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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.177 Lisboa out. 2005

 

Stewart Lloyd-Jones e António Costa Pinto (eds.), The Last Empire: thirty years of Portuguese decolonisation, Bristol, RU, e Portland, EUA, Intellect Books, 2003, 156 páginas.

Patrick Chabal

 

O presente volume inclui algumas das comunicações apresentadas durante uma conferência sobre a descolonização portuguesa realizada na Escócia em Setembro de 2000, na qual participei também. O encontro procurou reunir especialistas que ti vessem estudado o fim do império português, tanto do ponto de vista da metrópole como da perspectiva das colónias, de forma a lançar nova luz sobre a transição de Portugal para a democracia. Como pude observar, esta iniciativa revelou-se uma base muito fértil para um diálogo entre investigadores de diferentes linhas, mas unidos pela vontade de compreenderem melhor um processo de descolonização que foi, ao mesmo tempo, extremamente prolongado e diabolicamente complexo. Há, pois, que saudar a publicação deste volume, que constitui mais um contributo para a emergente literatura sobre a história contemporânea de Portugal.

O livro divide-se em quatro partes, respectivamente intituladas «Portugal, as colónias e a revolução de 1974», «Estudos de caso», «Portugal e os PALOPs» e, por último, «Testemunhos». Esta divisão, cronologicamente coerente e tematicamente clara, funciona como um quadro geral no qual se situa uma oportuna discussão sobre a génese, a natureza e as consequências da descolonização portuguesa. Contudo, são as duas primeiras destas quatro secções que se revelam as mais úteis para os estudiosos do final do império português.

A parte I inclui dois capítulos, o primeiro da autoria de Richard Robinson e o segundo de António Costa Pinto. Estes dois artigos constituem um conjunto equilibrado, já que o primeiro incide no impacto das questões ultramarinas sobre a transição para a democracia que se seguiu ao 25 de Abril de 1974 e o segundo analisa as complexidades da transferência de poder para os nacionalistas que se verificou durante esse mesmo período. Robinson defende, com razoabilidade, que os factores ultramarinos tiveram sempre uma grande influência na política portuguesa. Assim, não nos surpreende que, como nos mostra o autor, as guerras de África tenham exercido um forte impacto sobre as forças armadas portuguesas, que acabariam por decidir-se pela deposição de um regime já praticamente moribundo. Contudo, Robinson tem razão ao afirmar que entre Abril de 1974 e Abril de 1976 os caprichos da política portuguesa foram cada vez mais determinados por factores de natureza interna — entre os quais se destaca o confronto entre forças «revolucionárias» e «democráticas». O capítulo deste autor constitui uma síntese analítica clara do período em questão.

Costa Pinto, por seu turno, oferece-nos um relato coerente da verdadeira mecânica política do processo de descolonização nos cinco territórios africanos de Portugal. O autor deve ser louvado pela muito clara exposição das complexidades do caso angolano. Contudo, a sua conclusão, baseada em sondagens de opinião, de que os portugueses não parecem ter experimentado qualquer crise de identidade séria em resultado da perda do império (p. 34) é questionável. Talvez seja ainda demasiado cedo para responder a esta questão. Seja como for, a questão da «identidade» portuguesa continua a ser tão pertinente hoje como o era há vinte e cinco anos, como pode ser atestado por uma reavaliação actual da perda do império.

A parte II apresenta uma análise pormenorizada da descolonização num país africano particular (São Tomé e Príncipe) e nos territórios de Portugal no continente asiático (Macau, Timor e a Índia portuguesa). O capítulo de Malyn Newitt constitui uma análise não apenas da transferência de poder em São Tomé e Príncipe, como também das consequências do poder colonial para a evolução pós-colonial deste Estado insular. Newitt, autor de uma das poucas monografias sobre São Tomé e Príncipe, socorre-se dos seus profundos conhecimentos históricos para lançar luz sobre a desencorajante trajectória desta antiga colónia portuguesa. É muito provável que a sua descrição resista ao teste do tempo.

O resumo de Arnaldo Gonçalves sobre o final do império português no Oriente aborda com algum aprumo uma questão mais enredada. Se bem que forneça uma descrição factual sumária muito útil da descolonização destas «parcelas» do império asiático português, o estudo de Gonçalves peca, ainda assim, por uma abordagem algo normativa — como se fosse necessário «justificar» aquilo que aconteceu. Além disso, o artigo simplifica as intrincadas lutas políticas que tiveram lugar em Portugal após o 25 de Abril de 1974 (v. p. 54).

A parte III compreende três capítulos, dois dos quais dedicados à CPLP e um terceiro sobre os imigrantes africanos em Portugal. A descrição de Luís António Santos da criação da comunidade lusófona constitui uma útil introdução a um processo que foi simultaneamente convoluto e contencioso, já que envolvia profundas divisões sobre tópicos fundamentais, como as percepções e a ideologia coloniais, os interesses nacionais e as questões de autopercepção. Santos afirma acertadamente que a CPLP criou expectativas muito acima do que poderia efectivamente concretizar, tendo em conta a escassez de fundos de que dispunha. De facto, não é ainda certo que esta instituição venha a alcançar grande coisa no futuro, para além da criação de um vago «factor de bem-estar».

Michel Cahen, que tem escrito extensivamente sobre a CPLP, explora as origens e utilizações desta idealização lusófona do ponto de vista dos países africanos. Detentor de ideias seguras, Cahen não se furta a exprimir opiniões firmes. A sua avaliação é, no conjunto, sólida, ainda que possa ter exagerado o papel das diferenças «ideológicas» em questões de conflitos de interesses. A sua conclusão é pertinente: «Enquanto agrupamento geopolítico, a `África lusófona' não existe verdadeiramente. Contudo, não nos iludamos, há muitas coisas que só existem na imaginação e que ainda assim são faladas durante mil anos» (p. 96).

Martin Eaton assina um artigo bem informado e analiticamente arguto sobre os imigrantes provenientes da África lusófona. Dando mostras de uma louvável familiaridade com as fontes estatísticas existentes, o autor fornece-nos uma imagem muito nítida da mudança dos padrões da imigração, bem como do lugar que estes imigrantes das antigas colónias africanas ocupam na sociedade portuguesa. A análise de Eaton confirma a importância da mão-de-obra não qualificada oriunda destes países africanos, embora refira que o número de profissionais africanos que actualmente encontram emprego em Portugal é cada vez mais elevado.

A parte IV é composta por dois diferentes tipos de «testemunhos» históricos. O primeiro é um documento apresentado por Douglas Wheeler ao Ministério dos Negócios Estrangeiros dos Estados Unidos algumas semanas antes do 25 de Abril de 1974. Neste documento, Wheeler analisa os cenários possíveis relativamente à futura evolução do império africano português — o que se reveste de interesse, por duas razões distintas: por um lado, oferece-nos uma ideia geral sobre o contexto no qual teve lugar tal discussão e, por outro, constitui a confirmação de que, por essa altura, o fim do poder colonial português estava já claramente à vista.

O segundo «testemunho» é um texto reflexivo de um conhecido jornalista português, António de Figueiredo, sobre o fim do império colonial de Portugal. A publicação deste artigo, que é em parte um relato autobiográfico e em parte um ensaio analítico, constitui uma homenagem a um homem que conheceu o colonialismo em primeira mão e que, perseguido pela polícia secreta devido ao seu apoio ao general Delgado, decidiu estabelecer-se na Grã-Bretanha para melhor desenvolver a sua «campanha» contra o regime de Salazar e Caetano. Para além do testemunho em primeira mão, o que mais nos impressiona neste texto são as constantes interrogações de um homem que se debateu com as contradições da «identidade» portuguesa. É muito provável que os historiadores futuros venham a reexaminar este documento com interesse.

O mérito do presente volume é ter submetido a discussão da descolonização a uma série de abordagens diferentes — analítica, histórica e geográfica. O desenvolvimento de contributos especializados para a reavaliação global de um fenómeno demasiado amplo para ser abrangido numa única revisão é, pois, muito oportuno. Haverá, sem dúvida, muitas futuras revisões das imagens que formámos a propósito do fim do império — que foi, simultaneamente, uma transição para a democracia em Portugal e para a independência na África e na Ásia. Contudo, The Last Empire apresenta os defeitos próprios das actas de conferências: a ausência de um foco analítico e a pouca unidade do livro no seu todo. Neste caso particular, tais defeitos não diminuem o valor do livro, mas podem enfraquecer o seu impacto futuro sobre os estudos históricos.

Além disso, é algo surpreendente que os autores não estabeleçam um diálogo mais enérgico com aquela que é, até à data, a obra mais convincente sobre o processo da descolonização portuguesa — The Decolonization of Portuguese Africa: metropolitan revolution and the dissolution of empire (Londres, Longman, 1997), de Norrie MacQueen —, uma omissão flagrante, tanto mais que a autora não só participou na conferência, como foi também uma das organizadoras da mesma. Este diálogo poderia ter sido realizado de duas maneiras. Em primeiro lugar, os editores poderiam ter pedido aos autores uma resposta à interpretação de MacQueen, quanto mais não fosse para garantirem uma discussão adequada. Em segundo lugar, deviam ter providenciado uma introdução que sumariasse as perspectivas existentes e delineasse os seus principais argumentos — relacionando-os, caso necessário, com as perspectivas e argumentos do livro de MacQueen.

Como já defendi num outro texto, verifica-se na historiografia contemporânea do Portugal moderno uma tendência para confinar a análise à perspectiva lusófona, ou seja, para o estudo do final do império dentro de uma perspectiva estritamente portuguesa ou da África lusófona. Tendo em conta a necessidade de aprofundar o nosso conhecimento sobre este período, é compreensível que os estudiosos tenham procedido desta forma até ao momento. Contudo, torna-se cada vez mais evidente que a ausência de uma perspectiva comparativa está a dificultar o nosso entendimento da descolonização portuguesa, bem como dos acontecimentos pós-coloniais que se verificaram nos PALOPs. O presente livro, à semelhança de muitos outros de temáticas afins, teria beneficiado grandemente de uma abordagem ao estudo da descolonização portuguesa inserido no quadro da história do colapso de outros impérios coloniais. Trinta anos após o fim das guerras coloniais, já vai sendo tempo para que os historiadores de Portugal reformulem as suas questões dentro de uma perspectiva comparativa europeia mais sólida. Só desta forma serão capazes de fortalecer o seu programa de investigação e de proporcionar uma interpretação mais esclarecedora dos acontecimentos que se seguiram ao 25 de Abril de 1974. O império africano português pode ter sido singular, mas o processo pelo qual alcançou o seu fim apresenta muitos mais aspectos em comum com os processos francês e britânico do que a actual historiografia portuguesa parece disposta a admitir. A convicção de que o «destino» africano de Portugal foi único pode constituir uma indicação de que a «crise» da descolonização não foi ainda plenamente integrada nas considerações actuais sobre a identidade da nação.

 

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