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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.183 Lisboa abr. 2007

 

Introdução

 

As novas tendências demográficas — baixa fecundidade, aumento da longevidade, envelhecimento demográfico e aumento da imigração — que se afirmaram ao longo dos últimos anos têm vindo a constituir-se como novos problemas que desafiam a sociedade e todos quantos reflectem e agem sobre o mundo em que vivemos. A importância e as repercussões destas novas tendências explicam, por outro lado, em grande parte os progressos da investigação demográfica e o aumento do interesse pela demografia em Portugal.

Até aos anos 70, os estudos demográficos em Portugal eram quase exclusivamente produzidos pelos investigadores ligados ao Centro de Estudos Demográficos do INE e publicados na revista do Centro, fundada em 1945. Este monopólio do INE esbate-se quando algumas universidades começaram a integrar a disciplina de demografia nos curricula de cursos de licenciatura na área das ciências sociais e criaram cursos de mestrado em Demografia. Em resultado desta abertura do meio universitário à demografia, desenvolvem-se novas linhas de investigação, em particular a de J. Manuel Nazareth, da Universidade Nova de Lisboa, sobre o envelhecimento demográfico, e a de Norberta Amorim, da Universidade do Minho, sobre as populações do passado. Nos anos 80, os trabalhos de Jorge Carvalho Arroteia, da Universidade de Aveiro, apresentam uma perspectiva geo-demográfica da população portuguesa.

Nos últimos anos, a produção científica na área da demografia aumentou substancialmente, como comprova a pesquisa bibliográfica de Isabel Baptista apresentada neste número temático. Os dois congressos de demografia realizados, com larga participação de demógrafos, em 2000 e em 2004 e a fundação em 2000 da Associação Portuguesa de Demografia mostram, por outro lado, um efectivo aumento do número de investigadores, com a chegada de novas gerações e a diversificação dos centros de interesse e de áreas temáticas. A demografia histórica, que se tem desenvolvido de maneira notável, tende, no entanto, a constituir-se como um domínio de investigação, como uma disciplina à parte, o que prejudica o diálogo científico e a extensão e unificação dos territórios demográficos.

Este número temático da Análise Social dedicado à demografia não pretende ser representativo nem quanto aos temas que ocupam actualmente a investigação demográfica em Portugal, nem quanto às diferentes escolas ou grupos de investigação existentes. Houve, sobretudo, uma certa preocupação quanto à diversidade dos temas, conjugando, dentro do possível, essa diversidade com a qualidade do contributo científico e o interesse social das questões abordadas.

Questões relativas ao estudo da mortalidade são abordadas nos dois primeiros artigos.

Partindo da distinção entre as causas «naturais» e remotas da mortalidade e as causas que decorrem de atitudes e comportamentos voluntários que «perturbam cada vez mais os modelos» teóricos da mortalidade definidos por vários autores, Mário F. Lages analisa as transformações da mortalidade iniciadas em Portugal na década de 1960. Utilizando dados estatísticos relativos aos períodos centrados nos últimos cinco recenseamentos (1960/61, 1970/71, 1980/81, 1990/91 e 2000/01), esta análise compara a evolução das mortalidades masculina e feminina e verifica, como principal conclusão, um aumento dos riscos de mortalidade masculina nas idades jovens, o qual está correlacionados com o aumento de acidentes de viação que vitimam jovens do sexo masculino.

Ana Alexandre Fernandes, no seguimento, que me parece lógico, dos seus trabalhos sobre as questões do envelhecimento demográfico, consagra agora a sua atenção à mortalidade e ao aumento da longevidade. O seu artigo apresenta um inventário comparativo dos progressos em matéria de sobrevivência conseguidos nas últimas décadas nos países da UE-15 e em Portugal. Em alguns desses países chegámos a «uma fase do crescimento da esperança de vida que estará próximo de um limiar difícil de superar». Mas os riscos de mortalidade permanecem desiguais e a autora passa em revista os principais indicadores de mortalidade diferencial (segundo a idade, sexo e estado civil). São ainda abordados alguns factores que condicionam a saúde, tais como a educação e avaliação subjectiva de saúde e a adopção de comportamentos saudáveis.

Os três artigos seguintes têm em comum a referência às questões da transição demográfica.

João Peixoto, que tem dedicado a sua actividade ao estudo das migrações, parte da teoria da transição demográfica para introduzir a hipótese da existência de regimes migratórios e de transições migratórias, questionando-se se haverá ou não uma relação entre a transição demográfica clássica e a evolução das migrações. Inspirando-se na teoria da transição de mobilidade de Zelinsky e analisando a evolução da emigração e da imigração em Portugal, o autor formula a hipótese de Portugal ser «um lugar original à escala europeia», ou seja, ao mesmo tempo receptor e emissor de migrantes. Quanto ao futuro, desenha alguns cenários possíveis, desde um cenário em que, sendo a emigração portuguesa actual maioritariamente temporária, Portugal será principalmente um país de imigrantes. Mas admite que possa haver inversões deste cenário se se perspectivar em Portugal um agravamento das pressões à emigração, motivado pela deterioração das condições de vida, e um abrandamento dos fluxos de entrada, provocado principalmente pelo desvio da imigração para os novos países que recentemente passaram a integrar a União Europeia.

Isabel Tiago de Oliveira, adoptando uma perspectiva crítica em relação à teoria clássica da transição demográfica, examina a evolução da fecundidade legítima em Portugal através de modelos econométricos explicativos dos processos regionais do seu declínio. Inspirada nas teorias de Davis e de Friedlander, a autora procura medir a influência das restrições à nupcialidade e da emigração no diferimento da adopção de práticas contraceptivas pelos casais, confrontando o que designa por primeira transição da fecundidade (1925-1965) com o período de pré-transição (1911-1925).

A teoria da transição demográfica é utilizada por Sónia Cardoso na sua análise da fecundidade de uma população que se encontra ainda maioritariamente no estádio que Notestein designou de elevado potencial de crescimento: a população de Moçambique. A autora socorre-se sobretudo da teoria de Caldwell, formulada a partir de investigações sobre populações africanas, acerca da inversão dos fluxos intergeracionais de riqueza e examina a relação entre nupcialidade, iniciação sexual e fecundidade. Desta investigação resultam extensos resultados expressos em indicadores demográficos, os quais, conjugados com referências interpretativas acerca dos comportamentos próprios de uma sociedade africana no início do seu processo de modernização, permitem identificar as clivagens entre um modelo familiar tradicional, maioritário, e um modelo inovador, aberto a formas e práticas próprias da transição demográfica, ou seja, da modernização. Ao mesmo tempo, este estudo abre uma nova linha de investigação sobre a demografia africana, a qual se espera venha a ser desenvolvida no futuro com novos trabalhos, se possível, em parceria com demógrafos africanos de língua portuguesa.

Na minha contribuição para este número temático optei por deslocar a análise demográfica para o estudo dos fenómenos escolares. Tendo em conta que o ensino e a educação têm uma importância crescente e que, infelizmente, nem sempre têm sido adoptadas as soluções mais racionais e eficazes na gestão e funcionamento do sistema de ensino, fácil é constatar a necessidade de se desenvolverem estudos de demografia escolar que contribuam para um conhecimento mais exacto das realidades escolares. No meu artigo defendo a prioridade da análise longitudinal no estudo da escolarização e da escolaridade e apresento um exemplo de reconstituição da escolarização da geração de 1981 e da escolaridade da promoção de alunos matriculados em 1993-1994 no 7.º ano.

Um número temático sobre demografia ficaria incompleto sem um balanço bibliográfico da produção científica. Esse inventário foi objecto de uma extensa pesquisa realizada por Maria Isabel Rodrigues Baptista, que apresenta os resultados obtidos num texto-síntese que aborda principalmente os primórdios da investigação demográfica em Portugal.

 

Mário Leston Bandeira

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