identificação inequívoca de pacientes, a cirurgia segura, a prevenção de úlceras por pressão, a segurança da medicação, a prevenção de quedas, as infeções associadas aos cuidados de saúde, a par da notificação de incidentes de segurança (Ministério da Saúde, 2015). De acordo com o atual Plano Nacional de Segurança do Paciente 2021-2026, à semelhança do anterior, a confirmação da identificação do paciente deve sempre ocorrer, antes de qualquer intervenção, seja referente ao diagnóstico, ao tratamento ou à prestação de serviços de apoio. Além disto, deve-se assegurar a exata correspondência da intervenção a realizar com o paciente certo (Ministério da Saúde, 2021).
Todos os pacientes admitidos e internados no hospital estão identificados com pulseira identificadora, colocada no paciente, após confirmação com o mesmo dos dados nela constantes. No BO, todos os pacientes submetidos as intervenções cirúrgicas encontram-se identificados com a pulseira, com confirmação verbal pelo paciente de todos os dados identificativos durante o processo sign in da LVSC.
4.3 Meta 3: Consentimento Informado
Verificou-se uma elevada qualidade no preenchimento da LVSC, com maior rigor na verificação do consentimento informado, da administração da profilaxia com antibiótico e profilaxia do tromboembolismo pulmonar, na fase do sign in. O item que mais análise suscita é o consentimento informado livre e esclarecido, não só pela ausência do seu preenchimento, como a não conformidade relativamente à uniformização pela norma utilizada no hospital.
Nos casos em que se verifique que o termo de consentimento não está assinado, o responsável pela LVSC alerta o cirurgião para este facto. Nestas situações existem diferenças no preenchimento da checklist, isto porque há profissionais que estando validado verbalmente consideram como “sim”, enquanto outros consideram apenas quando está assinado o termo de consentimento. É importante referir que em auditorias externas realizadas pela DGS, foi sugerido a uniformização do termo de consentimento informado e que o hospital tem vindo a fazer, com colaboração entre a Comissão de Ética, a Comissão da Qualidade e Segurança e BO. Percebemos que existe de facto uma necessidade de uniformizar esta abordagem, objetivando a qualidade dos cuidados.
4.4 Meta 4: Marcação do local cirúrgico
A marcação da lateralidade e do local a ser intervencionado é referido na norma da DGS (DGS, 2013) e está contemplado no protocolo da cirurgia segura do BO; no entanto, não foi verificado em nenhum paciente e não foi referido diretamente por nenhum profissional como o ponto mais relevante. Profissionais médicos e enfermeiros referiram que validam sempre a lateralidade com o paciente, apesar de não estar identificado com marcador de pele, procedimento que deve ser feito ainda no internamento pelo cirurgião.
Esta atitude permite evitar que a cirurgia segura ocorra no local errado, com grandes prejuízos à integridade física do paciente. Apesar disso, muitos dos profissionais enfermeiros manifestam que há cirurgias onde estas questões não se equacionam, como por exemplo, nas cirurgias por via laparoscópica.
Também no grupo focal com enfermeiros da cirurgia do foro ortopédico, referiram que em cirurgias de membros inferiores, o membro que não vai ser intervencionado tem sempre meia de compressão, pelo que é uma forma de validar a lateralidade. Foi identificado pelos próprios profissionais médicos de que existe falta de consciencialização por parte dos cirurgiões da necessidade de realizar e identificar a lateralidade.
5.Considerações Finais
A análise feita neste estudo permitiu analisar e compreender a relevância da LVSC e de que forma os profissionais nela envolvidos reconhecem a sua importância e utilidade nos cuidados prestados aos pacientes. Como instrumento de avaliação da qualidade dos cuidados, permite tornar o ambiente e contexto peri-operatório mais seguro e centrado nos pacientes e nas suas necessidades individuais, numa forma holística e direcionada.
São reconhecidos benefícios e vantagens na sua aplicabilidade, como ferramenta de melhoria da qualidade e minimização de eventos adversos, mas ainda com potencialidades de melhoria. A realização da LVSC é um procedimento de fácil execução, com potencialidade evidenciada e reconhecida na melhoria da qualidade dos cuidados.
6.Limitações
Este estudo de caso apresenta algumas limitações, nomeadamente a sua natureza descritiva e exploratória, a qual não permite generalizar os resultados encontrados e o facto de o hospital em estudo ter aplicações próprias para registo da LVSC.
Neste contexto, seria relevante alargar estas pesquisas a outras instituições de igual ou semelhante dimensão, pela partilha e desenvolvimento de estratégias de melhoria contínua.