SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número185«Partilhamos tudo o que podemos»: a dualização do corpo recluso nos romances através das gradesSoldados, gorilas, diplomatas e outros literatos índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.185 Lisboa  2007

 

José Miguel Sardica*

 

Flaubert ensina mais do que Marx

 

Maria de Fátima Bonifácio, Estudos de História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, Abril de 2007, 359 páginas.

O mais recente livro de Maria de Fátima Bonifácio — o décimo de uma vasta obra de serviço à causa da historiografia, muito particularmente na área do oitocentismo português1 — é uma colectânea de estudos vários, que reúne uma dúzia de trabalhos, onze dos quais editados entre 1993 (o mais antigo) e 2006 (o mais recente) em diversas publicações académicas, e um inédito, presumivelmente resultante de investigação em curso. A própria autora explica, na nota de apresentação do volume, a lógica que permite internamente agrupá-los em três núcleos: um primeiro, com seis estudos históricos de diferentes temáticas, incluindo um sobre a historiografia do Estado Novo; um segundo, com três trabalhos de reflexão teórica; um terceiro, com três estudos biográficos (dois deles elaborados a partir da recensão de fontes históricas oitocentistas).

No seu conjunto, estes Estudos de História Contemporânea de Portugal são uma obra com inúmeros e inegáveis méritos. Sem concessões a modas científicas ou académicas facilitistas, intelectualmente corajosa pelo lado iconoclasta que constitui uma saudável marca distintiva da autora, a soma dos seus conteúdos ruma contra culturas feitas e acquis de conhecimento julgados intocáveis, não hesitando muitas vezes em ressuscitar o essencial — de factos e de pressupostos metodológicos ou epistemológicos — no meio do ruído acessório que há muito parece ter invadido e descaracterizado este particular e sensível ramo do conhecimento humano que é a história. Como já em anteriores ocasiões acontecera, é mesmo um livro com uma arriscada, mas assumida, dose de exposição pessoal (rara na pequena comunidade académica portuguesa), que constitui também o testemunho de um percurso intelectual coerente, onde a escrita, inovadora, da história do Portugal oitocentista (a grande área de especialização da autora) foi sendo sempre feita e enquadrada por uma persistente reflexão sobre as condições, os métodos e a identidade do ofício de historiador.

 

O seu a seu dono: uma reabilitação da economia cartista

O volume abre com «O setembrismo corrigido e actualizado», um artigo originalmente publicado em 1993 e filiado ainda na carreira de história económica e social realizada por Fátima Bonifácio no quadro da sua leccionação e investigação universitárias ao longo da década de 1980. Foi nessa área, e não ainda na da história política contemporânea strictu sense, que a autora realizou as suas provas de aptidão científica e pedagógica (em 1982) e a sua tese de doutoramento (em 1990). Ao tempo da sua publicação, este artigo sobre o setembrismo era uma espécie de balanço final, abreviado e escolar, sobre a economia e a sociologia daquela corrente ideológica portuguesa da primeira metade de oitocentos — um balanço que começara a tomar forma em textos vários da década de 1980, particularmente num artigo de 1988 que talvez tivesse valido a pena recuperar também2, que fora o fulcro central da longa tese de doutoramento da autora3 e que seria ainda sucintamente resumido no primeiro capítulo dos Seis Estudos sobre o Liberalismo Português (livro de 1991).

Para que não restassem dúvidas sobre a linha interpretativa do setembrismo sugerida, e para relembrar evidências pouco convenientes para alguma historiografia de cunho marxizante mais arreigado, Fátima Bonifácio voltou uma última vez à polémica em 1993 — no que foi um dos seus últimos textos de história económica e social antes da decidida viragem para a história político-institucional. Esta viragem, valha a verdade, foi mais aparente do que real: a autora não abandonou a economia para ir estudar a política pela simples razão de que mesmo nos tempos em que leccionava História Económica e Social nunca perdeu de vista, e sempre lembrou aos seus alunos, que muitas das questões e problemas da história económica e social não têm uma explicação causal de cunho determinista, sendo mais produtivamente compreensíveis a partir de um ponto de vista da contingência político-ideológica.

Foi precisamente essa leitura — que se diria antimarxista e revisionista — de quem se predispõe a olhar para lá da economia para explicar as grandes opções dessa mesma economia que levou a autora a olhar a questão específica (quase se diria técnica) do proteccionismo português como uma questão essencialmente ideológica, muito filha da cosmovisão do radicalismo oitocentista. Munida deste pressuposto, Fátima Bonifácio gastou anos a fio a enfrentar e desmontar a velha dicotomia, criada por Albert Silbert e depois muito acriticamente reproduzida, da sociologia e filiação económica do setembrismo como porta-voz do proteccionismo, por contraposição ao cartismo de bandeira livre-cambista — sendo o primeiro eminentemente «patriótico», pequeno-burguês/operário e pró-industrialista e o segundo «desnacionalizador», porque representante do grande capital «import-export», sempre servil perante a mais desenvolvida Inglaterra.

O artigo relembra a revolução de Setembro (em 1836), o processo de apropriação dessa vitória anónima pelos chefes da até aí oposição constitucional, as relações perigosas mantidas pelo radicalismo da rua com o setembrismo respeitável e também as justificações políticas, constitucionais e doutrinárias que obrigaram a esquerda a ter de derrubar, naquela circunstância, um governo para (com um enquadramento constitucional alternativo) conseguir ser poder no quadro da monarquia de D. Maria II. Seguidamente, e porque a principal medida do setembrismo no poder foi a famosa Pauta Geral das alfândegas de 1837, vem então o essencial do texto, ou seja, o exercício revisionista de dar o seu a seu dono, restaurando a autoria conservadora (isto é, cartista) da dita pauta e explicando por que razão a cosmovisão política e ideológica dos radicais (que preexistia a qualquer considerando imediato de ordem técnico-económica) os levou a apropriarem-se da pauta como coisa sua e eminentemente patriótica (pp. 18-19).

Daqui relevam os dois ensinamentos principais da autora neste texto: (1) que o país era esmagadoramente proteccionista; (2) que a excepção livre-cambista não recobria nenhuma família sociológica ou política, sendo antes circunstancial no tempo, limitada na geografia (o Douro/Porto) e sectorial, portanto, no que ao apuramento de uma sociologia das opções económicas diz respeito (p. 25). Porventura menos bem explicitada fica, todavia, uma questão: por que razão, uma vez operada a «falsificação histórica» (p. 26) que foi a apropriação radical da pauta e a consequente diabolização do cartismo como uma clique de devoristas vendida à Inglaterra, não foi este mais lesto e enérgico, logo na época, a defender-se e a repor a verdade.

 

Genealogia da direita liberal conservadora portuguesa

Publicado também em 1993, «Costa Cabral no contexto do liberalismo doutrinário» resultou de uma sabática da autora em Inglaterra (em 1991-1992), que definitivamente reorientou a sua carreira académica para o universo da política, das ideias, da cultura e das instituições do século xix. À sua maneira, tratou-se também de um texto fundador e revisionista: fundador, por um lado, por ter tido o mérito original de situar, por comparabilidade internacional, um político português (António Bernardo da Costa Cabral, o futuro conde de Tomar) no espectro, complexo, da direita liberal conservadora europeia, tornando assim a leitura do liberalismo monárquico nacional mais espessa e mais particularizada; revisionista, por outro lado, por ter tido também o mérito original de estudar e clarificar o que chegou a ser essa direita em Portugal, rumando assim contra a persistente imagem caricatural, construída pela oposição do radicalismo e popularizada pela historiografia mais jacobina, de um cabralismo ditatorial e autoritário.

No limite, trata-se até mais de um trabalho sobre a cultura política franco-espanhola das décadas centrais do século xix do que de um estudo aprofundado sobre Costa Cabral, na medida em que só a compreensão do que eram os problemas internacionais da Restauração pós-napoleónica (a urgência da ordem contra a persistente ameaça da «hidra revolucionária») permite iluminar (isto é, dar sentido, coerência e racionalidade) a lógica do poder e da actuação cabralista, evitando assim tomá-la superficialmente como teimosia autista de qualquer ditador contemporâneo avant-la-lettre4.

É por isso que Costa Cabral, o modesto filho de Fornos de Algodres, o ex-vociferador radical convertido à moderação, o primeiro caso de character assassination metodicamente levado a cabo na imprensa e na opinião pública do tempo, aparece aqui a uma outra luz. Cabral não foi um Royer-Collard nem um Doñoso Cortés (cujas reflexões filosóficas só terão tido o seu equivalente português em alguns textos de Alexandre Herculano, o patriarca da teoria cartista), mas nem por isso deixou de ser a expressão nacional clara de uma linha que atingiu o auge do seu poder na década de 1840, com Guizot em França e Nárvaez em Espanha, e que, lá como cá, se tornaria crescentemente desnecessária após o esvaziamento da «hidra revolucionária» em 1848-18515.

Enquanto durou — e olhado na perspectiva de uma genealogia da direita liberal conservadora portuguesa — Cabral foi a encarnação nacional daquela linha, materializando um lugar e uma política equidistante dos extremos absolutista e republicano, como um juste milieu que se empenhou em repensar e reelaborar o vocabulário liberal, redefinindo conceitos como a legitimidade (a sageza do tempo plasmada nas cartas constitucionais versus a cacofonia constituinte plasmada nas constituições), a representação (capacidade e «razão pública» versus vontade contratualista), a natureza do governo (constitucional mas não estritamente parlamentar) ou o sufrágio (indirecto e censitário, e não directo e alargado).

 

O nome e a coisa: o impossível consenso sobre o Salazarismo

Contrariamente a qualquer outro, o ensaio «Historiografia do Estado Novo» não tem uma filiação ou uma continuação definidas; foi publicado no vol. viii do suplemento ao Dicionário de História de Portugal, em 1999, e nasceu do puro interesse intelectual de Fátima Bonifácio pelo século xx português e pelo mais apetecível dos seus temas historiográficos: o Estado Novo. Daí resultou este texto, que é uma recensão/reflexão conjunta às principais linhas de investigação e de interpretação do fenómeno salazarista, no quadro da sociedade portuguesa do tempo. O seu principal interesse reside mesmo no facto — aparentemente paradoxal — de a autora não ser especialista no Estado Novo, o que, todavia, não a impediu de conseguir um retrato rigoroso e sintético desse regime, onde o leitor consegue, de facto, destrinçar o essencial do acessório no emaranhado de questões e interpretações que o salazarismo até hoje levanta. Nada tendo a defender, ou seja, não sendo parte interessada nas polémicas ideológicas sobre os usos (e abusos) historiográficos do Estado Novo, Fátima Bonifácio pôde ter a distância necessária para ser equilibrada e imparcial. Isto não significa ter sido asséptica e neutral: como em relação ao velho setembrismo corrigido e actualizado, também aqui se nota, sobre outra época e outro tema, a crítica e o distanciamento face às explicações de cariz mais imediatista do «marxismo ortodoxo» («e, portanto, mais grosseiro») (p. 93).

Segundo a autora, uma vez superadas as primeiras teses de que o salazarismo só podia ser explicado como uma «maldição absurda» lançada por «duzentas famílias» egoístas sobre oito milhões de cândidos portugueses, a historiografia tem vindo a apresentar, sucessivamente, variadas respostas para «perguntas essencialmente as mesmas» (pp. 94-95). Essas perguntas, enunciadas e respondidas por Hermínio Martins, Manuel de Lucena, Fernando Rosas, Manuel Braga da Cruz e António Costa Pinto (são estes, e só estes, os cinco autores aqui passados em revista), são esquematicamente formuladas pela autora (p. 98): a que tipo político pertenceu o Estado Novo? Qual foi a sua base de apoio social? Quais as origens e as características ideológicas do Estado Novo? Respondendo a isto, responder-se-á àquela que é a mãe de todas as polémicas que se digladiam até hoje, a saber, «poderá classificar-se de fascista um regime que dispensou o movimento»?

Nos anos 70, e ainda em 1994, Manuel de Lucena considerou ter sido o salazarismo «um fascismo sem movimento fascista» e o fascismo ele mesmo a forma concretizadora do que fora a essência comum dos regimes português e italiano — o corporativismo (p. 100). Embora renunciando ao basismo antifascista de ver o Estado Novo como simples instrumento de dominação, e descobrindo nele um papel de árbitro equilibrador dos diferentes interesses sociais das «forças vivas», também Fernando Rosas se inclinou, e inclina ainda, para a identificação do salazarismo como «uma espécie particular de um fenómeno global de fascismo genérico» e do Estado Novo como um regime «tendencialmente totalitário» — se não em todas as suas intenções teórico-ideológicas, ao menos na maioria das suas concretizações institucionais quotidianas (pp. 105-106).

Outra leitura detecta Fátima Bonifácio em Manuel Braga da Cruz e António Costa Pinto. O primeiro recusa-se a ver fascismo num regime historicamente filiado na doutrina social da Igreja e na leitura do corporativismo orgânico chegada a Salazar através da democracia cristã de Leão XIII. Teria sido essa matriz conciliadora, moderada, conservadora, que mitigou e diluiu o eventual influxo que o fascismo europeu poderia (e quis) dar ao ruralista e católico Estado Novo (pp. 111-112). António Costa Pinto, por seu turno, mostrou, a partir dos estudos de Juan Linz sobre o autoritarismo franquista, por que razão o fascismo e, sobretudo, o seu movimento — a cor e o ruído das massas, a acção armada e a violência totalitária — eram plantas exóticas de difícil implantação, concluindo, assim, não ser «lícito» encarar a ditadura salazarista como um regime fascista (p. 116).

Que concluir? Foi Salazar fascista? Houve fascismo em Portugal? E o que é que afinal o caracteriza — apenas o corporativismo, ou isso, o movimento e outros aspectos? E quanto movimento será necessário para se aceitar o rótulo de fascista para um determinado regime? Pese embora posicione bem o problema, Fátima Bonifácio não oferece uma resposta final (embora traia a sua preferência pela desfiliação do salazarismo do «clube» dos fascismos de entre guerras), até porque, em boa verdade, tal resposta não existe, nem provavelmente existirá alguma vez — já porque o Estado Novo é ainda muito político e não somente histórico, já porque é impossível um acordo sobre uma visão única do Estado Novo, dado que os pressupostos e opiniões do que nele foi fundamental e identitário variarão sempre entre os vários historiadores que sobre esse período se debruçam.

 

A irreconciliável divisão das esquerdas portuguesas

Publicado em 2001, «História de um nado-morto: o primeiro ministério histórico (1856-1859)» constituiu uma releitura particularizada das venturas, e sobretudo desventuras, vividas pelo governo histórico do marquês de Loulé, à luz do quadro geral interpretativo do final da década de 1850 e inícios da década de 18606 já fixado pela autora n'«A republicanização da monarquia», trabalho de 1999. No seu todo, é um case-study demonstrativo das razões por que a esquerda não pode, ou parece não conseguir, governar estavelmente Portugal7 — premissa que se comprova, no caso presente, pela radical impossibilidade de o governo de Loulé de 1856-1859 ter tido viabilidade no médio prazo.

Por que é que a esquerda — mormente o ministeriável centro-esquerda — não dura no poder? Por que é que o primeiro governo histórico, na década de 1850, foi um «nado-morto»? Acidentes de conjuntura ou pequenas intrigas parlamentares à parte (que sempre os há, sob qualquer governo), porque no tempo de Loulé, devido ao desajuste do conservadorismo de um líder de esquerda, como ele o foi, num quadro de renascimento do radicalismo como o do final da década de 1850, veio à tona da actualidade política, e com inusitada força, o sempre-eterno dilema do centro-esquerda português e a sua sempre-eterna ambiguidade (a que nenhuma linguagem ou postura fusionista e «pasteleira» jamais pôde pôr cobro) (pp. 147-148). Esse dilema e essa ambiguidade consistiam em manter obscuras, mas indispensáveis, ligações com o radicalismo da rua e das bases populares, na ilusão de, através delas, alargar a sua apacidade de penetração social e agigantar-se como credível alternativa à direita, nunca sabendo, contudo, até onde ir nessas ligações perigosas, com o risco de lhes perder o controlo e, por via disso, ficar refém da chantagem radical que o descredibilizava perante a direita e o Paço. Fora assim com o setembrismo; foi assim com Loulé; seria assim com a esquerda monárquica que insistiu em namorar o Partido Republicano na década de 1880 — e, em boa verdade, talvez ainda hoje seja assim sempre que o Partido Socialista tem bases fracturantes e líderes moderados.

É a esta luz que se percebe o inelutável destino que esperava o gabinete de Loulé: ao cabo de dois anos e nove meses de tensões, chantagens, avisos, vexames e campanhas de rua, estabeleceu-se um absoluto impasse entre a dinâmica centrípeta do aristocrático líder do governo e a vozearia centrífuga das suas bases de apoio, que não cessavam de recomendar ao chefe que se arrancasse à sua proverbial indolência e caminhasse resoluto na senda do movimento e das reformas. À época, e nas fontes, esta irreconciliável divisão deu lugar a uma nomenclatura muito própria: o centro-esquerda ministerial, e quem estava com ele, representava a «unha branca»; as bases radicais, e quem estava com elas, representavam a «unha negra». Foi o choque entre as duas, e aquele impasse, que afinal explica, segundo a autora, se não o momento (Março de 1859) da queda do executivo de Loulé, seguramente a inevitabilidade, a prazo, desse desfecho.

 

Contributos para uma reabilitação do parlamento oitocentista

Embora não seja inédito, o texto «O parlamento português no século xix» é aqui publicado pela primeira vez depois de ter sido apresentado, como comunicação oral, num seminário de debate sobre a obra colectiva Dicionário Biográfico Parlamentar, organizado pelo Instituto de Ciências Sociais em Junho de 2006. É menos um artigo académico do que um texto de síntese e reflexão ensaísticas, que passa em revista os principais tópicos de discussão sobre o lugar, função, relevo e especificidade da instituição parlamentar no quadro do constitucionalismo monárquico português.

Para além de fazer leis, dar voz à livre discussão de ideias e representar a opinião pública (uma novidade muito valorizada, como demonstra a autora, por vultos tão definidores da cultura política oitocentista como Fontes Pereira de Melo) (p. 156), o parlamento oitocentista português era, fazia e representava mais do que o parlamento da actual democracia no que ao funcionamento quotidiano do sistema político dizia respeito. Se este texto tem uma moral, ou uma intenção, ela é a de desmontar a caricatura que a geração de 70 e, particularmente, as páginas queirosianas d'As Farpas deixaram acerca de São Bento. Assim, em vez de a encarar como uma assembleia «muda, sonolenta e ignorante» (cit. de Eça de Queirós, p. 154), Fátima Bonifácio ressuscita, bem ao contrário, a essencial importância das Cortes como centro da vida política e escola de elites, de jornalismo e de oratória. Era isto que — não obstante a fraude eleitoral e a endogamia da base de recrutamento parlamentar — tornava o parlamento oitocentista comparativamente mais importante, sério, útil e digno do que o seu congénere actual. Numa afirmação politicamente incorrecta, a autora não hesita mesmo em dizer que «a cultura média do deputado oitocentista por certo faria inveja ao deputado actual» (p. 157).

Mesmo que a orgânica de poderes prescrita na Carta Constitucional tenha conferido a supremacia ao rei e ao executivo, a progressiva parlamentarização da vida política oitocentista (particularmente à luz do Acto Adicional aprovado em 1852) assegurou sempre ao parlamento uma enorme e insubstituível centralidade na monarquia constitucional portuguesa. É verdade que havia a dissolução e que os parlamentos eram mais fabricados eleitoralmente pelos governos em exercício do que extraídos do resultado eleitoral apurado do confronto, na urna, entre as diferentes sensibilidades da opinião pública e partidária, mas isso não invalida que ele era a sede da soberania nacional reconhecida e o guardião da legitimidade representativa — qualquer coisa que a dispersão de centros de poder e de influência parapolítica dos dias de hoje já terá feito perder ou diluir.

No último ponto deste ensaio, Fátima Bonifácio aborda uma questão que não é só histórica, mas actual — o bicameralismo. Justificado, na época, por quem o defendia, pelo efeito «calmante» que a segunda câmara poderia exercer sobre as «paixões» partidárias muito vivas na primeira câmara e atacado desde sempre por reformistas e radicais de esquerda como uma excrescência feudo-senhorial do Antigo Regime, a existência da chamada Câmara dos Pares foi sempre um tópico polémico ao longo do século xix. Ora, na análise da autora, na medida em que a justificação dos adeptos da câmara alta para a sua existência foi sempre mais um wishfull thinking do que uma realidade (porque muitas foram as vezes em que os pares assumiram o papel de fautores, e não de travões, da agitação partidária e da instabilidade governativa) (p. 163), é de crer que Fátima Bonifácio aconselharia os actuais constitucionalistas a não recriarem, por sobre o unicameralismo vigente na democracia portuguesa, qualquer espécie de câmara alta, de pares, lordes ou senadores — pelo menos nos moldes em que a segunda câmara tradicionalmente foi organizada em Portugal.

 

«O grande eleitor»8

O estudo «O maior patrono de Portugal. Problemas em torno das eleições oitocentistas, 1852-1884» é o único trabalho inédito do volume — e percebe-se pela sua leitura que é investigação específica em curso ou porventura base de reflexão e apoio para outro trabalho. Num certo sentido, pode ser interpretado como uma espécie de segunda parte, ou continuação temporal, do trabalho «A guerra de todos contra todos. (Ensaio sobre a instabilidade política antes da Regeneração)» (de 19929), uma vez que prolonga a análise das eleições e dos mecanismos de luta/acordo da vida política portuguesa da época anterior à Regeneração (1834-1851) para o quadro temporal da Regeneração, balizado aqui entre 1852 (data do primeiro Acto Adicional à Carta Constitucional) e 1884 (data da importante reforma eleitoral fontista). Algo do que a autora concluiu em 1992 sobre a primeira fase do constitucionalismo monárquico — a incipiência dos partidos políticos e o uso da fraude eleitoral — é aqui reverificado e confirmado para os anos posteriores, embora numa época em que, claro está, a capacidade eleitoral dos governos era já mais estável e sólida do que o acontecido até 1851.

O texto começa por enunciar uma contratese em relação a um certo juízo de senso comum — que as eleições eram disputadas entre partidos — assente na evidência de que qualquer governo, mesmo sem partido, por norma, vencia as eleições que organizava. O facto de nunca se ter reparado nisto e, ao contrário, de se ter sempre repetido aquilo (que é, ao fim ao cabo, uma projecção anacrónica do que acontece no pluripartidarismo de hoje) levou a que se obliterasse «a perspectiva do historiador que procura entender o que significavam e valiam politicamente as eleições oitocentistas» (p. 171).

No século xix, os partidos políticos («de notáveis», como então se dizia) nunca ganharam grande solidez ideológica, estrutura organizativa e implantação social e espacial — o que é tanto mais verdade num país como Portugal, conhecido pela sua escassa alfabetização, débil consciencialização cívica e fraco debate social. Não eram, portanto, sustenta a autora, os partidos políticos que enquadravam o corpo eleitoral na hora do voto; eram antes as autoridades administrativas, dependentes hirarquicamente do governo, que, jogando com os interesses imediatos das comunidades de eleitores, compravam o seu voto com promessas de empregos, subsídios, dinheiros, obras, favores legislativos ou até isenções fiscais e de recrutamento militar.

O governo vencia as eleições graças à sua capacidade negocial e retributiva; nisso, muito mais do que na violência eleitoral explícita, residia aquilo a que se chamava fraude ou corrupção — e que era, e ainda é, a versão oitocentista do comércio mediático de promessas eleitorais com que a democracia actual também «faz» e ganha eleições.

O principal agente do governo no terreno era o «cacique burocrático» (na célebre expressão de Oliveira Martins), uma figura cujo papel, de acordo com a autora, não se acentuou apenas a partir dos anos 70 (como defende Pedro Tavares de Almeida10), mas logo desde o início da Regeneração, e cuja influência a introdução dos círculos uninominais (em 1859) não só não reduziu (ao arrepio dos que, defendendo aquela reforma eleitoral, acreditavam que os círculos uninominais tornariam a eleição mais livre e mais respeitadora da genuína vontade local), mas aumentou (pp. 180-181). Num país onde o «cacique proprietário» (ainda segundo a terminologia de Oliveira Martins) nunca foi verdadeira alternativa, por não existir nem aristocracia terratenente independente nem tradição local de resistência ao poder central, o «cacique burocrático» era a chave da vitória eleitoral, por ser ele quem, a mando do governo, aliciava o voto enquanto distribuidor de meios para o poder local. Desde que a compra do voto não chegasse à coacção violenta — e um dos méritos deste artigo é o de demonstrar que essa violência não era tão frequente quanto a «lenda negra» das eleições oitocentistas quer fazer crer —, a ingerência do governo no acto eleitoral era aceite por todos os parceiros do jogo, quanto mais não fosse porque todas as oposições a ela recorreriam no dia em que fossem governo, e nunca suscitou demasiados pruridos sobre a representatividade formal ou substancial do corpo de deputados assim eleitos (pp. 187-189).

É por tudo isto que, no século xix, o governo (qualquer que ele fosse) era o «grande eleitor», face ao qual ninguém (indivíduo, partido, grupo ou coligação) tinha capacidade de rivalizar (p. 190). Desta constatação relevam alguns pontos importantes, devidamente assinalados por Fátima Bonifácio: (1) era o governo que auxiliava, no limite fazia, o(s) partido(s) político(s), e não o inverso, pelo que os partidos eram, na realidade, extensões e capas do governo para o fim específico das eleições; (2) não se formavam governos consoante o resultado eleitoral, mas o inverso, ou seja, produzia-se através da urna, e a posteriori em relação à investidura do gabinete nas cadeiras ministeriais, o resultado bastante que viabilizasse uma representação parlamentar maioritária para o novo executivo; (3) finalmente, mais do que mostrar a fraqueza dos partidos, a volatilidade do eleitorado de um escrutínio para outro mostra até uma «admirável constância» nos votantes (p. 208). Isto significa que, num país onde o Estado era o grande empregador e onde perder o emprego era quase sempre sinónimo da mais completa miséria, a maioria dos eleitores votava sempre no governo, fosse ele qual fosse, porque daí vinha o maior benefício. E, porque o governo era, e é ainda, «o maior patrono de Portugal», a autora conclui que o verdadeiro significado das eleições oitocentistas não era o sinalizar de «uma preferência partidária», mas tão-só «o processo, imperfeito, através do qual os governos eram autorizados a governar» (p. 208).

 

«No story; no history»: orgulhosamente historiadora

Datado de 1993, o texto «O abençoado retorno da velha história» é contemporâneo da viragem realizada pela autora — e já acima enunciada — da história económico-social para a história política no início da década de 1990, sendo talvez de acreditar que a mudança de temáticas foi causa e consequência não de um radical corte epistemológico (porque Fátima Bonifácio nunca foi declaradamente adepta do cânone que neste artigo critica), mas mais de uma clarificação reafirmadora — e é disso que aqui se trata.

Este artigo é, indiscutivelmente, o mais iconoclasta de todo o volume, tendo até merecido da autora uma referência individualizada na nota de apresentação: ali se lê que se tratou de um texto sinalizador da «libertação dos cânones historiográficos impostos pelas várias novas histórias a partir dos anos 70 do século xx» (p. 9). Numa clara manifestação contra a corrente, que aqui e ali assume mesmo um saboroso tom de ajuste de contas, Fátima Bonifácio relembra, reabilita e celebra a «velha história», numa altura em que ainda se acreditava, maioritariamente, que só a «nova história» era boa, e saúda o seu regresso como algo «abençoado», porventura para provocar os muitos que naquela altura ainda o olhariam como algo «maldito»11.

Que velha história era essa, cujo regresso a autora celebrava e saudava na altura? Era a história na acepção mais clássica de um discurso narrativo da área das humanidades, que aborda o «concreto», o «singular», a «acção», o «acontecimento», o «contingente», o «indivíduo irredutível», «impermeável à ciência social» (pp. 210-211), e que voluntariamente renuncia à pretensa objectividade (afinal também ela sempre relativa) de uma história-ciência social total, teórica e abstracta, que, por ser tudo isto, terminava por ser fundamentalmente a-histórica. Se, durante muito tempo, aquela «velha história» esteve obscurecida por outros cânones historiográficos, tal ficou a dever-se, para a autora, ao «contrabando» (sic, p. 209) de questões, métodos e olhares alimentado entre as ciências sociais e a história, através do qual muitos tentaram, sem êxito, conferir à segunda um «estatuto epistemológico mais elevado» (p. 209). Acontece que essa busca apenas revelou o pernicioso efeito de diluir a identidade da disciplina histórica e de a fazer adoecer, envolvida que se viu em problemas e demandas alheios ao seu enfoque12.

Recusar o influxo das ciências sociais no campo da história, que deve ser independente e resguardado, não significa empurrá-la para o pólo oposto, ou seja, para o puro reino da efabulação literária e da ficção acientífica. Por aqui se descobre a verdadeira natureza da história que Fátima Bonifácio pretende ver reabilitada e que ela própria vem praticando desde há anos a esta parte: um conhecimento que está, por um lado, fundado em regras objectivas e não negociáveis de heurística, cujo cumprimento é a garantia da validade do que se escreve (não no sentido de algo cientificamente demonstrável, mas no sentido de algo verosímil e consistente no argumento explanado), e que se materializa, ou apresenta, por outro lado, partindo de uma hermenêutica saudavelmente subjectiva (porque baseada em operações mentais de compreensão empática das coisas), sob um registo literário e artístico13.

Se a história que a autora aqui reivindica é mais literária do que científica, é porque essa opção é precisamente a melhor via para fazer o ofício sair do gueto académico em que o hermetismo dos seus praticantes e o respectivo jargão científico o acantonaram. A melhor forma de aqui se chegar — a uma história humana, redigida em registo literário, propondo «uma opinião informada sobre o mundo» (p. 217) — seria através de uma aposta clara no renascimento e na prática do que a autora já considerava, neste texto, ser a forma natural do discurso histórico — a narrativa (p. 212).

No seu todo, portanto, este artigo de 1993 era um manifesto epistemológico sobre a liberdade, a contingência, a humanidade e até a «poesia» inerente ao olhar do historiador14, retirado do espartilho científico onde se deixara longamente aprisionar e devolvido a uma sua natural, mas de forma alguma arbitrária, «anarquia» (no sentido em que John Vincent usa o termo para descrever o processo de construção do conhecimento histórico15). Tudo isto, claro, a bem da restauração do único objecto próprio definidor da identidade da disciplina: o estudo do homem.

Aqui lançado quase em registo de desabafo provocador, o grito de defesa da «velha história» conheceria depois — no itinerário intelectual da autora — um longo processo de desenvolvimento e de maturação, no sentido de consolidar a disciplina como ramo do conhecimento de conteúdo dominantemente político e literário, que haveria de culminar na «Apologia da história política», um extenso ensaio de «ego-história» que Fátima Bonifácio viria a publicar no livro homónimo de 1999.

 

Narro, logo explico

Foi também em 1999 que o texto seguinte — «A narrativa na `época pós-histórica'» — saiu a público. Trata-se aqui, especificamente, da particularização, ou desenvolvimento, de um tópico de epistemologia e de metodologia que deriva, na visão de Fátima Bonifácio, da questão mais geral da natureza e dos contornos da velha história anteriormente ressuscitada. Tendo-se mostrado agradada com o ressurgimento da narrativa como forma e caminho natural para a reconsideração da história no campo das humanidades, este artigo foi o seu contributo pessoal para essa causa.

O ponto de partida é a analogia entre a pulverização de paradigmas estéticos verificável na pós-modernidade artística (a que a autora chega através de um estudo de Arthur Danto16) e a semelhante pulverização de temas e métodos patente no campo historiográfico e por muitos lamentada. Na época a que chama «pós-histórica», Fátima Bonifácio constata o absoluto relativismo de valores e interpretações, originando um crescimento do conhecimento histórico que já não se faz linearmente, por camadas, à maneira de uma grande narrativa que se vai sedimentando por adição sucessiva de contributos, mas que se faz antes de forma anárquica e centrífuga. No limite, terá deixado de haver um objecto historiável, visto que a disciplina se desintegrou numa espécie de big bang, onde todos os discursos são puramente auto-referenciados e onde todos os objectos de estudo são parcelares e reduzidos a representações de uma realidade liquefeita. Ora, reagindo a isto, perante o «niilismo epistemológico» e a «anarquia estrutural» do conhecimento visível nos conflitos entre verdades de um «ambiente» radicalmente relativista (p. 226) —, no qual deixou até, inclusivamente, de se reconhecer «a existência de uma realidade histórica extrínseca ao discurso» (p. 228) —, é necessário e urgente regressar atrás, lá onde a história era uma narrativa (uma «grande narrativa» ao modo de Vasari na arte, p. 222) sobre qualquer coisa que realmente aconteceu no passado.

Fátima Bonifácio não hesita em verbalizar algo que para muitos é politicamente incorrecto: que a história reza sobretudo de homens, ricos, poderosos e letrados e que ela é uma actividade humana que fundamentalmente se desenvolveu (melhor se diria desenrolou) através da política, da guerra e da diplomacia. Ou seja — e é esta a tese fundamental do artigo —, que «a dimensão épica da existência humana é o assunto específico da história e que a narrativa é a sua forma típica», na exacta medida em que, sendo a narrativa «a estrutura da nossa memória» (linear e causal), ela é «o modo espontâneo como se organiza e se confere sentido à experiência humana» (pp. 229-230).

O que é, pois, a narrativa em história? Um género literário que propõe o que Isaiah Berlin chamava versões plausíveis de um mundo possível (p. 231), falando, portanto, de factos passados, primordialmente políticos, que realmente aconteceram e deixaram rasto documental. Não se trata, porém, de alinhar apenas factos. Uma narrativa histórica não é uma crónica, no sentido medieval ou jornalístico do termo: ela é mais do que a mera soma das partes (factos) que reproduz, porque lhes confere um sentido, porque nos permite uma compreensão que está acima do mero registo événementielle17, porque nos convoca um olhar empático de conjunto. E é este olhar que, no fim, dá à narrativa a possibilidade de atingir uma unidade dramática da qual se extrai moral e juízo, discutíveis ambos, é certo, contudo não arbitrários e empiricamente verificáveis. Tudo isto serve — e é essa a intenção da autora — para argumentar que nem só a ciência ensina; também a literatura, a arte ou a filosofia o fazem, ao possibilitarem-nos «um juízo informado sobre o mundo» (p. 233), que é, à sua maneira, uma forma de conhecimento sobre esse mesmo mundo18. Era a isso que os antigos apelavam ao considerarem a história «mestra da vida»19.

Para Fátima Bonifácio, a história só explica porque, e quando, narra, porque explicar é, na essência, contar mais, contar melhor20, e explicar não é — não tem de ser, em história — atingir verdades científicas, mas antes sentidos morais, não judicativos ou teológicos, mas de ensinamento cívico, porque só esses nos poderão arrancar, enquanto cidadãos, à modorra passiva e consumista característica da nossa época pós-moderna, em que tudo se equivale e em que a crise da cultura é patente. Ora, para quem não se contenta com as «conclusões» da sociologia ou da economia, talvez o caminho seja redescobrir os «ensinamentos» da história; e aos muitos para quem a demanda de sentidos morais se tornou um fútil pretexto de «divertimento» a autora lembra, provocadoramente, a terminar, que de forma alguma deve ser qualificado de «frívolo» o prazer «que retiramos de ouvir um quarteto de Beethoven ou de ler um romance de Flaubert» (p. 239).

 

Homem e mundo em jogo de espelhos e luz

Era expectável e inevitável que uma cultora da velha história política e do método narrativo desembocasse um dia num particular género historiográfico que, como poucos, reflecte e permite exercitar as potencialidades da narrativa política — a biografia histórica. É sobre ela que se debruça o texto «Biografia e conhecimento histórico», apresentado oralmente, e nunca antes publicado, num seminário organizado pelo Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa em 2001.

Fátima Bonifácio parte de duas questões: (1) em que é que a biografia é — e se é — um género biográfico específico; (2) será a biografia um género historiográfico superior? Citando Hannah Arendt, a biografia «à inglesa» (a particularidade nacional é importante), posicionada «no cruzamento da ficção e da não-ficção» — porque baseada em rigorosa investigação de factos, mas literariamente montada através de uma narrativa que fornece ao leitor enredo, intriga e espessura humana —, dá ao leitor um «retrato vivo» do homem; com isso — porque o protagonista da história inevitavelmente enche a «boca-de-cena» e «refracte a luz do tempo histórico» em que viveu — a biografia dá-nos uma «unidade de vida e mundo» que dificilmente se encontraria noutro género historiográfico (pp. 242-244). Assim sendo, e respondendo à primeira questão, a autora opina que, de facto, a biografia é «uma espécie particular do género historiográfico narrativo, que, por seu turno, é uma espécie particular do género literário» (p. 245). Porosas que sejam as fronteiras entre a biografia histórica e o romance — distingue-os o facto de a primeira narrar uma vida que aconteceu e o segundo ficionar algo que poderia ter acontecido —, é através daquela, portanto, que o leitor mais facilmente poderá transportar-se mentalmente para um mundo que já não existe.

Quanto à segunda questão — se a biografia histórica veicula um conhecimento superior ao da narrativa histórica tout court —, a resposta é positiva se e quando, além de podermos conhecer os acontecimentos e os soubermos interpretar, o biógrafo tiver a arte de nos dar, através do que escreve e do modo como escreve, acesso à visão que o biografado teve do seu mundo21. Foi o caso, exemplifica a autora, de Ian Kershaw, na sua monumental biografia do chanceler Adolf Hitler: porque o indivíduo foi decisivo na definição do tempo histórico nazi, a sua biografia é indispensável e superior como janela para conhecer a época (pp. 249-251). Será o caso, transitando para a realidade histórica oitocentista portuguesa, de Rodrigo da Fonseca Magalhães, cuja biografia Fátima Bonifácio actualmente prepara, como projecto de encerramento do seu trabalho de historiadora. Apesar de não ser «dramático» e menos ainda «épico» (p. 252), Rodrigo dará uma boa biografia se, e só se — na condição auto-imposta pela autora — tornar decifráveis aspectos do mundo oitocentista até agora imperfeitamente iluminados, no pressuposto de que, pela importância do mesmo Rodrigo no palco do constitucionalismo monárquico, a sua vida se interligou estreitamente com a vida do Portugal político do seu tempo.

O famoso Citizens, de Simon Schama22 — lembra Fátima Bonifácio a terminar —, não é propriamente uma biografia, ou não o é explicitamente. Mas por que é que Schama não conhece rival nem superior na elucidação da Revolução Francesa? Porque, no fundo, a sua Revolução Francesa é uma narrativa alicerçada na soma, muito humana, das centenas de biografias que a fizeram, na contingência, na incerteza momentânea e na dramaticidade das escolhas inerente a qualquer percurso individual (p. 253)23. E é precisamente nesta finura de talento, ao alcance de poucos, que reside aquilo a que os ingleses (os inventores da boa biografia) chamariam «the notable stuff history is made of».

 

O elogio de «El-Rei D. João VII»

Também de 2001 data o estudo «Saldanha: uma vida feliz»24. Não se trata, rigorosamente, de uma biografia sobre o famoso e omnipresente marechal-duque oitocentista, com investigação e interpretações originais, mas sim de uma longa recensão crítica a uma obra ou fonte histórica que, pela sua dimensão e importância documental, constituiu um daqueles livros sem cuja leitura não vale a pena tentar navegar no mundo civilizacional do século xix português — as Memoirs of Field-Marshall the Duke de Saldanha with selections of his correspondence, compiladas por John Smith Athelstane, o conde da Carnota (cunhado de Saldanha), em 1880.

A obra de Athelstane/Carnota está para a vida de Saldanha um pouco como a de Franco Nogueira para a vida de Salazar: pode e deve ler-se como fonte e registo de uma época e de um herói, mas é preciso, na heurística, desconfiar do tom laudatório e do registo lendário de glorificação dado acerca do protagonista. Todavia, patente a parcialidade, esta biografia tem, segundo Fátima Bonifácio, um mérito de fundo raro: fazer-nos equacionar e dar-nos pistas sobre o extremo personalismo a que a política portuguesa por vezes é reduzida, ou seja, iluminar «o problema de saber o que é que na sociedade e na política portuguesas de então tornou possível a um indivíduo, por diversas vezes, erguer-se acima das instituições, sobrepor-se ao monarca, mandar no Estado e ditar o destino do país» (p. 257).

Recenseando os dois grossos volumes de Athelstane/Carnota, a autora revela-nos o percurso único daquele a quem D. Pedro V, nos dias de ironia, chamava «D. João VII» — o pai adoptivo da rainha D. Maria II, o guardião da Carta Constitucional, a espada da Regeneração, um herói e quase um santo, que a pátria nunca estimou (segundo o próprio Saldanha) de acordo com os seus muitos e insuperáveis méritos. O marechal-duque é, de facto, uma figura única na galeria dos biografáveis oitocentistas — o Washington português, caudilho militar típico, iniciador de uma linhagem de um certo sebastianismo político nacional que se prolongaria com Sá da Bandeira, Mouzinho, Sidónio, Norton de Matos ou Spínola.

 

Um político acidental

Em 2003 foi o marquês de Fronteira o recenseado por Fátima Bonifácio, através da leitura comentada das suas monumentais Memórias. Tal como as do marquês do Lavradio, as Memórias de Fronteira são porventura mais fidedignas do que as que Athelstane/Carnota escreveu sobre Saldanha, mas não deixam de ser uma visão, pessoal e interessada, sobre o arco temporal e os acontecimentos vividos pela personagem.

Pela extensão do seu relato, D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto, o marquês de Fronteira e Alorna, foi uma espécie de cronista-mor da política da primeira metade do século xix português. Mas, ao contrário da outra grande espada da rainha D. Maria (Saldanha), Fronteira nunca foi, nem quis ser, um caudilho político em full-time; foi sobretudo — como é aqui destacado — o gendarme do conservadorismo cartista, especialmente entre 1842 e 1851. Durante anos assumiu o papel de um político acidental e com muitos acidentes de percurso na sua vida política: cartista e conservador, colaborou excentricamente com os setembristas por puro despique antichamorro e apesar do seu visceral antidemocratismo, mas foi o homem de Costa Cabral na década de 1840, vindo mesmo a superá-lo, aquando da Regeneração, ao acantonar-se numa direita liberal forte que aconselhava um tipo de dureza e de repressão que nem já o Paço julgava conveniente. Como se deduz da interpretação de Fátima Bonifácio, a Fronteira poderia aplicar-se o célebre dito de Alexis de Tocqueville sobre a aristocracia francesa perante a revolução — que nada esquecera e nada aprendera com os revezes políticos sofridos.

 

Misfit lovers: a non-fiction novel

De entre a dúzia de estudos que compõem este volume, o último, «As vidas desencontradas do duque de Palmela e de Mme. de Staël», publicado em 2006 como estudo-posfácio à edição da correspondência entre os dois, é o mais extenso, mas aquele que com mais prazer de leitura romanesca se lê — ou seja, aquele que melhor ilustra as premissas teóricas da autora de que a excelência biográfica (aqui uma biografia dupla, de duas vidas desencontradas) deve aparecer aos olhos do leitor na forma final de um romance literário verdadeiro — uma non-fiction novel, para recuperar a consagrada expressão do americano Truman Capote. Fátima Bonifácio conta duas histórias em paralelo, entretecendo na sua narrativa os pontos de contacto — rigorosamente, os escassos pontos, ou tempos, de contacto sentimental e físico entre Palmela e Staël, que por pouco tempo aproximaram dois mundos «de coisas, de valores, de tradições, de ideais, de ambições e de deveres», cuja distância se revelou, afinal, insuperável (p. 298).

Palmela é-nos biografado em dois momentos — na origem, educação e infância, primeiro, e na vida adulta e carreira político-partidária até à morte, depois, no essencial que há a dizer sobre o mais british dos estadistas portugueses de então («no seu tempo o único português realmente conhecido e respeitado nas cortes e capitais da Europa») (p. 298). No meio desses momentos do texto brilha então a estrela e a história de Anne Louise Germaine Necker, mulher livre e independente, para quem o coração e o amor eram as únicas molas e leis da vida, e que durante a dita teve sempre uma especial inclinação para desorganizar a vida dos homens que a rodearam. A futura Mme. de Staël aparece-nos como um resquício tardio da libertinagem iluminista francesa (um daqueles casos em que a realidade imita a ficção — por exemplo, a de Mme. de Merteuil do conhecido romance Liaisons dangereuses, de Choderlos de Laclos) e quase como uma antevisão da activista do sufragismo de finais do século xix. Personalidade psicologicamente complexa, precoce na afirmação, muito do seu tempo (romântico) na superioridade que atribuía à busca do bonheur pessoal, exuberante, caprichosa, sociável, a filha de Jacques Necker revolucionava tudo e todos por onde passava: em 51 anos de vida contabilizou, de forma mais longa ou mais episódica, mais física ou mais platónica, dois maridos, cinco filhos e doze amantes.

Palmela terá sido o 10.º da lista dos seus amores, depois do italiano Vicenzo Monti e antes do francês Prosper Barante. Conheceram-se em Itália em Fevereiro de 1805, ela com 39 anos, ele com 24, e «flirtaram» em Roma, cidade que o «belo, culto e sensível» (p. 325) aristocrata português ensinou a inconstante e fogosa Staël a apreciar. Palmela correspondia ao seu amor a medo e viu-a pela última vez em França em Setembro de 1806. O idílio entre os dois não excedeu, portanto, um ano e meio — mas é possível que Oswaldo, «o jovem aristocrático melancólico» que antepõe «o cumprimento das suas obrigações sociais» aos delírios do amor no romance de Mme. de Staël Corinne ou L'Italie, tenha sido personagem literária parcialmente inspirada no português (p. 327).

Staël morreria afogada em ópio em Julho de 1817, depois de ter sido «a primeira mulher da Europa» (p. 334) e de ter sobrevivido à revolução, ao Terror e ao desprezo e suspeita que Napoleão sempre nutriu por ela. Palmela, esse, duraria muito mais e seria uma das maiores figuras da política portuguesa do século xix — um apaixonado pela cultura e pelo modelo político inglês, como o retrata Fátima Bonifácio, que sempre recusou aceitar a inaplicabilidade do mesmo ao pobre e rude Portugal, a que pertencia por família. Do vintismo à Patuleia, passando pela «abrilada», pelo exílio, pela emigração, pela guerra civil, pelo cartismo pós-1834, pelo setembrismo, pelo ordeirismo e pelo cabralismo, Palmela consumiu a vida «a tentar conciliar o inconciliável: o absolutismo com o constitucionalismo, o Portugal de Antigo Regime com o Portugal liberal, os moderados com os radicais ou o jacobinismo com a Monarquia» (p. 342), procurando teimosamente «um partido moderado e médio, sem ver que nada disso existia num país onde dominava a exaltação» (p. 350). Antes de Rodrigo da Fonseca Magalhães, foi ele o grande «fusionista», o grande adepto das concessões para aplacar os extremos — o miguelismo, primeiro, e o radicalismo revolucionário, depois. Demitido pela última vez, sem honra, em Outubro de 1846, morreria em Lisboa quatro anos depois, em 1850, nas vésperas da chegada da Regeneração, onde, com toda a verosimilhança, se teria sentido finalmente integrado.

Se Palmela tivesse abandonado de vez Portugal em 1805, se se tivesse entregue totalmente a Mme. de Staël (até talvez pelo casamento), ter-se-ia perdido um estadista de carreira, embora sempre «desencontrado do seu tempo» (p. 357), mas pelo passado, valores e inconstância sentimental da fugaz amante, é quase certo que a união entre os dois não teria ido longe.

Na soma das suas muito diferentes doze partes, estes Estudos de História Contemporânea de Portugal são obra de registo rigoroso, claro, elegante — porque «não há boa história mal escrita» (p. 216) —, ao mesmo tempo que se constituem leitura muito recomendável, quer para os que se querem introduzir empaticamente no século xix português, quer para os que querem encontrar uma linha possível de conduta (porventura polémica, mas sustentada e lógica) na reflexão e na prática do ofício de historiador. Mesmo que estes Estudos sejam o último best of de Fátima Bonifácio, vale a pena fazer votos para que este não seja o seu último livro.

 

 

 

Notas

1 Os nove livros anteriores são, por ordem cronológica: Industrialização oitocentista e concorrência externa (A indústria chapeleira de 1814 a 1914), Lisboa, Cadernos de Documentação GIS, n.º 2, 1980; José Jorge Loureiro. Memórias Políticas, 1834-1844, Lisboa, Edições Rolim, 1986; Seis Estudos sobre o Liberalismo Português, Lisboa, Editorial Estampa, 1991; História da Guerra Civil da Patuleia, 1846-1847, Lisboa, Editorial Estampa, 1993; Apologia da História Política. Estudos sobre o Século XIX Português, Lisboa, Quetzal Editores, 1999; O Século XIX Português, Lisboa, ICS, 2002; A Segunda Ascensão e Queda de Costa Cabral, 1847-1851, Lisboa, ICS, 2002; D. Maria II, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Madame de Staël-D. Pedro de Souza. Correspondência, Lisboa, Quetzal Editores, 2006.

2 Maria de Fátima Bonifácio, «O proteccionismo como ideologia radical», in Análise Social, n.os 103-104, Lisboa, 1988, pp. 1017-1036.

3 Maria de Fátima Bonifácio, A Via Proteccionista do Liberalismo Português. Política económica e relações luso-britânicas (1834-1843), Lisboa, FCSH-UNL, 1990.

4 Para comparação de perspectivas e de intenções reabilitadoras, v. o exercício feito por Rui Ramos em relação a João Franco, outro muito vilipendiado político do constitucionalismo monárquico português, em João Franco e o fracasso do reformismo liberal (1884-1908), Lisboa, ICS, 2001.

5 Depois de 1993, a autora voltaria extensamente a este problema no livro A Segunda Ascensão e Queda de Costa Cabral, 1847-1851, 2002.

6 Maria de Fátima Bonifácio, «A republicanização da monarquia», in Apologia da História Política. Estudos sobre o Século XIX Português, 1999, pp. 239-362.

7 V., sobre esta questão, o diagnóstico satírico de Vasco Pulido Valente, em «Porque é que a esquerda não pode governar», in Às Avessas, Lisboa, Assírio e Alvim, 1990, pp. 248-251.

8 Expressão com que o deputado Vaz Preto definia o governo perante as eleições (Diário da Câmara dos Pares, 24-4-1878), cit. p. 188.

9 In Análise Social, n.º 115, Lisboa, 1992, pp. 91-134.

10 Pedro Tavares de Almeida, Eleições e Caciquismo no Portugal Oitocentista (1868-1890), Lisboa, Difel, 1991.

11 Na dicotomia valorativa «velha história» versus «nova história», este texto de 1993 ecoava a influência de um muito polémico livro de Gertrude Himmelfarb, The New History and the Old. Critical Essays and Reappraisals, Harvard University Press, 1987, objecto de um longo review article de Rui Ramos em 1991 («A causa da história do ponto de vista político», in Penélope, n.º 5, Lisboa, 1991, pp. 27-47).

12 V. o desenvolvimento que Fátima Bonifácio daria a esta questão no seu livro Apologia da História Política. Estudos sobre o Século XIX Português, 1999, pp. 22 e segs. («Impasses da história como ciência»).

13 Como depois explicaria a autora, enquanto disciplina académica, a História tem um irrevogável «estatuto crítico»: é feita de afirmações «empiricamente verificáveis» e de interpretações «racionalmente discutíveis», não dispensando a «evidência documental», a «lógica das inferências» e a «consistência dramática do argumento». Tem, na base e em suma, «uma técnica que se transmite», mas no topo, ou seja, na sua forma final de apresentação, é «uma arte que não se ensina» (Apologia da História Política, 1999, pp. 32, 111 e 119).

14 A aproximação da história à poesia foi feita por José Mattoso. Definindo a história como «uma fantástica sinfonia», «feita da incomensurável mistura de elementos de toda a espécie, tão diversos e contraditórios como a própria vida», ela é «um saber, e não propriamente uma ciência», pelo que só é possível abarcá-la com uma atitude «contemplativa», que tudo envolve num «golpe de vista», captando assim, em «registo poético», a «espantosa realidade das coisas» (A Escrita da História. Teoria e Métodos, Lisboa, Editorial Estampa, 1988, pp. 10, 17-18 e 38).

15 «History is anarchic, not authoritarian» (John Vicent, An Intelligent Person's Guide to History, Londres, Gerald Duckworth & C., 1999, p. 19).

16 Arthur Cole Danto, Art after the End of Art (Contemporary Art and the Pale of History), Princeton University Press, 1997.

17 Nos termos de Hayden White, um dos autores que inspiraram Fátima Bonifácio neste ensaio, só a narrativa transforma «into a story a list of historical events that would otherwise be only a chronicle» (The Content of the Form. Narrative Discorse and Historical Representation, Baltimore/Londres, The Johns Hopkins University Press, 1990, pp. 42-43).

18 De novo nos termos de Hayden White, «one can produce an imaginary discourse about real events that may be not less true for being imaginary […] the same is true with respect to narrative representaions of reality, especially when, as in historical discourses, these representations are of the human past» (op. cit., p. 57). Se se entender, como faz White, imaginação como criatividade literária, e não como ficção ou invenção, poderá então aceitar-se a afirmação de que o texto histórico, artístico na forma, «carries much more information than the scientific text» (ibid., p. 42).

19 Foi em parte este insuperável mérito que consagrou, segundo a autora, o Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins (1881), como a melhor visão da história do século xix português, na medida em que tal obra concede ao seu leitor a possibilidade de conferir um sentido moral à história ali contada (p. 235). E foi decerto inspirada nisto que Fátima Bonifácio escreveu O Século XIX Português em 2002.

20 Na síntese de John Vincent, «causality is narrative taken to ideal lengths» (op. cit., p. 45).

21 A superioridade da biografia, dentro dos diferentes géneros de escrita da história, é algo há muito reivindicado por diversos autores ingleses. Como um dia disse o primeiro-ministro vitoriano (e escritor) Benjamin Disraeli, a biografia era a mais sublime forma de história, porque era «a vida sem teoria»: «Read no history; nothing but biography, for that is life without theory». Era a ideia, aqui perfilhada por Fátima Bonifácio, de que a biografia é uma das melhores janelas abertas à história, por tratar, afinal, da vida humana e real, sem abstracções teóricas. Em obra recente, o famoso biógrafo inglês Richard Holmes não hesitou em qualificar a biografia histórica como nada menos do que «the proper study of mankind» («The proper study?», in Mapping Lives. The Uses of Biography, ed. Peter France e William St. Clair, Oxford University Press, 2002, p. 7).

22 Simon Schama, Citizens. A Chronicle of the French Revolution, Londres, Penguin Books, 1989.

23 Como Peter Burke já chamou a atenção, a obra de Simon Schama teve o importante mérito de demonstrar, através de uma trama novelística que reintroduziu cronologia, homens e vontades, num processo demasiadas vezes despovoado de sujeitos e analisado abstractamente, que a série de eventos a que chamamos Revolução Francesa «was much more the product of human agency than structural conditioning» («History of events and the revival of narrative», in New Perspectives in Historical Writing, ed. Peter Burke, Cambridge, Polity Press, 1991, pp. 236 e 238).

24 Por lapso, não está indicada no livro a proveniência deste estudo: ele foi publicado na Análise Social, n.º 160, Lisboa, 2001, pp. 895-914.

 

* Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons