Monteiro, A. (2021). As Ilhas nas Relações Internacionais: Santa Maria (Açores) no Século XX. Lisboa: Lisbon International Press
Esta obra, um estudo detalhado sobre ilhas e espaços insulares, explora, através do caso concreto da ilha de Santa Maria, nos Açores, a importância que estes territórios têm para os Estados aos quais estão ligados, bem como a sua importância para o relacionamento entre Estados soberanos.
António Sousa Monteiro é atualmente estudante de doutoramento de História Moderna e Contemporânea no ISCTE-IUL. É licenciado em Estudos Europeus e Política Internacional pela Universidade dos Açores, onde também completou o mestrado em Relações Internacionais. Trabalhou na área do turismo e foi membro da Assembleia Municipal do concelho de Vila do Porto. Foi cofundador e é atualmente presidente da associação LPAZ - Associação para a Promoção e Valorização do Aeroporto de Santa Maria. Desde a sua passagem pela academia açoriana que tem focado a sua investigação nos Açores e na sua importância para o mundo, com particular interesse na ilha de Santa Maria e na sua ligação à aviação mundial.
A obra está dividida em três partes, sendo a terceira e maior quase totalmente dedicada à ilha de Santa Maria. O autor faz uma análise sobre a Nissologia, o estudo das ilhas, e disserta sobre os vários tipos de relações que estes territórios normalmente mantêm com as suas metrópoles. A primeira parte do livro procura contextualizar perante o leitor quais as características que definem as ilhas enquanto espaços geográficos e políticos, bem como apresentar uma análise do papel das ilhas e, mais especificamente, dos Açores, nas Relações Internacionais ao longo da História.
Desde a sua descoberta, os Açores sempre tiveram uma grande importância no Atlântico Norte. Numa primeira fase, a sua posição central nas rotas marítimas das potências ibéricas e, mais tarde, do norte da Europa, era a grande mais-valia daquele arquipélago. No século XIX, as telecomunicações deram uma nova importância aos Açores, uma vez que era ao largo daquelas ilhas que passavam vários cabos submarinos que ligavam a Europa e a América do Norte.
Numa fase mais tardia, com a invenção do avião, já no século XX, os Açores encontraram-se mais uma vez numa posição privilegiada, desta vez no que dizia respeito aos voos transatlânticos que, numa primeira fase, eram dominados pelos hidroaviões e dirigíveis. No entanto, foi com a Segunda Guerra Mundial que o potencial destas ilhas na área da aviação se tornou evidente, facto que ficou comprovado com a permissão por parte do governo português, primeiro ao Reino Unido e, mais tarde, aos Estados Unidos (EUA), para a utilização de zonas das ilhas Terceira e Santa Maria, respetivamente, para a construção e utilização de bases aéreas para auxiliarem o esforço de guerra no Atlântico Norte. O autor faz questão de sublinhar que, de acordo com Medeiros Ferreira, as autoridades portuguesas da época não encaravam a questão da defesa dos Açores como um todo, mas sim ilha a ilha, uma vez que só era reconhecida importância estratégica às ilhas de São Miguel, Terceira e Faial, estando as restantes seis desguarnecidas.
É importante sublinhar que a importância das ilhas açorianas não tinha passado despercebida a nenhuma das partes em conflito. Tanto os alemães como os Aliados tinham planos para ocupar os Açores pela força, caso tivessem de recorrer a esses meios. Roosevelt, o Presidente dos Estados Unidos, chega mesmo a comparar a importância dos Açores para a segurança americana no Atlântico Norte com aquela que o Havai tem no Pacífico. O domínio sobre ilhas e/ou territórios-chave um pouco por todo o globo, de forma a controlar e negar acesso a essas áreas aos seus rivais e inimigos, foi a estratégia seguida pelas duas grandes potências navais da História: o Reino Unido e, numa fase mais tardia, os EUA. É, por isso, possível dizer-se que a Segunda Guerra Mundial foi, também, um confronto entre uma potência que pretendia seguir os princípios da teoria geoestratégica do domínio do heartland (a Alemanha) e os aliados ocidentais, que atuavam conforme a teoria da Mahan (A Influência do Poder Naval sobre a História). Assim sendo, e reconhecendo a importância do domínio dos mares para alcançar a vitória, é evidente o interesse dos Aliados nos Açores.
A segunda parte da obra é dedicada à caracterização da ilha de Santa Maria. António Monteiro faz um retrato e uma análise muito detalhados sobre vários aspetos daquela ilha açoriana, desde a sua população e emigração, passando pela História de Santa Maria, pela sua organização política ao longo do tempo, e por dados mais científicos, como o clima e geomorfologia da ilha. Neste capítulo, é interessante verificar que, nos vários relatos de estrangeiros por lá passaram ao longo do século XIX, é muitas vezes feita referência ao facto de a ilha ser negligenciada pelas autoridades portuguesas em termos de investimento e infraestrutura.
A terceira parte do livro, que é também a parte principal, é focada na ilha de Santa Maria durante aquele que o autor define como o “Século da Aviação”. Apesar de algumas ilhas dos Açores já terem servido de base e ponto de passagem para aviação comercial e militar antes, durante, e depois da Primeira Guerra Mundial, foi no final da década de 20, em 1929, que a primeira aeronave sobrevoou os céus daquela ilha: o Zepelim alemão Graff Zeppelin, que ia em direção aos EUA. Foi também nesse ano que começaram as primeiras prospeções naquela ilha no sentido de iniciar a construção de um aeródromo. No entanto, até ao início dos anos 40, por razões de vária ordem, nada se concretizou. O autor sublinha que Santa Maria, tal como a maioria das ilhas açorianas, nunca fora alvo de grande atenção por parte das autoridades portuguesas no que diz respeito, por exemplo, à construção de infraestruturas, uma vez que a prioridade era dada ao Faial, São Miguel e Terceira.
Foi apenas durante a Segunda Guerra Mundial que os destinos da ilha de Santa Maria e o mundo da aviação se cruzaram verdadeiramente. Após a autorização dada aos britânicos para se instalarem nas Lajes, na ilha Terceira, os EUA fizeram um pedido semelhante ao governo português. Curiosamente, Salazar não aceitou conceder autorização direta para o estabelecimento de uma base norte-americana em Santa Maria; foi apenas concedida autorização para a construção, por parte de uma empresa civil, de um Aeroporto Internacional de Santa Maria, cujas condições de utilização por parte dos norte-americanos seriam posteriormente discutidas. O acordo foi finalmente fechado em 1944 e, segundo este, em troca da permissão para construir e utilizar um “campo de aviação” naquela ilha, os norte-americanos comprometeram-se com a devolução a Portugal de Timor-Leste, que havia sido ocupado pelo Japão durante a guerra. É importante referir que foram os EUA que escolheram Santa Maria para a sua base, principalmente devido às boas condições que a ilha apresentava para a construção de uma base aérea, base esta que foi inaugurada em julho de 1945, já nos últimos meses da guerra.
A parte final do terceiro capítulo dedica-se ao período do pós-guerra e à segunda metade do século XX. Com o final da guerra, foi decidido que o aeroporto de Santa Maria deixaria de ser uma base militar, passando a ser um aeroporto civil. Em 1946, o aeroporto de Santa Maria é transferido para as autoridades portuguesas pelas norte-americanas, e é também nesse ano que aterra o primeiro voo comercial naquela ilha. Sublinhe-se que não interessava às autoridades portuguesas continuar a ter uma presença militar estrangeira tão acentuada numa ilha de dimensão geográfica e populacional tão reduzidas, pois havia o receio que tal poderia transformar a ilha de forma permanente. Assim, era preferível transferir as capacidades militares dos EUA para a ilha Terceira, onde poderiam ser supervisionadas de forma mais fácil pelas Forças Armadas Portuguesas. Estas são as principais razões dadas por vários autores e investigadores para ajudar a explicar a transferência das forças norte-americanas para a base das Lajes.
Durante a segunda metade do século XX, o Aeroporto de Santa Maria foi, em simultâneo, um veículo de desenvolvimento económico para a ilha, mas também a porta de saída para muitos açorianos para a emigração. António Monteiro nota que, devido aos fatores explorados na obra, a população mariense foi aquela que, per capita, mais habitantes perdeu para a emigração durante aquelas décadas.
Na conclusão, o autor reforça o papel determinante que Santa Maria teve na aproximação das duas margens do Atlântico Norte através das suas capacidades aeroportuárias, que também ajudaram a cimentar os Açores como um todo enquanto território determinante para a aviação na segunda metade do século XX. Aquela ilha foi, também, uma importante peça para as Relações Internacionais no espaço transatlântico, visto que esteve no centro de várias discussões e decisões diplomáticas ao mais alto nível entre Portugal e os EUA e o Reino Unido.
É uma obra de extremo interesse para o público em geral, mas especialmente para quem se dedica ao estudo da geopolítica, geoestratégia e, sobretudo, à aviação. O livro oferece uma perspetiva diversa e única sobre todos estes tópicos, principalmente se tivermos em conta que o foco está na ilha de Santa Maria. António Medeiros explora ao detalhe tópicos que, embora constem do conhecimento comum, nunca são verdadeiramente aprofundados. É, por isso, muito importante incentivar a pesquisa e escrita de mais obras como esta nos Açores.