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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.185 Lisboa  2007

 

Alice Semendo e J. Teixeira Lopes (coords.), Museus, discursos e representações, Porto, Afrontamen-to, 2006, 199 páginas.

 

 

Há uma certa desproporção entre o crescimento súbito dos museus em Portugal e a ainda escassa produção científica sobre eles. Dada a saliência deste fenómeno e mesmo a multiplicação de pós-graduações e mestrados em Museologia, seria de esperar que esta temática tivesse maior destaque no panorama editorial português. Como tal, é de saudar a iniciativa de publicar em livro as comunicações ao colóquio «Museus, discursos e representações», realizado em Novembro de 2004 e organizado pelos Departamentos de Ciências e Técnicas do Património e de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Esta colectânea é exemplar das múltiplas diversidades que caracterizam a temática dos estudos sobre museus. Em primeiro lugar, dá conta da diversidade de tipos de museus existentes: há textos sobre museus de arte, contemporânea (da autoria de Raquel Henriques da Silva e de Ulrich Loock) e decorativa (de Fernando Paulo Oliveira Magalhães), sobre museus etnográficos (de Joaquim Pais de Brito), sobre museus de anatomia (de Elizabeth Hallan). De fora terão ficado, contudo, outros tipos de museus assaz numerosos em Portugal, como os museus arqueológicos, os museus de ciência e de história natural, os museus industriais, que, no entanto, têm sido objecto de outras publicações1.

Em segundo lugar, este livro permite apreciar a diversidade de assuntos passíveis de serem analisados a partir do tema central dos museus: a educação nos museus (artigo assinado por Carla Padró), a «profissão museológica» (artigo de Alice Semedo), a representação nos museus dos movimentos artísticos (artigos de Scott Lash, de Raquel Henriques da Silva e de Ulrich Loock), a arquitectura dos museus e o seu lugar nas cidades (artigos de Nuno Grande e de Helena Barranha), a relação entre os museus e as disciplinas científicas que lhes servem de base (artigos de Joaquim Pais de Brito e de Elizabeth Hallan). Porém, outras questões centrais estão praticamente omissas, como os públicos dos museus (referidos apenas indirectamente no texto de João Teixeira Lopes) e o lugar por excelência dos discursos dos museus, que são as exposições.

Em terceiro lugar, há a registar a diversidade dos autores e respectivas disciplinas científicas de origem. Encontramos nesta obra textos de sociólogos, de antropólogos, de historiadores de arte, de arquitectos. Diversas são também as suas nacionalidades (peritos nacionais e estrangeiro) e filiações institucionais. Se quase todos são académicos, que tomam os museus como seu objecto de estudo, alguns terão uma experiência mais directa do mundo museal, como o director do Museu Nacional de Etnologia (Joaquim Pais de Brito), a ex-directora do Instituto Português de Museus (Raquel Henriques da Silva), o director-adjunto do Museu de Serralves (Ulrich Loock). Talvez, no entanto, o âmbito circunscrito do colóquio, limitado a onze intervenientes, tenha deixado de fora outras experiências e perspectivas do fértil campo dos estudos de museologia em Portugal.

Esta pluralidade de olhares redundará também numa quarta diversidade, a de públicos-alvo para esta obra. Se alguns artigos se dirigirão preferencialmente a um público mais académico, o que se depreende pela adesão às «normas do campo» (sustentação teórica mais densa, profusão de referências bibliográficas), outros artigos terão como destinatários os profissionais que trabalham em museus ou um público essencialmente «leigo», assumindo os textos um carácter de divulgação. A tal corresponde igualmente uma diversidade de estilos de escrita. Se alguns textos resultam de trabalhos de investigação específicos, outros assumem primordialmente o carácter de reflexão global, sendo procedentes de autores com uma vasta experiência na área.

Destacaria como exemplar do primeiro tipo o artigo de Elizabeth Hallam, «Anatomy museum: anthropological and historical perspectives». Com base em vários anos de trabalho de investigação sobre um museu em particular, o Museu de Anatomia da Universidade de Aberdeen, a autora combina exemplarmente os múltiplos vectores que se cruzam no ponto focal do museu: as perspectivas diacrónica (história do museu) e sincrónica (o presente uso do museu); as dimensões visual (representações do corpo humano na ciência biomédica) e material (a conversão de partes do corpo em espécimes museais, os processos de produção de modelos), prática (a manipulação dos espécimes pelos alunos) e discursiva (as diferentes representações sobre o papel do museu no ensino da medicina); os círculos concêntricos do objecto, da colecção, do museu, da instituição a que pertence e do contexto cultural mais vasto onde se insere. A inclusão de fotografias, essencial quando se discute um meio essencialmente visual como o do museu, é outra das mais-valias deste artigo.

Representativo do segundo tipo é o artigo de Joaquim Pais de Brito, «O museu, entre o que guarda e o que mostra». Em pouco mais de dez páginas, o autor apresenta uma panorâmica simultaneamente concisa e abrangente das principais questões respeitantes aos museus etnográficos. Das tipologias de colecções etnográficas à evolução das formas de exposição, da tensão passado/presente na representação de grupos sociais ao património intangível, da mutável relação entre os museus e a disciplina a que estão ligados às transformações do mundo social que os museus têm necessariamente de acompanhar, este artigo funciona como uma interessante síntese de múltiplos debates em curso na antropologia contemporânea2.

Uma palavra final para aquele que é o primeiro texto do livro, «Art as concept/art as media/art as life», de Scott Lash. Ter-se-á certamente tratado de um lapso a inclusão nesta obra de um texto que, apesar de redigido por um académico estrangeiro de renome, é claramente um draft inacabado: não tem bibliografia final, as referências bibliográficas no texto estão incompletas (em muitos casos são apenas apresentados os primeiros dois dígitos do ano de publicação), o artigo carece de coerência e de estrutura, sendo as últimas dez páginas uma colecção de citações de múltiplos intervenientes que, para além dos problemas formais (sem data, sem fonte), não são objecto de qualquer análise. A própria organizadora da obra parece ter sido induzida em erro pelo uso recorrente da expressão yBas, que não é a designação de um colectivo de artistas, mas sim o acrónimo de «young British artists».

Em síntese, esta obra padece de um dos problemas mais comuns da edição de colectâneas, a desigual qualidade dos artigos que a compõem, mas que, contudo, é também produto do seu principal ponto forte: a pluralidade de perspectivas, discursos e representações.

 

Ana Delicado

 

 

Notas

1 A título de exemplo, podem ser referidos o número temático da revista O Arqueólogo Português, série iv, vol. 17, 1999, a revista Museologia, editada pelo Museu de Ciência da Universidade de Lisboa, as edições da Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial.

2 A ausência de referências bibliográficas neste artigo é sinal da impossibilidade de seleccionar entre os milhares de artigos, livros e comunicações a congressos onde se travam estes debates.

 

 

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