1.Introdução
Uma postura crítica com caráter político requer a análise das dinâmicas sociais, das intencionalidades que permeiam tanto os processos de produção científica e tecnológica quanto os processos de exploração ambiental e expropriação social, a compreensão do indivíduo como ser social, histórico e culturalmente constituído, o estabelecimento do diálogo com outros saberes e forças instituintes que ampliam o horizonte de compreensão, de tomadas de decisão e atuação socioambiental e, sobretudo, ampliam o entendimento sobre o modelo de sociedade que se anseia.
Segundo Bettencourt (2000 como citado em Farias & Freitas, 2007), tanto a Educação Ambiental (EA) quanto as relações Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) compartilham uma preocupação similar de que “a educação deve se empenhar para formar cidadãos informados e capazes de tomar decisões sobre problemas atuais, particularmente questões envolvendo C&T” (Farias & Freitas, 2007, p. 07). Percebe-se que as problemáticas socioambientais e as que envolvem Ciência e Tecnologia muitas vezes estão relacionadas. Dado o grau de complexidade, esta relação representa um grande desafio à humanidade e aos processos educativos. Compreender o complexo se traduz numa ideia de totalidade, de superação de uma racionalidade fragmentada, de abrir as fronteiras a um horizonte de conexões, isto é, a uma perspectiva de abordagem interdisciplinar/transdisciplinar. Tal abordagem está presente tanto nas discussões de EA e nos documentos oficiais oriundos de eventos ambientalistas como a carta de Belgrado, a Conferência de Tbilisi, a Agenda 21 e o Tratado das ONGs, quanto na literatura sobre ensino com enfoque CTS (Linsingen, 2007).
Luz e Prudêncio (2019) apresentam possibilidades de articulação entre EA e Educação CTS a partir de relações epistemológicas e teleológicas que os dois campos apresentam em comum. Partindo de núcleos de articulação (NA), os autores compreendem que no campo epistemológico tanto a EA quanto CTS apresentam concepções e práticas polissêmicas. No entanto, esta polissemia é caracterizada por um pluralismo indiferenciado na educação CTS e por uma diversidade explicitada na EA que, neste caso, funciona como verdadeira fronteira teórico-prática que define bem cada corrente. Na perspectiva teleológica, que diz respeito aos encaminhamentos e finalidades dos processos educativos críticos, os autores apontam que a alfabetização científica e a conscientização ambiental são processos interdependentes almejados pelos dois campos e que estão associados à transformação social.
Partindo do preceito que a EA suscita compreensões sobre Meio Ambiente e suas inter-relações, a ampliação de tais compreensões não se dá sem o entendimento das relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade. E tal multidimensionalidade do Meio Ambiente, por sua vez, favorece o processo de alfabetização científica enquanto a compreensão sobre sociedade, sua construção histórica sobre Ciência e Tecnologia influenciando as relações entre sociedade e natureza favorece o processo de conscientização ambiental. Além das convergências elencadas, Luz e Prudêncio (2019) apontam mais aproximações entre EA e CTS em suas vertentes críticas: formação para a cidadania, formação de um sujeito crítico e participativo nas tomadas de decisões.
1.1 Uma Educação em Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS)
O enfoque CTS surgiu em um contexto crítico de reflexões centralizado na natureza da ciência e seu papel na sociedade, considerando suas implicações e condicionantes ambientais, econômicas, políticas, culturais, entre outras. Conjugada à essa perspectiva, ampliam-se as discussões em torno da relação Ciência (C) e Tecnologia (T) e da conjuntura de um modelo de desenvolvimento econômico vigente que agrava a crise ambiental e o processo de exclusão social (Santos, 2011).
No aspecto educacional, a relação CTS tem se destacado por estar geralmente circunscrita ao ensino de ciências; por apresentar aspectos epistemológicos e históricos associados à C e T; por dar importância à contextualização e interdisciplinaridade como meios de tratar a relação CTS em sala de aula; por articular as culturas humanísticas e cientifico-tecnológica; e, em casos particulares, por considerar aspectos atitudinais, além dos de ordem ética e de dimensão cultural dos conteúdos curriculares (Farias & Barolli, 2013).
Para Linsingen (2007), o enfoque CTS no campo educacional ainda se concentra em sua concepção tradicional, associada à ideia linear de que desenvolvimento científico e tecnológico implica em desenvolvimento social. O autor compreende que uma linha progressista em que o fenômeno científico seja concebido como processo de construção social e cultural pode ser capaz de transformar os processos cognitivos e que a imagem da C e T pode mudar a partir de uma renovação educativa do ponto de vista curricular e metodológico. O autor também defende que a interdisciplinaridade e transversalidade são duas ações concatenadas para o tratamento pedagógico dos assuntos científicos, tecnológicos, sociais e ambientais, que o ensino de /sobre ciência e tecnologia promova maior inserção social e participação nas tomadas de decisões sobre C e T, além de um comprometimento com a formação de sujeitos ativos e transformadores da sociedade onde vivem. É um repensar a educação em C e T a partir da construção de novos sentidos sobre as ações cotidianas e sobre a transformação do cotidiano.
Em outras palavras, educar para estabelecer relações de compromisso entre o conhecimento tecnocientífico e a formação para o exercício de uma cidadania responsável, visando à máxima participação democrática, o que implica criar condições para um exercício de ciências contextualizado, social e ambientalmente referenciado e comprometido. (LINSINGEN, 2007, p. 14)
Santos (2011) discorre que sob a égide de uma perspectiva crítica às questões socioambientais a partir de um cenário sócio-histórico, foi incorporada a perspectiva ambiental em CTS adotando-se uma nova denominação Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA). À luz de Aikenhead, Farias e Freitas (2007) discorrem que essa nova denominação representa um avanço das relações CTS para as relações CTSA no âmbito da alfabetização científica, cuja abordagem enfatiza os aspectos externos e internos à ciência. Considerando o ambiente como um dos pilares CTSA, os impactos socioambientais causados pela relação C e T apontam discussões em torno das consequências do modelo de desenvolvimento econômico capitalista. É neste cenário de debates, de tensões e pretensões pedagógicas que se situa também a Educação Ambiental (EA) Crítica.
1.2 Educação Ambiental
A vertente crítica representa uma das perspectivas político-pedagógicas centrais da EA, que surge de ideais emancipatórios com maior participação popular e da aproximação de movimentos sociais e ambientalistas no período da redemocratização da política nacional brasileira, a partir da década de 1980. Num contexto de reflexão crítica sobre as problemáticas ambientais e seus entrelaçamentos sociais, econômicos, políticos, culturais, a EA Crítica compreende-se uma importante perspectiva de superação das abordagens meramente naturais e técnicas sobre os problemas socioambientais.
Segundo Sauvé (2005), para a EA Crítica o meio ambiente é compreendido como objeto de transformação e lugar de emancipação dos sujeitos, tendo em conta a desconstrução das realidades socioambientais a partir da transformação das causas dos problemas, e as perspectivas práxica, reflexiva e dialogística como seus enfoques dominantes. A práxica é analisada na EA Crítica como ação reflexiva de transformação das realidades, do mundo e do próprio ser humano. Gadotti (2005) compreende o conceito de práxis como pedagogia transformadora, inspirado na dialética que aponta para o questionamento, para a contestação, para o reexame da teoria e a crítica da prática. Tais concepções envolvem qualidades da EA Crítica que lhe confere outras denominações: EA Emancipatória e EA transformadora.
A EA Crítica/Transformadora/Emancipatória traduz uma educação cidadã, com formação crítica e participativa na intervenção das problemáticas socioambientais considerando suas causas e atores com distintas intencionalidades e diferentes responsabilidades relacionadas aos impactos. É uma educação política, que repercute no comprometimento consciente dos indivíduos com sua própria história de vida e seus contextos, na relação que deve ser harmônica entre sociedade-natureza, numa perspectiva democrática de atuação como exercício de cidadania compartilhada com outros indivíduos e alicerçada na responsabilidade ética, ambiental e na justiça social. A perspectiva política que advoga por maior participação social dos estudantes e por transformação dos contextos de vida e das realidades, instrumentaliza a EA como um mote de superação das desigualdades e das injustiças.
Considerando possíveis convergências epistemológicas existentes entre a EA Crítica e o ensino de ciências com enfoque CTS/CTSA, tais como: formação para a cidadania, participação social e emancipação dos sujeitos, ensino contextualizado e com abordagem interdisciplinar, bem como perspectivas educacionais comprometidas com a formação crítica e transformadora do sujeito e da realidade, o presente trabalho tem como objetivo analisar as dimensões da EA e da Educação CTS/CTSA presentes em produções na área de ensino de ciências envolvidas com práticas em sala de aula. Desta forma, foram selecionados trabalhos publicados no Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), considerando as edições que abrangem do VIII a XII evento e que abordam, no mesmo trabalho, articulações entre CTS/CTSA e EA. Partindo de tal análise, a questão “Quais dimensões da EA e da Educação CTS/CTSA estão presentes em produções na área de ensino de ciências sobre práticas em sala de aula?” é a que motiva este estudo.
2.Procedimentos metodológicos
Esta pesquisa de análise qualitativa buscou em anais do VIII ao XII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências produções científicas que apresentassem articulação entre o enfoque CTS/CTSA e a Educação Ambiental em sala de aula. Estas 05 edições foram escolhidas por representarem um recorte dos últimos 10 anos de realização do ENPEC quando da produção deste artigo, buscando abranger perspectivas mais atualizadas sobre os campos em análise. Trata-se de evento científico bianual. As áreas selecionadas para a busca foram “Alfabetização Científica e tecnológica, abordagens CTS e CTSA e Educação em Ciências” e “Educação Ambiental e Educação em Ciências”. A seleção seguiu um critério de busca pelos termos “CTS ou CTSA” e “Educação Ambiental” no título, resumo ou palavras-chave dos trabalhos nas duas áreas supracitadas. Os termos deveriam aparecer juntos no trabalho, de modo que somente um ou outro não atenderia a especificação desejada. Os dados foram analisados e sistematizados em categorias, considerando o percurso processual da análise de conteúdo de Bardin (1977)
Foram analisados 678 trabalhos de apresentações orais e, deste total, 04 trabalhos encontrados na VIII, IX e XI edição do ENPEC foram selecionados por seguirem o critério de busca. Vale ressaltar que as demais edições não apresentaram trabalhos realizados em sala de aula que fizessem articulação entre CTS e Educação Ambiental. O resultado indica carência de produções científicas que congregam as duas áreas.
Foram elaboradas 03 Dimensões Estruturantes de Análise (DEA), considerando perspectivas comuns aos campos da EA crítica e da Educação CTS. As dimensões foram construídas levando em conta a finalidade de ensino, o objeto de estudo (realidade) e a abordagem, apresentadas abaixo nesta ordem:
1) Tomadas de decisão / Participação Social / Cidadania
2) Problematização da realidade / Contextualização
3) Abordagem interdisciplinar / transdisciplinar
Tais dimensões se constituem como categorias à priori e estão agrupadas por compartilharem propósitos aproximados. Logo, o estudo foi realizado a partir das DEA elaboradas, considerando-se a possibilidade de surgimento de outras dimensões abordadas pelos trabalhos, o que representariam categorias emergentes. No entanto, não foi possível encontrar outras dimensões para além das que nortearam o estudo.
3.Resultados alcançados
O compartilhamento de temas entre EA e CTS/CTSA no ensino de ciências foi representado, nos trabalhos selecionados, por meio de discussões que envolviam resíduos eletroeletrônicos, agrotóxicos, industrialização e lixo.
A discussão dos resultados segue com a especificação das DEA, designadas como categorias, auxiliando na sistematização dos dados, bem como a análise de como elas se fazem presentes nos trabalhos constituindo-se, desta forma, como unidades de contexto.
3.1 Tomadas de decisão/Participação Social/Cidadania
O exercício de uma cidadania participativa a partir de tomadas de decisão dos indivíduos na solução de questões que envolvem ciência e tecnologia na sociedade representa um dos compromissos do ensino de ciências com ênfase em CTS, o que também repercute nos propósitos da EA Crítica quando tais questões causam impactos ambientais.
Tomadas de decisões responsáveis sobre futuras atividades profissionais nas áreas de eletrônica e informática e um comprometimento consciente com as implicações destas atividades no mundo social e ambiental foram resultado de uma campanha de recolhimento de resíduos eletroeletrônicos sugerida por estudantes do 2º e 3º ano de um curso técnico do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro. Por tratar de um curso em eletrônica e informática, os estudantes se depararam com a realidade profissional a ser enfrentada e com as decisões mais adequadas ao tratamento de tais resíduos.
Os estudantes igualmente se defrontaram com uma problemática que será resultante de suas práticas trabalhistas, como futuros técnicos de informática e eletrônica. Portanto, tal ação educativa foi desenvolvida buscando maneiras de interpretar o mundo e intervir na realidade, colocando-se como instrumento de formação humanística, possibilitando a ampliação de horizontes culturais e a autonomia no exercício da cidadania, em consonância com as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN+ (BRASIL, 2002). (Melo et al., 2013, p. 03)
Roberts (1991, como citado em Santos, 2008) aponta que os currículos em CTS são aqueles comprometidos com explicação científica, planejamento tecnológico e tomadas de decisão sobre temas de importância social. O autor discute uma concepção de aluno como “alguém que seja preparado para tomar decisões inteligentes e que compreenda a base científica da tecnologia e a base prática das decisões” (Santos, 2008, p.112).
Tomadas de decisão e viabilidade na resolução de problemas, forma sustentável de reuso e reciclagem dos aparatos eletroeletrônicos, bem como a necessidade de maior engajamento dos cidadãos nas causas sociais também foram resultados analisados por Melo et al. (2013) a partir das respostas de um questionário aplicado.
Outra discussão utilizando questões que envolvem meio ambiente e possibilidade de transferência de indústria pesada de países desenvolvidos para países a serem desenvolvidos, serviu para que Ferreira et al. (2011) avaliassem, por meio de um questionário, índices atitudinais para entender valores, crenças e atitudes de estudantes sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade. A pesquisa faz parte de um Projeto Ibero-americano de Avaliação de Atitudes Relacionadas com a Ciência, a Tecnologia e a Sociedade (PIEARCTS) e foi realizada com estudantes do 3º ano do Ensino Médio de um Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (RJ) e com estudantes do 2º segmento do Ensino Fundamental de uma escola municipal do RJ.
As questões trouxeram opções de múltipla escolha com variações de concordância e discordância sobre possíveis tomadas de decisões apresentadas como resposta à problematização proposta. Os autores analisaram os índices atitudinais dos estudantes classificando-os em 03 categorias: ingênuas, adequadas e plausíveis. Partindo dos resultados e da comparação da faixa escolar dos participantes que não evidenciou diferenças significativas nas respostas, os autores acreditam que “mudanças seriam oportunas para a formação de cidadãos críticos, conscientes, questionadores, participativos, com capacidade de tomar decisões sobre ciência e tecnologia, resolver problemas envolvendo ciência, tecnologia, sociedade e meio ambiente” (Ferreira et al., 2011, p.10). Como parte do público participante da pesquisa estuda num centro de educação tecnológica, abordagens que envolvem C e T possibilitam relacionar os estudos aos futuros contextos de trabalho dos estudantes com perspectivas de maior participação crítica e decisória nas atividades a serem desenvolvidas, bem como no controle e definições na área.
Um outro trabalho encontrado nesta categoria foi o que versava sobre questões socioambientais ligadas ao uso de agrotóxicos no Brasil. Silva et al. (2017) analisaram, por meio de uma produção textual orientada, a expressão do pensamento crítico (PC) de estudantes de 2º ano de uma escola pública do Distrito Federal. Como a formação crítica envolve a formação do PC, os autores diante de diversas definições sobre PC, adotaram a de Ennis (1987) e de Paul (2005): pensamento que analisa as informações, para que se possa escolher quais serão tomadas como verdadeiras (Ennis, 1987 como citado em Vieira Tenreiro, 2009) de modo que submeta seu pensamento a critérios e desenvolva atitudes (Paul, 2005 como citado em Vieira Tenreiro, 2009). Neste sentido, as atitudes a serem desenvolvidas por meio de uma análise crítica sobre questões que nos rodeiam podem representar participação, tomadas de decisão conscientes e um exercício de cidadania.
Considerando a análise dos elementos textuais dos estudantes, os autores compreendem que eles “não expressam relações de causa-efeito mais complexas, nem possibilitam avaliar o desenvolvimento de atitudes” sobre o uso de agrotóxicos, bem como “não permitem identificar elementos de uma EA Crítica” (Silva et al., 2017, p.10). Ainda assim, os autores acreditam que o ensino com enfoque CTSA na perspectiva da EA Crítica se apresenta como uma alternativa para a formação do pensamento crítico.
3.2 Problematização da realidade/Contextualização
O ensino CTS e a EA pressupõem perspectivas de ensino contextualizadas, isto é, um ensino que aproxima o conhecimento científico escolar ao contexto de vida dos estudantes, onde as questões sociais e ambientais em que eles estão inseridos são discutidos e problematizados como compromisso social.
A contextualização no ensino de ciências com enfoque em CTS tem como principais objetivos, segundo Santos (2007), desenvolver valores e atitudes num sentido humanístico sobre questões relativas à C e T; auxiliar na aprendizagem sobre a natureza da ciência e conceitos científicos; e relacionar experiências escolares aos problemas do cotidiano na perspectiva da problematização de questões reais, da busca pelo conhecimento e soluções. Alinhada à essa discussão, o projeto político-pedagógico da EA Crítica tem como foco a mudança de valores e atitudes, a identificação, problematização e ação em relação às questões socioambientais e o comprometimento com a justiça ambiental (Carvalho, 2004).
Melo et al. (2013) discutem a relação CTS e Educação Ambiental a partir de uma abordagem problematizadora e defendem o “processo de ensino-aprendizagem perpassado pela contextualização” (p.03) buscando considerar as diversas formas de vida e práticas sociais em que os estudantes estão inseridos. Tais práticas associadas à formação profissional dos estudantes implicam na análise crítica sobre situações reais e existenciais.
Oliveira et al. (2011) promovem uma vivência a partir da problematização da realidade escolar no que diz respeito ao tema lixo, uma vez que a destinação de resíduos como restos de alimentos, plásticos e embalagens não estava sendo bem conduzida pelos estudantes. Segundo os autores, o trabalho tinha como objetivo
proporcionar aos alunos dessa escola a possibilidade de participação em um projeto acadêmico de ensino que priorizou o desenvolvimento de cidadãos atuantes e conscientes das questões ambientais, por meio da problematização dessa temática, com ênfase na elaboração de questionamentos e na construção de um posicionamento, com argumentos próprios e autênticos (OLIVEIRA et al., 2011, p. 03)
Pensando no desenvolvimento de cidadãos atuantes e conscientes sobre questões ambientais, um filme e uma música foram utilizados como material de apoio às discussões e expõem um conteúdo crítico à lógica do mercado, à geração de lucro e ao modelo de desenvolvimento econômico, além de elucidarem as relações de poder que permeiam os processos de produção, distribuição, circulação e consumo, questões estas imbricadas a uma conjuntura econômica, política, cultural e ética.
Considerando a análise do pensamento crítico, a problematização e contextualização no trabalho de Silva et al. (2017) se deu pela abordagem em torno das discussões que permeiam o uso de agrotóxicos no Brasil, seus efeitos e implicações.
a. Como o uso de agrotóxicos pode afetar o meio ambiente, a saúde das pessoas que trabalham diretamente com esses tipos de produtos químicos e a saúde de quem consome alimentos que foram cultivados com a presença desses produtos?
b. O uso de agrotóxicos é importante para a produção agrícola no Brasil? Por quê?
c. Caso julgue necessário, apresente alternativas para a redução ou eliminação do uso de agrotóxicos no Brasil. (Silva et al., 2017, p. 03)
Os autores consideraram expressão do pensamento crítico a partir de argumentações, tidas como categorias de análise à priori: acúmulo de substâncias tóxicas ao longo das cadeias alimentares; prejuízo à lavoura e aos trabalhadores do campo que fazem uso do agrotóxico; análise sobre a real necessidade dos agrotóxicos e sobre práticas alternativas ao seu uso compuseram categorias (à priori) de análise. Problemas ambientais e de saúde, funções dos agrotóxicos, sustentabilidade, organismo geneticamente modificado, hormônios, alternativas e sustentabilidade se constituíram como categorias emergentes na sistematização dos dados.
A transferência de indústria pesada para outros países, tema abordado por Ferreira et al. (2011), problematiza questões político-econômicas em torno da ciência e tecnologia com reflexos diretos à vida dos indivíduos, à sua saúde, ao meio-ambiente, às demais formas de vida e à ideia linear sobre a influência da indústria no desenvolvimento econômico e bem-estar social.
Questão 40161: A indústria pesada contaminou enormemente os países industriais. Portanto, é uma decisão responsável transferi-la para os países não desenvolvidos, onde a contaminação ainda não é tão extensa.
A. A indústria pesada deveria ser transferida para os países não desenvolvidos para salvar o nosso país e as suas gerações futuras de contaminação.
B. É difícil de decidir. Transferir a indústria ajudaria os países pobres a prosperar e também, a reduzir a contaminação do nosso país. Mas não temos o direito de contaminar o meio ambiente de outros lugares.
C. A questão não é onde está localizada a indústria pesada. Os efeitos da contaminação são globais sobre a Terra.
A indústria pesada NÃO deveria transferir-se para os países não desenvolvidos:
D. Porque transferir a indústria não é uma forma responsável de se resolver a contaminação. Deveria reduzir-se ou eliminar a contaminação aqui, em vez de criar mais problemas em qualquer outro lugar.
E. Porque esses países têm já suficientes problemas sem considerar o problema da contaminação.
F. Porque a contaminação deveria ser limitada tanto quanto possível. Aumentá-la só criaria mais danos. (Ferreira et al., 2011, p. 04)
Para a análise de cada item se faz necessário um entendimento crítico sobre essas questões, a compreensão dos contextos em que vivemos e, principalmente, sobre o modelo de sociedade que temos em mente.
3.3 Abordagem interdisciplinar/transdisciplinar
Considerando a complexidade das problemáticas ambientais e as implicações sobre Ciência e Tecnologia, a abordagem interdisciplinar é reivindicada para o alcance da compreensão sobre as várias dimensões que compõem a realidade. Santos e Mortimer (2002, como citado em Fernandes, 2016) apontam a importância da interdisciplinaridade para a alfabetização em C e T. No entanto, para Hissa (2008), os sistemas de ensino conceberam um saber fragmentado por meio de disciplinas, forma pela qual, segundo o autor, a modernidade fez existir o conhecimento. Tal fragmentação já existe desde a escola primária quando aprendemos a isolar objetos, separar disciplinas e dissociar os problemas (Morin, 2003).
Na presente análise, somente um trabalho apontou a interdisciplinaridade como abordagem a ser utilizada para discutir a temática lixo:
Inicialmente, esse grupo procurou discutir e compreender as possibilidades educativas de problemas ambientais locais com base no enfoque CTSA e numa perspectiva interdisciplinar - inerente das questões ambientais - considerando a importância de se trabalhar e aliar diferentes áreas de formação docente para trocar informações, conhecimentos e experiências, tornando as discussões mais complexas e produtivas, principalmente na criação de estratégias para a inserção do tema na escola. (Oliveira et al., 2011, p.04)
Por se tratar de um trabalho de intervenção realizado por estudantes bolsistas de uma universidade, os autores também reforçam a abordagem interdisciplinar como objetivo institucional a partir do programa de treinamento profissional: “Planejar, desenvolver e avaliar projetos pedagógicos interdisciplinares na escola, com base nos fundamentos teóricos e metodológicos em acordo com as necessidades e interesses pertinentes ao contexto escolar.” (OLIVEIRA et al., 2011, p.03)
Apenas um único trabalho com abordagem interdisciplinar reforça o que a literatura já apresenta sobre o desafio do ensino em superar a fragmentação do conhecimento. Muitos professores do ensino de ciências relatam dificuldades em implementar práticas interdisciplinares, ao mesmo tempo que a formação inicial e a ordenação curricular reforçam um distanciamento dos conhecimentos integrados na medida que não oferecem correlação entre eles.
4.Conclusão
As similaridades existentes entre EA e CTS/CTSA, numa perspectiva crítica, apontam para aproximações epistemológicas, teleológicas, formativas e temáticas.
Considerando as abordagens educativas selecionadas, tais aproximações resultam na tentativa de articular os dois campos preponderando um ensino que apresente compromisso social, que promova formação crítica e cidadania ativa com ideais democráticos de participação social, que problematize situações reais e contextualize-as, que possibilite tomadas de decisão sobre ciência (C), tecnologia (T) e meio ambiente vislumbrando horizontes de transformação e de superação de percepções que sustentam o mito da superioridade da C e T.
Apesar de supor-se que a abordagem crítica de EA foi a pretendida nos trabalhos selecionados, alguns deles não situam o leitor sobre qual vertente de EA foi articulada ao enfoque CTS/CTSA. Vale ressaltar que o campo da EA apresenta variações político-ideológicas. Neste sentido, se faz necessário elucidar a qual EA nos referimos quando nos apropriamos de sua prática. Os princípios de EA num ensino com enfoque CTS/CTSA precisam ser ancorados na perspectiva crítica e com discussões que dão conta de abordar as relações de poder imbricadas às questões socioambientais e àquelas relacionadas à Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente, as decisões tomadas, as políticas públicas que margeiam os atos públicos e sociais sobre essas questões, as assimetrias sociais que traduzem desigualdades e exposições diferenciadas aos riscos ambientais, a mudança ambiental que necessariamente implica em mudança social com efeitos de suprimir as injustiças sociais. Embora complexo, trata-se de um compromisso consciente e de responsabilidade compartilhada sobre os aspectos existenciais da vida.
Os resultados demonstraram à partir da análise de conteúdo adotada por esse trabalho à luz de Bardin, que das dimensões estruturantes de análise (DEA), constituídas neste trabalho como categorias de análise, a que se refere à problematização da realidade/contextualização foi a que se fez presente em todos os trabalhos analisados. Nesta perspectiva, percebe-se o esforço e a tentativa dos professores por um ensino que leva em conta a aproximação do conhecimento científico com o do cotidiano do estudante, situando o estudante sob a análise de sua realidade e a explicação científica para isto. Por outro lado, ainda representando um grande desafio pedagógico, a abordagem interdisciplinar/transdisciplinar se constitui, no escopo aqui estudado, como uma dimensão pouco refletida e experenciada, o que indica a necessidade de ressignificação do conhecimento a partir de um processo de integração disciplinar na formação inicial e continuada de professores e na ordenação curricular das escolas.
As DEA construídas a partir das finalidades de ensino, da realidade como objeto de estudo e da abordagem, podem ser conduzidas como propósitos do fazer pedagógico, norteando os planejamentos dos professores e consubstanciando suas práticas escolares. Se apresentam, desta forma, como meio de análises da complexidade do real, incorporando o fazer pedagógico crítico sob a égide da construção do conhecimento científico e tecnológico e seus efeitos. No âmbito da pesquisa e investigação, a carência em torno de trabalhos que associam educação CTS e EA representa um vasto campo a ser explorado e estudado, o que possibilitaria alcançar novos saberes e práticas educativas. Assim, as categorias de análise formuladas neste trabalho podem favorecer compreensões sobre necessidades e potencialidades pedagógicas.
As contribuições da metodologia adotada para o desenvolvimento da investigação qualitativa também perpassam por mecanismos que orientam o trabalho do pesquisador quando da definição das categorias de análise, sejam elas elaboradas à priori ou não, a partir do contexto do qual são inferidas. Neste sentido, o contexto se apresenta como origem do processo de investigação onde são extraídas as unidades para a formulação de categorias que subsidiarão a análise qualitativa do pesquisador. Destacam-se, desta forma, possibilidades de direcionamento investigativo mais focado às questões que almejam ser analisadas.