1. Introdução
No atual contexto da Educação Infantil brasileira, os avanços relacionados às diferentes tecnologias na sociedade e suas necessidades contemporâneas evidenciam a iminente necessidade de qualificar a prática docente para a efetivação de ofertas pedagógicas que implicam em condições para que a criança se constitua como ator social, frente às inevitáveis transformações nas condições de vida em sociedade, de maneira a superar a invisibilidade dessa criança, por que historicamente constituída como ser integrante do todo social (Sarmento, 2008).
Atualmente, a educação na infância é reconhecida como aspecto fundamental para o desenvolvimento global da criança (Brasil, 2006). Nessa premissa, historicamente, a educação infantil fundamenta-se em três eixos, que consistem em contribuir para a aprendizagem e desenvolvimento das crianças, apoiar as famílias e contribuir para o desenvolvimento da justiça social e da equidade, visando a redução da pobreza, proporcionando educação de qualidade às crianças, em específico àquelas de maior vulnerabilidade (Oliveira-Formosinho & Pascal, 2019).
De acordo com a Teoria histórico-cultural, a escola tem um papel central em sua função social de promoção dessa educação de qualidade, à medida que é responsável por proporcionar condições para que as crianças possam se apropriar do capital histórico-cultural ainda não disponível em seu cotidiano, portanto, ampliando as diferentes formas de conteúdo dessas apropriações que geram aprendizagens e, consequentemente, desenvolvimento humano (Arce, 2007).
Vale destacar que as concepções de criança, de currículo e de educação infantil, em paralelo aos princípios éticos e políticos amparados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, ilustram uma visão de mundo democrática e sensível à pluralidade, englobando o universo das crianças no processo de apropriações de suas jornadas de aprendizagem. Para Morin (1999) e Oliveira-Formosinho & Pascal (2019), é necessário considerar a criança em sua singularidade, a partir de uma perspectiva ampla, levando em conta sua unidade e diversidade, permeadas de semelhanças e diferenças, exploração e comunicação. Entende-se que é necessário que a criança vivencie processos de humanização e, nesse sentido, cabe ao adulto oferecer condições para que a criança pense, aja, propondo espaços adequados para que isso ocorra, de modo que contemple o desenvolvimento de funções psíquicas, como memória, atenção, percepção, linguagem, raciocínio lógico, sentimentos e emoções (Costa & Mello, 2017).
Malaguzzi, a partir dos estudos realizados por Reggio Children (2020), afirma que a escola deve proporcionar espaços que favoreçam e estimulem o processo de construção de conhecimento das crianças:
Fazer uma escola amável, laboriosa, inventiva, habitável, documentável e comunicável, um lugar de pesquisa, aprendizagem, reconhecimento e reflexão, onde crianças, professores e famílias se sintam bem - é o nosso ponto de chegada.
Sendo assim, as ideias e orientações legais que dispomos atualmente nos remete as diferentes propostas curriculares das pedagogias participativas (Pinazza & Fochi, 2018).
As pedagogias participativas produzem uma espécie de ruptura com modelos pedagógicos tradicionais e transmissivos, promovendo uma outra ótica do processo de ensino e aprendizagem e da relação aluno e professor (Medeiros, Higa, Castro, 2022), atribuindo às famílias o importante papel participativo no processo de construção do conhecimento (Oliveira-Formosinho, 2017).
Nas escolas de Educação Infantil, a medida em que se busca a construção de um novo paradigma pedagógico, mostra-se a necessidade de construção de uma nova didática de trabalho, partindo do pressuposto de que os modelos de ensino e aprendizagem já compreendidos historicamente não respondem às diferentes complexidades, tanto na atuação das crianças como do professor que com elas trabalha (Pinazza & Fochi, 2018).
Com o intuito de proporcionar ao docente inserido na Educação Infantil, a documentação pedagógica surge como importante ferramenta na prática docente. Utilizada de forma relevante na Itália, tanto no âmbito de pesquisas acadêmicas como em práticas educativas, a documentação pedagógica consiste em uma prática indispensável para garantir a construção de uma memória educativa, proporcionando meios de se compreender o modo como as crianças constroem o conhecimento. Desta forma, contribui para o fortalecimento de uma identidade peculiar da educação das crianças, contribuindo para a qualificação dos espaços escolares e contextos educativos (Fochi, 2016).
Desta forma, o objetivo deste artigo é apresentar resultados da pesquisa centrada na compreensão sobre a maneira que a documentação pedagógica é utilizada no cenário de Educação Infantil.
2. Método
Trata o presente de resultados de Revisão de Literatura, tipo de pesquisa que possui como objetivo a reunião de estudos teóricos relevantes voltados para uma determinada questão ou área de conhecimento. Nos campos da educação, esse tipo de estudo possui potencial para ofertar uma ampla gama de produções relacionadas à diversas áreas, apontando para tendências teóricas, metodológicas e conceituais (Côco, 2019).
Para Gonçalves, Nascimento & Nascimento (2015), nessa modalidade de pesquisa, o pesquisador deve iniciar a partir da elaboração de uma pergunta norteadora. A partir daí, é possível a organização dos demais elementos da pesquisa, que compreendem a definição do protocolo da pesquisa, escolha das bases de dados para realização das buscas, critérios de inclusão e exclusão, elaboração do resumo e identificação das evidências, que consiste no agrupamento de estudos conforme suas semelhanças.
As buscas foram realizadas nas seguintes bases de dados: Scientific Electronic Library Online (Scielo), Educational Resources Information Center (ERIC), Scopus e Google Acadêmico, no período que compreende entre outubro de 2022 e novembro de 2022, a partir dos seguintes descritores e estratégias de busca: (Educação infantil and Documentação Pedagógica), (Educação Infantil and Prática docente) e (Infância and Documentação pedagógica).
A pergunta norteadora adotada para esta pesquisa foi: Como a documentação pedagógica é utilizada no contexto da educação infantil? Foram definidos os seguintes critérios de inclusão: Estudos primários, disponíveis na íntegra, nos idiomas inglês, espanhol e português, que abordavam a documentação pedagógica na educação infantil. Somando-se os resultados das buscas nas bases de dados, foram encontrados 130 artigos. Após a leitura por pares dos títulos e resumos, foram selecionados 17 artigos para compor o corpus desta pesquisa.
Segundo Sampaio & Mancini (2007), a leitura dos títulos e resumos para definição dos trabalhos que irão constitui o corpus da pesquisa deve ser realizada entre pares, com o intuito de aumentar a relevância da pesquisa, além de minimizar possíveis erros no momento da seleção das fontes.
Vale ressaltar que outros estudos de conteúdo relevante foram identificados em outras fontes, a partir da lista de referências desses estudos. Além disso, a escassez de estudos voltados para esta temática impossibilitou a seleção de artigos publicados exclusivamente em anos recentes, sendo necessária a extensão do recorte temporal das publicações (T1).
N | Título | 1 Autor | Ano |
---|---|---|---|
1 | Diálogos com Reggio Emilia | Rinaldi | 2020 |
2 | Diálogos com Reggio Emília: escutar, investigar e aprender | Nogaro | 2013 |
3 | La educación infantil en Reggio Emilia | Malaguzzi | 2001 |
4 | Diálogos com Reggio Emília | Rinaldi | 2012 |
5 | Documentação pedagógica: observar, registrar e (re)criar significados | Pinazza | 2017 |
6 | As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emília na educação da primeira infância | Edwards | 2002 |
7 | Registro docente contemporâneo: Infância e docência em tempos digitais | Horn | 2017 |
8 | Duas Reflexões sobre a documentação | Gandini | 2002 |
9 | A aprendizagem escolar e a formação de professores na perspectiva da psicologia histórico-cultural e da teoria da atividade | Libâneo | 2004 |
10 | Documentação pedagógica na educação infantil em Goiás. | Adorno | 2022 |
11 | Documentação pedagógica na educação infantil em Goiás. | Martini | 2020 |
12 | Do olhar ao observer | Riera | 2019 |
13 | Pesquisa pedagógica: do projeto à implementação | Lankshear | 2008 |
14 | A documentação pedagógica como processo investigativo e reflexão na educação infantil | Mendonça | 2009 |
15 | Documentação Pedagógica: uma prática para a reflexão. Florianópolis, Palestra proferida em evento | Mello | 2005 |
16 | Documentação pedagógica e avaliação na educação infantil: um caminho para a transformação | Oliveira-Formosinho | 2019 |
17 | O desenvolvimento da prática reflexiva na educação infantil. | Paige-Smith | 2009 |
3.Results and discussion
A temática documentação pedagógica tem se mostrado relevante no campo educacional brasileiro.
Com forte tendência na Itália, suas raízes históricas iniciaram-se em Reggio Emília, cidade localizada ao norte da Itália, e que passou por vários processos históricos de reconstrução, em consequência dos ataques sofridos na segunda guerra mundial. As primeiras escolas infantis de Reggio Emília surgiram a partir de iniciativas populares, construídas por mulheres, a partir dos tijolos de casas derrubadas por bombardeios (Reggio Children, 2020). Esse importante processo de reconstrução foi impulsionado por Loris Malaguzzi, que participou de forma ativa com ideias inovadoras que correlacionavam teoria e prática, a partir das raízes teóricas e filosóficas de estudiosos como o suíço Jean Piaget, o russo Lev Vygotsky, o americano John Dewey, a italiana Maria Montessori e o brasileiro Paulo Freire.
Atualmente, é reconhecida no cenário mundial pelo seu conjunto de práticas pedagógicas como Experiência Reggio Emília, que conta com uma proposta pedagógica voltada para um ensino democrático, possibilitando a reconstrução do perfil da criança como um cidadão ativo (Rinaldi, 2020). Trabalha com a proposta de quebra de paradigmas, rompendo a perspectiva da criança como “ausência”, ou como um ser de “faltas” e “lacunas”. Esses fatores atribuem à Reggio a ideia de um movimento social pela infância, e seus espaços escolares locais propícios para um ensino democrático (Nogaro & Rinaldi, 2013).
Além disso, a abordagem de Reggio Emília trabalha com a proposta de Ateliês, espaços presentes nas escolas italianas desde a década de 1960, e figura como um ambiente capaz de promover conhecimento e criatividade, questionamentos e resolução de problemas levantados a partir das vivências na prática pedagógica. É visto como um lugar de beleza estética, que estimula a curiosidade e a imaginação, através de interações, trocas de diálogos e escutas (Malaguzzi, 2001), a partir do diálogo entre a pedagogia, artes visuais e arquitetura, caracterizando, desta forma, um trabalho interdisciplinar que contemple as necessidades educacionais das crianças.
O espaço é o terceiro educador, pois quando a criança o experimenta cotidianamente, como o espaço da escola, por exemplo, ela vai se familiarizando com ele, aos poucos, e vai se apropriando do ambiente de forma a se encontrar e se sentir parte desse todo. Em Reggio, a reflexão sobre o significado do espaço acontece de maneira singular e compartilhada entre crianças e educadores (Rinaldi, 2012).
Com forte ênfase na documentação pedagógica e na escuta da criança, essa proposta pedagógica ganha destaque e revitaliza o sentimento de esperança nas futuras gerações, na perspectiva de valores e modos de pensar a uma sociedade igualitária em direitos a adultos e crianças. Por fim, a prática pedagógica em Reggio Emília estabelece vínculos profundos com as famílias, trazendo os pais para o interior da escola. Vale destacar a importância atribuída em Reggio ao planejamento do trabalho, onde, a princípio, são elaboradas hipóteses iniciais, que podem ser modificadas conforme o andamento do processo de trabalho. Portanto, Reggio Emília, além de uma experiência educacional, é considerada um lugar simbólico para se pensar a infância, acreditar na possibilidade de mudança e cultivar a esperança (Nogaro & Rinaldi, 2013).
Diante disso, levando em conta a escassez literária que caracterizam os campos de pesquisas desta temática, a documentação pedagógica desponta em um momento em que se intensificam debates que permeiam sobre perspectivas pedagógicas participativas, a partir da estruturação de novas propostas curriculares para todos os níveis educacionais (Pinazza & Fochi, 2018).
De forma geral, a documentação pedagógica é classificada como:
“Um processo cooperativo que ajuda o professor a escutar as crianças com quem trabalham, possibilitando assim, a partir da documentação, a construção de experiências significativas com elas” (Edwards, Gandini & Forman, 2002).
Outros autores (Horn & Fabris, 2017) compreendem a documentação pedagógica como uma prática de registros docente sobre o processo de aprendizagem das crianças, sugerindo um refinamento gradual nas formas de se registrar as ações dos alunos nas escolas de Educação Infantil.
Desta forma, compreendidos os principais aspectos conceituais que constituem a documentação pedagógica e suas raízes históricas, a partir da pergunta de pesquisa, do objetivo proposto e da análise criteriosa dos artigos selecionados para compor o corpus investigativo desta pesquisa, foram construídas três categorias analíticas: Uma prática investigativa, A documentação pedagógica e a observação e os registros na documentação pedagógica.
3.1 Uma prática investigativa
A prática da documentação pedagógica, entre outras vertentes, pode ser proposta como um ciclo de investigação, constituído de etapas distintas que compreende desde a formulação de perguntas, seguido da observação, registro e produção de dados, além da organização dos dados observados e registrados, para que seja possível a realização da análise e interpretação dos registros produzidos. Esse movimento corrobora para a possibilidade de reformulação das perguntas, além da reestruturação de projetos e de planejamentos futuros (Gandini & Edwards, 2002).
Esse processo investigativo ocorre como um ciclo, que se repete numa aspiral ascendente, resultado proveniente do processo de aprendizagem dos atores envolvidos no processo de ensino e aprendizagem (Pinazza & Fochi, 2018). Além disso, a documentação pedagógica, em seu processo investigativo, proporciona ao docente a autoformação, pois possibilita a reunião de informações que favorece a reflexão sobre a prática (Libâneo, 2004).
A prática investigativa da documentação pedagógica, além de proporcionar benefícios voltados para a prática pedagógica, possibilita a instauração de uma cultura de investigação na instituição de Educação Infantil, pois possibilita a realização de pesquisas a partir da análise e movimentos reflexivos das vivências.
Por se tratar de um processo investigativo, a construção de uma pergunta coerente, que mobiliza o pensar e o refletir sobre a prática pedagógica, é fundamental (Adorno, 2022), pois possibilita adultos e crianças o pensar de modo aberto, fazendo perguntas a si próprios, buscando soluções para solucioná-las, além de estimulá-los a ouvir o discurso do outro (Martini, 2020).
Vale ressaltar que a investigação na documentação pedagógica, além do exposto, traz como benefício a aprendizagem significativa (Adorno, 2022), que, segundo Ausubel, Novak e Hanesian (1978), possui como essência o fato das ideias expressas de forma simbólica seja relacionada de maneira não literal e não arbitrária ao que o aluno já sabe, proporcionando significado, levando em conta os conhecimentos prévios dos alunos e a realidade social (AUTOR, 2022).
3.2 A documentação pedagógica e a observação
Outra importante vertente na prática da documentação pedagógica é a observação. Uma documentação pedagógica depende da qualidade dos registros de observação e competência no ato da coleta, organização e produção dos dados (Pinazza & Fochi, 2018). Adorno (2022) traz que a observação é uma forma do professor compreender o processo de ensino e aprendizagem através da coleta de informações, de forma intencional e delineada, levando em conta a concepção de criança, infância e educação infantil. Porém, autores (Gandini & Edwards, 2002) afirmam que a coleta de informações no campo observatório não pode ser realizada de maneira distante e descompromissada. Para maiores êxitos, a mesma deve ser realizada de maneira aguçada, sistematizada e com escuta atenta, sendo registrada pelos professores a partir de uma variedade de formas
Ainda sobre o contexto investigatório, segundo Riera (2019), o mesmo deve ocorrer de forma seletiva, sendo necessário um processo de tomada de decisão com maior ou menor formalidade e intencionalidade, que perspassa desde a observação cotidiana até a sistematizada, sendo considerada um instrumento de investigação para análise da realidade educacional.
Para a escolha do foco da observação, é necessária a formulação de uma pergunta, ou estabelecimento de um problema pelo observador, fato este que dará sentido à prática de observação na documentação pedagógica, pois irá determinar o que será observado, quem é observado, como se observa, quando e onde se observa e como se registra e se analisa as informações (Gomes et al., 1999).
Nessa premissa, o professor inserido no processo de ensino e aprendizagem é considerado um ator pesquisador, o que na prática, é considerado aspecto positivo, por ele estar inserido na realidade cotidiana das salas de aula, o que favorece no momento de interpretação dos dados. Porém, é possível que o professor tenha uma ótica “contaminada”, justamente pelo fato de ser participante de todo o processo de ensino e aprendizagem (Lankshear & Knobel, 2008). Diante disso, Fochi (2015) destaca que a observação no campo da documentação pedagógica deve ser uma técnica para estranhar aquilo que parece familiar.
Corroborando com o exposto, Gandini e Edwards (2002) afirmam que os professores devem ser participantes e registrarem de forma cuidadosa as diversas partes das informações, com o intuito de construírem uma compreensão que retrate a forma como as crianças interagem com o meio ambiente, constroem o conhecimento se relacionam com as outras crianças e com os adultos.
Por fim, na prática, uma documentação pedagógica deve ser sistematizada a partir de uma alta qualidade nos registros de observação, coleta produção e organização dos dados, sendo necessário movimentos reflexivos, momentos de partilha e trabalho colaborativo (Pinazza & Fochi, 2018).
3.3 Os registros na documentação pedagógica
Os registros, na documentação pedagógica, consistem em uma etapa que ocorre após a observação. Na contemporaneidade, há divergências na compreensão de instituições escolares sobre como se fazer o registro na documentação pedagógica, sendo cada vez mais comum a constatação de uma profusão de registros, como agendas, diários de bordo, cadernetas e painéis informativos. Além disso, essa má qualidade de registros é frequentemente utilizada como uma forma de “prestar contas às famílias” ou para a própria instituição, sendo caracterizado uma catastrófica desvinculação com o planejamento educativo (Pinazza & Fochi, 2018).
Os registros podem ser compreendidos como materiais físicos ou digitais, obtidos a partir da formulação de perguntas adequadas, atreladas às intencionalidades levantadas pelas professoras para a observação, possuindo relação direta com o cotidiano e a prática educacional. Em outras palavras, é o processo de materialização daquilo que foi observado, sendo considerados registros as anotações das professoras, fotografias, materiais audiovisuais e produções das crianças, como desenhos escritas espontâneas (Adorno, 2022). Trata-se de um valioso recurso que pode exercer função no auxílio a memória, que possui como finalidade evitar a perda de vivências significativas das crianças, considerando a ampla variedade de interações vividas em sala de aula (Mendonça, 2009).
Na documentação pedagógica, os registros que a compõe devem contar algo, construir uma narrativa que faça sentido a alguém que a recebe. Nessa premissa, compreende-se a necessidade de escolhas, pois nem todo registro possui validade para análise, como ângulos que suprimem ações das crianças ou crianças fazendo poses (Adorno, 2022).
Sendo assim, são considerados registros observáveis aqueles que advém de ações do cotidiano das crianças, que possibilitam a reflexão sobre elementos desses registros, possibilitando a observação posterior ao momento em que ocorreu. Após realizados os registros, realiza-se a análise e interpretação dos dados e informações possíveis, o que permitirá a reformulação de perguntas e a composição de projetos e planejamentos futuros (Fochi, 2018).
Na prática, nem todo registro gera documentação pedagógica, porém, toda documentação pedagógica depende de um registro de boa qualidade, elucidando a ideia de que a sistematização dos registros é um dos eixos para a projeção e interpretação (Malaguzzi, 2001). Trata-se de uma importante vertente da documentação pedagógica. Integra-a, mas não a constitui. Nessa premissa, Mello (2005) afirma que:
[...] o educador [o] faz com intenção de aprender com ela [com sua prática],... não é registro para a burocracia da escola, não é observação das crianças com o objetivo de avaliar seu desenvolvimento, mas tem como objetivo o estabelecimento de uma relação cada vez mais consciente do educador com sua própria prática e com a teoria que orienta sua prática.
Por fim, após a análise e interpretação dos registros, é realizada a avaliação que, segundo Oliveira-Formosinho & Pascal (2019), deve considerar os seguintes aspectos: Servir as crianças e as famílias, a partir do princípio filosófico do bem maior para todos, deve ser democrática e com a participação das crianças, respeitar a aprendizagem holística das crianças, deve ser ecológica, levando em conta contextos, processos e resultados, apoiar a jornada de aprendizagem individual de cada criança, deve ter relevância cultural, deve ser fundamentada nos registros de aprendizagem das crianças e contribuir para a formação de um espírito cívico e de responsabilidade das crianças.
Além do exposto, vale ressaltar o importante papel institucional na garantia de condições para que os professores reflitam sobre seu próprio fazer. A partir de uma ampla perspectiva, é necessário, além da compreensão da importância dos registros cotidianos na orientação do seu próprio fazer, a construção de intencionalidades que favoreça a reflexão a partir dos registros (Paige-Smith & Craft, 2010).
4. Considerações Finais
A educação democrática e rigorosa é o caminho para a humanização das pessoas e possíveis mudanças sócio-culturais. Para tanto, em específico no cenário de Educação Infantil, faz-se necessária a ampliação e apropriação de ferramentas educacionais que potencializam esses espaços, considerando o público infantil e suas nuances.
Considerando que o objetivo da pesquisa, cujos resultados ora são apresentados neste artigo foi compreender a centralidade da documentação pedagógica como estratégia contemplada para a efetivação de pedagogias participativas na Educação Infantil, segundo a literatura sobre a temática evidenciou-se que na prática, ela ocorre como um ciclo, que se inicia a partir de uma prática investigativa, com ênfase na construção de uma pergunta norteadora, perpassando pela etapa de observação, onde o professor realiza a coleta das informações levando em conta a forma como a criança age e interage no ambiente pedagógico no qual ela está inserida, para que seja possível a realização da etapa de registros daquilo que foi observado, sendo este material analisado e interpretado posteriormente, para que seja viável a composição de projetos e planejamentos futuros.
Em síntese, a compreensão que se tem é a de que a prática da documentação pedagógica, ocorrendo de forma cíclica, contribui para a reflexão das crianças sobre suas vivências, estimulando-as a se inserirem no campo das pesquisas a partir das dúvidas advindas do processo pedagógico na educação infantil e, como uma via de mão dupla, estimula a autoformação dos professores, com ênfase na reflexão sobre a prática. Vale destacar que, nas propostas pedagógicas dos métodos participativos, a dúvida desponta como uma espécie de mola propulsora para o desenvolvimento do conhecimento humano.
Diante disso, conclui-se que, além das valiosas potencialidades evidenciadas no presente trabalho da prática da documentação pedagógica na Educação Infantil, são necessários novos estudos sobre esta temática, por se tratar de uma potente ferramenta nesses espaços e as diversas dúvidas que permeiam sobre sua prática, sendo atribuído ao professor a responsabilidade de buscar o conhecimento e apropriação das diferentes maneiras de ensinar e aprender no contexto da Educação Infantil e, às instituições, proporcionarem espaços e condições para que esse movimento de educação permanente ocorra viabilizando, desta forma, a construção de um perfil crítico, reflexivo e pesquisador nas crianças da atual sociedade, em espaços democráticos onde o conhecimento seja apropriado a partir das diversas vozes dos sujeitos envolvidos.