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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.171 Lisboa jul. 2004

 

Stephen Syrett, Contemporary Portugal. Dimensions of Economic and Political Change, Ashgate, Hampshire, UK, 2000.

 

É sempre refrescante ler estudos de especialistas estrangeiros sobre o nosso país. Quando esse trabalho é rigoroso e bem documentado, pode mesmo chegar a dar contributos inesperados e muito relevantes numa matéria que por cá se supõe bem conhecida. O presente livro, sobre alguns aspectos do recente desenvolvimento português, é uma colectânea de textos de vários autores, produto de uma conferência organizada pela School of Social Sciences da Middlesex University, e cai, evidentemente, nesta categoria.

O tema central da conferência e do volume é, já de si, desafiante. Trata-se de tentar analisar um caso de «dramática mudança social» (p. 1), aquele que Portugal sofreu nos últimos vinte e cinco anos. Assim, o livro nasce de um espanto. «Mudanças fundamentais que noutros países europeus se realizaram ao longo de meio século ou mais foram comprimidas em pouco mais de duas décadas » (ibid.). Este espanto, só por si, vale como um contributo precioso entre nós. Quem viveu a mudança e lhe suportou os custos tem tendência para menosprezar as realizações e empolar as ameaças. Olhar pelos olhos de outros traz assim um novo prisma que, neste caso, é mesmo muito informativo.

O primeiro capítulo de síntese e enquadramento, da autoria do editor professor Stephen Syrett, é o único de natureza global, colocando os termos da questão de forma clara e sólida. Bem documentado, o capítulo traça um quadro breve das realizações e perspectivas do último quarto de século português. Ao lê-lo, nota-se logo um dos melhores aspectos do livro, a ausência dos habituais preconceitos que os analistas nacionais incluem sempre nas suas análises.

Nem sempre esses velhos preconceitos portugueses estão ausentes, até porque os vários autores procuram citar estudos, especialistas e até notícias de jornais portugueses. Mas sente-se um esforço de objectividade e um olhar novo e rigoroso que tantas vezes falta em textos demasiado envolvidos. Esta atitude tem também o seu reverso. Existe frequentemente um claro menosprezo pela realidade nacional anterior às mudanças recentes. Portugal é visto como um país miserável e lateral, que só recentemente acordou para o progresso.

O grande interesse deste volume está, sem dúvida, na elevada exigência analítica que presidiu à sua concepção. Sem ligar a ideias feitas ou impressões vagas, como tantas vezes acontece entre nós, a maioria das reflexões parte de dados objectivos, estatísticas fiáveis e factos concretos. Este juízo, válido para todo o livro, tem maior justeza em algumas partes e deve ser relativizado noutras. Os capítulos sobre desenvolvimento regional (cap. 3), também de Stephen Syrett, sobre turismo, de Allan Williams (cap. 4), e migração, de Martin Eaton (cap. 5), são aqueles em que se sente mais esta exigência; nos trabalhos sobre a história da integração europeia, de David Corkill (cap. 2), e os meios de comunicação social, de Helena Sousa (cap. 6), é onde isso é menos visível.

O livro, depois da introdução e enquadramento (cap. 1), segue com um estudo da história da integração portuguesa na economia no pós-guerra (cap. 2). Embora comece por dizer que «é errado desprezar o Portugal pré-1960 como simplesmente ‘periférico’, ‘subdesenvolvido’ e ‘dependente’» (p. 25), é isso precisamente que o texto faz. Começando a análise na adesão à EFTA, em 1959, esquece a participação no Plano Marshal, na OECE e outras instituições prévias. Assim, o passo decisivo de 1959 fica inexplicado. O estudo das quatro fases em que divide o período posterior, até à plena integração na CEE, é objectivo e informativo, embora mais no campo europeu.

Os restantes capítulos são temáticos, tratando de algumas «dimensões da mudança económica e política», como avisa o título. As dimensões escolhidas são o desenvolvimento regional (cap. 3), o turismo (4), as migrações (5), a liberalização dos media e telecomunicações (6), o ambiente (7) e a mudança do sistema político a nível nacional (8) e local (9). O volume termina com uma breve avaliação das perspectivas para o século XXI pelo professor David Corkill (10).

A qualidade das análise realizadas é sempre elevada, fornecendo descrições sólidas e perspicazes desses temas. Em alguns casos, como no já referido capítulo sobre desenvolvimento regional (cap. 3) e sobre ambiente, do professor Carlos Pereira da Silva (cap. 7), o nível do estudo é mesmo superior. Mas também nos outros temas a qualidade média é muito elevada, ficando-se com um quadro bem delineado e informativo sobre a realidade portuguesa que é difícil encontrar entre nós.

O livro tem também alguns pontos fracos. Se o tratamento do processo de liberalização da comunicação social é muito relevante e está bem analisado no capítulo 6, de Helena Sousa, é um pouco estranho vê-lo combinado com a liberalização das telecomunicações. É também pena que o excelente capítulo sobre mobilidade do trabalho (cap. 5) seja forçado a terminar a sua análise estatística em 1997, perdendo de vista o recente fenómeno da imigração do Leste da Europa, que o texto refere, mas não analisa.

Mas a falha mais grave é a completa ausência de tratamento dos problemas da educação, saúde, justiça e outros sectores sociais, que o capítulo 1 identifica como centrais e carentes. Isto é grave se comparado com a larga atenção dada aos aspectos político-institucionais, com dois excelentes textos sobre poder central (cap. 8, de Richard Robinson) e local (cap. 9, de Carlos Nunes Silva). É também imperdoável o erro de nomear o sucessor de Cavaco Silva à frente do PSD como «Franco Nogueira» (p. 193).

O texto final, dirigido às perspectivas, faz um balanco dos «desafios da maturidade», do «desafio europeu » e dos «desafios estruturais». É um texto sóbrio, sério e equilibrado de David Corkill, uma forma excelente de terminar este livro válido e informativo sobre o notável processo recente da sociedade portuguesa.

João César das Neves

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