1.Introdução
Historicamente, a aliança com a Inglaterra - a mais vetusta do mundo - foi o sustentáculo da diplomacia portuguesa, até meados do século passado; somente o alinhamento com o poder marítimo e atlântico dominante garantiria a independência nacional e a manutenção do seu império colonial, face às ambições expansionistas de Espanha e à cobiça que os territórios coloniais portugueses suscitavam junto das grandes chancelarias europeias - incluindo da própria Inglaterra. Destarte, Portugal não tinha outra alternativa senão o alinhamento e, muitas vezes também, a submissão aos ditames britânicos.
Neste âmbito, o posicionamento geoestratégico dos Açores tornou-se uma mais-valia estratégica para o País nas relações internacionais, valorizando-o junto do seu aliado tradicional; mais tarde, seria o factor de aproximação à próxima potência atlântica dominante - os EUA (Estados Unidos da América). O primeiro político português que se apercebeu desta nova realidade foi João Andrade e Corvo, que, no seu livro Perigos, publicado em 1870, mencionou essa relevância estratégica como um factor de aproximação aos Estados Unidos (Magalhães, 1991, p. 237); juntamente com a aliança com a Inglaterra (Magalhães, 1991, p. 236), deveria ser uma das nossas prioridades diplomáticas. Este político, que ocuparia posteriormente a pasta dos Negócios Estrangeiros, tornou-se na primeira figura nacional a prognosticar a ascensão do gigante norte-americano. É também importante recordar que Lisboa foi das capitais europeias mais simpáticas para a causa da União do Presidente Lincoln (1861-1865) (Sá, 2015, p. 212), durante a Guerra Civil Americana (1861-1865): o Rei D. Pedro V chegou a confidenciar, ao representante norte-americano acreditado em Lisboa, o seu desapontamento pela desintegração da União (Magalhães, 1991, p. 200).
Posteriormente, este arquipélago seria alvo de interesse, no século passado, por parte dos aliados de Portugal - Inglaterra e EUA -, mas também da Alemanha durante as guerras mundiais; mais tarde, durante a Guerra Fria, os Estados Unidos e a França disporiam de instalações militares nos Açores. Deste modo, pretendemos não só realçar este contributo para a segurança dos interesses das potências mundiais e a salvaguarda dos interesses diplomáticos portugueses; por último, concluiremos com uma pequena reflexão sobre qual poderá ser o seu enquadramento neste século: será que uma (re)valorização do Atlântico e o projecto de alargamento da Plataforma Continental de Portugal poderão realçar estrategicamente este arquipélago, num contexto internacional, em que o foco da segurança internacional se desvia para o Pacífico?
2.Os Açores e a Transição do Sistema Internacional: desde o final do século XIX até à Guerra Fria
O final do século XIX marcou a afirmação do poder norte-americano fora da sua zona tradicional da segurança: a sua participação na Conferência de Berlim, em 1875, e a guerra hispano-americana de 1898, que culminou na derrota humilhante de Espanha e o fim do domínio colonial espanhol nas Filipinas e em Cuba, eram exemplos dessa nova realidade; porém, a apologia da doutrina Monroe ainda orientava a diplomacia americana e os líderes norte-americanos não escondiam a sua aversão a um maior protagonismo nos assuntos europeus (Kissinger, 1995, p. 26), prevalecendo, assim, o tradicional isolacionismo.
A exploração do continente africano tornou-se num dos eventos mais marcante, na política internacional, do final do século XIX. Os grandes poderes europeus desejavam alargar os seus impérios, conquistar novos mercados (Teixeira, 1987, pp. 688-689). Portugal não podia ficar de fora desta nova empreitada por razões de prestígio, de identidade nacional e económicas (Teixeira, 1987, p. 689); a independência do Brasil, em 1822, simbolizara o fim da presença portuguesa na América do Sul, tornando-se num trauma para uma nação que fazia da existência de um império a garantia adicional da sua independência nacional: a sua relevância internacional dependia muito da existência de domínios coloniais.
Com o intuito de evitar um conflito militar entre as potências europeias por causa da partilha do continente africano, foi convocada uma Conferência para Berlim, em 1884-1885. As decisões finais saídas destas reuniões consagraram o direito de ocupação (Teixeira, 1987, p. 690) como critério para reconhecer o domínio de um país europeu sobre um determinado território africano, beneficiando países com essa capacidade militar, como a Inglaterra, e prejudicando nações como Portugal, que não dispunham desses recursos militares e económicos, para muitas das suas reivindicações históricas.
Durante este período, imperava na Europa a Realpolitik (doutrina de política externa do chanceler alemão Bismarck): a Alemanha não hostiliza a Inglaterra, temendo que esta se pudesse juntar à França e mantinha boas relações com a Rússia (Kissinger, 1995, p. 124), mantendo, assim, o equilíbrio no velho continente. Depois da destituição de Bismarck, em 1890, seria adoptada a Weltpolitik (política global de afirmação do poder alemão), que viria a alarmar os dirigentes britânicos e possibilitaria a aliança entre o Reino Unido e a França, em 1904, e a Rússia, em 1908 (Keylor, 2001, p. 27).
A exploração do continente africano pelos portugueses e a reivindicação de determinados territórios viria a originar uma grave crise nas relações entre Portugal e a Inglaterra. A pretensão portuguesa de criar uma zona cor-de-rosa entre Angola e Moçambique chocava com as ambições inglesas de estabelecer uma ligação entre o Cairo e Cabo (Teixeira, 1987, p. 693). Como Portugal era o aliado mais fraco, com poucos recursos, as autoridades inglesas, depois de negociações infrutíferas entre os dois países, enviaram um ultimato a Lisboa, exigindo a retirada militar portuguesa daqueles territórios que estavam entre Angola e Moçambique. Obviamente as autoridades portuguesas tiveram que ceder face ao mais forte, mas eclodiu no país um sentimento antibritânico de indignação para com o seu aliado tradicional.
Depois deste ultimato, a preocupação da diplomacia portuguesa foi garantir o apoio inglês às suas possessões coloniais. Existiram conversações entre a Alemanha e a Inglaterra sobre a partilha de Angola e Moçambique, mas as tradicionais rivalidades entre estas duas potências com interesses estratégicos antagónicos, mais a habilidade do embaixador português Marques de Soveral, conduziram ao fracasso desses arranjos; além disso, hoje também sabemos os Açores foram mencionados durante aquelas conversações, como realçou o Professor António José Telo: “(…) Já é menos conhecido o facto da Alemanha ter procurado introduzir na negociação os Açores, incluindo as ilhas atlânticas nos territórios a dividir, o que levou Londres a afirmar peremptoriamente que esse arquipélago estava excluído de qualquer eventual entendimento.” (Telo, 2008, p. 221).
Esta relevância estratégica esteve, inicialmente, ligada às redes de cabos submarinos que foram criadas durante as últimas três décadas do século XIX. O domínio dos cabos submarinos conduziria a uma supremacia das comunicações mundiais, e a Inglaterra compreendeu essa relevância para o seu poder global (Telo, 2008, p. 218). Portugal é, desde logo, incluído nessas ligações vitais, embora os Açores não tivessem sido escolhidos numa primeira fase, ficando de fora até quase ao final desse século, sendo somente depois que o arquipélago seria utilizado para diversas ligações (Telo, 2008, pp. 218-219). O interesse inglês na aliança com Portugal estava cada vez mais interligado com a relevância geoestratégica de partes do seu território nacional. Em 1906, o executivo britânico solicitou mesmo a Lisboa que não autorizasse a qualquer potência europeia a permissão para a instalação de depósitos de carvão nos portos do Atlântico (Andrade, 1992, p. 47).
A implantação da República, em 1910, constituiu uma nova fase na história portuguesa; o novo regime foi recebido com muita reserva no continente europeu e o seu reconhecimento internacional foi difícil, sendo excepções os reconhecimentos do Brasil, Argentina e dos Estados Unidos, que o fizeram antes dos países europeus (Magalhães, 1991, p. 327). Esta dificuldade internacional preocupava os novos dirigentes republicanos, que temiam que a Espanha pressionasse Londres a aceitar a invasão e anexação de Portugal. Por isso, foram envidados esforços para normalizar as relações com Inglaterra, procurando ultrapassar o sentimento de hostilidade com que a República fora recebida. A nível doméstico, as populações urbanas reagiram euforicamente à mudança de regime, mas o mesmo não ocorreu no país rural, onde o sentimento prevalecente era de apatia (Valente, 1982, p. 120), e até mesmo de desconfiança.
A mudança de regime português coincidiu com um período de grande turbulência nas relações internacionais, em que a Europa caminhava para um novo abismo: bastava apenas um erro de cálculo dos líderes dos principais poderes europeus, ou dos seus aliados, para mergulhar o velho continente num conflito sangrento. Foi isso mesmo que aconteceu em 1914, quando, após o assassinato do arquiduque Francisco, em Sarajevo, se sucederam as ameaças de guerras entre as potências europeias, culminando na declaração de guerra da Inglaterra à Alemanha - após a invasão da Bélgica pela Alemanha. Este conflito adquiriria, mais tarde, uma dimensão mundial, com a participação de Estados como os EUA, o Brasil, o Japão, só para citar alguns.
Alguns dirigentes republicanos, entre os quais Afonso Costa, viam neste conflito a possibilidade de afirmar a posição de Portugal na ordem europeia (Meneses, 2015, pp. 32-33). Além disso, tornava-se fundamental garantir a manutenção do império português, alvo de cobiça por parte da Alemanha, que chegou mesmo a negociar, novamente, a divisão das colónias portuguesa, com a Inglaterra em 1913 (Meneses, 2010, p. 48). Os governantes portugueses tinham conhecimento destas negociações secretas e, por isso, defendiam a participação nacional na guerra como meio para preservar a presença portuguesa em África. Quando Portugal decidiu aprisionar os navios alemães que estavam no porto de Lisboa, em 1916, a Alemanha declarou guerra a Portugal.
Será este grande conflito mundial que proporcionará a primeira aproximação militar entre Portugal e os EUA: aquando da entrada norte-americana no conflito, em 1917, a administração Wilson pretendia a autorização de Portugal para ter uma presença naval nos Açores, de modo a garantir a liberdade de navegação (Ferreira, 2006, p. 18). Depois de consultar a Inglaterra, as autoridades portuguesas autorizaram a presença militar norte-americana em Ponta Delgada (Ferreira, 2006, p. 19). Ficava, assim, comprovada a relevância geoestratégica deste arquipélago para a segurança do Atlântico.
Depois do final da I Guerra Mundial, os norte-americanos deixaram as instalações militares em Ponta Delgada. O sentimento isolacionista ainda dominante na sociedade norte-americana impediu que o Senado Federal ratificasse a participação do país na recém-criada Liga das Nações, e os EUA recusavam assumir um papel preponderante na segurança europeia.
Os Açores voltariam a influenciar as opções da diplomacia portuguesa no período da II Guerra Mundial. Portugal proclamou a sua neutralidade no conflito que eclodiu a 1 de Setembro de 1939 - após a invasão da Polónia pela Alemanha. Esta decisão foi bem acolhida pelo governo britânico, que esperava que Salazar persuadisse Franco a não se juntar às potências do Eixo, no que seria a grande contribuição portuguesa para os interesses britânicos (Meneses, 2009, pp. 249-250). Contudo, a rendição da França, em 1940, alterou a situação: a presença de tropas alemãs perto dos Pirenéus não poderia deixar de ser considerada uma ameaça (Sá, 2015, p. 360). Aumentavam as pressões em Madrid para que Franco ultrapassasse as suas hesitações (Nogueira, 1986, p. 283) e se juntasse à Alemanha, para assim beneficiar da nova ordem mundial que se seguiria à eventual vitória alemã. Por seu turno, os dirigentes alemães ponderavam se deviam ocupar Gibraltar e invadir Portugal, antecipando-se a um provável futuro desembarque britânico em Portugal e uma ocupação dos Açores - referimo-nos às operações Félix (Neves, 1998, p. 160) e Isabella.
Os líderes aliados consideravam inevitável a invasão de Portugal pela Alemanha e a Espanha e entendiam que o melhor seria uma ocupação preventiva dos arquipélagos dos Açores e de Cabo Verde (Telo, 1987, p. 310). Mas a invasão da União Soviética pela Alemanha adiou os planos alemães para a Península Ibérica (Sá, 2015, p. 369). A entrada dos Estados Unidos no conflito, em 1941, tornava a segurança do Atlântico ainda mais relevante. Em 1941, esteve iminente uma invasão dos Açores pelas esquadras americanas, mas após conversações entre Churchill e Franklin Roosevelt, esta operação foi substituída pelo desembarque na Islândia (Andrade, 1992, pp. 68-69). Todavia, aquando do desembarque aliado no Norte de África, em 1942, os representantes diplomáticos britânicos e norte-americanos reuniram-se com o Presidente da República, Óscar Carmona, e o Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar, garantindo-lhes que os seus países continuavam a respeitar a neutralidade e a soberania portuguesa (Nogueira, 1986, pp. 405-408).
Contudo, Franklin Roosevelt e Winston Churchill continuavam a insistir na urgência da invasão dos Açores (Sá, 2015, pp. 374-375). O ‘Foreign Office’ opunha-se, argumentando que seria possível obter essa autorização, invocando a Aliança, e só na eventualidade de uma resposta negativa é que se deveria ponderar a opção militar (Sá, 2015, p. 375). Depois de negociações muito difíceis, Portugal autorizou o uso dos Açores pelas forças britânicas: o acordo foi assinado em 1943, mas foi apenas divulgado em 12 de Outubro de 1943, permitindo que Salazar informasse previamente Franco (Meneses, 2009, p. 309) e que Portugal pudesse receber algum equipamento militar, que garantisse uma resistência militar mínima na eventualidade, considerada improvável, de uma retaliação militar alemã.
Os norte-americanos não ficaram satisfeitos com este acordo, porque ficavam de fora; por isso, decidiram também solicitar a Portugal concessões de facilidades no arquipélago dos Açores. Não existia um vínculo histórico de aliança entre os dois países, que obrigasse as autoridades portuguesas a acederem a tal pedido, tal como tinha ocorrido com o Reino Unido; além disso, Salazar não se esquecia das declarações públicas do Senador Claude Pepper, em 1941, a apelar à invasão dos Açores e de Cabo Verde e a alusão do Presidente Roosevelt à relevância destas ilhas atlânticas, numa das suas mensagens radiofónicas (Meneses, 2009, p. 292). O Presidente norte-americano Roosevelt garantiu a Salazar o respeito pela integridade do império português (Sá, 2015, pp. 380-381) e a diplomacia americana comprometeu-se em auxiliar na restituição da soberania portuguesa em Timor (Ferreira, 2006, p. 35), que fora invadido pela Austrália e os Países Baixos, em 1941, e pelo Japão, em 1942. Estas garantias persuadiram Salazar a autorizar esta presença na Ilha de Santa Maria, em 1944: o ditador português também se convenceu de que a Portugal não restava outra alternativa senão estabelecer laços mais próximos com a próxima potência dominante do Bloco ocidental (Sá, 2015, p. 399).
3.A relevância estratégia dos Açores e a sua mais-valia diplomática durante a Guerra Fria
O final da II Guerra Mundial criou a ilusão de que seria possível conciliar os interesses estratégicos das potências vencedoras - os EUA, o Reino Unido e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Mas, os desentendimentos entre a URSS e os países ocidentais agravaram-se e, perante uma “ameaça vermelha” sobre a Europa, a Administração Truman assumiu o seu papel de estabilizador da segurança no velho continente: iniciaram conversações com os Estados europeus para a criação de uma aliança militar entre os dois continentes - depois de obterem a autorização do Congresso -, estabelecendo contactos com os signatários do Pacto de Bruxelas (França, Reino Unido, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo), alargando os convites a outras nações como o Canadá, a Islândia, a Dinamarca, a Noruega, a Itália e Portugal - pesou muito neste convite a localização geoestratégica dos Açores (Antunes, 1991, p. 29); destarte, foi assinado em Washington, em 4 de Abril de 1949, o Tratado que criou a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO). Além disso, a diplomacia americana avançou, em 1947, com um programa de recuperação económica do velho continente, o Plano Marshall.
Quando recebeu o convite para aderir à NATO, Salazar ainda hesitou, mas não havia alternativa à inserção na órbita norte-americana. Assim, o regime obteve uma grande vitória diplomática ao assinar o Tratado do Atlântico Norte (NATO), em 4 de Abril de 1949. Os norte-americanos instalaram-se definitivamente na Ilha Terceira, nas instalações anteriormente ocupadas pelos britânicos. Esta presença militar justificou a assinatura de acordos entre Portugal e os EUA, em 1948, 1951 e 1957. Um relatório elaborado pelo ‘Joint Chieff of Staffs’, em 24 de Outubro de 1945, classificara estas instalações militares na Terceira fundamentais para a segurança norte-americana, solicitando à Administração que iniciasse as diligências diplomáticas para obter a autorização para bases militares na Islândia, Gronelândia e Açores (Ferreira, 2011, p. 77). A utilização da Base das Lajes seria de primordial relevância para os Estados durante a Guerra Fria: um relatório do Pentágono calculava que 75% do tráfego aéreo americano para a Europa dependia do uso na Ilha Terceira (Rodrigues, 2002, p. 166); por isso, os Estados Unidos não se podiam dar ao luxo de abdicar desta base no durante a Guerra Fria.
As relações bilaterais atravessaram um período delicado durante a presidência de John F. Kennedy (1961-1963), devido ao contencioso colonial: os norte-americanos criticavam a política colonial portuguesa, pressionavam Lisboa a implementar reformas nos seus territórios africanos e defendiam o princípio da autodeterminação; por seu turno, os portugueses rejeitavam as críticas do seu aliado, consideravam serem outros os interesses da grande potência norte-americana, nomeadamente substituir Portugal nesses territórios. Depois dos grandes embates diplomáticos entre 1961 e 1962, assistiu-se, a partir de meados de 1962, a um degelo no diálogo entre Lisboa e Washington (Rodrigues, 2002, p. 315), tendo a Administração Kennedy proposto a Salazar um plano faseado a longo prazo, o Plano Ball, que culminaria com a realização de referendos em Angola e Moçambique em dez anos (Rodrigues, 2006, p. 92) e uma ajuda económica a Portugal e aos seus territórios coloniais. No entanto, Portugal rejeitou esta proposta, fechando a porta a um entendimento bilateral. Deste modo, assistir-se-ia a um desinvestimento progressivo americano relativamente à problemática colonial portuguesa, durante as Administrações Johnson (1963-1969) e, sobretudo, a de Nixon (1969-1974).
Subjacente a este diálogo esteve, novamente, a relevância da Base das Lajes. O acordo expirava em 1962 e o Pentágono pressionava a Casa Branca a renovar esta presença. Portugal permitiu que os americanos continuassem a utilizar diariamente as Lajes, sem que existisse, porém, um vínculo contratual que garantisse essa permanência (Schlesinger, 2005, p. 207). Acabou por ser um xeque-mate diplomático de Salazar aos EUA. Um novo acordo só seria assinado em 1971 e desde logo foi contestado nas duas Câmaras Federais, em 1972, pelos opositores do Presidente Nixon (Antunes, 1992, p. 205). Apesar da controvérsia pública que esta renovação suscitou nos EUA, esta base voltaria a ser fulcral para os interesses estratégicos estadunidenses, quando, em 1973, o seu uso permitiu à Administração Nixon iniciar uma ponte aérea para auxiliar militarmente Israel, na Guerra Yon Kippur: esta ponte aérea militar tinha uma média de 20 voos por dia e o transporte de 1000 toneladas por dia (Antunes, 1992, p. 264). Durante esse período, estas instalações assumiram um papel fulcral no planeamento estratégico americano: primeiro, permitia a projecção do seu poder militar no velho continente, no auge da Guerra Fria; depois, era um centro da luta antissubmarina; por último, era fundamental para as telecomunicações no âmbito da vigilância eletrónica das actividades soviéticas na zona de Gibraltar (Ferreira, 2011, p. 122).
Os Açores demonstraram ser uma mais-valia para a diplomacia portuguesa, aquando da assinatura de um acordo com a França, em 1964, que permitiu uma base militar francesa de rastreio de mísseis balísticos na ilha das Flores. Este acordo tinha estabelecido uma duração de seis anos - a partir da sua ratificação (5 de Julho de 1965) -, podendo ser denunciado, mediante uma notificação de um dos signatários, seis meses antes do seu término; caso isso não acontecesse, seria renovado automaticamente por mais seis anos (Cymbron, 2021, pp. 179-180). Estas instalações eram importantes para Paris no âmbito do seu programa nuclear, que era um dos grandes desígnios do Presidente De Gaulle (1959-1969).
Durante a presidência de Georges Pompidou (1969-1974), aumentaram as pressões provenientes de sectores do Ministério dos Negócios Estrangeiros Francês, sobre o Eliseu, para que Paris colocasse entraves à venda de armas ao regime português (Cymbron, 2021, p. 179), e isso inquietou o governo de Lisboa, que temia uma mudança radical na política externa gaulesa. Apesar destas pressões, os franceses não podiam abdicar desta base, porque isso implicaria uma grande contrariedade para a concretização da sua ‘Force de Frappe’ (Cymbron, 2021, p. 180). Por isso, esse acordo foi renovado, por tácita recondução, em 22 de Dezembro de 1971, depois de uma reunião entre os Ministros da Defesa dos dois países (Cymbron, 2021, p. 186).
O 25 de Abril de 1974 colocou um fim a um regime ditatorial de quarenta e oito anos que oprimia o país, iniciando-se uma nova fase na sua história. Inicialmente, as autoridades norte-americanas acolheram bem a Revolução portuguesa. Esta mudança de regime quase que coincidiu cronologicamente com a resignação do Presidente Richard Nixon, em 8 de Agosto de 1974 - devido às sequelas do escândalo Watergate, sendo substituído por Gerald Ford. A preocupação americana aumentou com a presença de ministros comunistas nos governos provisórios (Sá, 2015, p. 507) e com a radicalização da Revolução, a partir de Julho de 1974 (Sá, 2015, p. 509). O Secretário de Estado, Henry Kissinger, chegou a considerar Portugal perdido para o Bloco ocidental, considerando que tal perda seria uma “espécie de vacina” para o resto da Europa Ocidental. Por seu turno, os países europeus, nomeadamente a Alemanha, Inglaterra, Suécia, rejeitavam esta tese, considerando que se devia apoiar as forças moderadas, lideradas pelo Partido Socialista de Mário Soares, contra os sectores revolucionários. O embaixador dos EUA em Lisboa, Frank Carlucci, partilhava esta perspectiva e discordava desse diagnóstico pessimista de Kissinger A evolução política posterior permitiu o triunfo dessas forças moderadas e a implementação de um sistema democrático que seria apoiado economicamente, militarmente e politicamente por Washington.
Durante o processo revolucionário (1974-1975), as autoridades portuguesas sempre declararam o seu respeito pelos compromissos internacionais do país, incluindo a permanência na NATO; no entanto, também advertiram os Estados Unidos de que a única situação em que se poderia repensar a continuidade na Aliança Atlântica seria um eventual apoio da Administração americana a uma independência dos Açores (Avillez, 1995, p. 406). Uma análise cuidadosa da documentação histórica disponível permite-nos hoje concluir que Kissinger não afastou inicialmente, em Abril de 1975, um apoio aos separatistas (Gomes & Sá, 2008, p. 200). O receio de um Portugal comunista assustava Washington e levava os dirigentes estadunidenses a não excluírem opções radicais. Mesmo o Presidente Gerald Ford chegou a questionar o Chanceler Alemão Federal, Helmut Schmidt, sobre qual seria a resposta europeia a uma eventual independência do arquipélago, tendo o líder alemão respondido que teria uma repercussão negativa (Schmidt, 1989, p. 168). Todavia, Kissinger recusou, posteriormente, incentivar qualquer rebelião açoriana, que pudesse incendiar ainda mais o ambiente político em Lisboa (Gomes & Sá, 2008, pp. 244-245). As pressões dos países europeus, do Embaixador Frank Carlucci e das forças moderadas muito contribuíram para essa evolução (Gomes & Sá, 2008, pp. 245-246).
Durante o auge do processo revolucionário português, estas reivindicações independentistas nos Açores, e também na Madeira, assustaram o poder político português. O reconhecimento das autonomias açoriana e madeirense, consagradas na Constituição de 1976, foi o passo dado pelas elites políticas em Lisboa para reconhecer essas especificidades regionais, sem colocar, contudo, em causa a coesão nacional. Aliás, foi outorgado, no artigo 229, o direito dessas regiões autónomas em “participar nas negociações e tratados internacionais que directamente lhes dizem respeito (…)” (Ferreira, 2011, p. 128); assim, as autoridades regionais açorianas, legitimamente eleitas, puderam participar, integradas nas comitivas portuguesas, nas negociações com os EUA, em 1979, 1983 e 1995 e nas conversações com a República Francesa, em 1977 e 1984 (Ferreira, 2011, pp. 128-129).
No acordo assinado com a França, em 1977, foram contempladas medidas de apoio ao desenvolvimento dos Açores: substituiu-se o anterior artigo, de 1964, por um novo, que adicionava três parágrafos consagrados às ajudas ao Arquipélago (Cymbron, 2021, p. 193). Por seu turno, as contrapartidas norte-americanas incluíram equipamento militar e auxílio político e económico. O auxílio militar preparava as forças armadas portuguesas para as missões da NATO, findo o período colonial. As administrações norte-americanas apoiaram a consolidação democrática portuguesa e a adesão à CEE. As renovações dos acordos das Lajes tiveram em conta as necessidades regionais, com programas de auxílio para os Açores. Procurou-se também alargar o âmbito da cooperação bilateral, criando-se a FLAD (Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento), em 1984. Mas estas instalações continuavam a ser utilizadas pelos EUA nas diversas situações geopolíticas: em 1980, a administração Carter (1977-1981) solicitou a Portugal autorização para que o avião americano, que transportava o antigo Xã do Irão, dos EUA para o Egipto, pudesse fazer o seu reabastecimento nas Lajes, na viagem de ida e de regresso, tendo o governo português dado o seu assentimento a esse pedido (Amaral, 2008, pp. 229-230).
A opção europeia passaria a ser a grande prioridade da diplomacia portuguesa, a partir de 1976. O I Governo Constitucional, presidido por Mário Soares, formalizou o pedido de adesão ao Mercado Comum, em 27 de Março de 1977. A integração europeia era consensual na política portuguesa, com o apoio do PS, PSD, CDS. Depois de negociações prolongadas, Portugal e Espanha assinaram os seus Tratados de adesão à CEE, em 12 de Junho de 1985, tornando-se Estado-membro em 1 de Janeiro de 1986. Os dirigentes regionais açorianos e madeirenses compreenderam que a integração na Europa seria o melhor remédio para o fim do seu crónico subdesenvolvimento. Deste modo, o governo regional dos Açores decidiu não solicitar um estatuto especial separado, tal como as Ilhas Faroé o fizeram, aquando da adesão da Dinamarca (Ferreira, 2011, p. 102).
Entretanto, o final da década de oitenta foi marcado pelo desmoronamento do bloco comunista e pelo fim da Guerra Fria. O término da ordem bipolar permitiu a reunificação da Alemanha, em 1990. A integração europeia aprofundou-se durante a década de noventa. A NATO readaptou-se à nova realidade, aprovando novos conceitos estratégicos e intervindo nos conflitos da Bósnia e Kosovo. Depois da adesão à CEE, Portugal continuou a perfilhar uma visão euro-atlantista, defendendo a continuidade dos laços entre os dois continentes. Todavia, Timor-Leste acabou por se tornar num dossier que provocou alguma tensão entre Lisboa e Washington: depois da vitória da independência no referendo naquele território, realizado em 1999, a erupção da violência causada pelas milícias pró-integração, levou as autoridades portuguesas a advertir Washington de que teria que optar entre Portugal e a Indonésia (Cunha, 2013, p. 493) nesta contenda, chegando mesmo o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, a admitir, numa conversa informal, com a Secretária de Estado, Madeleine Albright, a possibilidade de Portugal sair da NATO, caso Washington não apoiasse as reivindicações portuguesas (Latoeiro e Domingues, 2021, p. 249). Por fim, o Presidente Bill Clinton impôs um embargo de armas à Indonésia, “obrigando” Jacarta a aceitar o envio de uma força de paz da ONU para Timor a fim de pôr um término à violência; assim, a diplomacia norte-americana dava o seu assentimento à independência de Timor-Leste.
4.Conclusões
Os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001 mudaram a ordem unipolar existente desde 1991. As intervenções no Afeganistão, em 2001, e no Iraque, em 2003, foram a resposta da administração George W. Bush (2001-2009) ao terrorismo transnacional. Se a ocupação no Afeganistão foi consensual na comunidade internacional, o mesmo não aconteceu aquando da invasão do Iraque, em 2003, originando uma das mais graves crises diplomáticas nas relações transatlânticas, entre países europeus partidários e opositores dessa invasão. Portugal apoiou essa decisão da administração George W. Bush (2001-200) e a Base das Lajes foi a sede de uma reunião entre o Presidente Americano, o Primeiro-Ministro Britânico, Tony Blair, o Primeiro-Ministro Espanhol, José Maria Aznar e o Primeiro-Ministro português, Durão Barroso, em 2003, pouco tempo antes do eclodir do conflito. Este mal-estar transatlântico foi gradualmente ultrapassado, e os laços voltaram a reforçar-se entre os dois continentes, não obstantes as tensões existentes durante a administração Trump (2017-2021), e o facto de os EUA se voltarem, cada vez mais, para o Pacífico, sobretudo desde a administração Obama (2009-2017). Já em 1971 se realizou uma cimeira na Ilha da Terceira entre o Presidente americano, Richard Nixon, e o Presidente da França, Georges Pompidou, que contou com a presença, como anfitrião, do então Presidente do Conselho de Ministros, Marcello Caetano.
No âmbito do plano bilateral, continua o impasse com a renovação ou não do Acordo das Lajes, estando ainda em vigor o de 1995. Várias têm sido as soluções apontadas e, apesar do contínuo desinvestimento norte-americano na base, os EUA não pretendem abandoná-la, temendo talvez o vazio que isso implicaria, num contexto internacional em que a sua grande preocupação tem sido a ascensão da China e as provocações contantes da Rússia. O Professor Tiago Moreira de Sá considera que as Lajes, juntamente com a base de Guam e de Diego Garcia, são as três instalações militares que os norte-americanos jamais abandonarão.
Além disso, estão previstos novos investimentos para o Arquipélago, desde o embrionário projecto do Centro de Defesa do Atlântico (CDA), com sede nas Lajes, ao projecto de investigação científica ‘Air Center’ (Air International Centre), também na Terceira, não olvidando o Centro de Observação Oceânica e a construção do porto espacial previsto para a Ilha de Santa Maria. Deste modo, podemos concluir que a relevância estratégica das Ilhas dos Açores não se esgotou no século passado, mas estão a ser, de certo modo, redescobertas para outras valências num sistema internacional que não se esgota unicamente em questões do âmbito geopolítico. Mesmo num contexto em que as atenções se concentram na Ásia e nas eventuais ambições expansionistas chinesas, o Atlântico nunca ficará desguarnecido e o CDA visa reconfirmar Portugal como actor relevante para a segurança deste Oceano.
O mar está ligado à afirmação dos países no cenário internacional, e Portugal é um desses países em que a sua identidade nacional se consolidou com a exploração dos oceanos. Uma das grandes prioridades da diplomacia portuguesa é o alargamento da sua plataforma continental: a proposta foi entregue, em 2009, na ONU, na Comissão dos Limites da Plataforma Continental (CPLC), tendo sido actualizada, em 2017. Caso esta proposta seja validada, esta passará a totalizar 3.877.408 quilómetros quadrados. Ora, a posição estratégica dos Açores é fulcral no âmbito desta plataforma: as explorações das riquezas do mar açoriano não “implicam um acordo com qualquer outro Estado, como acontece nos casos da Madeira e de partes do território continental, que têm implicado negociações com o Reino de Espanha e de Marrocos para a delimitação definitiva dos seus limites continentais. Obviamente, a exploração desses recursos colocará novos desafios nas relações entre Lisboa e as regiões autónomas, no âmbito político-jurídico.