1. Introdução
A saúde emocional de acompanhantes, familiares ou cuidadores, de pacientes com câncer hospitalizados é um tema que merece atenção dos profissionais de saúde. Ressalta-se o quão fundamental é o papel desses acompanhantes na preservação do bem-estar da pessoa doente e como essa experiência pode acarretar sobrecarga emocional, afetando diretamente a qualidade de vida deles.
O câncer constitui-se em um conjunto de doenças decorrentes de divisão celular desordenada de um órgão ou tecido que levam à formação de uma massa celular, que recebe a designação de tumor. Os tumores são classificados em benignos ou malignos e essa classificação norteia a seleção do tratamento mais adequado, cirurgia, quimioterapia, radioterapia e/ou imunoterapia, sendo comum o uso concomitante de dois ou mais deles (Brasil, 2011).
A pessoa com câncer frequentemente vivencia uma situação de cronicidade na evolução do seu quadro clínico. Requer longo tempo de cuidado, causando incapacidades residuais e inabilidades que demandam de uma boa estrutura de suporte e serviços. Implica, ainda, no uso de estratégias para o enfrentamento dos sintomas e das mudanças causadas pela doença na vida do paciente e sua família (Silva et al., 2013). As hospitalizações costumam ser recorrentes e, nesse momento, é muito importante a presença de um acompanhante que o auxilie em seu cuidado. Esse apoio tem sido associado a maior aderência do paciente ao tratamento, menores níveis de depressão e ansiedade e melhora do bem-estar (Taylor et al., 2021).
Dependendo do vínculo com a pessoa hospitalizada, o acompanhante ou cuidador primário pode ou não ser um familiar. Segundo a Constituição Federal, entende-se como entidade familiar “a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”, ou ainda, como “um grupo que constitui um campo de relações entre pessoas que compartilham significados de suas experiências existenciais” (Colvero et al., 2004; Congresso Nacional do Brasil, 1988). Também podem ser chamados de cuidadores informais, geralmente não tendo treinamento em saúde e não recebem retorno monetário (Silva & Petri, 2021).
Além dos familiares, cuidadores também podem ser contratados, caracterizando-se como aqueles que se responsabilizam em cuidar da pessoa doente, auxiliando em suas atividades diárias como alimentação e higiene pessoal, ofertando medicações de horário e acompanhando aos serviços de saúde, dentre outras funções requeridas (Lv et al., 2021; Diniz et al., 2016).
Segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), o cuidador “pode ser alguém da família ou da comunidade, que se propõe a prestar cuidados à outra pessoa de qualquer idade, que esteja necessitando de cuidados por estar acamada, com limitações físicas ou mentais, com ou sem remuneração” (Ministério da Saúde, 2008).
Muitos pacientes experienciam sofrimento psicológico durante todas as fases da doença e isso se expande aos cuidadores e familiares (Chia et al., 2021).
Ao acompanhar a pessoa com câncer no hospital, o cuidador primário pode carregar consigo o sofrimento dela, assumindo responsabilidades em função de suas necessidades físicas e emocionais, por se encontrar incapacitado de exercer suas funções com autonomia (Sanchez et al., 2010).
Essa situação leva ao desgaste devido à sobrecarga gerada pelo estresse que envolve a hospitalização, podendo acarretar diversas implicações negativas para o acompanhante, já que ele participa intensamente da vida e do sofrimento do paciente por conta da doença e tratamento. Por conta disso, o acompanhante tende a renunciar à sua individualidade, sofrendo prejuízos em seu cotidiano, podendo inclusive adoecer e ter seu julgamento e sua capacidade de cuidar afetados (Block et al., 2023; Rocha et al., 2020; Bianchin et al., 2015; Delalibera et al., 2015; Monteiro & Lang, 2015).
Analisando este cenário de sobrecarga enfrentado pelo acompanhante, evidencia-se a necessidade de se investigar mais sobre os aspectos que permeiam este contexto. Assim, alguns questionamentos nortearam a realização deste estudo: como os familiares e cuidadores percebem sua saúde emocional ao assumirem o papel de acompanhantes da pessoa com câncer no hospital? Será que esses acompanhantes utilizam alguma estratégia para cuidar da sua saúde emocional nessa situação?
2. Objetivos
Compreender a percepção de familiares e cuidadores sobre sua saúde emocional ao acompanhar a pessoa com câncer no hospital;
Delinear as possíveis estratégias utilizadas por estes acompanhantes na promoção do autocuidado emocional durante a sua permanência no hospital.
3. Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo-exploratório de abordagem qualitativa, realizado na unidade de internação oncológica de uma instituição hospitalar privada, localizada na cidade de São Paulo.
Participaram do estudo 18 familiares e/ou cuidadores de pacientes com câncer hospitalizados que atendessem aos seguintes critérios de inclusão: ser maior de 18 anos de idade, ser incapaz de se comunicar verbalmente e ser reconhecido pela equipe de saúde como acompanhante familiar ou cuidador. Foram excluídos aqueles que não falavam o idioma português, o que poderia comprometer a plena compreensão dos relatos pelas pesquisadoras.
A maioria dos acompanhantes era do sexo feminino (77,8%) com idade variando entre 20 e 78 anos, prevalescendo a faixa etária dos 31 a 50 anos (55,6%). Em relação à crença religiosa, 16 participantes (88,9%) possuíam uma ou duas crenças religiosas, dentre as seguintes: católica, evangélica, judaica, espírita, umbandista e vedanta. Um dos participantes declarou não possuir nenhuma religião e outro declarou apenas crer em Deus. Sobre a relação dos familiares com o paciente hospitalizado, sete (46,7%) eram filhos(as) e oito (43,3%) eram cônjuges.
Destes, 16 (88,9%) tinham experiência prévia em acompanhar pacientes com câncer no hospital (Quadro 1).
Dos três cuidadores entrevistados, todos tinham experiência como cuidador, mas apenas um (33,3%) possuía formação na área. Sobre o tempo de atuação como cuidador, um deles atuava por mais de 26 anos, o outro, por 2 anos e meio e um deles não soube informar (Quadro 1).
O tamanho da amostra foi definido no decorrer da coleta de dados, encerrando-se quando as informações começaram a se repetir (saturação dos dados), possibiltando às pesquisadoras a compreensão do fenômeno estudado (Fontanella et al., 2008).
Após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde se realizou a pesquisa (número do parecer: 5.327.776; CAAE: 57046522.8.0000.0071), os acompanhantes de pacientes com câncer foram abordados individualmente e convidados a participar da pesquisa, sendo apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista individual, semiestruturada e agendada conforme a disponibilidade dos participantes. As entrevistas duraram em média 10 a 15 minutos.
Ressalta-se que na entrevista semiestruturada, o pesquisador combina perguntas abertas e fechadas, de modo que a pessoa entrevistada possa discorrer sobre o assunto, sem se limitar à indagação formulada (Minayo, 2015). Para a sua condução neste estudo, utilizou-se um roteiro contendo informações sobre o perfil dos participantes e quatro questões norteadoras: Como é para você acompanhar uma pessoa internada para tratamento do câncer?
Durante esse período em que você está acompanhando este paciente/seu familiar (substituir pelo nome) aqui no hospital, como você se sente do ponto de vista emocional? Na sua opinião, como está sua saúde emocional durante o período em que está acompanhando seu paciente/familiar (substituir pelo nome) no hospital? Conte-me o que você faz para cuidar da sua saúde emocional no período em que está acompanhando seu paciente/familiar (substituir pelo nome) no hospital?
As entrevistas foram audiogravadas e transcritas na íntegra, respeitando-se a coloquialidade do discurso, sendo solicitada a autorização para a gravação, por meio do termo de autorização de uso da voz. O conteúdo das entrevistas foi armazenado em arquivos na nuvem e acessado apenas pelas pesquisadoras do estudo, preservando-se o sigilo e a confidencialidade das informações.
Para a análise dos dados, empregou-se a técnica de análise de conteúdo, proposta por Bardin (2016), que caracteriza por um conjunto de técnicas de análise da comunicação não verbal aplicado aos discursos, para obter indicadores, qualitativos ou não, que permitam descrever o conteúdo das mensagens dos entrevistados por meio de procedimentos objetivos e sistemáticos. Constitui-se por três fases: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados, inferência e interpretação.
A pré-análise é a fase de organização dos dados, sendo necessário a leitura do texto para que se conheça o seu conteúdo. Essa fase, por sua vez, se constitui das seguintes etapas: leitura flutuante, escolha de documentos, formulação de hipóteses e objetivos e elaboração de indicadores ou códigos. A leitura flutuante representa o contato inicial com os documentos obtidos na coleta de dados, quando então são conhecidos os textos e demais fontes a serem analisadas, no caso deste estudo, os relatos de discursos dos entrevistados. A seleção dos documentos refere-se ao corpus da análise, ou seja, o conjunto dos documentos a serem submetidos aos procedimentos de análise (Santos & Kiouranis, 2020). A partir da leitura inicial é que se formulam as hipóteses e objetivos, enquanto a etapa de interpretação dos dados norteia a elaboração dos indicadores ou códigos (Mendes & Miskulin,2021). A fase de pré-análise encerra-se com a preparação do material, ou seja, a reorganização dos dados codificados (Bardin, 2016).
A segunda fase, de exploração do material, consiste em realizar as operações de codificação, quando os dados brutos são sistematicamente transformados e agregados em unidades que permitem a descrição das características do conteúdo, gerando a categorização. As categorias evidenciam a representação simplificada dos dados brutos e a classificação dos elementos constitutivos do conjunto por diferenciação e reagrupamento segundo gênero e critérios definidos, tais como o semântico, o sintático, o léxico ou o expressivo (Bardin, 2016).
Na terceira e última fase, os dados codificados e categorizados passam a ser mais significativos e válidos, as inferências podem ser alcançadas e, consequentemente, a interpretação do conjunto (Bardin, 2016).
4. Resultados
Após a análise das entrevistas transcritas, foram identificadas nove categorias, sendo que neste artigo serão apresentadas apenas cinco delas. A descrição de cada uma das categorias será ilustrada com trechos dos discursos dos entrevistados, que serão identificados com a letra “E” (entrevistado) acompanhada de algarismo arábico, referente ao número da entrevista.
4.1 Tendo que assumir o papel de acompanhar a pessoa com câncer no hospital.
Nos discursos, evidencia-se a necessidade de o acompanhante criar meios para lidar com a responsabilidade de acompanhar e aprender como enfrentar as dificuldades e as adversidades, considerando as particularidades da doença. Os acompanhantes colocam suas necessidades em segundo plano, enfatizando a importancia de se mostrarem fortes nesse momento, para que possam dar o suporte emocional à pessoa hospitalizada para que se sinta segura.
Mas eu tento ser... me mostrar forte... mesmo que eu não esteja me sentindo. Eu tento ser a rocha... [...] Apesar de eu saber do que está acontecendo, eu meio que esqueço e foco ali, que ela é minha mãe. E ao mesmo tempo, tenho que manter e ser o equilíbrio da família[E1].
É óbvio que a gente arranca nosso coração e devolve daqui alguns meses, quando for possível, porque é assim. Não adianta...Aa pessoa já... quem tá doente, está mais fragilizado, né? Então, a gente tem que fingir que... assim.… tá tudo bem, que nada está acontecendo. Não fingir, né, porque na verdade tá tudo bem... [E7]
O acompanhamento é difícil... Eu sinto muito, porque quando você passa muito tempo com uma pessoa, você cria um apreço a ela...um vínculo. E eu, ver ela novamente (hospitalizada)... porque já é a terceira vez que ela passa por um câncer. E voltar novamente a ter aquelas mesmas reações, aqueles mesmos processos que, nas anteriores.... Era a primeira (vez), a gente não entendia..., mas voltar é mais difícil. [E9]
4.2 Mudando a rotina de vida para acompanhar a pessoa durante a hospitalização.
Os acompanhantes relatam nas entrevistas o impacto na rotina de vida ao acompanhar a pessoa hospitalizada, tendo que ajustar as rotinas de cuidado dela durante as internações aos seus compromissos pessoais que possuem fora do hospital.
Atrelado à mudança na rotina, destacam a perda da privacidade no ambiente hospitalar, em consequência da dinâmica do tratamento do paciente, sendo difícil ter momentos para descansar ou fazer o que gostam.
Encaro muito bem (a rotina de cuidados da pessoa com câncer) quando a gente está em casa e tudo mais. Mas aqui (no hospital), realmente é.… acho que tanto pra mim, quanto pra ele (paciente), é um desgaste físico e emocional muito grande. Porque você está longe de casa... você não tem momentos de... são coisinhas simples. [E6]
Não consegui trazer trabalho, né, pra cá. Isso eu não consegui, porque é como se você, o tempo todo, tivesse que tá... você começa a fazer uma coisa, tem uma demanda, né? Então, isso eu não consegui. [E15]
4.3 Sentindo-se comprometido com o cuidado da pessoa hospitalizada.
Os acompanhantes familiares consideram importante estar junto com a pessoa com câncer durante as internações, ainda que seja uma situação difícil. Por se tratar de um momento delicado, julgam ser essencial não deixar o paciente sozinho, assumindo a responsabilidade no cuidado e sentindo-se satisfeito por acompanha-lo nesse momento, ajudando-o e dando-lhe o apoio necessário para enfrentar o tratamento e seguir em frente.
Pra mim, desde o início, eu assumi (o cuidado). Assim, eu me encarei como responsável. Então, eu sempre me sinto bem. Sinto que estou ajudando ele... que eu tô dando força pra ele. [E6]
Ah, eu gosto, né... Esposo, né, a gente tem que estar ali. Não gosto de deixar ele sozinho. Então, eu faço de tudo para sempre estar acompanhando, né? Já sei como que é, porque já tive a minha mãe, né? Já acompanhei... sei como é que é. O paciente fica muito emotivo. Ele fica muito sensível e eu acho que não é legal ficar sozinho, né? Eu acho que tem que ter alguém para acompanhar. É um momento bem difícil, bem delicado, né? Então, não dá para deixar assim... [E11]
Não foi, não tem sido um período fácil, assim... Mas estamos aqui... todo dia sempre junto, porque pra mim, é muito difícil não estar perto. [E15]
4.4 Sentindo-se mais tranquilo e confiante como acompanhante com o passar do tempo.
Os relatos apontam que não foi fácil para o acompanhante familiar receber o diagnóstico de cancer do seu familiar, mas a medida que o tempo passa, novas experiências são vivenciadas, possibilitando maior familiaridade com a situação de doença e hospitalização. Consequentemente, torna-se mais tranquilo para o acompanhante lidar com a situação, sentindo-se mais confiante para assumir o papel de cuidar, graças, também, ao suporte da equipe de saúde.
Apesar do susto, porque foi uma internação inesperada para a gente na sexta, hoje, eu estou mais tranquila, porque estou vendo que as coisas estão sob controle. [E1]
... é óbvio que estressa. A gente fica muito estressada quando recebe o diagnóstico, né, mas com o tempo e com a atenção dos médicos e com o carinho de todos.... Enfim, todo mundo nos atendeu muito bem aqui... a gente vai ficando mais tranquilo. [E7]
4.5 Buscando estratégias que promovam ao acompanhante o autocuidado emocional.
Diferentes estratégias foram apontadas pelos acompanhantes como forma para cuidar da saúde mental e desviar o foco da doença, na tentativa de enfrentar a situação e promover o autocuidado emocional durante o período de internação do paciente.
Os acompanhantes julgam ser este um momento difícil, quando precisam esforçar-se para conciliar o compromisso de acompanhar o familiar internado aos outros que possuem fora do hospital. Dentre as estratégias que utilizam, destaca-se: o apoio religioso, incluindo a participação de grupos de estudos e ouvir louvores; a prática de esportes e hobbies (fazer joias, crochê); meditação, yoga; atendimento psicológico; brincar com o cachorro; assistir televisão, ler e ouvir música; estudar e trabalhar online; sair do quarto do paciente e tomar um café; usar o celular para conversar com os familiares que estão em casa ou acessar as redes sociais.
Primeiro, focando no lado religioso, né... de fé. Tenho o costume de fazer minha meditação, minhas orações. Então, eu acredito que isso que sustentou muito a gente. Eu acho que esse hábito da oração, de ler uma meditação, uma leitura da bíblia, né, isso fortalece a gente pro que está acontecendo agora e para aquilo que pode acontecer. [E1]
Eu gosto, eu tenho o hábito de meditar na bíblia, orar. Um dos hobbys, é escutar louvores, músicas em geral... tanto faz o gênero. Mas gosto muito, como hobby que eu gosto muito de fazer e de praticar, que eu tenho por arte e que eu gosto de fazer, é ourivesaria, que é a arte de fabricar jóias.[E3]
Eu comecei, desde a semi (semi-intensiva), eu trouxe um tapete... faço yoga em casa. Aí, eu trouxe meu tapetinho e aí, às vezes, quando eu consigo acordar mais cedo, eu ponho meu tapetinho ali (aponta para o canto) e faço yoga. Acho que me ajuda bastante. [E6]
... tô fazendo uma aula, né. Um grupo de estudos né... do lugar espírita que eu vou. Então, é um momento que eu fico lá estudando... e eu trabalho! Eu trabalho daqui também, mas, assim.… quando dentre uma consulta e outra, eu tento trabalhar. [E6]
Eu tenho necessidade de um dia ou outro, eu vou ali (sai para dar uma volta, sem lugar específico) ... vou dar uma volta. Eu vou fazer alguma coisa... pensar em outras coisas a não ser no sofrimento dela, que é bem difícil. [E9]
A gente fica muito no celular hoje... o celular ajuda muito a gente... [E10]
E, por vezes, o acompanhante, principalmente o cuidador não familiar, parece não reconhecer o direito de buscar formas de aliviar a tensão, colocando em primeiro lugar o bem-estar da pessoa doente.
Não, eu foco mais nela (na paciente). Eu sempre me boto em segundo lugar, mas eu priorizo ela. [...]não só porque eu cuido dela, eu sei que eu cuido dela, que eu ganho meu salário para isso, mas eu gosto da pessoa. Então eu tenho empatia com a dor dela... fico sempre perguntando se ela está bem... se ela quer alguma coisa, pra ver se ela esquece um pouco desse ambiente hospitalar. [E9]
5. Discussão
Diante de uma situação de doença, na maioria dos casos, o familiar assume o papel de cuidador como um processo natural da vida, como algo pré-estabelecido, sem que haja muitos questionamentos sobre a disponibilidade e o querer do cuidador. Quando a doença se faz presente no núcleo familiar, o cuidado ao doente é uma necessidade e não uma opção.
É comum que uma pessoa assuma esse papel de forma autoatribuída (Nascimento et al., 2021). Neste sentido, os familiares e cuidadores precisam se adaptar ao processo do cuidar, considerando as diversas demandas e responsabilidades que esse processo engloba.
Nota-se que a rotina de vida dos familiares e cuidadores de pacientes com câncer hospitalizados sofre mudanças em diferentes esferas, pois precisam modificar e ajustar suas atividades diárias em função a rotina de cuidados dispensados ao paciente (Nascimento et al., 2021). Essas mudanças implicam em redefinição de papeis e tarefas para que a família possa auxiliar o paciente em suas atividades (Lins et al., 2022). Os cuidadores precisam administrar os compromissos que possuem fora do hospital juntamente à rotina da internação, a qual consideram ser difícil e desgastante.
Em estudos da literatura, observam-se concordâncias com este resultado, pois o processo de cuidar de um paciente em tratamento oncológico, além de gerar uma sobrecarga no cuidador, faz com que este precise modificar sua dinâmica pessoal e familiar, de acordo com as necessidades do paciente (Nascimento et al., 2021). O processo de hospitalização impõe mudanças na vida dos cuidadores, que têm a necessidade de reestruturar suas tarefas e horários, ao se sujeitar às rotinas da internação. Com isso, ficam evidentes as mudanças na rotina do cotidiano dos cuidadores, pois ao vivenciar a hospitalização, acabam enfrentando alterações em sua rotina familiar e pessoal (Dázio & Rosado, 2019).
Familiares e cuidadores sentem-se comprometidos com o cuidado do paciente oncológico e por se tratar de um momento delicado, consideram importante estar sempre ao lado do paciente, oferecendo apoio e auxílio nas tarefas inerentes ao tratamento. Da mesma forma, consideram essencial que o paciente tenha ao seu lado alguém conhecido, para que possam ter uma referência no cuidado. Tais fatos alinham-se à um estudo que discorre sobre a importância da família nesta situação, sendo ela a fonte de amparo ao doente, frente aos momentos de anseios e inseguranças. O apoio familiar é de extrema importância no tratamento do paciente, contribuindo para uma melhor qualidade de vida do deste (Silva et al., 2020).
Receber um diagnóstico oncológico de um ente querido não é algo fácil e simples de entender. Na maioria dos casos, os familiares são tomados pelo susto neste momento, situação esta que fica mais tranquila com o passar do tempo e com a experiência adquirida com as internações. Com isso, vai se tornando mais simples assumir o papel de cuidador, já que os responsáveis sentem mais confiança na equipe e em si mesmos. Ainda assim, um estudo demonstrou que mesmo após se adaptarem a um novo modo de vida, permanecem fatores que podem levar a sofrimento psicológico (Yang et al.,2021).
Para auxiliar o paciente durante o tratamento oncológico, diante das responsabilidades atreladas ao processo de cuidar, os familiares e cuidadores despendem de muita energia, afetando seu lado emocional e caracterizando a sobrecarga emocional e os diversos sentimentos vivenciados durante este momento do tratamento (Abreu & Costa Jr, 2018).
Ainda nesta linha, a literatura mostra que familiares que são responsáveis pelo cuidado de pacientes com câncer sofrem com ansiedade e depressão, devido à situação de vulnerabilidade em que se encontram, diante do avanço da doença e das incertezas que o câncer traz (Ferreira et al., 2019).
Para lidar com o lado emocional, muitas vezes abalado em consequência da rotina de assumir o cuidado, considerando que não é fácil acompanhar um paciente durante as internações e que se trata de um momento delicado e desgastante, os familiares e cuidadores buscam estratégias para o autocuidado emocional e para tirar um pouco o foco da doença. Ficam evidenciadas diversas estratégias neste contexto, como trabalhar, estudar, praticar esportes, orar e realizar alguma atividade manual. O hábito da leitura, da meditação, assistir filmes e séries e utilizar as redes sociais também funcionam como estratégias para distração durante o período em que ficam no hospital. Complementarmente, um estudo realizado com pais de crianças com câncer demonstrou que momentos de religiosidade auxiliam os acompanhantes melhorando a qualidade de vida, esperança e diminuição da sobrecarga (Farinha et al., 2022).
É importante que os familiares e cuidadores se apropriem dessas estratégias, pois nota-se uma sobrecarga emocional muito grande neste grupo, que assim como o paciente internado, também precisam de cuidados. Um estudo concorda com o exposto, considerando que diante da iminência de uma doença grave, a saúde mental dos familiares e cuidadores dos pacientes oncológicos pode ser afetada de forma importante (Encarnação & Farinasso, 2014).
A sobrecarga emocional é um dos muitos fatores que afetam a qualidade de vida dos acompanhantes que, mesmo assim, procuram buscar força e coragem para continuar auxiliando o paciente. Diante de tantos fatores estressantes, eles utilizam estratégias para enfrentamento da situação, visando sua saúde mental (Maffei et al., 2019).
Estratégias empregadas para alívio do estresse são importantes, pois os acompanhantes nem sempre demonstram seus anseios e inquietudes, tentando sempre se mostrar fortes diante do paciente. Isso pode gerar piora da sua qualidade de vida, juntamente com outras consequências negativas advindas do processo. Desta forma, faz-se necessário que os familiares e cuidadores se apropriem de diferentes estratégias para o autocuidado emocional, visando a promoção da saúde e devida continuidade no processo de cuidar (Garcia et al., 2021).
Finalmente, uma questão a considerar é o perfil do serviço que se constituiu em cenário para esta pesquisa. Trata-se de uma instituição privada reconhecida internacionalmente pela excelência de qualidade no cuidado em saúde e investindo constantemente na melhoria dos serviços oferecidos e na capacitação de suas equipes de profissionais. Ressalta-se, portanto, a necessidade de se realizar mais estudos dessa natureza em instituições de diferentes perfis, com o intuito de confrontar os resultados obtidos no presente estudo, possibilitando ter um panorama mais fidedigno das vivências de cuidadores de pessoas com câncer hospitalizadas.
6. Considerações Finais
Os achados deste estudo possibilitaram compreender as percepções de quem cuida da pessoa com câncer durante a hospitalização, evidenciando-se o fato de que o ato de cuidar exige responsabilidades, empatia, compaixão, paciência e disposição, impondo-lhe a necessidade de reajustar sua rotina de vida, no caso do familiar, alinhando suas atribuições e compromissos já estabelecidos para assumir o papel de cuidador em consequência do tratamento oncológico.
A hospitalização é um momento peculiar, que traz consigo mudanças no contexto do cuidado da pessoa doente, sendo necessário que o cuidador se adapte e aprenda a lidar com a situação. Entretanto, mesmo sendo considerado um período difícil, o familiar/cuidador deseja estar junto do paciente e até se “sente bem” ao acompanhá-lo durante a internação. Reconhece a importância de que a pessoa hospitalizada tenha a companhia de alguém conhecido em quem possa confiar nesse momento e acredita que a parceria mútua entre cuidador e a pessoa com câncer pode influenciar positivamente no tratamento.
A qualidade da assistência prestada pelo serviço parece ser um fator relevante na experiência do acompanhante. Quando percebe que a pessoa com câncer está sendo tratada por equipes competentes e recebendo acolhimento e carinho, torna-se mais confiante em relação ao tratamento. Sente-se, inclusive, mais seguro ao assumir o papel de acompanhante no hospital, a medida em que vai adquirindo maior experiência com passar do tempo.
Contudo, o fato de ter que assumir a responsabilidade pelo cuidado no hospital gera desgaste físico e emocional, sobrecarregando o acompanhante, que busca estratégias que ou auxiliem a se sentir fortalecido e lidar melhor com a situação, como forma de promover o autocuidado emocional.
A condução deste estudo numa perspectiva qualitativa possibilitou refletir de maneira mais consistente sobre as vivências dos acompanhantes de pessoas com câncer no hospital, trazendo contribuição significativa no sentido de sensibilizar instituições e profissionais de saúde para a necessidade de se ampliar o escopo do cuidado para além da pessoa hospitalizada, direcionando seu foco de atenção também para as demandas do acompanhante.