Enquadramento teórico e histórico
A presidência rotativa do Conselho da UE tem sido, praticamente desde o início do processo de construção europeia, fundamental para cada Estado-membro, mas também para todos no seu conjunto, na tentativa de criar uma situação de igualdade entre todos os países[1]. Independentemente da dimensão geográfica e populacional, dos recursos económicos ou naturais ou ainda do poder que cada país tem no seio da UE, este cargo é assumido por todos durante um semestre.
No conjunto da União, esta presidência implica a possibilidade de guiar o projeto europeu, tanto traçando o caminho naqueles seis meses, como marcando os que se seguem, sendo também para cada Estado-membro uma oportunidade de encaminhar o trajeto mediante as preferências nacionais, que são de certa forma englobadas na agenda europeia[2].
Este exercício de responsabilidade é levado a cabo pelo governo do Estadomembro que assume a presidência naqueles seis meses, com a liderança da UE a ser personificada não só pelo chefe de Governo ou de Estado (dependendo do sistema político) do país, mas também pela sua equipa, dadas as várias formações do Conselho.
Com o Tratado de Lisboa, a presidência do Conselho da UE sofreu algumas alterações, nomeadamente com a criação do regime de trio de presidências, ou seja, um sistema partilhado entre três Estados-membros com uma agenda comum. Foi também introduzido um método misto de liderança, que tanto é supranacional, ao nível do Conselho Europeu e do Conselho de Negócios Estrangeiros (isto porque o Conselho Europeu e o Alto Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança tornaram-se permanentes e assumiram algumas responsabilidades que eram, anteriormente, da presidência rotativa), como intergovernamental, ao nível dos conselhos de ministros. Estas mudanças não afetaram, ainda assim, o papel importante de cada país, a quem cabe a definição da agenda durante este exercício[3].
O Tratado de Lisboa[4] prevê, em concreto, que a presidência do Conselho, com exceção da formação de Negócios Estrangeiros, seja agora assegurada no âmbito de grupos predeterminados - tendo em conta fatores como a diversidade e o equilíbrio geográfico - de três países, sendo que a cada seis meses um dos membros deste trio sobe à ribalta e é apoiado pelos outros dois, dado o programa comum.
Continua, assim, a haver um exercício rotativo, no qual a cada semestre um país encaminha as reuniões a todos os níveis do Conselho para garantir a continuidade dos trabalhos da UE e o cumprimento dos objetivos estipulados num programa semestral mais detalhado, dentro do que é criado pelo trio[5].
As funções de cada presidência assentam na coordenação dos trabalhos do Conselho, na definição de agenda e de prioridades políticas, na mediação da negociação e da tomada de decisão e, ainda, na representação dos Estados-membros tanto junto de outras instituições europeias (como Comissão e Parlamento), como da União ao nível internacional[6].
Os países que presidem ao Conselho da UE a cada semestre têm, por isso, o poder de influenciar e chamar a atenção dos decisores políticos para uma vasta gama de questões políticas[7], num processo cujo resultado final é a adoção, pelos governos, de políticas públicas com o amplo objetivo de expandir o interesse público[8], neste caso, de âmbito europeu.
Este exercício pode ser visto à luz do intergovernamentalismo liberal, por os Estados-membros atuarem no seio da UE com base em preferências formadas ao nível nacional e que são negociadas em conjunto[9], mas também do construtivismo, já que a cooperação estratégica no âmbito do trio de presidências explica-se melhor pelo processo de dinâmicas constitutivas de aprendizagem social, através do qual os países, por estarem nestes grupos, adquirem novos interesses[10]. Ambos os quadros teóricos dão importantes explicações para este exercício semestral e ajudam a compreender o comportamento dos agentes políticos nesse período.
Esta combinação de fatores permite aos Estados-membros de menor dimensão e com menor peso no seio da União estar em foco aquando do desempenho desta tarefa, ao terem a possibilidade de usar poderes formais e informais como vantagem comparativa face aos restantes[11].
Quer isto dizer que a presidência do Conselho da UE pode servir como uma posição amplificadora, que de outra forma dificilmente estaria ao alcance de países de menor dimensão, pois conseguem difundir preocupações nacionais e cumprir tarefas que facilitam a tomada de decisões ao nível intergovernamental, visando obter benefícios políticos deste exercício[12].
Embora seja algo inerente ao contexto comunitário, este exercício acaba por ser também mais complexo para os Estados-membros de menor dimensão, pela logística e conhecimento que requer, embora essa responsabilidade também traga visibilidade que, no caso de um país pequeno e periférico como Portugal, acaba por ser um fator de projeção de imagem pela sua influência na formação da agenda e pelas iniciativas e consensos alcançados[13].
Portugal, que entrou na então Comunidade Económica Europeia (atual UE) em 1986, inseriu desde então a dimensão europeia na sua política externa, mas só assumiu pela primeira vez a presidência do Conselho em 1992, após um período de seis anos para ajustamento e adaptação à nova vida comunitária[14].
Desde então, já assumiu esta tarefa por quatro vezes - em 1992, 2000, 2007 e 2021 -, o que permitiu ao país ter um papel ativo em momentos cruciais para o aprofundamento do projeto europeu, como com a assinatura do Tratado de Lisboa ou com o consenso para novos compromissos sociais na Cimeira Social do Porto, duas marcas da PPUE de 2007 e de 2021, respetivamente.
Embora cada PPUE seja única, pelas prioridades que estabelece e pelo contexto temporal em que se insere, também é verdade que nas quatro se registaram desafios semelhantes, como a de gerir a atividade comunitária, liderar a iniciativa política, conciliar interesses e representar o Conselho[15].
É ainda importante destacar o falhanço do Tratado Constitucional e as feridas visíveis da pandemia de COVID-19 que, de certa forma, marcaram as PPUE de 2007 e de 2021, respetivamente. Nos próximos capítulos, irei debruçar-me sobre estas presidências, as duas mais recentes e separadas por 14 anos, para depois fazer uma comparação entre ambas em termos de prioridades e do seu impacto na política externa portuguesa.
A PPUE institucional de 2007
A PPUE de 2007, que decorreu no segundo semestre do ano ao contrário das anteriores, visou defender o rigor e a participação coletiva, ao mesmo tempo que ambicionava ser um veículo para afirmação de Portugal na Europa e da Europa no mundo[16].
Sob o mote “Uma União mais forte para um mundo melhor”, a PPUE de 2007 estabeleceu três eixos principais de ação: a reforma dos Tratados, a agenda de modernização das economias e das sociedades europeias e ainda o reforço do papel da Europa no mundo[17]. Neste ano, o programa português já foi estabelecido tendo em conta a precedente presidência da Alemanha e a sucessora da Eslovénia, naquele que viria a ser o trio em que Portugal se inseriria para um programa conjunto de 18 meses com o regime criado após o Tratado de Lisboa (o chamado GPS - Germany, Portugal, Slovenia).
O esforço da anterior presidência alemã criou as bases para Portugal demonstrar o seu compromisso com o processo de construção europeia, mostrando também ambição política e global[18]. Foi a Alemanha que conseguiu ultrapassar o impasse institucional no projeto europeu após os chumbos aos referendos da França e da Holanda sobre o Tratado Constitucional de 2005, deixando a Portugal a tarefa de alcançar um consenso para um novo tratado, dado o mandato subscrito pelos Estados-membros para o país dar os passos que faltavam: organizar uma conferência intergovernamental para arrecadar consenso político e, assim, assinar um novo tratado[19].
No programa da PPUE[20], lia-se inclusive que Portugal assumia este exercício rotativo “ciente de que a prosperidade dos Estados-membros da Europa do futuro e o bem-estar dos seus cidadãos” dependia de decisões a tomar, vincando as autoridades portuguesas que aquele era “um momento para a ação” com uma reforma dos instrumentos jurídicos da União, após seis anos de negociações.
Na conferência intergovernamental mais rápida até ao momento, o Tratado de Lisboa foi assinado a 13 de dezembro no Mosteiro dos Jerónimos, o que permite concluir que, apesar de a Alemanha ter traçado o caminho, foi Portugal que conduziu este momento de aprofundamento da integração europeia e isso deixou o país numa posição favorecida, ao inscrever o nome de uma cidade portuguesa na história comunitária[21].
Também de forma prestigiosa foi visto o potencial de Portugal enquanto agente global, ao ter apostado, na PPUE de 2007, em dar um cunho europeu a prioridades da sua política externa, nomeadamente às relações com África (pela organização da segunda Cimeira UE-África e a aprovação de uma estratégia conjunta), com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa - PALOP (dada a parceria especial com Cabo Verde e a operação civil na Guiné-Bissau) e com o Brasil (pela primeira Cimeira UE-Brasil).
Se por um lado isto permitiu restabelecer o diálogo político entre a UE e a União Africana, por outro possibilitou também colmatar uma lacuna, já que o Brasil, apesar de parceiro estratégico do bloco comunitário, não tinha até então um relacionamento de alto nível com a União.
Estas cimeiras e encontros diplomáticos de alto nível contribuíram para o reforço da presença internacional da UE enquanto Portugal perseguia os seus interesses nacionais, nomeadamente com África e com o Brasil, numa postura de imparcialidade, que vinha já de anteriores presidências e de valor acrescentado ao projeto comunitário[22].
Mas apesar do importante peso da ação externa, a assinatura do Tratado de Lisboa foi a grande marca da PPUE de 2007, sendo que Portugal ambicionava contribuir para uma UE mais eficaz, democrática e transparente e isso assentou numa modernização da arquitetura institucional do bloco comunitário[23].
Ainda recordando a argumentação de Portugal no seu programa, que aludia às expectativas dos cidadãos, um novo fracasso no projeto europeu teria causado uma enorme descrença da sociedade civil numa fase crítica do aprofundamento europeu. Assim, o Tratado de Lisboa acabou por abrir uma nova página na história da UE e na forma como Portugal passou a ser visto pelos seus homólogos, pelos esforços para reforçar a arquitetura institucional europeia[24].
A PPUE social de 2021
Catorze anos depois, a quarta e mais recente PPUE decorreu entre janeiro e junho de 2021, num momento desafiante para a UE, em que a Europa enfrentava a pandemia de COVID-19 e os seus impactos sociais e económicos.
Após a presidência croata, no primeiro semestre de 2020, que teve de se tornar totalmente digital e de uma presidência alemã híbrida no segundo semestre desse ano, a liderança portuguesa do Conselho teve de se ir adaptando às vagas da pandemia, sendo inicialmente mais ‘online’, mas com importantes eventos presenciais.
Mais do que os desafios técnicos, Lisboa encontrou, no primeiro semestre de 2021, uma UE fragilizada pela maior crise até então, consequência da pandemia, o que expôs as desigualdades entre os Estados-membros e os cidadãos. No entanto, do ponto de vista da construção europeia estavam criadas as condições para a PPUE se focar na Europa social e resiliente, num momento ideal para se dar especial atenção aos temas sociais e ambientais[25].
Mais uma vez, Portugal beneficiou dos esforços da presidência alemã, que conseguiu mediar e alcançar um consenso político para um pacote pós-crise da COVID-19 de 1,8 biliões de euros, que incluía o fundo de recuperação e o Quadro Financeiro Plurianual da UE[26].
Coube a Portugal avançar com a concretização deste fundo de recuperação (o chamado Next Generation EU), mas também colmatar as divergências do debate político europeu, entre países frugais e de leste sobre condicionalidade ao Estado de direito, dado o desacordo sobre os valores democráticos e as dificuldades nas negociações. O país teve também de gerir desafios como a saída do Reino Unido da UE e o reforço das relações transatlânticas com a nova administração norte-americana[27].
Portugal tinha, então, de resolver assuntos inacabados e afirmar-se. Sob o mote “Tempo de agir: por uma recuperação justa, verde e digital”, a PPUE de 2021 estabeleceu três prioridades para a União: promover uma recuperação assente nas transições climática e digital, concretizar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais e reforçar a autonomia de uma Europa aberta ao mundo[28].
Desde o início, foi claro que o principal momento da PPUE seria a Cimeira Social, que pela melhoria da situação epidemiológica da COVID-19 permitiu juntar no Porto uma conferência de alto nível com participação dos chefes de Governo e de Estado da UE, parceiros sociais e da sociedade civil para, assim, “dar impulso político à concretização do Pilar Europeu dos Direitos Sociais na vida dos cidadãos europeus, onde os temas centrais serão o emprego, as qualificações e a proteção social”, segundo o programa[29].
Tendo em conta que os diferentes contextos - nacionais, europeus e internacionais - influenciam as prioridades das presidências, Portugal optou, neste quarto exercício de liderança, por dar resposta à crise social e económica de então, apostando numa agenda ambiental e digital para renovar a UE e dar-lhe visibilidade externa[30].
As prioridades da PPUE de 2021 foram a Europa Social (com foco na recuperação económica e no combate às desigualdades sociais), a Europa Verde (visando a neutralidade carbónica em 2050), a Europa Global (pelo reforço de parcerias com África e Índia), a Europa Digital (com aposta na educação e formação) e ainda a Europa Resiliente (para mitigar efeitos da pandemia)[31].
Destas, o foco político na área social foi a bandeira desta presidência portuguesa, destacando-se também apostas ao nível externo, com o reforço das relações UE-África (em mais uma cimeira e uma nova estratégia) e UE-Índia (com nova cimeira para relançar as negociações para parceria comercial), que no seu conjunto permitiram a Portugal revelar a sua maturidade europeia, ao mesmo que demonstrou novamente o seu valor acrescentado[32].
Após ter celebrado importantes acordos europeus e de ter ajudado a abrir as portas da Europa a África, Portugal decidiu nesta presidência do Conselho olhar mais para o espaço comunitário, tentando reconstruir a UE ao nível digital e ambiental e implementar o Pilar Social da União Europeia, com metas que colocaram a economia social no centro dos esforços[33].
Numa altura em que a União era marcada por afastamento dos cidadãos, esta aposta da PPUE na dimensão social deu um novo estímulo à agenda europeia, mas sem marginalizar a área externa, trazendo de volta o diálogo com uma potência emergente, a Índia[34].
No Porto, foram alcançados consensos políticos para avançar com a concretização do Pilar Europeu dos Direitos Sociais[35] (com 20 princípios e direitos essenciais para assegurar a equidade nos mercados de trabalho e nos sistemas de proteção social no espaço comunitário), mas também para negociar com a Índia um acordo comercial, de proteção de investimentos e um outro de indicações geográficas[36].
Para sair da crise, a UE teria de ultrapassar as suas diferenças e identificar soluções comuns. Assim, este ímpeto social foi a principal marca da PPUE de 2021, ao endossar o primeiro conjunto de direitos sociais desde a Carta dos Direitos Fundamentais da UE para responder a novos problemas como a desregulamentação dos mercados de trabalho, a deterioração das condições de vida e das relações laborais e o dumping social[37].
Comparação das PPUE de 2007 e 2021
Como demonstram as PPUE de 2007 e de 2021, quando a presidência do Conselho da UE é bem-sucedida, a imagem do país sai reforçada, favorecendo também a integração no clube comunitário e a imagem internacional[38].
Embora a forma como um país exerce a presidência do Conselho mude ao longo do tempo, numa tentativa de responder às reivindicações dos cidadãos[39], é possível traçar três tendências entre a PPUE de 2007 e a de 2021: uma crescente politização das prioridades semestrais, uma maior externalização e uma mudança no perfil da presidência[40]. No que toca à primeira tendência, em 2007, o debate europeu passou para solo português devido à reforma institucional, enquanto em 2021 isso aconteceu pelas consequências económicas e sociais da pandemia. Em relação à externalização das iniciativas, Portugal apostou fortemente em ambas as presidências nas relações globais da União e, na última, trouxe o diálogo com uma potência emergente (a Índia). Apesar de o perfil destas PPUE ter sido semelhante, com o decorrer do tempo assistiu-se a um amadurecimento da presidência portuguesa, que deixou de apenas assumir o mandato deixado (pela Alemanha para a assinatura do Tratado de Lisboa) e conseguiu valor acrescentado (com a aposta nos direitos sociais).
Falando sobre o desempenho de Portugal em ambas as PPUE, destaca-se a dependência dos esforços da antecessora presidência alemã (tanto para a assinatura do Tratado de Lisboa como para a estabilização política da União com o consenso sobre o pacote de recuperação) e o facto de o país ter levado ao extremo a sua postura de imparcialidade, abstendo-se de defender certas causas por estar numa posição de liderança e não querer comprometer o seu dever de neutralidade (foi essa a justificação dada para, em 2021, não ter subscrito uma carta aberta à Hungria condenando a lei discriminatória da população LGBTQI[41]).
Concluo também que a maneira como Portugal se vai adaptando ao projeto europeu e o lidera está relacionada com o contexto social e político nacional[42]. Por um lado, na PPUE de 2007, o Governo socialista de José Sócrates beneficiava de uma conjuntura favorável ao nível interno (com maioria absoluta parlamentar e distanciamento até às eleições seguintes) e externo (dado o apoio do então presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso)[43]. Já na PPUE de 2021 eram visíveis, em Portugal, os efeitos socioeconómicos da pandemia, que orientaram a tomada de decisões políticas, perto das eleições legislativas.
Ainda assim, as maiores diferenças entre a PPUE de 2007 e de 2021 dizem respeito à ação externa.
A visão global de Portugal para a UE permitiu, em 2007, olhar para África (nomeadamente para os PALOP) e estabelecer ligações com a América Latina (em especial com o Brasil) e, em 2021, isso levou à manutenção da parceria africana e à aposta na Índia face à prioridade brasileira[44]. Uma vez que hoje em dia as relações diplomáticas com o Brasil não são tão constantes, esta aposta deixou de ser uma prioridade para a liderança portuguesa, que, ao invés, se focou antes em África e na Índia.
Além disso, na quarta presidência, em 2021, Portugal já tinha completado 35 anos de adesão comunitária, numa experiência madura o suficiente para enveredar para o âmbito internacional, após ter ajudado a moldar a arquitetura institucional em 2007[45].
Em ambas as PPUE, Portugal teve um olhar virado para o exterior, sendo esta uma característica intrínseca da sua política externa.
A visão portuguesa para a atuação externa europeia projetou a UE como um ator político cada vez mais global e assertivo, havendo uma preocupação não só com a afirmação da União na cena mundial, mas também com a valorização das especificidades de Portugal para o país ser útil ao projeto europeu[46].
O país conseguiu consolidar a imagem internacional da Europa como um espaço geopolítico diplomático e aberto ao mundo, não esquecendo a sua adaptação europeia e a sua política externa antiga e atual, ao ter sido responsável por abrir caminho na UE para África, Brasil e Índia[47].
Através da opção europeia, Portugal consegue incluir os seus parceiros globais e rentabilizar a sua posição geopolítica[48].
Conclusão
Trinta e cinco anos após a entrada na Comunidade Económica Europeia (atual UE), Portugal já dispunha, em 2021, de maturidade suficiente para liderar o Conselho consoante os seus interesses nacionais, que já destacava na anterior PPUE de 2007.
Catorze anos depois, Portugal levou, na última presidência, o projeto europeu para uma página mais social, depois de ter aberto um novo capítulo no livro da UE em 2007 com a assinatura do Tratado de Lisboa.
Refletindo sobre ambas, considero que Portugal conseguiu cumprir os seus objetivos nacionais e europeus. Esta imagem positiva deixou o país numa posição favorável perante os seus pares no seio da UE, mas também perante outros Estados no exterior, por ser um ator global em representação comunitária.
Em ambas as lideranças semestrais, foram registados marcos notáveis, muito maiores do expectável de um pequeno país de 10 milhões de habitantes. Em 2007, Portugal foi anfitrião da assinatura do Tratado de Lisboa, que ainda hoje molda a União. Este momento redefiniu a arquitetura institucional da UE e demonstrou a capacidade diplomática de o país mediar negociações complexas e articular visões diversas, revelando-se um facilitador capaz de marcar o percurso comunitário. Já na presidência portuguesa de 2021, inserida num contexto marcado pela crise pandémica e pelos desafios da recuperação económica e social, o foco nas transições verde e digital e, principalmente, na implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais permitiu uma liderança resiliente e assente nas necessidades emergentes da União. Mais uma vez, este papel ativo reforçou a ideia de Portugal como um mediador pragmático, capaz de navegar em águas turbulentas.
A presidência do Conselho da UE é, assim, um lugar de responsabilidade, mas também privilegiado, que, se for bem aproveitado pelo país que o exerce - independentemente da sua dimensão ou características -, dá frutos para a comunidade de países que compõem a União, mas também ao nível individual.
Mas este lugar nunca foi tomado como garantido pelo país, cuja progressão nas diferentes presidências reflete o crescimento da sua confiança e da sua influência dentro da UE. Em 2007, o país foi um arquiteto responsável por construir um legado institucional robusto; ao passo em que em 2021 emergiu como um estratega capaz de dar respostas inovadoras às crises. Esta evolução de desempenho ilustra como a integração europeia não só transformou Portugal, mas também como Portugal ajudou a moldar o caminho da União, robustecendo os alicerces de uma UE mais unida e solidária.
Quanto a desafios para as próximas PPUE, assinalaria o de Portugal ir além dos esforços do país que o antecede, mas também o de não ter receio de assumir as suas posições de defesa dos valores fundamentais para o Estado de direito da UE.
Se quiser continuar a crescer com o projeto europeu e a manter esta tendência de afirmação, Portugal pode, nas suas futuras presidências da União Europeia (ainda sem data definida), assumir um papel de liderança em áreas estratégicas e essenciais para o desenvolvimento da União. A atualidade irá, certamente, impactar tais prioridades, mas é já possível apontar algumas, como ao nível da sustentabilidade e da transição verde, da transformação digital inclusiva, da resiliência europeia ao nível sanitário e do reforço dos valores democráticos para salvaguardar o projeto europeu. No âmbito da política externa, o país pode continuar a impulsionar parcerias estratégicas com África e América Latina, ao mesmo tempo que apoia o processo de alargamento, nomeadamente referente aos Balcãs Ocidentais.
Estas iniciativas iriam permitir reforçar o compromisso de Portugal com uma Europa mais inclusiva, sustentável e resiliente, continuando a retratar o país como um mediador e visionário na liderança europeia.
Portugal já ganhou espaço na história da construção europeia e terá mais oportunidades para consolidar o seu valor.
Com este ensaio, tentei sintetizar e comparar brevemente as duas presidências portuguesas da UE mais recentes, mas admito que ainda existe uma vasta área a ser explorada pela investigação científica. Sugiro, por exemplo, o impacto político e diplomático das diferentes lideranças semestrais e dos importantes acordos alcançados, como o Tratado de Lisboa ou o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Seria também interessante verificar qual o contributo efetivo das presidências portuguesas nas diferentes áreas setoriais, como ao nível económico e social. Em termos de comparações, poderia ser dada atenção à perceção da opinião pública portuguesa nos diferentes momentos em que Portugal ocupou este lugar, verificar qual a comunicação estratégica utilizada e, ainda, analisar quais as principais diferenças entre este e outros países da sua dimensão.
Como o projeto europeu está em constante atualização, também este tema poderá continuar a ser revisitado.














