1.Introdução
Historicamente, a formação em saúde no Brasil acompanhou as exigências do mercado de trabalho, sendo também influenciada por aspectos econômicos, políticos e sociais. Desse modo, a organização curricular dos centros formadores era pautada na formação técnica e curativa, ratificando o modelo biomédico e intensificando os processos de medicalização da saúde (Ribeiro & Ferla, 2016). Segundo Leal et al. (2022), romper com esses paradigmas, de modo a oportunizar um ensino pautado em competências, têm sido desafiador para docentes e instituições de ensino superior.
A competência profissional na área da enfermagem abarca uma combinação de elementos, tais como: conhecimentos, habilidades e atitudes os quais estão interligados a um contexto complexo e mutável (Valizadeh et al., 2019). Tem-se, cada vez mais na sociedade moderna, a necessidade de formar enfermeiros competentes e propiciar ferramentas para a edificação de competências gerenciais (Najafi-Kalyani et al., 2019).
Seguindo os conceitos apresentados por Zarifian (2003, 2009, 2011), competência é a aptidão de unir indivíduos em torno de uma determinada situação, dividindo desafios e assumindo compromissos. Esse comprometimento está baseado habilidade de proatividade e assumir a responsabilidade em situações enfrentadas no trabalho, calcadas no conhecimento e na inteligência prática.
No âmbito do ensino em enfermagem, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) apresentam competências gerais para a formação do enfermeiro: atenção à saúde, tomada de decisão, liderança, comunicação, administração e gerenciamento e educação permanente (Brasil, 2001).
Nessa direção, o ensino de gerenciamento em enfermagem é imprescindível para formar enfermeiros qualificados e capazes de lidar com questões gerenciais em seu cotidiano profissional. Portanto, faz-se relevante uma atuação docente ancorada em métodos pedagógicos que corroborem com o desenvolvimento dessas competências, bem como instituições de ensino que possibilitem ensejos que também as priorizem (Santos et al., 2017).
Sabe-se que o ensino de competências gerenciais na graduação em enfermagem é tão importante quanto as competências clínicas aprendidas, uma vez que assistência e gerência são cenários interligados. No entanto, evidências científicas sugerem dificuldades e lacunas para desenvolver competências gerenciais na formação do acadêmico em enfermagem, sobretudo por ser uma temática discutida, majoritariamente, nos anos finais do curso, limitando o tempo em que o aluno teria para desenvolvê-las e aprimorá-las com afinco (Barbosa et al., 2018).
Desse modo, este estudo apresenta os seguintes questionamentos: Quais são as competências gerenciais mais desafiadoras para o processo ensino-aprendizagem de estudantes de enfermagem e Por quê?; Quais são as estratégias de aprendizagem no desenvolvimento dessas competências?
Observa-se, portanto, a importância de estudos qualitativos que possam identificar, caracterizar e analisar os substratos e percepções da área da formação em saúde, em especial enfermagem, para que se possa fomentar e qualificar o ensino. A partir das respostas advindas dos questionamentos supracitados, será possível identificar os principais desafios, bem como as estratégias de aprendizagem que os docentes podem desenvolver e/ou aprimorar para auxiliar no processo formativo desses alunos.
Frente ao exposto, o objetivo desta pesquisa é identificar os principais desafios para os estudantes de enfermagem desenvolverem competências gerenciais e as estratégias de aprendizagem segundo a ótica dos docentes de enfermagem.
2.Método
Trata-se de um estudo exploratório de abordagem qualitativa dos dados, desenvolvido em uma Instituição de Ensino Superior (IES) brasileira, de um município do interior do estado de São Paulo. A universidade oferece os cursos de enfermagem dos tipos bacharelado e bacharelado e licenciatura.
Foram convidados 23 docentes das áreas de administração e gerenciamento no contexto hospitalar e estágio supervisionado em enfermagem hospitalar, por serem disciplinas relacionadas ao desenvolvimento de competências gerenciais. Esses docentes foram convocados por meio de carta convite ou e-mail, e foram selecionados aqueles que possuíssem acima de dois anos de experiência na área.
Realizou-se a coleta de dados em março de 2020, por meio da técnica de Grupo Focal (GF), sendo os grupos mediados por uma coordenadora e uma observadora, vinculadas à mesma instituição e sem conflitos de interesse. A técnica GF serve para suscitar situações de debate em grupo e situações problemas. O GF garante ao pesquisador apreender informações in loco dos participantes da pesquisa. Os resultados são obtidos a partir das colocações feitas pelo grupo (Silva et al., 2013).
Ressalta-se que, para realização dos GFs, foram seguidas as etapas do referencial metodológico proposto por Gatti (2012) que institui: 1º passo: Período de sensibilização, seleção e montagem dos GFs; 2 º passo: Desenvolvimento dos GFs: organização e composição do ambiente e 3 º passo: A condução dos GFs. A esse respeito, a condução do GF foi precedida com a aplicação de um questionário, a fim de caracterizar os participantes, construído pela pesquisadora. Para o decorrer das discussões em grupo, utilizou-se um guia com questões norteadoras dissertativas: “Quais competências gerenciais são emergentes para o ensino ao estudante de enfermagem?” e “Quais estratégias tem sido utilizadas para implementá-las na graduação?” O roteiro foi elaborado no intuito de orientar os grupos focais, sendo construído a partir da literatura científica e da experiência dos pesquisadores quanto ao tema e foi validado e testado por especialistas.
A coleta foi realizada em sala reservada, na própria instituição de ensino, considerando a data e horário de disponibilidade dos participantes.
Destaca-se que o ambiente foi preparado para a recepção dos docentes, atentando-se para as necessidades de ventilação e iluminação adequadas.
O conteúdo foi audiogravado, analisado via temática indutiva, sendo também realizados registros nos diários de campo, e posteriormente. Os preceitos da análise temática indutiva foram: transcrição e leitura dos dados; codificação; investigação dos temas por meio de ajuntamento; revisão; análise para aperfeiçoar as peculiaridades dos temas e análise final (Braun & Clarke, 2006). A fase de análise foi realizada por dois pesquisadores experientes e com formação no método supracitado.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição proponente segundo o protocolo CAAE: 21390619.1.0000.5393. Os objetivos do estudo, os preceitos éticos e o anonimato foram esclecidos aos participantes, sendo a coleta de dados iniciada após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A pesquisa foi desenvolvida de forma a garantir o exercimento dos princípios da Resolução 466/12 referente a pesquisas que envolvem seres humanos.
3.Resultados
Participaram 12 (52,17%) docentes e os demais convidados, 10 (43,47%) recusaram devido à indisponibilidade. Evidenciou-se a predominância do sexo feminino em 11 (91,66%) e as idades variaram de 36 a 64 anos. O tempo de formação variou de 14 a 43 anos e de atuação na instituição de ensino, de 2 a 16 anos. Todos os participantes possuem titulação em doutorado, sendo que 5 (41,66%) possuem Pós-graduação nível Pós-doutorado e 7 (58,33%) possuem Livre docência.
Realizou-se três GFs com os docentes, com quatro participantes em cada, perfazendo uma duração média de 50 minutos. As discussões mostraram que as competências mais desafiadoras são: comunicação, tomada de decisão e liderança do aluno, relacionamento interpessoal e negociação de conflitos.
A partir das respostas emergidas, foram elaboradas duas categorias: Categoria 1: Principais desafios para o desenvolvimento de competências gerenciais e subcategorias: O desafio de uma comunicação assertiva; Liderança e tomada de decisão; Relacionamento interpessoal e negociação de conflitos; A imaturidade e a inexperiência do aluno e os desafios do trabalho docente para desenvolver competências.
A categoria 2 abordou: Estratégias de aprendizagem para desenvolver e potencializar competências gerenciais; e foi formada pelas seguintes subcategorias: Estimulação da iniciativa e do raciocínio gerencial; Empoderamento incentivado pelo docente e autorresponsabilidade do aluno; Metodologias de ensino diversas; Simulações: ferramentas poderosas; e A prática nos serviços de saúde: contexto profícuo para desenvolver competências. As categorias e subcategorias estão esquematizadas na figura 1.
3.1 Categoria 1 - Principais desafios para o desenvolvimento de competências gerenciais
Nesta categoria, serão evidenciados os principais desafios para o desenvolvimento de competências gerenciais em estudantes de enfermagem, incluindo os desafios vivenciados pelos docentes, que impactam diretamente no processo de ensino-aprendizagem.
Subcategoria 1 - O desafio de uma comunicação assertiva
Os docentes expuseram as dificuldades dos alunos em se comunicar assertiva e claramente no âmbito do trabalho, sendo, portanto, uma comunicação não adequada. Tal fato pode comprometer diretamente o exercício do cuidado em enfermagem e inclusive entre a equipe multiprofissional:
A comunicação é trabalhada desde o início da formação e mesmo assim é a grande dificuldade deles [...] para lidar com os pacientes [...] comunicar com os outros membros da equipe [...] e eu acho que isso a gente tem que trabalhar cada vez mais porque isso depois vai acabar impactando na liderança e na tomada de decisão. E muitas vezes acontecem alguns entraves nessa comunicação que podem colocar em risco aquilo que se pretende informar [GF1].
A comunicação tem um impacto no processo do cuidado e também na segurança do paciente [GF3].
3.1.2 Subcategoria 2 - Liderança e tomada de decisão
A liderança e a tomada de decisão foram elencadas como fundamentais, no entanto, o aluno vivencia desafios e dificuldades para a sua aplicabilidade, incluindo a imaturidade e a inserção em um campo prático e de maneira mais autônoma:
Liderança [...] eu acho que é uma das competências mais importantes e tudo que envolve administração e gerência, a gente pode dizer que há competências ligadas a essa, pois o aluno não tem maturidade e não sabe se impor para ser líder [GF4].
Primeiro a tomada de decisão, pois ele precisa de conhecimento para tomar decisão, e depois a liderança porque a gente percebe, principalmente quando a gente vai para o hospital, que é a grande dificuldade do aluno [GF1].
3.1.3 Subcategoria 3 - Relacionamento interpessoal e negociação de conflitos
O relacionamento interpessoal e a gestão de conflitos no âmbito da saúde são desafiadores, uma vez que o aluno tende a vivenciar essas situações na prática, as quais se apresentam de forma complexa:
O gerenciamento da relação interpessoal e de conflitos tem sido uma das coisas que os alunos quando vão para esse último estágio e eles começam a ver um cuidado mais gerencial. Eu vejo que gerenciar esses conflitos e esse relacionamento interpessoal é um grande desafio, porque envolve transformar a realidade teórica em uma coisa prática [GF3].
Destarte, a negociação de conflitos e o relacionamento interpessoal estão associados à comunicação, fato este que justifica as dificuldades de manejo:
[...] ter a competência de lidar com os conflitos é um complemento das questões voltadas para comunicação [GF4].
O problema da relação interpessoal eu acho que se associa bem com essa questão da comunicação. A relação interpessoal eu acho que é o maior dificultador para ele fazer um enfrentamento [GF3].
3.1.4 Subcategoria 4 - A imaturidade e a inexperiência do aluno
Outro ponto desafiador salientado pelos docentes, refere-se à imaturidade e à inexperiência de vida do aluno, o que impacta diretamente no entendimento e na percepção da significância dessas competências para a sua atuação profissional:
A inexperiência de vida [do aluno], então a gente [professor] precisa de um certo tempo cronológico para poder ir se apropriando dessas coisas [GF1].
Às vezes no começo da nossa disciplina ele é um aluno que não tem nenhum tipo de iniciativa, ele tem iniciativa, mas ele não consegue tomar qualquer decisão e é totalmente dependente, a reflexão ainda é incipiente, ele ainda não vê elementos do trabalho gerencial do enfermeiro, ele ainda não entende os instrumentos gerenciais [GF1].
As vivências pessoais, o processo de adaptação, a sobrecarga e a idade do aluno, também tendem a impactar nessa imaturidade/inexperiência:
Eu acho que a gente tem várias questões que envolvem uma formação que não são apenas profissionais, mas também são de natureza pessoal. O aluno chega para nós, ele é muito jovem, imaturo, tem uma série de questões pessoais [...] falta de apoio, não é só sócioeconômico mas problemas familiares importantes que muitas vezes é ele que acaba sobrecarregado com demanda da própria família [...] situações mais diversas possíveis existem [...] [GF3].
3.1.5 Subcategoria 5 - Os desafios do trabalho docente para desenvolver competências
A despeito dos desafios dos estudantes, tem-se também percalços que se relacionam com o trabalho docente e impactam no aprendizado de competências gerenciais. Na perspectiva dos docentes, a limitação de tempo, mesmo com a carga horária elevada, não consegue suprir a temática com plenitude:
A gente não esgota esses conteúdos na graduação, e eu penso que com a nossa carga horária, que não é pequena, a gente não dá conta e não consegue fazer isso, a gente tenta [...] mas a gente não esgota [...] [GF4].
O estágio supervisionado sob responsabilidade do docente já é sobrecarregado, e com limitações de tempo, impactam no ensino dessas competências, assim como as tentativas constantes de obter estratégias diversificadas, inovadoras e que possibilitem um exitoso processo de ensino-aprendizagem nesta temática:
Questão do estágio, tudo fica sobre o docente, sabe? Porque é impossível na nossa estrutura de hoje o docente conseguir fazer pesquisa, fazer extensão e o ensino ao mesmo tempo e conseguir ficar o tempo que a gente acredita que é o ideal no estágio com o aluno [GF3].
3.2 Categoria 2 - Estratégias de aprendizagem para desenvolver e potencializar competências gerenciais
Esta categoria elucida estratégias de aprendizagem para o desenvolvimento e potencialização de competências. Outrossim, os docentes ressaltam alternativas que utilizam ou que poderiam ser utilizadas para fortalecer o ensino.
3.2.1 Subcategoria 1 - Estimulação da iniciativa e do raciocínio gerencial
O estímulo da iniciativa foi destacado como pertinente para o desenvolvimento da proatividade, corroborando com uma atuação mais independente do estudante de enfermagem:
Eu estimulo que ele exerça essa habilidade de chegar em outro profissional e se colocar, fazer-se ser compreendido, não é só trazer tudo para mim e eu ficar intermediando [GF2].
O estímulo ao raciocínio crítico de maneira amplificada também se mostrou uma estratégia utilizada e que impacta diretamente na tomada de decisão e resolutividade:
Favorecer essa capacidade do aluno, de raciocinar de uma maneira um pouco mais ampliada [...] para que ele possa estar um pouco mais preparado [GF1].
3.2.2 Subcategoria 2 - Empoderamento incentivado pelo docente e autorresponsabilidade do aluno
O incentivo do empoderamento do aluno de enfermagem pode auxiliar significativamente a partir de uma percepção pessoal de suas capacidades:
Eu penso que nós como professores, temos esse papel de fazer o estudante entender que ele é capaz, que ele pode se apropriar das coisas, que ele pode desenvolver essas habilidades. Alguns alunos vêm com isso mais desenvolvido, e outros, a gente consegue favorecer o desenvolvimento [GF1].
Acresça-se a isso, a autorresponsabilidade que o aluno possui pelo seu aprendizado e a partir das suas reflexões, analisar quais são as lacunas em sua formação que necessitam da sua própria intervenção:
Precisa ser muito bem estimulado a todo tempo [...] a busca da aprendizagem significativa. Nós facilitadores facilitamos e trazemos a teoria, mas ele também tem responsabilidade [...] Praticar a construção da responsabilidade, porque ele é responsável pelo aprendizado dele, então eu fico todo tempo estimulando isso [GF2].
3.2.3 Subcategoria 3- Metodologias de ensino diversas
Os docentes se apropriam de diversas estratégias de ensino, sobretudo com uma perspectiva ativa, de modo a estimular a proatividade e a autonomia do discente. Nesse sentido, destacam-se: as problematizações, os conteúdos teóricos, as dinâmicas, discussões de caso e pequenos grupos:
O que a gente tem feito é metodologias ativas: conceito, qual é a aplicabilidade na prática, discutindo teoricamente em sala de aula, leitura de texto, com dinâmicas, problematização, umas estratégias um pouco mais flexíveis para o aprendizado, e um pouco mais ativas; construir alguma apresentação ou texto relacionado ao que eles leram, alguma síntese e fazer reflexões [GF1].
3.2.4 Subcategoria 4 - Simulações: ferramentas poderosas
Outra estratégia de ensino, refere-se às simulações, as quais foram muito bem avaliadas pelos docentes, de modo a tornar o aluno mais preparado para a sua atuação prática:
Eu participei de algumas simulações envolvendo essa questão de tomada de decisão e o gerenciamento de conflitos, e eu acho que é uma estratégia para a gente preparar o aluno aqui antes de chegar lá, porque no momento da simulação você pode ensinar o aluno ser mais assertivo. Só precisa ter cuidado pois a simulação não substitui a prática [GF3].
3.2.5 Subcategoria 5 - A prática nos serviços de saúde: contexto profícuo para desenvolver competências
A vivência nos estágios possibilita ao estudante de enfermagem a compreensão da teoria, pelo fato de estar inserido efetivamente no cenário prático e real. Este momento foi ressaltado pelos docentes como capaz de aprimorar as competências:
Por mais que a teoria é necessária, precisamos teorizar para a prática [...] os estágios no hospital, trabalhamos com situações reais e frente a essas situações, nós aprimoramos competências [GF4].
Todavia, os docentes consideram importante intensificar a inserção do aluno na prática hospitalar durante todo o curso e não apenas nas etapas finais:
Aumentar as possibilidades de supervisão no hospital [...] as horas de estágio porque aí ele ia conseguir ver além do cuidado já nos os estágios anteriores, não deixar para desenvolver todas competências no último ano; eu acho que o último ano seria para refinar e aprimorar as competências que ele já foi adquirindo [GF3].
4.Discussão
A enfermagem é responsável por ações de cuidado e atividades de gerenciamento nas instituições de saúde. De acordo com Leal et al. (2018), exige-se, cada vez mais do profissional enfermeiro, competências, habilidades e atitudes que permitam o desenvolvimento do seu trabalho com excelência. Nesse ínterim, pode-se destacar a relevância de analisar percepções qualitativas da comunicação, das relações interpessoais harmônicas, da tomada de decisão e da liderança; aspectos fundamentais a serem desenvolvidos na formação dos estudantes de enfermagem para o efetivo gerenciamento do cuidado, como destacado pelos docentes participantes deste estudo.
Nesse sentido, a liderança se trata de uma das competências necessárias ao enfermeiro, de modo a influenciar a equipe para o alcance dos objetivos do cuidado em saúde. Paralelamente a isso, o líder também deve intervir frente aos problemas, com a capacidade de gerenciamento, tomada de decisão e administração de adversidades (Silva et al., 2021). A liderança e a negociação de conflitos são competências essenciais que os estudantes de enfermagem devem adquirir e praticar (Alnajjar & Abou-Hashish, 2022). Como percebido em nosso estudo, os docentes relataram a importância e o desafio relacionado ao aprendizado da liderança; e Amiri et al. (2019) afirmam que esta competência pode ser desenvolvida mediante a iniciativa e o interesse do estudante, sendo a iniciativa uma estratégia muito estimulada pelos docentes participantes deste estudo.
Em um estudo brasileiro realizado com nove docentes de uma instituição privada de ensino superior, os participantes relataram a importância do estudante de enfermagem adquirir conhecimento técnico-científico para promover o correto gerenciamento da unidade, bem como dispor de segurança em suas ações junto à equipe (Barbosa et al., 2018). No que concerne à tomada de decisão, em um estudo desenvolvido em Portugal, com estudantes de enfermagem, os resultados mostraram que há expectativas do aluno em demonstrar a tomada de decisão, sobretudo nos estágios. Todavia, devem ser subsidiadas pela estrutura curricular e métodos pedagógicos efetivos (Marques, 2019).
Outro desafio, refere-se à comunicação no processo de formação dos estudantes de enfermagem. A despeito de ser um elemento pertencente aos diversos segmentos da vida humana desde o nascimento, a comunicação é um desafio, sobretudo para os docentes e instituições de ensino superior, de modo a instrumentalizá-la efetiva e assertivamente para o futuro enfermeiro. Segundo Dalcól et al. (2018), torna-se necessário que as instituições formadoras reflitam sobre a relevância da comunicação no processo do gerenciamento do cuidado, bem como a aperfeiçoem enquanto competência. Ademais, o relacionamento interpessoal e a negociação de conflitos também são complexos e desafiantes para os alunos, sendo aspectos indissociáveis da comunicação para o efetivo gerenciamento de enfermagem.
Ressalta-se que os estudantes de enfermagem frequentemente experimentam problemas de comunicação com a equipe, preceptores, docentes e pacientes (Bakker et al., 2022). Ademais, estar exposto ao contexto de prática clínica e à elevada pressão de trabalho (Bakker et al., 2021), também os vulnerabiliza aos comportamentos ofensivos, seja pela equipe de enfermagem ou multiprofissional (Bakker et al., 2022).
Por isso os estudantes de enfermagem se amparam nos docentes e buscam a intermediação pelo professor com a equipe de saúde. No entanto, desenvolver essas habilidades pode torná-los mais confiantes e capacitados a se comunicar com a equipe, pacientes e familiares com assertividade.
Além desses desafios da aprendizagem dos discentes sobre competências, deve-se reconhecer os percalços inerentes ao trabalho docente, sobretudo quanto à limitação do tempo, sobrecarga, por associar atividades de ensino téorico-prático, pesquisa e extensão, e necessidade de recrutar estratégias diversificadas constantemente para o ensino de competências, como evidenciado em nossos resultados.
Salienta-se que a carga de trabalho dos docentes é desafiadora, somada às responsabilidades da vida pessoal. Além disso, o aumento do número de matrículas nas universidades desafia a capacidade do docente para promover um direcionamento pedagógico consciente e solidário, que vise o desenvolvimento pessoal e profissional do aluno (Kucirka & Baumberger-Henry, 2021). Por isso que alguns docentes participantes deste estudo, buscam a estratégia de aproximação com pequenos grupos, de modo a facilitar a comunicação e promover um ensino efetivo sobre competências gerenciais.
Percebe-se ainda, um embate entre gerações: os docentes participantes deste estudo expuseram a imaturidade, inexperiência do aluno e a necessidade do aluno em adquirir informações e resoluções já formadas, o que dificulta o desenvolvimento da iniciativa; no entanto, a iniciativa se tratou de uma alternativa muito estimulada pelos professores participantes desta pesquisa. Amiri et al. (2019) argumentam que a mescla de conhecimento entre gerações, associada ao domínio das tecnologias e de aspectos inovadores e de criatividade no ensino, podem ser profícuos na relação entre docentes e discentes.
Nessa direção, destaca-se a necessidade de recrutar estratégias que possam minimizar as lacunas ou mesmo favorecer as potencialidades associadas ao ensino de competências. Kaneko & Lopes (2019) discorrem quanto ao uso das metodologias ativas e das simulações, as quais podem servir como ferramentas preparatórias aos alunos mediante situações que poderão ser vivenciadas no futuro, tanto no que concerne às habilidades técnicas, quanto às competências gerenciais. Dalgallo & Silveira (2022), ratificam o impacto positivo que as metodologias ativas assumem na atuação profissional, além de serem instrumentos que potencializam o interesse do indivíduo para uma aprendizagem constante.
Vale ressaltar também a relevância das simulações, uma vez que são recursos que podem facilitar a aprendizagem e que permitem aos estudantes de enfermagem o desenvolvimento de competências que favoreçam a sua atuação de forma segura e com qualidade nos serviços de saúde (Høegh-Larsen et al., 2022).
Ademais, Letterstål et al. (2022) certificam-se do desafio para a integração entre teoria e prática. Apesar de serem duas instâncias necessárias, porém fragilizadas, se a lacuna entre teoria e prática for considerada uma força motriz para o desenvolvimento contínuo de competências, pode se tornar um incentivo, criando estruturas para o aprendizado contínuo e o desenvolvimento de competências profissionais.
Desse modo, o ambiente de estágio para a educação em enfermagem é essencial, uma vez que proporciona a aplicação do conhecimento e do cuidado com os pacientes na prática. A educação nesses contextos deve estar conectada a atividades promovidas pelos docentes que possibilitem o desenvolvimento de competências (Putnam & Knowlton, 2022).
Ressalta-se que os estudantes de enfermagem possuem, a princípio, uma visão idealista da área, que se modifica quando têm uma visão palpável do trabalho do enfermeiro na prática. A satisfação com o estágio estimula a concepção de adequação para a função de enfermeiro, o que melhora o nível de comprometimento profissional. Assim, percebe-se a correspondência entre a atuação do aluno e o contexto de estágio. Contudo, a prática clínica estressante pode ter um impacto negativo no comprometimento profissional dos estudantes de enfermagem. Logo, a vivência no campo de estágio é essencial e molda o comprometimento do aluno (Zhao et al., 2022).
A reflexão de abordagem didática orientada representa também uma possibilidade de autorreflexão, na qual os alunos podem adquirir consciência quanto aos fenômenos ocorridos na prática e assim, desenvolverem compressões mais aprofundadas (Hörberg et al., 2019). O processo de reflexão crítica, sobretudo quando orientada, é fundamental para desenvolver competências adequadas na atuação do futuro enfermeiro (Valizadeh et al., 2019). Nessa perspectiva, a intervenção docente mediante vivências reais, como no estágio supervisionado, pode corroborar com esse processo reflexivo, de autoconhecimento e amadurecimento profissional. Acresça-se a isso, a importância do acolhimento, resgate da autoestima e valorização pessoal e profissional do estudante de enfermagem (Restelatto & Dallacosta, 2018).
Para isso, nota-se a importância de ancorar e investigar propostar metodológicas qualitativas, com vistas a identificar a percepção e subjetividades que não são mensuráveis e fáceis de observar. As investigações qualitativas na área temática de competências gerenciais podem evidenciar o potencial docente em empoderar o aluno no sentido de estimulá-lo, tanto a buscar conhecimento, quanto a encorajar suas habilidades e capacidades. Tais atitudes, desvelam-se como essenciais e ratificam a intenção e a influência do docente em ressignificar pessoas e formar profissionais qualificados, preparados e cientes de seu potencial.
Nessa direção, percebe-se que não somente as instituições de ensino possuem um papel formativo, mas as instituições empregadoras também devem se atentar para esses aspectos, sobretudo as fragilidades que os enfermeiros egressos porventura possuam, para intervir mediante estratégias de desenvolvimento de competências, com destaque para as gerenciais.
Como limitações deste estudo, destacam-se: a realização em uma única instituição de ensino superior pública e além disso, os docentes também atuam especificamente em áreas gerenciais, sendo pertinente ampliar para a percepção de professores de outras áreas.
5.Considerações Finais
Por meio da metodologia qualitativa utilizada, foi possível verificar com maior aprofundamento as percepções dos docentes quanto aos desafios inerentes ao desenvolvimento de competências gerenciais, sobretudo pautadas em suas experiências à frente de uma sala de aula, disciplinas e na condução dos estágios supervisionados.
Ademais, foi possível entender as estratégias que são utilizadas pelos professores, conduzidas a partir de experiências exitosas; e também os métodos de ensino que poderiam ser incorporados com maior afinco e prioridade, por exemplo as simulações e estágios no contexto hospitalar.
A principal relevância desta investigação para o âmbito científico, centra-se na detecção das competências gerenciais para os futuros enfermeiros, bem como as diferentes estratégias recrutadas pelos docentes que oportunizam o seu efetivo desenvolvimento.
Desse modo, as estratégias citadas podem ser incorporadas no cenário teórico-prático dos cursos de graduação em enfermagem, fortalecendo o ensino das competências gerenciais.
Desse modo, o método qualitativo permitiu identificar, a partir de concepções individuais/coletivas, diversos meios desafiadores e elementos estratégicos que podem corroborar com o processo de ensino-aprendizagem das competências gerenciais. Sugere-se prosseguir com investigações qualitativas nesta temática, tanto em instituições públicas, como ressaltado neste estudo, mas também as privadas, de modo a verificar semelhanças e diferenças, bem como intensificar as discussões científicas, que desvelem as percepções dos docentes de enfermagem.
Por conseguinte, as competências gerencias, tais como: comunicação, liderança, tomada de decisão, relacionamento interpessoal e negociação de conflitos, são imprescindíveis para um processo de trabalho do futuro enfermeiro. Desse modo, os desafios identificados e as estratégias de intervenção devem servir como modelo para que, sobretudo as instituições de ensino, repensem seus currículos, bem como as condutas docentes quanto às estratégias utilizadas em sala de aula e nos estágios supervisionados. Assim, será possível articular ou mesmo aprimorar ferramentas que potencializem o desenvolvimento das competências gerenciais, a fim de amenizar os desafios existentes.