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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.182 Lisboa jan. 2007

 

Portugal e Espanha em 1856: a díspar evolução política do liberalismo peninsular

 

Ignacio Chato Gonzalo*

 

1856 supõe um importante ponto de inflexão no desenvolvimento do liberalismo peninsular. Enquanto em Portugal se assiste, nesta conjuntura, à primeira alternância ministerial com a formação do primeiro governo do duque de Loulé — o que implicará a consolidação da Regeneração —, em Espanha é o ano do abandono do biénio progresista, uma tentativa mal sucedida de promoção do parlamentarismo e do constitucionalismo, e de retirar dinâmica política às tentativas revolucionárias e levantamentos militares.

Palavras-chave: duque de Loulé 1856; liberalismo; Regeneração.

 

Portugal et Espagne, 1856: une inégale évolution politique du libéralisme péninsulaire

1856 suppose un point d'inflexion important dans le développement du libéralisme péninsulaire. Alors que le Portugal assiste, dans cette conjoncture, à la première alternance ministérielle avec la formation du premier gouvernement du duc de Loulé — ce qui impliquera la consolidation de la Régénération —, en Espagne c'est l'année de l'abandon du biénio progresista, une tentative échouée de promouvoir le parlementarisme et le constitutionnalisme, et destinée à enlever de la dynamique politique aux tentatives révolutionnaires et aux soulèvements militaires.

Mots clés: duc de Loulé 1856; libéralisme; Régénération.

 

Portugal and Spain in 1856: the unequal political development of peninsular liberalism

1856 is a significant turning-point in the development of peninsular liberalism. While the first ministerial rotation was taking place at this time in Portugal, with the formation of the duque de Loulé's first government — which was to consolidate the Regeneração —, in Spain this was the year when the biénio progresista was abandoned. This was an unsuccessful attempt to encourage parliamentarian government and constitutionalism, and to take the political momentum out of attempts at revolution and military revolts.

Keywords: duque de Loulé 1856; liberalism; Regeneração.

 

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1 Encontramos uma das primeiras aproximações ao paralelismo dos regimes espanhol e português durante o biénio progressista no epílogo de Nelson Durán, La Unión Liberal y la modernización de la España isabelina. Una convivencia frustrada. 1854-1868, Madrid, Akal, 1979, p. 345.        [ Links ]

2 Ignacio Chato Gonzalo, Las relaciones entre España y Portugal a través de la diplomacia (1846-1910), Mérida, Gabinete de Iniciativas Tranfronterizas-Junta de Extremadura, 2004, t. i, pp. 178-198.

3 Despacho do ministro de Espanha em Lisboa, Fernando Corradi, ao ministro de Estado, 5 de Abril de 1856, arquivo do Ministério de Assuntos Exteriores (AMAE), maço H-1690.

4 O ministro plenipotenciário espanhol chegava, inclusivamente, a falar de uma coligação da oposição no parlamento formada por miguelistas, cabralistas e progressistas, que encontrava igualmente expressão na imprensa. (despacho de 16 de Abril de 1856, ibid.).

5 Seguimos aqui a avaliação que Maria de Fátima faz da Regeneração (Maria de Fátima Bonifácio, Apologia da História Política. Estudos sobre o Século XIX Português, Lisboa, Quetzal Editores, 1999, pp. 182-207).

6 As considerações de Pedro V sobre a situação provocada por Saldanha podem ser acompanhadas na correspondência privada que este manteve com o seu tio, o príncipe (v. as cartas de 28 de Maio e 18 de Junho de 1856; Maria Filomena Mónica, Correspondência entre D. Pedro V e seu Tio, o Príncipe Alberto, Lisboa, Quetzal Editores, 2000, pp. 114-124).

7 Despacho de 3 de Junho de 1856, maço H-1690.

8 Despacho de 16 de Abril de 1856, ibid. Em relação à conflitualidade reinante em 1856 e à divisão existente entre os progressistas, v. G. Kiernan, La revolución de 1854 en España, Madrid, Aguilar, 1970, pp. 205-216 e 231-245.

9 Real ordem de 7 de Junho de 1856, ibid.

10 Despacho de 8 de Junho de 1856, ibid.

11 Ibid; despacho de 12 de Junho de 1856, AMAE, maço H-2630.

12 V. o capítulo «A republicanização da monarquia (1858-1862)», in Maria de Fátima Bonifácio (1999), pp. 240-362.

13 Despacho de 10 de Maio de 1856, AMAE, maço H-2630.

14 Fernando Garrido, Historia del reinado del último Borbón, vol. iii, pp. 285-302; Juan Valera, Historia general de España (por Modesto Lafuente), t. xxiii, pp. 221-230.

15 Marquês de Miraflores, Historia del reinado de Isabel II, Memorias del reinado de Isabel II, «Biblioteca de Autores Españoles», Madrid, Atlas, 1964, t. iii, pp. 180-186.

16 Os próprios unionistas foram significativamente beneficiados pelo processo desamortizador iniciado pelos progressistas e não estavam dispostos, apesar da oposição demonstrada pela coroa, a paralisá-lo [Francesc Martínez Gallego, Conservar progresando: la Unión Liberal (1856-1868), Valência, Centro Francisco Tomás y Valiente UNED, 2001, pp. 19-20].

17 O novo governo revogou a acta adicional decretada pelo anterior ministério de O'Donnell, paralisou a política desamortizadora e restabeleceu a plena vigência da Concordata de 1851 (marquês de Miraflores, op. cit., pp. 175-176).

18 Com o regresso dos moderados ao poder, Fernando Corradi foi substituído à frente da legação espanhola em Lisboa por Juan Bautista de Sandoval, que exerceu a chefia interinamente até à nomeação de Luis López de la Torre Ayllón.

19 O cônsul-geral de Espanha em Lisboa informava da responsabilidade que o próprio governo tivera, desde o seu início, nestes motins devido à falta de energia demonstrada e à indisciplina do exército (despacho do cônsul-geral de Espanha em Lisboa, 11 de Agosto de 1856, AMAE, maço H-2630).

20 O ministro de Espanha em Lisboa avisava que no regimento acantonado em Belém se tinha produzido uma preocupante insubordinação. A opinião pública alarmava-se perante a possibilidade de que esta situação viesse a repetir-se noutros quartéis da capital (despacho de 14 de Agosto de 1856, AMAE, maço H-2630).

21 Despacho de 11 de Agosto de 1856, ibid.

22 Despacho de 20 de Agosto de 1856, ibid.

23 V., a este respeito, Bonifácio (2001), pp. 991-992.

24 V., a este respeito, Vasco Pulido Valente, Os Militares e a Política (1820-1856), Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1997, pp. 53-58.

25 Chato Gonzalo (2004), t. i, pp. 31-100. As tentativas do gabinete espanhol para conseguir o beneplácito internacional para uma nova intervenção militar em Portugal prolongaram-se pelo Verão de 1851. A negativa da Inglaterra, contrária a uma nova ingerência espanhola, e a própria evolução dos acontecimentos desbarataram esta tentativa.

26 Despacho de 14 de Agosto de 1856, AMAE, maço H-2630.

27 Ofício do representante de Portugal em Lisboa, 12 de Outubro de 1856, para o ministro dos Negócios Estrangeiros, archivo del Ministerio de Negocios Extranjeros (AMNE), delegação de Madrid, caixa n.º 114.

28 Ofício de 30 de Maio de 1857, AMNE, caixa n.º 115.

29 Despacho de 17 de Fevereiro de 1857, AMAE, maço H-1691.

30 Despacho de 16 de Março de 1857, AMAE, Portugal, maço H-1691.

31 Real ordem de 13 de Abril de 1857, ibid.

32 Despacho de 16 de Maio de 1857, AMAE, maço H-1691. O ministro de Estado instruía Ayllón a que conseguisse de Loulé o confinamento dos exilados aos Açores (real ordem de 30 de Maio de 1857, ibid).

33 Despacho de 13 de Julho de 1857, AMAE, maço H-2631. Encontra-se uma breve descrição das ocorrências do levantamento andaluz e o seu significado na evolução do partido democrata em Demetrio Castro Alfín, «Unidos en la adversidad, unidos en la discordia: el partido demócrata, 1849-1868», in Nigel Townson (ed.), El republicanismo en España (1830--1977), Madrid, Alianza Editorial, 1994, pp. 70-71.

34 Em finais do mês de Julho, o marquês de Pidal solicitava a Pinto de Soveral que se cumprisse a promessa feita semanas antes pelo próprio Loulé (ofício de 1 de Agosto de 1857, AMNE, caixa nº 115). Soveral defendia perante o seu governo a necessidade de cumprir a petição espanhola, receando que os republicanos espanhóis pudessem criar discípulos perigosos em Portugal e, sobretudo, prevenindo possíveis conflitos decorrentes com o governo do país vizinho (ofício de 16 de Junho de 1857, ibid.).

35 Real ordem de 6 de Agosto de 1857, AMAE, maço H-1691.

36 Ibid. O plenipotenciário espanhol comentava que nem sequer Ávila e Bento prestariam o seu apoio a uma medida contra a permanência dos exilados espanhóis em Lisboa.

37 Despacho de 11 de Agosto de 1857, ibid.

38 Ibid. O representante espanhol citava, a título de exemplo, os sucessos ocorridos a 5 de Agosto no Forte de São Julião.

39 Despacho de 8 de Junho de 1857, AMAE, maço H-1691.

40 Quanto à ideia do sistema político regenerador como fruto de um clima de consenso entre os partidos, v. José Miguel Sardica, A Regeneração sob o Signo do Consenso. A Política e os Políticos entre 1851-1861, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, 2001.

41 Este argumento seria já assinalado em Nelson Durán de La Rúa, op. cit., pp. 343-347.

42 Reconhecendo à coroa um certo espaço de acção autónomo e determinante, e inclusivamente a sua responsabilidade por manter uma linha de conduta parcial e reprovável, seguimos aqui a interpretação que considera a monarquia de Isabel II um instrumento nas mãos de determinados grupos de poder e, muito especialmente, dos moderados (v., a este respeito, Isabel Burdiel, Isabel II. No se puede reinar inocentemente, Madrid, Espasa, 2004, e «La consolidación del liberalismo y el punto de fuga de la monarquía», in Manuel Suárez Cortina (ed.), Las máscaras de la libertad, Madrid, Fundación Práxedes Mateo Sagasta-Marcial Pons, 2003, pp. 101-133, Francesc Martínez Gallego, «Isabel II y os políticos en camisa», in Juan Sisinio Pérez Garzón, Los espejos de la Reina, Madrid, Marcial Pons, 2004, pp. 37-60, e Antonio Morales Moya, «Isabel II y el régimen político liberal», ibid., pp. 63-74). Podemos considerar algo parecido a respeito de Maria II, que desde a restauração da Carta de 1843, se manteve sob a influência do moderantismo português, especialmente daquele que veio a ser considerado o seu «valido», Costa Cabral (v., a esse respeito, Maria de Fátima Bonifácio, Maria II, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005, pp. 133-152).

De igual modo, o exército, apesar de representar certos interesses corporativos, não deixou de constituir uma força instrumental com fins e interesses políticos e partidários. Deste ponto de vista, deveria antes falar-se da politização do exército do que da militarização da política. Entre a bibliografia clássica sobre esta questão e, em especial, da que tratou mais especificamente do século xix, v. José Cepeda Gómez, El ejército en la política española (1787-1843), Madrid, Fundación Universitaria Española, 1990, pp. 17-18 e 372-374, Daniel R. Headrick, Ejército política en España (1866-1898), Madrid, Editorial Tecnos, 1981, pp. 134--135, e E. Christiansen, Los orígenes del poder militar en España, 1800-1854, Madrid, Aguilar, 1974, pp. 155-156. Em relação a Portugal, v. Vasco Pulido Valente, Os Militares e a Política (1820-1856), cit.

43 Seguimos aqui a tese exposta em Maria de Fátima Bonifácio, A Segunda Ascensão e Queda de Costa Cabral, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, 2002, pp. 245-271 e 287-290.

44 Quanto à posição dos dirigentes setembristas durante a Patuleia, v. Maria Fátima Bonifácio, História da Guerra Civil da Patuleia, 1846-1847, Lisboa, Editorial Estampa, 1993.

45 Maria de Fátima Bonifácio, Apologia da História Política, pp. 182-191.

46 Luis López de la Torre Aylón, depois de reconhecer o trabalho desempenhado pelo rei regente Dom Fernando no triunfo da Regeneração, sublinhava o papel desempenhado por Saldanha na «dissolução» dos partidos (despacho de 8 de Junho de 1857, AMAE, maço H-1691).

47 Um resumo dos diversos axiomas do moderantismo resultantes da conjuntura de 1848, com predomínio da «alternativa autoritária», em Pedro Carlos González Cuevas, Historia de las derechas españolas. De la Ilustración a nuestros días, Madrid, Biblioteca Nueva, 2000, pp. 115-124; v. também a síntese de Jorge Vilches, «El liberalismo político en tiempos de Isabel II», in Carlos Dardé Morales (dir.), Liberalismo y romanticismo en tiempos de Isabel II, Madrid, Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales-Patrimonio Nacional, 2004, pp. 122-129

48 A respeito da escassa — ou nula — vontade demonstrada pelo partido moderado em permitir o acesso legal dos progressistas ao poder, v. Fidel Gómez Ochoa, «Pero, ¿hubo alguna vez once mil vírgenes? El partido moderado y la conciliación liberal, 1833-1868», in Manuel Suárez Cortina (ed.), Las máscaras de la libertad, pp. 135-168. Esta tese contradiz as considerações de Seco Serrano, que tenta justificar a existência de uma posição conciliadora dentro do moderantismo, auspiciada, inclusivamente, pelo próprio Narváez (Carlos Seco Serrano, Historia del conservadurismo español. Una línea política integradora en el siglo XIX, Madrid, Temas de Hoy, 2000, pp. 10-11 e 108-110).

49 Carlos Dardé aponta um fenómeno que afectou, paralelamente, tanto o partido moderado como o progressista, «a lei do suicídio dos partidos no poder», que os impediu de resolver com êxito as tentativas de criar um sistema estável de partidos (Carlos Dardé, «Los partidos y la vida política, 1854-1868: la `escabrosa alternativa' de moderados, progressistas y unionistas», in Liberalismo y romanticismo en os tiempos de Isabel II, pp. 103-119).

50 Em relação ao papel das Constituintes e ao resultado político desse papel, v. Diego Sevilla Andrés, La revolución de 1854, Valência, Anales de la Universidad de Valencia, 1960, pp. 168-196.

51 V. a difícil situação dos progressistas após o biénio e a sua responsabilidade na desestabilização do regime liberal devido à estratégia posta em prática de vitimização e do «tudo ou nada» dos puritanos — com Olózaga à cabeça — em Jorge Vilches, Progreso y libertad. El partido progresista en la revolución liberal española, Madrid, Alianza, 2001, pp. 53-77.

52 Quanto à participação dos progressistas na facção insurreccional dos democratas e à tendência filoprogressista destes, v. Antonio Eiras RoeL, El partido demócrata español, Pamplona, Estudio General de Navarra, Pamplona, 1961, pp. 230-237.

53 A existência independente do partido democrata, separado do progressista, tem lugar na conjuntura de 1848 (Antonio Eiras Roel, ibid., pp. 157-193; Demetrio Castro Alfín, op. cit., pp. 59-67).

 

Tradução de Diogo Costa

 

* Instituto de educação Secundária «Jaranda», de Jarandilla de la Vera, Cáceres.

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