1. Introdução
A obesidade afeta milhões de pessoas em diferentes faixas etárias em todo o mundo e é considerada um problema de saúde pública por ser um importante fator de risco para doenças não transmissíveis, como doenças cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de câncer (WHO, 2021). Além das consequências fisiológicas, muitas pessoas com excesso de peso também sofrem com a gordofobia, que se caracteriza pelo preconceito e discriminação contra indivíduos considerados acima do peso (Jimenez, 2020). A gordofobia é identificada inclusive entre profissionais da saúde, podendo prejudicar o acesso aos serviços de saúde e afetar a qualidade do atendimento prestado às pessoas obesas (Flint, 2015).
Pesquisas apontam que profissionais da saúde costumam ter atitudes estigmatizantes em relação aos indivíduos com excesso de peso, mesmo que de forma não intencional. Algumas dessas condutas incluem culpar os indivíduos por estarem acima do peso e fornecer orientações para controle de peso inadequadas e não solitadas (Rathbone, Cruwys, Jetten & Barlow, 2020).
Atitudes estigmatizantes também têm sido relatadas entre estudantes de graduação nos cursos de ciência da saúde. Em pesquisa realizada com graduandos de nutrição brasileiros, usando estudos de caso hipotéticos, foi constatado que o peso do paciente influenciou as respostas relacionadas a comportamentos e prescrições, com viés para atitudes negativas (Obara, Vivolo, & Alvarenga, 2018). Posturas preconceituosas em relação ao peso também são descritas para estudantes de demais categorias de cursos da saúde (Robinson, Ball, & Leveritt, 2014). Essa situação chama atenção para a perpetuação de atitudes estigmatizantes que perpassam a formação e a atuação profissional na saúde e nas possíveis lacunas existentes na formação acadêmica para abordagem integral do cuidado a pessoas com excesso de peso.
Conhecer o entendimento de profissionais de saúde em formação sobre a gordofobia pode dar direcionamento a formas de evitar a estigmatização do peso no atendimento em saúde. Dessa forma, este artigo teve como objetivo investigar a percepção de estudantes universitários da área da saúde sobre a gordofobia.
2. Metodologia
Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, na modalidade de Grupo Focal (GF), analisado segundo o conceito de estigma proposto por Erving Goffman (1988) e realizado em setembro de 2021, com estudantes de graduação em cursos da saúde de uma Instituição de Ensino Superior (IES) privada da cidade de Fortaleza, Ceará.
A abordagem qualitativa foi escolhida por ser capaz de descrever a complexidade de determinado problema, analisar, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais. Pode também possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos (Richardson, 1999).
O referencial teórico escolhido para a interpretação das informações foi a obra "Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada", escrita pelo sociólogo canadense Erving Goffman. O livro explora como a estigmatização afeta a vida das pessoas e como as normas sociais moldam a identidade e o comportamento, e é frequentemente utilizado para entender a estigmatização em diversos contextos sociais, incluindo o excesso de peso (Goffman, 1988).
A pesquisa foi conduzida por uma pesquisadora com graduação em Fisioterapia. A captação dos participantes se deu por meio de mensagens eletrônicas enviadas aos estudantes de graduação dos cursos de Educação Física, Medicina, Nutrição e Psicologia da IES, contendo um convite de partipação para a presente pesquisa. No convite constava o título da pesquisa, o objetivo do estudo, a identificação dos profissioanis responsáveis, o método de realização, o número do Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) e o número do Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa.
Os estudantes que aceitaram participar da pesquisa foram direcionados ao link do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Após a leitura e assinatura eletrônica do TCLE, os voluntários tiveram acesso a um questionário virtual elaborado na plataforma Google Forms para coleta de dados sociodemográficos: idade, gênero, estado civil, etnia e religião.
Após esta primeira etapa da pesquisa, seguiu-se com a organização para a realização do GF. Os participantes foram incluídos no estudo por conveniência, utilizando os princípios da amostragem intencional, com intenção de garantir um quantitativo de 8 a 12 universitários que preenchessem os seguintes critérios: estar devidamente matriculado, ser maior de 18 anos e ter concluído, no mínimo, metade do curso de graduação. Não foram incluídos na pesquisa os participantes que apresentaram algum problema cognitivo que os impossibilitasse responder aos questionários e/ou que estavam em acompanhamento psicológico.
A decisão da amostragem foi tomada com base na literatura, que considera que o tamanho ideal para os grupos focais deve ser entre 8 e 12 pessoas. Experiências mostram que grupos acima de 12 pessoas inibem e reduzem as possibilidades de participação de todos (Giovinazzo, 2001). O fechamento da sessão do grupo focal se deu por saturação do conteúdo, portanto, a coleta de informações foi interrompida no momento em que os pesquisadores identificaram que o conteúdo obtido foi suficiente, por apresentar redundância das informações (Fontanella et al., 2011).
Após confirmação da participação pelos voluntários, os pesquisadores entraram em contato para agendar data e horário, para criação do link de acesso à plataforma para realização do GF, de forma que não coincidisse com as atividades acadêmicas. A técnica do GF visa, por meio de diálogos grupais entre os participantes, debater um tema específico. É caracterizada por ser uma discussão guiada, realizada com o intermédio de um moderador, que deve favorecer a interação do grupo e garantir o enfoque no tema. Como alternativa ao GF tradicional, há o Grupo Focal Online (GFO), que pode ser realizado por escrito, áudio e/ou vídeo (Oliveira, Penido, Franco, Santos, & Silva, 2022).
A realização do GF aconteceu de forma online por meio da plataforma Google Meet, de forma síncrona e com uso de áudio e vídeo. O momento de coleta se deu por meio de uma sessão de grupo focal com duração aproximada de 1h30 minutos.
A condução do GF se deu por meio de um roteiro semiestruturado contendo as seguintes perguntas norteadoras: 1. “Para você, o que é gordofobia?”; 2. “Você já vivenciou alguma situação gordofóbica? Como se percebeu em tal situação”; “3. Como vocês percebem comportamentos gordofóbicos durante a formação acadêmica?”; 4. “Vocês conhecem ações e/ou estratégias utilizadas pela universidade para conversar sobre a gordofobia?”; 5. “Como você se sente em relação aos padrões de imagem corporal e o apelo da mídia?”; 6. “Como você percebe a utilização de aplicativos para alteração da aparência corporal?”.
Fizeram parte do estudo 12 universitários de cursos de graduação na saúde (um do curso de Educação Física, quatro do curso de Medicina, três do curso de Nutrição e quatro do curso de Psicologia), com faixa etária variando de 21 a 44 anos. Seis se consideraram brancos(as), quatro pardos(as) e um negro(a). Quanto ao estado civil seis eram solteiros(as), um casado(a), dois divorciados, um reside com o(a) companheiro(a) e outro(a) em união estável. Quando questionados sobre a sua crença religiosa, quatro afirmaram serem católicos, três protestantes, um(a) espírita e três se consideram sem religião.
Para garantir o anonimato dos participantes, as falas foram identificadas pela letra inicial do curso da graduação de cada voluntário, sendo utilizado EF para Educação Física, M para Medicina, N para Nutrição e P para Psicologia, seguida por números arábicos crescentes conforme a ordem de participação na pesquisa, conforme exemplos: (M1, M2, N3...). As notas de campo foram registradas no momento do GF e as falas foram transcritas e submetidas à análise de conteúdo na modalidade temática (Bardin, 2016), que consiste em três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados e interpretação.
A primeira etapa, de pré-análise, representou o primeiro contato com o material transcrito submetido à análise. Foram realizadas a organização do material e a leitura aprofundada da transcrição para sistematizar as impressões iniciais do conteúdo (Bardin, 2016).
A etapa de exploração consistiu na redução do texto a expressões ou palavras de significância, selecionando as unidades de codificação. Os assuntos mais recorrentes nas falas foram destacados no texto em unidades possíveis de serem comparadas, classificando os elementos em conjuntos de sentidos comuns e realizando o agrupamento por analogia para posterior agregação nas categorias temáticas. As categorias não estavam definidas a priori e foram identificadas de acordo com a temática mais evidente em cada agrupamento (Bardin, 2016).
No tratamento dos resultados e interpretação, foi realizada a análise do material obtido de forma a torná-lo significativo e válido. As interpretações foram realizadas com a intenção de buscar um significado mais aprofundado do discurso enunciado (Bardin, 2016). Para fundamentar as inferências no texto, as interpretações foram feitas com base em referencial teórico, pautando-se nas contribuições teóricas sobre estigma de Erving Goffman (1988).
A pesquisa foi realizada conforme os aspectos éticos empregados em trabalhos com seres humanos e contemplando as determinações da Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional e Saúde, e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza sob o parecer de nº 4.460.560.
3. Resultados e Discussão
Foram estabelecidas quatro categorias temáticas: 1. Percepções sobre gordofobia; 2. Gordofobia e Mídias Sociais; 3. Abordagem da gordofobia entre as profissões da saúde e 4. Inclusão da gordofobia na formação acadêmica. A sistematização das categorias descritas não expressa uma autonomia em relação às demais categorias apresentadas; trata-se de um recurso de apresentação que buscará revelar a relação entre elas.
3.1 Percepções sobre Gordofobia
Nesta categoria temática são apresentadas as compreensões dos entrevistados a respeito da gordofobia. O entendimento predominante foi de uma forma de comportamento que exclui e diferencia pessoas com excesso de peso ou que não atendem a um determinado padrão corporal.
“Eu acho que, a rejeição, a não aceitação, de pessoas com peso elevado. Ou não necessariamente com excesso de peso, mas que não esteja nos padrões, que a mídia, a sociedade estipula” (N2).
“Eu acho que a gordofobia está dentro de um espectro, por exemplo, de comportamentos excludentes, né. Que excluem pessoas que estão fora daquele padrão” (P2)
A gordofobia pode ser entendida como um conjunto de atitudes e comportamentos negativos dirigidos a indivíduos com sobrepeso ou obesidade, incluindo discriminação, estereotipagem, exclusão social e estigmatização do corpo gordo (Jimenez, 2020). Para Goffman (1988), estigmatização é o processo social de rotular e desacreditar a identidade de um indivíduo com base em uma característica percebida como diferente ou desviante. Quanto às pessoas gordas, o estigma é gerado a partir da crença de que a forma física é uma consequência de negligência, falta de controle, preguiça ou fracasso, levando à percepção de que suas capacidades pessoais e sociais são limitadas por este atributo (Silva & Cantisani, 2018).
A gordofobia também foi relacionada com a percepção que o indivíduo tem sobre o próprio corpo e sobre o corpo do outro. O entendimento de que uma pessoa é gorda foi percebido como subjetivo e influenciado por um padrão corporal determinado e aceito pela sociedade.
“Eu sinto muito que o principal motivo às vezes é mais o dismorfismo mesmo, sabe. Assim, às vezes são pessoas que elas não são obesas, na categoria de saúde, mas elas se enxergam nessa posição, porque nós enquanto sociedade, impomos o ideal de corpo pra essas pessoas [...]. Então eu acho que, a questão da gordofobia, ela é muito sensitiva, no sentido de estar muito relacionada com a visão que a pessoa tem do corpo” (P4).
O corpo idealizado e apreciado pela sociedade é um corpo magro e ao mesmo tempo definido, o que não se encaixa na realidade da diversidade de corpos existente entre as pessoas.
Entretanto, não estar inserido nesse padrão corporal pode provocar sofrimento pessoal e levar à insatisfação corporal (Silva, Taquete, & Coutinho, 2014). A insatisfação com a imagem corporal é um problema comum entre os estudantes universitários brasileiros e afeta tanto homens como mulheres (Souza & Alvarenga, 2016). Jovens com sobrepeso e obesidade costumam apresentar maior insatisfação com a imagem corporal, embora essa situação também seja identificada, em menor proporção, entre indivíduos dentro da faixa de peso considerada normal (Rentz-Fernandes, Silveira-Viana, Liz, & Andrade, 2017).
3.2 Gordofobia e Mídias Sociais
O isolamento social, motivado pela pandemia de Covid-19, foi mencionado entre os entrevistados como um fator que levou muitas pessoas a desenvolverem insatisfação com o próprio corpo e também a procurarem, por meio das redes sociais, métodos para promover a perda de peso em casa.
“O que surgiu mesmo nas redes sociais, foi uma certa insatisfação com o corpo. Como o corpo ficou na pandemia, por conta de tá muito tempo recluso, em casa, com má alimentação, surgiu uma insatisfação” (N3).
“Na pandemia foi muito falado, por que obesidade ela foi incluída no grupo de risco. Então as pessoas procuraram é, formas de se exercitar em casa para poder diminuir o peso” (EF1).
Durante a pandemia de Covid-19, que teve início em março de 2020, foi observado um aumento no uso das redes sociais (Venegas-Vera, Colbert, & Lerma, 2020), o que resultou em uma maior exposição e engajamento dos usuários com conteúdos relacionados à imagem corporal, com ênfase nos ideais de corpo magro e atlético (Rounsefell et al., 2020). Segundo Goffman (1988), as recompensas associadas à adequação às normas sociais incentivam as pessoas a ocultarem ou modificarem características que podem ser alvos de estigma. A busca por mudanças no estilo de vida, às vezes de forma extrema, como a prática excessiva de atividade física e mudanças alimentares restritivas, por exemplo, está associada à insatisfação da imagem corporal (Aparício-Martínez et al., 2019).
A disseminação da temática da gordofobia nas mídias sociais levantou a possibilidade de que a maior discussão sobre o assunto pode tanto aumentar como diminuir a gordofobia, ressaltando a importância da forma como esse tema deve ser abordado e discutido.
“Em relação à mídia social, essas coisas, se tem se falado mais a questão do corpo. E aí, não sei se, por se falar mais, vão surgir mais a questão da gordofobia, ou se por falar mais, vão diminuir a questão da gordofobia” (P2).
As redes sociais facilitaram a organização de movimentos de enfrentamento à gordofobia, de forma a diminuir o estigma de pessoas gordas. Entretanto, também têm sido espaço para confrontos ideológicos entre aqueles que defendem o emagrecimento através da difamação e humilhação de pessoas obesas, acreditando que isso as motivaria a se adequar aos padrões de saúde e estética, e aqueles que consideram o excesso de peso como uma condição difícil de ser modificada e merecedora de respeito (Natividade, & Costa, 2021).
Alguns autores têm defendido a necessidade de uma abordagem inclusiva em relação ao peso, que leve em consideração a diversidade natural dos corpos e que promova a saúde independentemente do peso, priorizando a saúde física e o bem-estar psicológico das pessoas gordas (Calogero, Tylka, Mensinger, Meadows, & Daníelsdóttir, 2019; Hunger, Smith, & Tomiyama, 2020).
Quanto ao uso das redes sociais, os entrevistados consideraram que os profissionais com perfis de divulgação de trabalho devem ser cuidadosos com o conteúdo que consomem e que postam, levando em conta a responsabilidade que têm na disseminação de informações sobre saúde.
“Temos que tomar cuidado com os perfis que seguimos, eu sigo tanto nutricionista que trabalha essa parte de comportamento alimentar, como a parte de nutrição em si. Então a pessoa, o usuário, o paciente, ele tem que tomar cuidado com as pessoas que ele segue. E o profissional tomar cuidado com o que ele posta” (N1).
O uso das mídias sociais na educação em saúde vem aumentando devido à sua capacidade de promoção da saúde ao remover barreiras físicas que tradicionalmente dificultam o acesso ao conhecimento. Os jovens são os principais consumidores de informações de saúde divulgadas em redes sociais e costumam apresentar desconfiança nos conteúdos de usuários desconhecidos e maior confiança em contas de amigos e influenciadores populares (Freeman, Caldwell, & Scott, 2022). Contudo, o uso de mídias sociais como fonte de informações deve ser feita com cautela, já que existem obstáculos significativos de indivíduos ou entidades que usam esses meios para promover desinformação sobre questões relacionadas à saúde - por exemplo, movimentos antivacinas e divulgação de dietas restritivas (Golden, McLeroy, Green, Earp, & Lieberman, 2015).
3.3 Abordagem da Gordofobia entre as Profissões da Saúde
Uma perspectiva multiprofissional foi reforçada pelos estudantes quanto à abordagem da gordofobia na saúde. Para os entrevistados, a obesidade foi entendida como uma doença que requer tratamentos, que tenham como base a humanização e o acolhimento, entendendo o indivíduo de maneira singular e não apenas como portador de um problema de saúde.
“É um processo que envolve uma equipe multiprofissional, né. Vem a questão do psicólogo, vem a questão do educador físico, do nutricionista, do médico, se necessário. Então realmente, é muito além do excesso de peso” (M2).
“Já que a obesidade tem várias causas, é uma doença multifatorial, e ela pode causar outras doenças, então a gente vê a obesidade de forma bem ampla, e entende ela singularmente como um problema de saúde, sempre acolhendo os pacientes, e tentando explicar pra ele, os malefícios. E entender que aquilo ali não faz um cidadão, uma pessoa pior que a outra” (P3)
O estudo de Paim & Kovaleski (2020) critica a abordagem profissional na conduta do excesso de peso por patologizarem o corpo gordo e focarem exclusivamente na perda de peso. Segundo os autores, o discurso dominante ainda justifica e reproduz a gordofobia na sociedade, ao fortalecer uma ideia de saúde que seria própria do corpo magro e relacionando diretamente melhor nível de saúde com a perda de peso. Os discursos médicos e científicos podem ser usados para estigmatizar e marginalizar certos grupos de pessoas, como as pessoas gordas. Goffman (1988) argumenta que as pessoas estigmatizadas são consideradas desviantes da norma social, e que essa desvalorização é produzida e mantida por um conjunto de estereótipos negativos, estabelecidos e reproduzidos socialmente.
A gordofobia esteve presente entre os próprios universitários, que sofrem julgamento por estarem com excesso de peso, até mesmo no ambiente acadêmico.
“Os alunos da Nutrição, se eles estiverem acima do peso, ou com um grau de obesidade, as pessoas olham torto, falam: ‘ah faz Nutrição e está com excesso de peso!’ Eu acho bem preocupante, até mesmo na faculdade” (D03N).
Estudantes da área da saúde podem ser fontes de preconceito e discriminação em relação à obesidade. Pesquisa realizada com graduados de diferentes cursos da saúde e com estudantes de graduação de outras áreas, identificou que o preconceito relacionado à obesidade foi semelhante entre os grupos, sugerindo que a discriminação do excesso de peso pode ser determinada por fatores sociais e ambientais mais amplos (como culturas que valorizam a magreza ou experiência pessoal com obesidade) em vez do programa de graduação, em específico (Robinson, Ball, & Leveritt, 2014). No entanto, a formação profissional atual ainda é falha quanto à abordagem da gordofobia, frente a isso, estudos têm apontado a necessidade de revisão curricular para inclusão da educação sobre o estigma da obesidade nos cursos de graduação (Alberga, Russell-Mayhew, von Ranson, & McLaren, 2016; Alvarenga, Obara, Takeda, & Ferreira-Vivolo, 2022).
Atitudes implícitas de gordofobia foram identificadas entre os estudantes em relação aos profissionais da saúde. Percebeu-se uma ambiguidade em relação à questão da prática da gordofobia, sendo considerada “aceitável” e ao mesmo tempo uma forma de preconceito não relacionada à capacidade de atuação profissional.
“[...] é meio que seu corpo, é a sua vitrine, né. Isso aí é uma questão por mais aceitável que seja a prática da gordofobia nessas questões, ainda é gordofobia, ainda é um preconceito, e ainda é uma questão, enfim, o fato de ser eu gordo ou não, não diz respeito à capacidade que eu tenho de proporcionar ao outro uma dieta” (P2).
Devido à reprodução de estereótipos relacionados ao peso corporal, profissionais de diversas áreas da saúde acabam se tornando uma fonte importante de preconceito nos serviços de saúde. Porém, esses mesmos profissionais são alvos do estigma, sendo pressionados a manter um "peso adequado" como exemplo de um estilo de vida saudável. A imagem corporal dos profissionais reflete uma perspectiva de sucesso e exemplo a ser seguido pelos clientes/pacientes, e a adequação ao padrão de corpo magro é percebida como uma marca de êxito do seu trabalho (Tarozo & Pessoa, 2020).
Essa relação entre a imagem corporal e o sucesso profissional pode ser vista como um exemplo da dinâmica de estigma descrita por Goffman (1988), em que os indivíduos são julgados com base em sua aparência e em conformidade com as normas sociais dominantes.
4. Considerações Finais
O conhecimento sobre gordofobia entre os estudantes foi semelhante à definição usual desse termo, apesar de ainda existirem indícios de uma aceitabilidade do preconceito relacionado a profissionais de saúde com excesso de peso.
Houve destaque para a importância de se entender a obesidade como uma doença, mas também de tratar o indivíduo de forma acolhedora e sem julgamentos, respeitando sua singularidade e considerando a abordagem de uma equipe multiprofissional para um tratamento mais completo e eficaz. O reconhecimento da gordofobia como um tema transversal a todas as áreas profissionais da saúde e a inclusão de conteúdos específicos sobre o assunto na formação acadêmica foram entendidos como maneiras possíveis para combater a gordofobia e promover a valorização da diversidade corporal e uma abordagem inclusiva do peso no atendimento em saúde.
A utilização da metodologia qualitativa de pesquisa permitiu que fossem acessadas questões mais profundas sobre a percepção da gordofobia, como as possíveis consequências dessa percepção na atuação dos profissionais de saúde, a relação com a formação acadêmica e a importância de abordar o tema nas grades curriculares.