1. Introdução
O luto é um processo natural, que se manifesta como resposta à perda de um ente querido, influenciando as famílias em diversos níveis: físico, cognitivo, emocional, comportamental e espiritual. Os sintomas inerentes a este processo são classificados como reações de luto normativas, intrínsecas à experiência de separação e perda, e, portanto, devem ser integralmente reconhecidos e enfrentados (Puigarnau, 2012).
A primeira autora e, certamente, a mais conhecida a abordar o modo como lidar com a morte foi Elisabeth Kübler-Ross, que descreveu o processo de luto em cinco estágios: negação, raiva, negociação, depressão e a aceitação. Estes estágios apresentam duração variável e sucedem-se linearmente, no entanto é transversal a todos eles o sentimento de esperança (Kübler-Ross, 2008).
No entanto, não há um modelo universal que forneça uma explicação abrangente sobre como as pessoas superam as perdas significativas na vida. É questionável que a aceitação constitua, sempre a última fase do processo de luto. Ainda assim, Alba Puigarnau, fruto da sua experiência no apoio a pessoas em luto, definiu este processo através de quatro fases (Trauma-Choque, Proteção-Negação, Integração-Conexão, Crescimento-Transformação), que ocorrem sequencialmente, mas que frequentemente se sobrepõem umas às outras. Em todas as experiências de perda, é imperativo que os indivíduos atravessem fases de integração e crescimento, as quais culminam no encerramento do processo de luto. (Puigarnau, 2023).
Ao longo do ciclo vital, os indivíduos são confrontados com diversos processos de transição, os quais surgem como resultado de mudanças nas esferas da vida, saúde, relacionamentos e ambiente (Meleis, 2010). No contexto da presente investigação, a perda de um filho é pautada por uma interrupção no decurso natural da vida, desencadeando um dos fenómenos de stress emocional mais intenso, que um casal pode vivenciar (Kubler-Ross, 2008).
Alinhado à teoria das transições de Afaf Meleis, a enfermagem dá enfoque aos processos e experiências vivenciadas pelos seres humanos durante as transições, sendo crucial facilitá-las em direção à saúde e ao bem-estar. A promoção do cuidado transacional, incita a prestação de cuidados humanizados e holísticos, nos quais o desafio reside em compreender o processo de transição considerando a sua natureza e condicionalismos, inerentes à individualidade de cada pessoa ou família. Neste sentido, pretende-se operacionalizar esta teoria, apropriando-a ao contexto específico da transição que ocorre na vivência do processo de luto parental (Meleis, 2010).
Considerando esta perspetiva de contextualização, é pertinente explorar a Ciência do Cuidado Humano de Jean Watson, dada a sua notória influência na prática de enfermagem. Watson enfatiza a importância da dignidade humana, empatia, compaixão e das relações interpessoais entre o enfermeiro e as pessoas, visando alcançar um cuidado holístico, que considere a pessoa na sua totalidade (Watson, 2023).
Ao aplicar os princípios desta teoria ao contexto específico da vivência de uma transição, como é o caso do luto parental, baseamo-nos na premissa de que o cuidado é fundamentalmente humano e transcende a simples execução de técnicas e procedimentos. O enfermeiro, nas suas relações de cuidado, é reconhecido como coparticipante do processo, colaborando para que as pessoas reencontrem significado, mesmo perante a adversidade e o sofrimento, através de momentos de cuidado transpessoal. Nesses momentos, a presença e autenticidade do enfermeiro, facilitam uma postura recetiva para observar, escutar e honrar cada pessoa e família com dignidade (Evangelista et al., 2020).
A abordagem da família, que vivencia um processo de luto deve também, alicerçar-se no Modelo Dinâmico de Avaliação e Intervenção Familiar (MDAIF). Este permite identificar ganhos em saúde para as famílias, nos seus domínios de estrutura, desenvolvimento e funcionamento, sensíveis aos cuidados de enfermagem.
Analisando o que concerne à dimensão funcional expressiva, os padrões de interação (comunicação familiar, coping familiar, interação de papéis familiares, relação dinâmica e crenças) são o principal foco de avaliação, considerando a família como sistema coevolutivo, cujo padrão transacional caracteriza a sua complexidade funcional (Figueiredo, 2023).
Corroborando o preconizado, para o exercício profissional do Enfermeiro Especialista na área de Saúde Familiar, a sua prática deve refletir uma prestação de cuidados de nível avançado, com segurança e competência no âmbito da adaptação às mudanças na saúde e dinâmica familiar, associadas às diversas transições vividas e à sua complexidade inerente (Ordem dos Enfermeiros, Regulamento n.º 428/2018).
Este estudo tem como objetivo geral: mapear a evidência científica disponível sobre as intervenções de enfermagem, em cuidados de saúde primários, dirigidas ao casal enlutado pela morte de um filho; e como objetivos específicos: identificar a dinâmica do casal associado ao luto de um filho; identificar intervenções de enfermagem promotoras do luto adaptativo; identificar obstáculos/barreiras que condicionam as intervenções de enfermagem promotoras do luto adaptativo.
2. Metodologia
A scoping review, de acordo com os critérios de elegibilidade do Joanna Briggs Institute (JBI), enfatiza o rigor e a transparência, objetivando-se contribuir para o avanço da aprendizagem, sobre as práticas de cuidados de saúde e a investigação (Peters et al, 2020).
Para este estudo, definiu-se a seguinte questão de investigação: Quais as intervenções de enfermagem, em cuidados de saúde primários, dirigidas ao casal enlutado pela morte de um filho?
A presente scoping review, foi realizada de acordo com as recomendações estabelecidas pelo JBI e a Preferred Reporting Items for Systematic Reviews e Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR) (Page et al. , 2021).
2.1 Critérios de Inclusão
Esta Scoping Review seguiu os critérios de elegibilidade sugeridos pelo JBI (Peters et al., 2021): população, conceito e contexto. Foram incluídos estudos que: a) participantes: elementos do casal com mais de 18 anos; b) conceito: luto parental de um filho; c) contexto: intervenções realizadas em cuidados de saúde primários ou de transição para os mesmos; d) idioma: português, espanhol e inglês; e) limite temporal: últimos cinco anos (2018-2023); f) desenho do estudo: estudos de pesquisa quantitativa, qualitativa, revisões de literatura e literatura cinzenta.
2.2 Estratégia de Pesquisa
Para a pesquisa e recolha de dados, recorremos à plataforma PubMed e via EBSCOhost, às bases de dados CINAHL Complete, B-On, Science Direct e RCAAP. A estratégia de pesquisa (FIGURA 2), foi com recurso aos descritores científicos MeSH; DeCS, CINAHL headings e operadores booleanos AND e OR.
A pesquisa decorreu entre 28 de novembro e 13 de dezembro de 2023. Os estudos identificados foram organizados no Rayyan®. A relevância dos artigos pesquisados, foi analisada por dois revisores independentes e as discordâncias entre eles foram esclarecidas por um terceiro revisor. O resumo do processo de seleção dos artigos é apresentado no diagrama PRISMA-ScR flow (Figura 3), através das etapas: identificação, análise e inclusão. Do total de 948 estudos elegíveis, e tendo em conta os critérios de inclusão, foram selecionados 7 artigos (Science Direct (n=3); CINHAL Complete (n=3); Pubmed (n=1)). Estes foram em seguida, submetidos à aplicação da JBI Critical Appraisal Checklist for Qualitative Research, verificando-se o cumprimento dos requisitos para inclusão na revisão (Lockwood et al., 2015).
2.3 Análise de Conteúdo
A análise dos artigos selecionados sustenta-se na técnica de análise de conteúdo, proposta por Laurence Bardin, a qual segue um processo sistemático e rigoroso dividido em três etapas: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação (Bardin, 2016). A partir dessa análise, emergiram 4 temas e 15 subtemas, conforme descrito na figura 4. O processo de análise de dados incluiu a participação de sete investigadores.
3. Resultados
Para uma adequada organização dos dados extraídos dos artigos, desenvolveu-se a tabela 1, baseada no Manual do JBI (Peters et al, 2020) com a informação mais relevante para responder à questão de investigação.
O nível de evidência e o grau de recomendação foram classificados de acordo com o JBI (Joanna Briggs Institute, 2013a; Joanna Briggs Institute, 2013b).
Após a análise dos estudos selecionados e posterior levantamento de informações, identificaram-se 4 temas e 15 subtemas sobre o luto parental em contexto de cuidados de saúde primários ou transição para os mesmos (figura 4).
4. Discussão
Manifestações de luto
Segundo Kübler-Ross, os estágios do processo de luto são descritos em cinco fases: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. No entanto, a aplicabilidade destes estágios não é universal, dado que a vivência de cada fase pode variar entre indivíduos, tanto em termos de intensidade quanto de duração (Kessler & Kübler-Ross, 2005). A negação foi evidenciada nos estudos E4, E5 e E6, tendo os participantes expressado negação e descrença como forma de se protegerem do sofrimento emocional causado pela notícia da morte dos filhos.
Esta primeira fase do luto ajuda a sobreviver à perda, nesta fase a vida perde sentido e o mundo torna-se avassalador. A negação e o choque possibilitam o processamento das emoções e sentimentos do processo de luto, tornando a sobrevivência possível (Kessler & Kübler-Ross, 2005). Neste caso, apesar de os pais terem conhecimento da morte dos filhos, não concebiam que estes não continuariam a estar presentes nas suas vidas.
Em E4, por exemplo, uma participante revelou que não acreditou na ocorrência de morte perinatal “até dar à luz uma criança sem vida”, enquanto em E6 outro participante expressou que se sentiu entorpecido, “a viver num mundo de sonhos”.
A segunda fase, a raiva, manifesta-se de várias formas e não tem que ser lógica ou válida. Pode-se sentir raiva por não se ter previsto a morte, ou não a ter impedido. Pode-se sentir raiva dos profissionais de saúde, por não conseguirem salvar o ente querido, ou por não ter tido mais tempo com aquela pessoa (Kessler & Kübler-Ross, 2005). Em E4, E5 e E6, a raiva é apresentada como uma resposta dos pais ao luto, tendo estes atribuído a culpa da perda do seu filho a outros, particularmente a Deus, aos profissionais de saúde e a si próprios. De igual forma, esta emoção é expressa através de sentimentos de solidão e frustração no estudo E3, dado que os pais referiram sentir-se “sozinhos no luto” e um mencionou sentir-se frustrado ao ter que prestar apoio no luto da sua mãe, enquanto este também necessitava de ajuda.
Antes da morte do ente querido, a negociação apresenta-se como uma promessa, e após a morte como uma trégua temporária. A culpa acompanha frequentemente a negociação. Os “se ao menos” fazem com que as pessoas enlutadas procurem falhas em si próprias e pensam no que poderiam ter feito diferentemente. Podem até negociar com a dor, fazer qualquer coisa para aliviar a dor da perda (Kessler & Kübler-Ross, 2005). Em E2, um dos participantes manifestou que, em comparação com a perda do seu filho, estar preso pelo resto da sua vida não seria tão mau, ou seja, ele preferiria estar preso a perder o seu filho.
A fase de depressão surge nos estudos E1, E2, E3, E4, E5 e E6, visto que os pais vivenciaram sentimentos de sofrimento intenso, tristeza e extrema angústia durante o luto. Este sofrimento, vivido durante todo o processo de luto parental, independentemente do tempo passado após a morte foi, frequentemente, intensificado ou diminuído pela forma como as outras pessoas interagiam com os pais enlutados. Identicamente, a lembrança de encontros com profissionais de saúde em contexto de prestação de cuidados angustiantes ou de qualidade durante a doença dos filhos, exacerbou ou atenuou o sofrimento no processo de luto parental, respetivamente.
A aceitação é expressa pelos pais dos estudos E1, E5 e E6, através da aceitação de que os seus filhos morreram e da procura de significados positivos para a perda. Esta fase é descrita por Kessler & Kübler-Ross (2005) como a aceitação de que o ente querido já não está presente fisicamente, sendo a sua ausência aceite de forma permanente. Ainda, segundo os mesmos autores, esta fase é o final do processo de cura esperado, apesar de muitas vezes parecer um estágio inatingível.
Atitudes e Comportamentos promotores de luto adaptativo
Nos estudos E1, E2, E3, E5, E6 e E7, foram descritas diversas atitudes e comportamentos efetuados pelos pais enlutados, que contribuíram para um processo de luto parental adaptativo.
Em E1, E3, E5 e E6, as crenças religiosas e espirituais, a prática de atividades religiosas e apoio espiritual foram cruciais na vivência do processo de luto, por permitirem a atribuição de significados relacionados à fé e à morte.
Os estudos E5, E6 e E7 descrevem a eficácia de determinados rituais após a morte, nomeadamente a realização de cerimónias tradicionais, ir a um local religioso prestar culto, rezar e fazer os preparativos fúnebres em conjunto com a família, e realçam como estas atividades contribuíram para a libertação dos pais enlutados do sofrimento e encontrar em si forças para continuar a sua jornada no luto.
Ser sensível tanto à própria pessoa quanto aos outros é essencial, demonstrando respeito pelas crenças e práticas individuais, através da presença autêntica e da apreciação do valor pessoal de cada pessoa. No âmbito da enfermagem, é imperativo que se respeite e coopere com as crenças familiares, abstendo-se de impor julgamentos ou convicções pessoais. Este processo transcende a prática convencional, reverenciando a integralidade do ser humano e proporcionando um ambiente de respeito recíproco e cuidado holístico (Watson, 2023).
O estudo E7 elucidou que o facto de a criança ter falecido em casa, permitiu que os pais se despedissem do seu filho no seu próprio ritmo, bem como sentissem a sua presença após a morte.
O estudo E5 apresenta a redefinição de objetivos e procura de novos significados para a vida, como fator facilitador para o luto adaptativo dos pais. Esta reorganização das suas vidas tem por base o desejo da criança falecida (como se realizassem o seu último desejo), expectativas de amigos e familiares e as esperanças pessoais dos pais enlutados.
De igual forma, os estudos E1 e E5 referem que a ocupação do seu tempo com atividades profissionais ou sociais, ajudou os pais a não pensar na morte dos seus filhos e, consequentemente, a lidar com a sua perda.
Os participantes do estudo E5 mantiveram-se ocupados com tarefas domésticas, saindo de casa, fazendo uma escolha consciente de não pensar na perda, enquanto em E1, uma mãe descreveu como foi favorável para o seu processo de luto o seu envolvimento na preparação de celebrações do nascimento de outras crianças da sua comunidade.
Similarmente, os estudos E2 e E5 descrevem a eficácia de múltiplos comportamentos de autocuidado no luto parental, nomeadamente escrever; adquirir novos conhecimentos e competências; ler literatura sobre o luto e ficção contemporânea; conversar com os seus filhos falecidos em voz alta e com outras pessoas sobre estes; cuidar da sua saúde pessoal; realizar o desmame dos medicamentos prescritos para resposta ao luto e de substâncias que alteram o humor; praticar exercício físico; adotar um animal de estimação; ter mais filhos; evitar os filhos dos outros; usar maquilhagem; minimizar a exposição a situações negativas e a notícias de eventos mundiais catastróficos; e participar em grupos de apoio. Alguns pais consideraram úteis os grupos de suporte com chat online.
Os profissionais de enfermagem, em parceria com a pessoa ou família, devem reunir esforços para estabelecer novas estratégias e abordagens para lidar com a perda, promovendo o autoconhecimento e o autocuidado (Watson, 2023).
Obstáculos ao luto adaptativo
Após a análise dos artigos E1, E2 e E3, foi possível identificar situações de apoio inadequado aos pais enlutados, ou de ausência do mesmo, que puderam estar na origem de processos de luto complicados.
No estudo E2, os pais consideraram a duração dos cuidados de apoio ao processo de luto insuficiente, pois diminuíram um ano após a morte do seu filho. A carência de cuidados profissionais durante o luto parental também foi confirmada pelo estudo E3, dado que apenas um participante foi acompanhado após a morte do seu filho. No mesmo sentido, os participantes do estudo E1 sentiram que o apoio dos profissionais de saúde durante o processo de luto foi insuficiente, tanto a nível hospitalar como comunitário. Ademais, os pais enlutados do estudo E2 descreveram inúmeras situações em que os comportamentos de outras pessoas intensificaram o seu sofrimento, particularmente momentos em que tentaram gerir a sua experiência de luto ou explicar o motivo da morte do seu filho; evitaram o contacto ou conversar; fizeram perguntas inapropriadas; lamentaram-se sobre assuntos banais do quotidiano; e compararam a sua experiência de perda com a dos pais.
É fundamental promover a expressão de sentimentos positivos ou negativos, e criar momentos para escutar ativamente e sem julgamentos, proporcionando um ambiente saudável entre o enfermeiro e as famílias, onde o cuidado transpessoal se refere a uma relação intersubjetiva, mutuamente influenciadora. Cada pessoa traz consigo uma história de vida e um campo fenomenológico, que são compartilhados e tornam-se parte da história de ambos durante o processo de cuidado. O suporte formal fornecido pelos profissionais de enfermagem desempenha um papel fundamental como facilitador em momentos emocionalmente desafiadores, como no processo de luto, no qual o acompanhamento e apoio do enfermeiro têm impacto significativo no bem-estar e na transição para uma adaptação saudável (Watson, 2023).
Redes de apoio ao luto parental
A análise dos estudos E1, E2, E4, E6 e E7 evidencia que as redes de apoio aos pais em processo de luto, são na sua maioria redes de apoio informal, como a família e amigos.
No estudo E2, os grupos de apoio ao luto parental, liderados por profissionais de saúde ou por pares, surgem igualmente como uma rede de suporte formal significativa. Este estudo sugere diversas atividades pertinentes para grupos de apoio, nomeadamente artes e trabalhos manuais; nomeação de um dia dedicado à homenagem da criança; lançar um balão com uma mensagem escrita para esta; contactar com a natureza; fotografar algumas atividades do grupo de apoio para levar para casa; caminhar em grupo e realizar celebrações memoriais.
Os estudos E1, E2, E3 demonstram que os cuidados de acompanhamento aos pais em processo de luto, foram escassos ou inexistentes. No entanto, os pais enlutados consideram imprescindível o apoio dos profissionais de saúde, durante todo o processo de luto e pretendem que os mesmos sejam empáticos, apresentem disponibilidade para conversar sobre as suas experiências presencialmente, e tomem iniciativa na oferta de apoio a todos os pais enlutados.
Em contrapartida, o estudo E7 salienta que o conhecimento, o apoio prático e psicossocial dos profissionais de saúde no cuidado a uma criança em fim de vida, ajudou significativamente os pais a prepararem-se para a morte do seu filho.
Em enfermagem, o ser humano é definido como um ser ativo, com perceção e atribuição de significados próprios às situações de saúde e doença. Por sua vez, estes são influenciados e influenciam as condições (pessoais, comunitárias ou sociais) sob as quais uma transição ocorre, sendo que essas podem facilitar ou limitar processos de transições saudáveis. Os profissionais de saúde, especialmente os enfermeiros, desempenham um papel central como promotores de cuidados às famílias em transição, de forma a prepará-las para as transições iminentes e facilitar a aquisição de novas competências. Similarmente, os recursos comunitários, como a família, amigos e grupos de apoio, são elementos que promovem uma transição saudável (Meleis, 2010).
Relativamente ao apoio informal, o estudo E2 evidencia que o facto de outras pessoas ouvirem e conversarem com os pais sobre os filhos falecidos; serem gentis; e incluírem os pais de forma a estes não se sentirem isolados e perceberem que eles e os seus filhos não foram esquecidos, foi promotor de um luto adaptativo e proporcionou conforto aos participantes, a curto e longo prazo.
Implicações para a prática de Enfermagem
No contexto do luto parental devem distinguir-se, à partida, dois tipos de transição: a transição saúde-doença perante o impacto do diagnóstico e existência de uma doença crónica complexa, limitante ou ameaçadora da vida, com consequente elaboração de um processo de luto por antecipação da perda. Por se tratar de um evento que contraria a ordem natural do ciclo vital, poderá ser considerada uma transição situacional (relacionada com a transição saúde-doença e sequencial relativamente à mesma), na medida em que, perante a perda de um elemento da constelação familiar, ocorre um desequilíbrio profundo da dinâmica familiar e alteração de papéis (Meleis, 2010). De acordo com Jean Watson, é necessário que os profissionais de saúde desenvolvam competências de ajuda, amor, carinho e confiança, construindo uma relação de cuidado humano transpessoal entre o enfermeiro e a família em luto (Evangelista et al, 2020).
Por vezes, a incapacidade de lidar com a perda pode elevar os sentimentos negativos e a não aceitação da mesma até um nível patológico, considerado um processo de luto prolongado. Em 2019, a Direção Geral de Saúde em Portugal, criou um Modelo de Intervenção Diferenciada no Luto Prolongado em Adultos. Neste modelo defende-se a avaliação da pessoa enlutada, com o objetivo de avaliar o risco de desenvolvimento de luto prolongado e, de acordo com o resultado, o encaminhamento apropriado para serviços de saúde mental ou, em casos mais severos, para locais de “intervenção indicativa” com unidades piloto, onde são desenvolvidas intervenções diferenciadas no Luto (DGS, 2019).
A inclusão dos familiares no processo do cuidar é fundamental, para o alívio do sofrimento psicológico e espiritual presentes na morte e processo de luto. Contudo, para que os enfermeiros consigam satisfazer estas necessidades, requer-se uma formação específica que ainda não está universalmente presente em todas as áreas (Figueiredo, 2023).
5. Considerações Finais
Esta scoping review identifica a dinâmica do casal associado ao luto de um filho, as intervenções de enfermagem promotoras do luto adaptativo e os obstáculos/barreiras que condicionam as intervenções de enfermagem promotoras do luto adaptativo. Os artigos incluídos identificam 4 temas e 15 subtemas sobre o luto parental, em contexto de cuidados de saúde primários ou transição para os mesmos.
De realçar, a relevância e a pertinência dos sentimentos que os pais enlutados vivenciam, das atitudes que promovem a transição para um processo de luto adaptativo e em contrapartida, aquelas que se apresentam como obstáculos, que dificultam a vivencia deste processo de forma saudável. Por fim, as redes de apoio em situação de luto parental, que de acordo com as evidências identificadas nos artigos analisados, são na sua maioria redes de apoio informal.
Assim o enfermeiro de família, em contexto de cuidados de saúde primários, assume a responsabilidade pela prestação de cuidados globais às famílias em todas as fases do ciclo vital, constituindo-se a pedra angular de uma relação terapêutica. O enfermeiro, nas relações de cuidado aos pais em processo de luto, deve reconhecer a importância dos relacionamentos e conexões interpessoais, promovendo um cuidado baseado na empatia, compaixão, respeito e escuta ativa, reconhecendo e valorizando os seus sentimentos. A habilidade de escutar ativamente a história da outra pessoa, é considerada como uma das mais significativas formas de intervenção terapêutica.
As limitações deste estudo, estão relacionadas com a parca evidência científica existente, acerca das intervenções de enfermagem dirigidas ao casal enlutado de um filho, em cuidados de saúde primários. Os achados enfatizam a necessidade do desenvolvimento, ampliação e estruturação das intervenções de enfermagem voltadas para os pais após a morte de um filho, essencialmente no apoio no luto, em cuidados de saúde primários.
A presente revisão destaca a necessidade de desenvolver serviços de apoio ao luto, nomeadamente em contexto da comunidade, bem como a necessidade de reforçar a formação dos profissionais no âmbito da temática em análise. Sugere-se a realização de novos estudos primários, que visem o aprofundamento desta vertente do luto parental e do impacto das intervenções de enfermagem.