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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.186 Lisboa jan. 2008

 

Pedro Aires de Oliveira, Os Despojos da Aliança. A Grã-Bretanha e a questão colonial portuguesa, 1945-1975, Lisboa, tinta-da-china, 2007, 598 páginas.

 

 

O longo título da obra indica o imenso trabalho de síntese que foi exigido ao autor neste percurso historiográfico, cobrindo três décadas do complexo relacionamento entre Portugal e a Grã-Bretanha. Este feito foi possível por resultar directamente de uma investigação de doutoramento em História Institucional e Política realizada na Universidade Nova de Lisboa (FCSH). Pedro Aires Oliveira, premiado pela Fundação Mário Soares em finais de 2007, foi capaz de condensar num volume o conjunto de esforços dos dois países no que diz respeito aos seus territórios coloniais, tanto no campo politico como diplomático e militar. Ao longo da narrativa é possível detectar que o autor adopta, deliberadamente, um estilo próximo das crónicas do final dos tempos, ou pelo menos de alguma nostalgia pós-imperial. Isto apesar de os capítulos centrais da obra se encontrarem num registo de tipo ensaístico, mais próximo da história política tradicional (capítulos v, vi e viii).

No tratamento dos temas parece evidente que o autor se esforçou para conjugar os seus dois principais interesses — a história das relações internacionais com a história contemporânea de Portugal. A opção de trabalhar assuntos tão diversos na perspectiva do que chamou «despojos» de uma aliança é bastante discutível. Com algum sucesso, Pedro Oliveira escolheu submeter grande parte do conjunto historiográfico a uma estratégia literária. Se este dispositivo é perfeitamente legítimo, enriquecendo uma história da «crise colonial portuguesa no contexto das relações luso-britânicas» (p. 15), já a inspiração (declarada) no título de um famoso filme de 1993, realizado por James Ivory, The Remains of the Day (baseado no romance homónimo de Kasuo Ishiguro), parece demasiado forçada. Na verdade, após uma leitura atenta das conclusões sugeridas não restam «despojos» alguns, ou melhor, é difícil ver para além da circunstância mencionada sobre as cerimónias de entrega dos derradeiros bastiões da presença imperial das duas nações na Ásia (Hong-Kong e Macau) pouco distarem uma da outra (p. 489). A estratégia literária está, contudo, longe de ser falhada; Oliveira foi capaz de encontrar originalidade em títulos como «Por detrás do biombo: olhares britânicos sobre o colonialismo português» (capítulo iii). Referindo-se ao papel da imprensa britânica: «Os desmancha-prazeres» (p. 165) e, respectivamente, para os capítulos v e vi, «Annus horribilis» (acerca do ano de 1961) e «Entre Cila e Caribdis» (abrangendo toda a última fase do salazarismo). Esta agradável surpresa numa obra proveniente da academia é de saudar naquela que certamente é uma intenção de introduzir uma mudança de mentalidades.

Mas o aparato literário não é indispensável para o leitor tomar em conta as teses bem realistas que percorrem a obra. A nosso ver, a tese que surge com mais vigor é a da ligação Londres-Lisboa se encontrar assente nas realidades coloniais e, por esse motivo, como argumenta o autor, ter havido um «esvaziamento» dessa «conexão» após 1976. Encontramos desde logo no capítulo i (que procura reconstituir rapidamente as mutações e motivações da aliança anglo-lusa desde o seu começo) uma leitura demasiado atenta à centralidade dos «factores coloniais» (p. 33), pondo de parte as questões (em especial os problemas do espaço ibérico) que não cabem no que o subtítulo da obra designa como «a questão colonial portuguesa» e que, respeitando esta lógica, não serão objecto de estudo neste livro. Deste modo, o duradouro casamento de conveniência (uma antiga imagem que simboliza a aliança) terminou naquele momento do tempo em que se dava o final da presença portuguesa em África nos moldes em que existia, constituindo já o processo de «normalização democrática que o país experimentou» uma etapa inteiramente distinta, até porque desde 1986 teria sido absorvido o que restava da relação bilateral no «mundo dos contactos multilaterais» (p. 489). Serão estes os «despojos» para que o título nos remete?

Ao apresentar as linhas orientadoras do relacionamento destas duas potências coloniais, Pedro Oliveira procurou entender qual era o olhar britânico sobre o império português. Situar quais os elementos essenciais na construção de uma visão única do colonialismo lusitano; ao nível da mais pequena política (interesses locais, convergências ocasionais, questões de fronteiras), mas também na dimensão de uma cuidada imagem diplomática interpretada por um filtro único: o Foreign Office. Como sublinha o autor, a «influência dos funcionários de carreira do FO na discussão e apresentação das linhas de acção face a Portugal era enorme» (p. 483). Esta é outra das teses fundamentais que Oliveira quer transmitir ao leitor. Ao longo da obra vai demonstrando, através de inúmeros exemplos pacientemente escolhidos, como um conjunto de notáveis diplomatas da velha escola britânica não conseguia ser totalmente insensível aos sortilégios do regime de Salazar (Frank Roberts, Anthony Eden ou Samuel Hoare, só para escolher três que o autor identifica) (p. 49). Se acrescentarmos, como explica Pedro Oliveira, que, no caso dos embaixadores acreditados em Lisboa, muitas vezes se chega ao elogio, sem reservas, do presidente do Conselho, ficamos de facto convencidos de que este tipo de análise política era preponderante. É emblemático o caso das comunicações para o Foreign Office feitas por Sir Charles Stirling desde Lisboa em 1959, em contraste com a posição de Sir Pierson Dixon, o representante britânico nas Nações Unidas (p. 203). Esta dinâmica de diferentes posicionamentos, com poucas consequências, por ser ainda anterior ao discurso dos «ventos de mudança» de 1960, permitiu ao regime português uma travessia suficientemente calma nos mares do pós-guerra e a que Pedro Oliveira chamou, em mais um dos seus títulos bem achados, uma adaptação aos novos tempos «sob o patrocínio de Sua Majestade».

A documentação recolhida nos arquivos de Kew (PRO), na sua quase totalidade inédita para todos os que se dedicam a estes estudos, confirma que até 1954 Portugal soube colher os frutos da neutralidade «colaborante» e que, apesar das observações lúcidas de Salazar, sempre céptico acerca dos mecanismos da política internacional, a velha aliança parecia apresentar ainda algumas potencialidades. Esse foi um pouco o sentido da visita a Portugal da rainha Isabel II em 1957 e das conversações quadripartidas (incluindo igualmente a Bélgica e a França) sobre questões coloniais que datam do mesmo ano, uma das últimas ocasiões em que o voto britânico nas Nações Unidas alinhava com as posições portuguesas «por dever de solidariedade para com um aliado» (p. 200).

Para compreender melhor o contexto em que a aliança funcionava como um factor de peso no relacionamento entre os dois países é necessário recuar cerca de dez anos. A narração de Pedro Oliveira enumera alguns episódios reveladores do elevado crédito político que o regime possuía em Londres desde 1945, traduzido em Lisboa por diversas «manifestações de apreço» ao longo de 1946 (p. 49). Logo a seguir, no período entre 1947 e 1949, estavam criadas, segundo o autor, «condições propícias à participação portuguesa nas instituições que deram solidez e coesão ao chamado `mundo livre'». A documentação do Joint Planning Staff apresentada no capítulo i é uma peça chave para entender o processo de valorização da situação geopolítica portuguesa, a localização atlântica do país e dos seus arquipélagos, rapidamente transformados por Salazar em crucial peça negocial no jogo diplomático anglo-americano (p. 46). Se em Os Despojos da Aliança a visão portuguesa é menos importante do que a da «pérfida Albion», não deixa de ser obrigatório reflectir como Salazar se preocupou com as palavras de Lord Palmerston pronunciadas cem anos antes, em 1847, numa carta onde o estadista punha em relevo como as vantagens da aliança eram grandes para os ingleses. Era assim, sem dúvida, premeditada a insistência do chefe do governo português em demonstrar a importância de Portugal para uma eventual defesa do Ocidente no século xx. Como mostra Pedro Oliveira, articulando as conclusões do relatório do Joint Planning Staff com as deliberações do Cabinet, e não ignorando o indispensável «pragmatismo» de Salazar (e das chefias das forças armadas), estamos perante a receita que conseguiu incluir Portugal no Tratado do Atlântico Norte, deixando a Espanha de fora (p. 54).

No que diz respeito ao valor estratégico das possessões portuguesas a oriente (Goa, Macau e Timor), já não se aplicam, uma por uma, as mesmas razões e argumentos. Como nos é explicado no capítulo ii de Os Despojos da Aliança, embora a dinâmica dos acontecimentos tenha sido simultânea, a forma como se elaborava o processo de decisão na diplomacia de Whithehall não deixava que os interesses próprios da Commonwealth fossem abandonados ao proceder-se à avaliação das obrigações constantes nos tratados com Portugal. Eram estudos completos, que no final dos anos 40 serviam para mero apontamento de gabinete, embora se aproximassem da chave para interpretar o significado das diferentes fases que a velha aliança atravessava. As metáforas meteorológicas de Salazar — «zona de tufões» — estavam certas: adivinhavam-se tempos turbulentos.

Neste grande retrato de um mundo anterior às violentas mudanças da descolonização africana Pedro Oliveira insiste numa tendência para valorizar as teorias da chamada terceira força, elaboradas pelo professor John Kent, procurando legitimar a acção dos governantes britânicos (nomeadamente Bevin) através de um suposto desejo de afirmação do continente europeu e suas colónias africanas como factor de equilíbrio entre as duas grandes forças da guerra fria. Apesar de ser uma explicação convincente, nem sempre é esclarecedora, ainda que tenha, de facto, sido adoptada pelos círculos governativos em Lisboa. Salazar, com feito, apostava neste jogo, mas através de um conceito de Euro-África que, podemos afirmar, era certamente distinto das sugestões vindas de Londres. Antes de mais, como Oliveira, aliás, amplamente demonstra para este período, o exercício de manutenção e cooperação para o desenvolvimento dos territórios portugueses em África já era só por si uma cruzada de grande envergadura.

Pedro Oliveira procurou no seu trabalho de doutoramento privilegiar o «papel desempenhado por algumas forças da sociedade civil britânica na crise colonial portuguesa» (p. 485). Para este fim utilizou no capítulo iii a sobreposição de três pontos de vista inovadores: a riqueza das fontes consulares (registos dos cônsules britânicos que operavam «no terreno»), o papel das missões religiosas (únicas organizações de tipo «não governamental» daquela época) e ainda focando alguns episódios relativos à natureza da posição da imprensa britânica relativamente às colónias portuguesas.

Numa leitura que abarca trinta agitados anos haveria que fazer escolhas e, para grandes ensaios de história diplomática, Pedro Oliveira reservou os capítulos centrais, que dizem, em grande parte, respeito aos anos 60. Antecedendo estes capítulos, encontramos uma excelente meditação acerca das questões relativas às disputas ocorridas na ONU no quadro imediatamente anterior: é um momento de uma alteração significativa na «arena internacional» (analisado na última secção do capítulo iv). Com um juízo um pouco injusto para a diplomacia portuguesa (cujos poderes de previsão acaba por elogiar), Pedro Oliveira revela aqui um pouco do pensamento nacional, desapontado com o evoluir do relacionamento com a antiga aliada, usando trechos bem seleccionados da correspondência entre Salazar e o embaixador Abranches Pinto, representante de Portugal em Londres. Passando para o ano terrível (horribilis) de 1961 (capítulo v), tornam-se claros os factores da «vulnerabilidade da aliança» — uma boa definição para a dificuldade do lado britânico em obter acordo na questão das autodeterminações para a África portuguesa — e ficamos a conhecer quais foram as mais importantes (e infrutíferas) démarches dos diplomatas britânicos: tentativas no quadro da Nato, conversas do embaixador Ross em Lisboa e até uma visita de Lord Home a Salazar, apostando nas virtudes do reformismo como solução para o caso de Angola. Do lado português existia, segundo a visão britânica, uma «filosofia» que era impossível de ser ultrapassada pelos métodos diplomáticos tradicionais. A aposta no programa de reformas anunciado para a África parecia, naquele contexto, uma derradeira hipótese de salvar as aparências, sendo assim o cenário mais «desejável do ponto de vista das relações anglo--portuguesas» (p. 259).

O nível crescente de «anglofobia» sentido em Portugal pela insistência britânica neste ponto concreto viria a ter o epicentro na perda de Goa, precisamente trezentos anos após termos cedido Bombaim no tratado que ficou como o mais célebre de todos aqueles que foram assinados com a Grã--Bretanha, o de paz e aliança de 1661. A aliança estava nos primeiros dias de 1962 tão enfraquecida que Salazar até perdeu a voz quando ia pronunciar um discurso em que lançava fortes dúvidas sobre a Aliança Luso-Britânica, interrogando-se acerca do seu valor futuro perante o «aborrecimento de dolorosas contradições».

Do lado britânico, o facto de pela primeira vez, e de um modo crucial, a manutenção de Salazar no poder ter sido posta em questão é um dos processos políticos centrais narrados na obra (p. 292). Foi uma tentativa do Foreign Office (precisamente em Dezembro de 1961) para pensar numa alteração «radical» do relacionamento especial com Portugal. A revisão da aliança nestes termos teria sido um teste fundamental para avaliar a inserção do pequeno país no concerto internacional ocidental. Discutida ao mais alto nível em Londres, acabou por ficar em vagas sugestões. Pedro Oliveira designou este momento como o da «aliança debatida» (p. 287) e que acabou por levar a uma tentativa de «recomposição das relações». Deste modo, embora mantido o status quo, pode ser considerado o começo de uma clivagem irreparável, relativa aos assuntos africanos, entre os dois governos. Um dos elementos mais determinantes nesta dinâmica é o «despertar da opinião pública» (p. 242) a nível mundial com efeitos relativos, mas numa sociedade com uma longa tradição de discussão democrática com algumas consequências políticas importantes. Do ponto de vista da opinião pública (e oficial), em Lisboa foi um final infeliz para «um instrumento diplomático que se tornara quase um elemento estruturante da identidade portuguesa». Além de, como sublinha Pedro Oliveira, ter sido a aliança, ao longo dos anos, para Salazar um «trunfo» útil, de que certamente não gostou de abdicar. As razões fundas desta nova situação surgem perfeitamente delineadas num dos documentos mais fascinantes que Pedro Oliveira nos apresenta: num memorando para o governo Lord Home, então a chefiar o Foreign Office, afirma estar preocupado com eventuais situações futuras que possam ser semelhantes ao caso de Goa, escrevendo que o mais importante «está em saber como nos livrarmos deste compromisso com elegância e sem provocar reacções hostis em Lisboa» (p. 291).

Assim, no outro vértice da aliança, em Londres, numa fase distante do ambiente do pós-guerra, dá-se uma alteração da percepção da personalidade de Salazar e das suas capacidades de gestor das crises externas e internas — acentuada pela crise da Rodésia. Situação que se torna problemática logo em 1965, ponto preciso que Pedro Oliveira identifica (correctamente) como de ruptura na relação de confiança entre os aliados. As relações entre os dois países «tinham resvalado para aquele que foi talvez o seu ponto mais baixo» (p. 346).

O ponto de viragem é considerável. vinte anos após o embaixador Owen O'Malley não encontrar um programa válido nas propostas dos oposicionistas a Salazar (p. 48) os diplomatas britânicos pensam seriamente em considerar a oposição ao regime um interlocutor válido. Por outro lado, os decisores ingleses não queriam que uma aliança luso-rodesiana viesse a ganhar a possibilidade de se concretizar (p. 303). Parecia tão fatal para a aliança luso-britânica este cenário que os decisores do aparelho diplomático britânico não só arranjaram um enviado especial (a vinda de Lord Walston foi de facto o ponto «mais baixo» que o relacionamento conheceu), como fizeram com que o próprio primeiro-ministro Wilson enviasse uma mensagem pessoal a Salazar que apostava na continuidade da «velha amizade» (p. 341). Foi, inquestionavelmente, a crise mais profunda (e duradoura) da aliança após o conflito de 1939-1945.

O fim de Salazar, segundo os relatos apresentados neste livro, trazia para os muito entusiasmados diplomatas ingleses mudanças consideráveis e talvez até a solução para o próprio problema colonial. Era grande a expectativa no reformismo do novo presidente do Conselho, sobretudo no que toca a concretizar uma aspiração a políticas mais «esclarecidas», aproveitando as possibilidades do ambiente económico e político favorável. Na verdade, ao relatar com bastantes detalhes estes últimos aspectos antes da chegada de Marcelo Caetano ao poder, boa parte do capítulo vii (inteiramente dedicado a um liberal que, afinal, não o era) pertence ao capítulo imediatamente anterior. As conclusões são de enorme interesse, pois Pedro Oliveira volta a fazer uso do material consular disponível nos arquivos britânicos acerca da África portuguesa, recolhendo juntamente outras opiniões acerca da situação real (principalmente económica) daqueles territórios. É a própria viabilidade daquela experiência ultramarina que está aqui em análise, conforme nos indica um relatório de leitura obrigatória da autoria do Southern European Department do Foreign Office elaborado no ano de 1970. A aliança seria um entendimento futuro acerca do desenvolvimento africano, sem, contudo, se abdicar de um caminho para a democracia, o multirracialismo e a consagração do princípio da autodeterminação (p. 373). Em relação a um tema essencial, a visita oficial a Londres de Marcelo Caetano, sublinha com argúcia Pedro Oliveira, foi uma «festa estragada», e não só pelas diferentes e contrárias interpretações diplomáticas que suscitou. Na secção final (p. 397), dedicada em grande parte ao esforço falhado de obtenção do reconhecimento diplomático pelo PAIGC por parte do governo de Londres no momento que antecede a «queda dos dominós» — expressão que o autor elegeu para denominar o processo de descolonização —, não deixa de ser curioso verificar a crença de uma parte da diplomacia do Reino Unido na preparação de uma futura «comunidade lusitana» para a África (p. 405). Três meses depois (Maio de 1974) já o famoso jornal Times considerava a possibilidade de uma federação luso-africana um sinal inquietante de neocolonialismo (p. 418).

Efectivamente, a lógica impiedosa da guerra fria lançou sobre os territórios portugueses toda a atenção da comunidade internacional. A Inglaterra ajudou em muita coisa, mas não exclusivamente. A aliança serviu pouco a independência de Angola. é mesmo possível afirmar que Londres dispunha apenas de uma curta influência nessa zona, onde os seus interesses económicos eram pequenos (p. 452). Foi o entendimento anglo-americano (Kissinger em Londres) que originou uma acção conjunta para travar os avanços do bloco MPLA. Curiosamente, não era só a esquerda portuguesa que acreditava em terceiras vias heterodoxas, pois, segundo nos revela Pedro Oliveira, Callaghan considerava a política externa de Idi Amin algo interessante para a África daqueles tempos! (p. 455). É extremamente curioso ler este ensaio sobre os acontecimentos de 1974-1975 usando testemunhos daquela fleuma britânica que, se não estivéssemos perante uma tragédia humana tão grande, teriam sucesso em qualquer crítica de costumes. É o caso do diplomata Stanley Duncan, que vê Moçambique vítima de colonizadores incompetentes (p. 441). Neste capítulo viii conseguimos vislumbrar a habilidade do responsável máximo pela diplomacia portuguesa, Mário Soares, como alguém particularmente sensível aos usos úteis da aliança Luso-Britânica. A dupla que em alguns momentos formou com Callaghan é aqui pela primeira vez historiografada com fontes nunca antes usadas. Os contactos de alto nível que se fizeram através de Londres parecem ter tido resultados significativos, sobretudo no caso de Moçambique, onde, apesar das inúmeras contingências se evoluiu, como sublinha o autor, no breve espaço de vinte anos para uma adesão à Commonwealth. Numa prosa elegante, e não recorrendo a extrapolações irracionais, tão frequentes ao tratar um tempo histórico tão próximo, Pedro Oliveira revela ainda os motivos (ocultos) do interesse britânico por Timor. Este episódio «menos feliz» (p. 479) encerrava razões associadas a uma realpolitik que parece hoje chocante para as diplomacias baseadas na salvaguarda dos direitos humanos, mas que não deixavam de conter uma dose de grande complexidade, como, aliás, se advinha pelas declarações então feitas por alguns responsáveis portugueses.

Não podemos, por todos os motivos apontados, dispensar os contributos desta obra para uma compreensão mais rigorosa da história do século xx português. Um trabalho que passa a ser de referência. Como nos recorda o autor logo de início, não existe ainda uma obra de síntese que coloque em perspectiva seiscentos anos de aliança. estamos, assim, perante um modesto contributo… de 600 páginas!

 

Pedro Leite Faria

Centro de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa

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