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New Trends in Qualitative Research

versão On-line ISSN 2184-7770

NTQR vol.20 no.1 Oliveira de Azeméis maio 2024  Epub 18-Jul-2024

https://doi.org/10.36367/ntqr.20.1.2024.e810 

Artigo Original

A EDUCAÇÃO ETNICO-RACIAL COMO BASE PARA UMA PERSPECTIVA DECOLONIAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

ETHNIC-RACIAL EDUCATION AS A BASIS FOR A DECOLONIAL PERSPECTIVE IN INICIAL TEACHER EDUCATION

1 Universidade Federal da Bahia, Brasil

2 Universidade Federal de Alagoas, Brasil


Resumo

Os regimes coloniais são racialmente organizados e o racismo é o principal instrumento de organização e controle da população negra. Assim, partimos do pressuposto de que o sistema educacional tem implicação direta nas práticas racistas, uma vez que os conteúdos e currículos são produtos de valores e crenças assentadas em uma visão de mundo hierarquicamente organizada a partir da diferenciação racial. Sendo assim, neste capítulo iremos refletir sobre o papel da decolonização dos currículos dos cursos de licenciatura através da educação étnico-racial na construção de crenças desassociadas da divisão hierárquica de raças. Descolonizar as Universidades, seus currículos e as práticas pedagógicas pode ser um caminho profícuo para construir novas crenças desassociadas da conformação social baseada na diferenciação por raça. A formação de subjetividades emancipatórias está, portanto, relacionada ao estabelecimento de novas crenças e isto pode ser possibilitado pela postura pedagógica ética e democrática.

Palavras Chave: Formação de professores; Decolonialidade; Currículos; Crenças.

Abstract

Colonial regimes are racially organized, and racism is the main instrument of organization and control of the black population. Thus, we assume that the educational system has a direct implication in racist practices since content and curricula are products of values and beliefs based on a hierarchically organized worldview based on racial differentiation. Therefore, in this chapter, we will reflect on the decolonization of undergraduate course curricula through ethnic-racial education in constructing beliefs disassociated from the hierarchical division of races. Decolonizing Universities, their curricula, and pedagogical practices can be a fruitful way to build new beliefs disconnected from social conformation based on differentiation by race. Therefore, the formation of emancipatory subjectivities is related to the establishment of new beliefs, which can be made possible by the ethical and democratic pedagogical stance.

Keywords: Initial teacher education; Decoloniality; Curriculum; Beliefs.

1.Introdução

A população negra viveu quase três séculos em regime de escravidão no Brasil. Este instrumento de colonização em terras brasileiras até hoje imprime repercussões nas crenças, valores e comportamentos da população em geral, caracterizando o racismo estrutural (Almeida, 2019). Estudiosos das teorias raciais sustentam que as crenças e valores compartilhados na população estão organizados principalmente com base na hierarquia das raças e se manifestam através do racismo e da discriminação (West, 2017; Nascimento, 2016; Munanga, 2020, Quijano, 2002). Nesse contexto, as crenças e as práticas racistas geralmente fortalecem o contexto colonial que se manifesta através de um sistema simbólico hierárquico baseado principalmente na diferenciação racial, no qual uma determinada raça (a branca) é considerada superior às demais (McCarthy, 2009). Desse modo, o racismo é historicamente considerado como um modo de organizar e controlar povos dominados e essa dominação acontece por meio de violências simbólicas e físicas (Sodré, 2012).

As crenças representam as informações que as pessoas possuem sobre o mundo e estão diretamente relacionadas à articulação que, dentro do processamento da informação, as pessoas associam um dado alvo a um atributo (Ajzen e Dasgupta, 2015). Um alvo pode se referir a pessoas, grupos, instituições, por exemplo, enquanto um atributo indica suas qualidades ou características. Desse modo, o repertório de crenças é construído através de processos inferenciais oriundos da relação do sujeito com o contexto e são a base dos julgamentos, avaliações e seleção de comportamentos. As relações interpessoais e intergrupais experimentadas no cotidiano têm como base as crenças que as pessoas constroem, compartilham e mantêm ao longo da vida (Fishbein e Ajzen, 2005).

Marcadamente, essa hierarquia racial pode ser observada em todos os espaços sociais no Brasil, principalmente no ambiente escolar. Como afirma Sodré (2012), a escola é o lugar determinado do sistema social em que se reconstitui o movimento da produção de conhecimento, no entanto, ela é organizada a partir das relações de classes. Portanto, utilizamos o conceito de currículo considerando-o uma opção cultural, um projeto que intenta transformar em conteúdo escolar valores e sistemas culturais peculiarmente organizados na sociedade (Sacristán, 2017). Nesse contexto, o currículo pode ser considerado um instrumento para efetivação dessa organização racial e racista devido à ideologia utilizada na sua formatação, assim como ao uso que se faz dele.

No intuito de romper com esse modo de organização, algumas ações dos Movimentos Negros no Brasil estão obtendo destaque no contexto educacional: a democratização do acesso através de leis e projetos que reservam vagas para negros e indígenas e que garantem sua permanência neste local (Brasil, 2012); a criação de leis que obrigam a inserção da história e cultura africana nos currículos desde a educação básica até a superior, entre outros (Brasil, 2003).

Sendo assim, iremos refletir sobre o papel da decolonização dos currículos dos cursos de licenciatura através da educação étnico-racial na construção de crenças desassociadas da divisão hierárquica de raças

2.A decolonização no ensino superior

O colonialismo, para Maldonado-Torres (2018), pode ser entendido como o processo de formação histórica dos territórios coloniais.

Por sua vez, entende-se como colonialismo moderno a forma pela qual os impérios ocidentais colonizaram grande parte do mundo a partir da era das Grandes Navegações. O legado do colonialismo tem no território epistemológico uma de suas ocupações mais longevas e, até o momento, bem-sucedidas. Ao validar a racionalidade moderna instrumental como o único conhecimento legítimo, subjuga uma diversidade de cosmologias e modos de ver, pensar, sentir e agir na realidade, limitando enormemente a diversidade epistêmica do mundo. Embora o colonialismo, próprio das ocupações territoriais e do subjugo e dominação bélica dos povos originários, já não mais exista de modo alargado na atualidade, as suas consequências históricas, nas formas de sociabilidade e, em especial, na produção do conhecimento, estão amplamente presentes (Santos, 2010). Para evidenciar os efeitos atualmente presentes do colonialismo, o sociólogo peruano Aníbal Quijano (2002) cunhou o conceito de colonialidade, indicando que o projeto colonial se atualiza de forma constante na dimensão do saber, que ocorre de modo inseparável das dimensões do poder e do ser (Quijano 2007). Na dimensão da colonialidade do saber, portanto, a hegemonia da racionalidade instrumental moderna tem nas universidades o espaço privilegiado de suas múltiplas expressões teóricas, pedagógicas e metodológicas.

A decolonização, por sua vez, se refere ao produto de momentos históricos em que houve a insurreição por parte dos indivíduos colonizados, para com os ex-impérios que os colonizaram e a objetivação, a partir disso, da reivindicação das suas independências. A decolonialidade, assim, concerne ao combate à lógica da colonialidade e suas consequências simbólicas, materiais e epistêmicas na realidade cotidiana (Maldonado-Torres, 2018). O conhecimento eurocentrado, legitimado principalmente através do uso de uma língua específica, engendrou a conformação dos status de poder ao eleger e utilizar um sistema de valores como universal, desprezando outras formas de transmissão de conhecimentos. Quijano (2002) define essa forma de poder como colonialidade do saber, que pode ser entendida como a repressão de outras formas de produção de conhecimento não europeias, negando o legado intelectual e histórico de povos indígenas e africanos, reduzindo-os à categoria de primitivos e irracionais. Assim, a colonialidade do saber operou a inferioridade de “outros” grupos não europeus do ponto de vista da produção da divisão do trabalho, do salário, da produção cultural e de seus conhecimentos (Oliveira, 2018). Nesse sentido, a decolonialidade do saber emerge como aquela que busca ruptura dos padrões epistêmicos coloniais.

É preciso, adicionalmente, sustentar aqui que a compreensão do racismo enquanto um sistema de opressão historicamente enraizado na modernidade esteja presente nas atividades intituladas decoloniais, nas quais se incluem as educacionais formais (Quijano, 2002). A raça, inicialmente colocada como um dos mitos fundacionais do eurocentrismo, ao longo de anos se firmou na ciência como marcador para uma inferioridade natural, já que estratificava o branco como modelo de perfeição e o negro como ser inferior. Contudo, a partir das lutas por libertação e emancipação, lideradas pela população negra, o conceito de raça foi ressignificado e retomado (Gomes, 2018).

Trabalhar conceitualmente com a categoria de raça ressignificada política e conceitualmente implica um processo de decolonização do conhecimento e dos sujeitos que o produzem. Trata-se, portanto, de um processo tanto complexo quanto de imenso potencial transformador (Gomes, 2018, p. 243).

Na perspectiva epistêmica decolonial apontada por Santos e Menezes (2019), é fundamental romper com os paradigmas eurocêntricos hegemônicos que permearam a estruturação das sociedades ocidentais nos últimos quinhentos anos e, por consequência, foram promotores de toda espécie de exclusão, exploração e negação de direitos às culturas e povos subalternizados. Nesse contexto, a educação, compreendida como um sistema cultural (Sodré, 2012), foi estabelecendo um papel fundamental ao longo dos tempos de proliferador dos avanços nos espaços sociais, em especial os urbanos. Entendendo que este movimento sempre esteve diretamente ligado à produção irrestrita do capital, a ideia de dominação e subjugação de classes tornou-se parte integrante desse contexto. Assim, à medida que o desenvolvimento despontava, também assim o era com as separações de classes organizadas dentro e fora desse mesmo contexto. Práticas sociais segregadoras estabeleceram historicamente acesso e pertencimento, até mesmo dentro dos espaços formadores, diferenciando os que estavam para as atividades intelectuais (a burguesia) e os que estavam para as atividades manuais (o proletariado). Em meio a esse sistema, diferentes ações de manutenção fortaleceram tais posturas com discursos claros de poder, dominação e silenciamento, especialmente por meio das políticas públicas que têm como principal função a orientação desses mesmos sistemas. Para Santos (2011), a subversão na educação superior nos remete a pensar em práticas de ensino que priorizem recursos que escapem à retórica colonialista sempre alheia às necessidades dos estudantes. Isso significa que é preciso ter não uma perspectiva metodológica nova, mas sim uma que se alinhe à necessidade de ressignificação do olhar dado às mudanças de posturas e discursos que excluem e massificam toda uma gama de indivíduos em seus mais variados espaços.

Reconhecemos os avanços nos últimos anos com a emergência de demandas pela reconfiguração do currículo das disciplinas para atender à diversidade observada na universidade quando a ampliação de vagas promoveu uma democratização do acesso à graduação. As ações afirmativas para acesso e permanência nas Universidades públicas foram impulsionadas pela Lei 12.711/2012, denominada Lei de Cotas (BRASIL, 2012), e pelos programas de assistência estudantil. Algumas Universidades, antes mesmo da publicação desta lei, já estavam oferecendo esta política afirmativa nos processos seletivos para ingresso dos estudantes. Para Gomes (2020), a democratização do acesso às escolas e universidades contribui para a aproximação de pessoas e a mera presença de diferentes pessoas nestes espaços deve estimular a formação de subjetividades emancipatórias validadas através do currículo. Não obstante os avanços observados, ainda podemos notar uma ascendência colonial em modos de pensar a produção de conhecimento e as estratégias didáticas de seu compartilhamento, sobretudo, em época de busca de parâmetros alinhados a epistemologias do Norte Global, em especial, o Eurocentrismo. Esse é um grande desafio quando pensamos que o currículo é proposto em acordo com o campo científico eurocêntrico que, como discutimos anteriormente, opera em favor da colonialidade do saber no sentido de não reconhecer outras epistemologias.

Por essa razão, Gomes (2019) afirma que é preciso questionar a universidade pública enquanto instituição produtora de conhecimento, para que ela reconheça suas raízes conservadoras e coloniais e assuma o compromisso de contribuir para descolonizar o currículo e o conhecimento por ela produzido. Uma das estratégias para esse caminho pode ser a inserção da discussão acerca das questões étnico-raciais na formação dos profissionais de nível superior, momento profícuo para construir uma consciência crítica sobre os efeitos do preconceito na sociedade.

Desde a década de 1990 os Movimentos Negros pautam a diversidade étnico-racial e o direito à educação no campo da equidade, enfatizando a necessidade de se criar programas voltados para a efetivação da justiça social e de ações afirmativas que possibilitem a superação das desigualdades étnico-raciais, de gênero, educacionais, entre outras, aos indivíduos marcados pelo racismo (Gomes, 2012). Consequentemente, percebemos avanços no campo das políticas públicas conquistados com estes movimentos, como a Lei 10.639/2003 (Brasil, 2003) que alterou a Lei de Diretrizes e Bases (Brasil, 1996), determinando a inclusão obrigatória da “História e Cultura Afro-Brasileira” no ensino básico. Posteriormente, a Lei 11.645/2008 foi publicada com o intuito de acrescentar à primeira a história e cultura da população indígena. Outros destaques no esteio das políticas educacionais foram As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a Educação das Relações Étnico-Raciais para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana em 2004 (Brasil, 2004), as DCN para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica (Brasil, 2012a) e as DCN para a Formação de Professores Indígenas em cursos de Educação Superior e de Ensino Médio (Brasil, 2015). Ademais, é importante destacar a Lei 12.228/2010 que instituiu como função do Poder Executivo Federal o incentivo às instituições de ensino superior a incorporar temas como pluralidade étnica e cultural da sociedade brasileira nos currículos dos cursos de educação superior no Brasil (BRASIL, 2010).

2.1 A discussão étnico-racial nos currículos dos cursos de formação de professores

A obrigatoriedade da introdução do ensino de História da África e das culturas afro-brasileiras e indígenas nas escolas da educação básica e no ensino superior exige mudança de metodologias, didáticas, práticas e decolonização dos currículos nestes dois níveis de ensino. Para Gomes (2018) exige questionamento dos lugares de poder, principalmente em relação aos privilégios da branquitude, arraigados nas crenças compartilhadas na sociedade.

Assim, duas questões principais podem ser levantadas: Os profissionais da educação estão sendo formados para discutir a diversidade cultural e étnico-racial nos currículos? Quais novos paradigmas podem estar sendo criados (ou transformados) com a decolonização da educação ao introduzir estas discussões nos currículos?

As repercussões do racismo incidem de forma diversa nos diferentes atores sociais, mas certamente interpõem muitas dificuldades nas suas trajetórias de vida escolar e social (Gomes, 2018, Woodson, 2021).

Por outro lado, o racismo imprime danos também aos opressores deste sistema. É com base nesta constatação que defendemos a construção de estratégias educacionais voltadas para o combate ao racismo.

O Grupo de pesquisa Interfaces da Universidade Federal da Bahia vem se dedicando a estudar a inclusão da discussão étnico-racial nas ementas dos cursos de licenciatura nas universidades federais localizadas no Nordeste Brasileiro.

O grupo fez o levantamento de 234 cursos de licenciatura em 19 universidades federais no Nordeste. Destes, foram coletadas mais de 8 mil ementas. Como critério de seleção, buscamos identificar nas ementas conteúdos que estão de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (Brasil, 2004).

Neste documento há a orientação clara para a discussão nos currículos da construção social da raça, para reelaboração da história valorizando a cultura africana, não se limitando à relação dos negros com escravidão.

Este documento aponta a necessidade de formar professores que, além de terem sólida formação na área específica de atuação, tenham a competência de lidar positivamente com as diversidades étnico-raciais e estejam aptos para criar estratégias pedagógicas para auxiliar e reeducá-las.

O ensino sobre a cultura africana deve ser pautado no histórico das civilizações africanas descolonizando preconceitos relacionados à subalternidade do povo africano no mundo.

É nesta perspectiva que Bell Hooks (1994) sugere uma pedagogia pela transgressão e descolonização, com trocas construtivas radicais na forma de ensinar e aprender, pautada pela liberdade de transgredir e transformar.

Formar professoras reforçando o modelo hierárquico baseado na diferenciação racial não é suficiente para construir uma consciência antiracista.

A pesquisa continua em andamento e certamente contribuirá para revelar como os currículos estão organizados nos cursos de licenciatura das universidades federais do Nordeste Brasileiro. Com base nos resultados desta pesquisa poderemos propor a reestruturação curricular dos cursos para que incluam a temática etnico-racial numa proposta decolonizadora.

Os dados coletados foram elencados segundo a universidade, o curso, o total de disciplinas com conteúdo étnico-racial e pela presença de conteúdos de abordagem direta e indireta. Tais números foram sintetizados e descritos nos resultados a seguir, apresentados na Tabela 1.

Tabela 1 Cursos analisados por universidade até março de 2024 

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Diante desses dados, refletimos que essa escassez da Educação para as Relações Étnico-Raciais nos currículos de formação de professores traduz a dificuldade de concretização de uma política educacional de significativa importância num contexto social estruturalmente racista. Além disso, corroborando com Ferreira e Almeida (2018), compreendemos que essa atualização da LDB é muitas vezes abordada de modo “descompromissado” por muitos educadores, por desconhecimento ou por uma arbitrária atitude institucional de não aplicá-la. No entanto, isto não é admissível na sociedade em que a escola brasileira está inserida.

As populações de origem africana e indígena foram submetidas a inúmeros abusos e exploração pelos colonizadores, o que deixou uma herança de desrespeito, preconceito e racismo que se arrasta até a atualidade e que requer ações coletivas e efetivas para combatê-la, principalmente no âmbito educacional.

3.Considerações Finais

Investigar as crenças compartilhadas sobre as questões étnico-raciais abordadas no contexto educacional, sobretudo, no contexto do ensino superior, implica em ter acesso a parte importante do conjunto de informações que se configuram como eixo das relações estabelecidas entre a diversidade étnica e racial num cenário em que a miscigenação e a interculturalidade são marcas de seu povo. Compreendendo a diversidade étnica, racial, cultural e social que se faz presente nas universidades como um traço demarcador da existência das pessoas, fica evidente que o ensino precisa dar conta desse debate de modo eficiente. Esse movimento pode desvelar os modos de ser e conhecer dos indivíduos, que, por sua vez, trazem suas vivências para sala de aula com a finalidade de que o grupo construa uma identificação com os conteúdos aprendidos. É com base nesta perspectiva que apontamos a necessidade de se decolonizar os currículos e as práticas pedagógicas no sistema escolar. Quebrando o círculo vicioso dominado pela visão eurocêntrica de hierarquização racial pode ser o caminho para se combater o racismo na sociedade brasileira.

Essa visão transgressora nos leva a perceber que o horizonte educacional se amplia para além das regras e limites impostos pelas fronteiras disciplinares constituídas ao longo dos tempos, como também para uma proposição reflexiva que busca uma reconfiguração e sensibilização do sistema educacional para que todos estejam devidamente incluídos e atuantes. Essa discussão se fortalece na ideia de que é justamente nos espaços educacionais que se encontra um potencial gerador de condições de melhoria de vida para a grande maioria da população que neles se apoia, em especial para aqueles que sempre foram colocados à margem do próprio sistema. Nesse sentido, a relevância desse espaço de reflexão é justificada a partir da necessidade em se repensar práticas acadêmicas que possam contribuir para o real processo democrático social. Essas discussões elucidam a necessidade da efetivação das leis e, consequentemente, podem indicar caminhos para que as pedagogias transgressoras decolonizem a universidade.

4.Referências

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Recebido: 30 de Junho de 2023; Aceito: 10 de Abril de 2024

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