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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.191 Lisboa abr. 2009

 

Continuidades e descontinuidades da realidade política italiana (1943-1948)

Goffredo Adinolfi*

 

Neste artigo analisam-se as continuidades da elite política italiana durante o período da transição do regime autoritário para o regime democrático (1943-1948). Pretende-se caracterizar as elites ministeriais tanto do ponto de vista das suas biografias como das suas carreiras político-profissionais e avaliar até que ponto a variável fascismo/antifascismo foi importante para a constituição da nova elite política e, sobretudo, se estamos perante uma nova classe ou apenas face a uma recuperação da antiga elite liberal.

Palavras-chave: transição; elite ministerial; fascismo; partidos políticos; Itália.

 

 

Continuities and discontinuities in Italian politics (1943-1948)

The objective of this article is to analyze continuities in the Italian political elite during the period of transition from authoritarianism to democracy (1943-1948). It outlines both the biographies of the ministerial elites and their political and professional careers, seeking to assess to what extent fascism/anti-fascism was a significant variable in the consolidation of the new political elite and, above all, whether this produced a new class or whether the former liberal elite merely regained its former position.

Keywords: transition; ministerial elite; fascism; political parties; Italy.

 

 

Introdução

Após quase vinte anos de ditadura (1925-1943), a Itália teve de encontrar um novo caminho político para poder recuperar a tendência que desde a primeira monarquia constitucional, ainda no reinado da Sardenha, em 1848, conduzira ao sufrágio universal masculino e à formação de um sistema partidário de carácter pós-liberal (1921). Quais foram as principais etapas deste processo? Em que medida e como é que se formou uma nova classe dirigente? Estas são as principais questões a que procuramos dar resposta neste artigo.

Na primeira parte definem-se as principais fases do processo que, a partir da queda do fascismo, levou à consolidação da democracia. A nossa análise centra-se na formação dos novos/velhos partidos, das novas/velhas instituições, sublinhando os momentos-chave que desde 25 de Julho de 1943 — data da substituição de Benito Mussolini pelo general Pietro Badoglio na função de chefe do governo — levaram à eleição das novas câmaras no dia 18 de Abril de 1948.

Na segunda parte do artigo, com vista à apreensão dos factores de continuidade e descontinuidade em relação aos regimes anteriores (regime liberal e fascismo), questiona-se até que ponto o período fascista constituiu um mero parêntesis na história política italiana e discutem-se os critérios de recrutamento da nova elite política e a sua configuração, procurando delinear-se o perfil da elite ministerial que exerceu funções no período em estudo. Nesta caracterização consideraram-se as seguintes variáveis: a idade, a origem geográfica, a educação, a profissão e o posicionamento político face ao fascismo, sendo este último aspecto particularmente importante para se averiguar se a oposição ao fascismo constituiu uma condição sine qua non para fazer parte da nova classe política.

A elite ministerial representa um observatório privilegiado para a análise das clivagens políticas, já que o governo é a única instituição estadual que se mantém ao longo do período estudado. Tal permanência justifica a escolha deste organismo como objecto de trabalho, uma vez que esta viabiliza a análise das continuidades e descontinuidades nos padrões de recrutamento dos ministros durante a transição democrática italiana, comparando-os com os do regime liberal (entre Maio de 1921 e Outubro de 1922), do regime fascista (1922-1943) e da "I República" (1948-1992).

 

Entre o fascismo e a democracia

A crise do fascismo italiano coincidiu com a entrada deste país na Segunda Guerra Mundial, a 10 de Junho de 1940. A partir desse momento, o Gran Consiglio del fascismo (Grande Conselho do fascismo), organismo composto pela elite política do regime, deixou de se reunir durante três anos, até que Benito Mussolini decidiu agendar uma nova reunião para a noite de 24 de Julho de 1943. Em causa estava a devolução dos poderes militares, então nas mãos do duce, ao rei Vittorio Emanuele III. Como é fácil compreender, subjacente à proposta de Dino Grandi, um dos mais influentes vultos do fascismo, estava uma moção de desconfiança contra o chefe do regime. Os gerarchi reunidos em torno de Grandi tinham por objectivo principal a saída da Itália da guerra. Mussolini, que conhecia bem o objecto da discussão, estava certo de que conseguiria convencer os seus homens a votar contra a moção Grandi e que conseguiria obter, assim, um reforço da sua liderança, posta em causa pelo avanço das tropas aliadas. Porém, Mussolini perdeu aquela que foi a sua última aposta: das vinte e oito pessoas convocadas para o Conselho, só oito votaram a seu favor. O fim estava próximo. Durante a tarde do dia 25, o rei demite o chefe do governo e, em sua substituição, nomeia o general Pietro Badoglio.

Inicia-se, assim, um período de transição em relação ao qual importa considerar dois aspectos. Em primeiro lugar, constata-se que ao longo de toda a ditadura fascista os seus mentores nunca conseguiram substituir completamente o "Estatuto Albertino". Nos termos desse quadro legislativo, a figura do chefe do governo, ainda que profundamente alterada quanto às suas atribuições com a reforma de 1926, mantinha formalmente uma relação de confiança com o chefe de Estado. Ora foi precisamente aproveitando os poderes ainda atribuídos à coroa, e consequentemente ao rei enquanto chefe de Estado, que este último demitiu Mussolini. O segundo aspecto a ter em conta prende-se com o facto de a transição do regime fascista para o regime democrático ter sido desencadeada pelas elites no poder, isto é, o que se pretendia era proceder a uma alteração dentro do próprio regime e não a uma mudança de regime (Linz e Stepan, 2005). Na verdade, só num segundo momento é que o episódio ocorrido no dia 25 de Julho de 1943 foi entendido como uma verdadeira revolução, apanhando completamente de surpresa todos os actores políticos.

Por que é que um regime que parecia tão estável acabou por se dissolver numa tarde? Ora pode dizer-se que a guerra foi um factor determinante para o estabelecimento de uma crise de consenso insanável da qual são expressão as greves no Norte da Itália em Março de 1943, o estado das elites económicas, prejudicadas pelo conflito, e, por fim, a atitude da monarquia, que, numa extrema tentativa para se salvar a si própria, se distanciou do regime fascista. Estas circunstâncias demonstram, efectivamente, que o regime tinha perdido o apoio de todas as camadas da sociedade italiana.

Com a substituição de Mussolini assiste-se à emergência de uma fase de instabilidade e incerteza, de certa forma inevitável, durante a qual a democracia não se apresenta como a alternativa óbvia ao regime anterior. De facto, como se afirma neste artigo, nos períodos posteriores a 25 de Julho de 1943, a prática e os desejos políticos pareciam tender mais para a restauração de um regime autoritário/monárquico do que para a implementação de um regime democrático. Os ambientes conservadores, em particular a Igreja, a monarquia (Colarizi, 1997; Galli, 2001) e o governo inglês (Perfetti, 2005), estavam interessados em recuperar parte da antiga elite (burocrática e política) do regime fascista, a mais próxima da monarquia, e reconstruir, em volta dela, um novo regime mais autoritário e menos fascista.

Para além disso, os partidos que viriam a formar a base da nova democracia não estavam ainda organizados e muito menos activos no verão de 1943 (Pasquino, 1998). As repressões e a guerra tornaram extremamente difícil a manutenção das redes e contactos no país. A Democracia Cristã (DC), herdeira do antigo Partido Popular (PPI, 1919-1926), tinha-se dissolvido logo no princípio da ditadura e grande parte dos seus dirigentes afastara-se da política activa, regressando às actividades que desempenhavam anteriormente. O mesmo veio a ocorrer com os membros do Partido Liberal (PLI), que dominara a política italiana durante todo o período monárquico até 1922. Já os dirigentes do Partido Comunista (PCI), exilados em França, acabaram por se ver obrigados a fugir para a União Soviética. O Partido Socialista (PSI), que, contrariamente ao PCI, não podia contar com as ajudas de um país estrangeiro, foi derrotado pela polícia política italiana logo em 1930. Por sua vez, o partido Democracia e Trabalho (DL), liderado pelo velho Ivanoe Bonomi, embora de formação recente (1942-1943), exercia pouca, se não nenhuma, influência. O único partido cujas origens não radicavam no período liberal era o Partido de Acção (PdA), mas este só veio a existir no período posterior a 1943-1944. Acrescente-se ainda que era pouco significativa a presença dos azionisti em Itália, os quais constituíam um grupo de intelectuais exilados em França cuja origem política diversificada — liberal, republicana e socialista — viria a ser responsável pela sua própria dissolução no ano de 1947 (Galli, 2001). Como salienta Leonardo Morlino (2003), a política de tendência totalitária do regime fascista determinou, de facto, um profundo vazio político.

A ideia de democracia gozava à época de pouca credibilidade. Este facto justificou que o processo que conduziu à construção e consolidação do regime democrático italiano se tenha desenrolado claramente no sentido de cima para baixo, ditando o poder fortíssimo que os partidos viriam a ter no quadro de decisão política. É de notar também que o processo de legitimação democrática teve por base partidos pouco ramificados na sociedade e que em 1943 a interiorização do comportamento democrático era ainda bastante fraca. Assim, o período que medeia entre 25 de Julho de 1943 e Abril de 1944 teve por protagonistas as elites burocráticas ligadas à monarquia, em particular ao exército.

Se no dia 25 de Julho de 1943 a preservação das estruturas monárquicas surgia ainda como uma possibilidade e garante de estabilidade política, os acontecimentos que se seguiram contribuíram para que a confiança dos italianos na casa de Sabóia caísse completamente. No Sul assistia-se ao avanço dos aliados, enquanto no Norte as tropas alemãs faziam as suas investidas. Só após quarenta e cinco longos dias de negociações entre o novo governo italiano e os anglo-americanos é que foi assinado o armistício (8 de Setembro de 1943). Os alemães tiveram, assim, um tempo considerável para planear a ocupação do território italiano, e sobretudo da cidade de Roma, a qual, de acordo com os planos originais, deveria vir a ser ocupada desde logo pelas tropas aliadas.

A 9 de Setembro nasceram os comitati di liberazione nazionale (CLN), formados por partidos antifascistas (DC, PCI, PSI, PdA, DL, PLI), a que se seguiram, pouco tempo depois, os comitati di liberazione Alta Itália (CLNAI). Tem então início a guerra de resistência contra os alemães e, por consequência, contra o que virá a ser a nova Repubblica Sociale Italiana (surgida a 23 de Setembro de 1943, RSI), chefiada oficialmente por Mussolini.

Uma vez assinado o armistício com os aliados, e tendo-se iniciado a entrada dos alemães na capital, os membros da casa real e do governo fogem para o Sul da Itália, deixando o país sem as instruções necessárias para fazer face à ocupação, enquanto os ministros e o exército foram abandonados à vingança dos alemães.

É legítimo afirmar que o primeiro governo Badoglio foi praticamente inexistente e que as poucas medidas tomadas, principalmente no que diz respeito ao campo da política externa, se pautaram pela contradição. As razões destas circunstâncias, por um lado, residem no facto de as decisões serem tomadas em circuitos demasiado restritos, ligados ao inner circles da monarquia, e não do executivo, e, por outro, relacionam-se com a sucessiva deslocação do governo para o Sul da Itália, levando a que o território sobre o qual exercia a sua autoridade representasse cada vez mais uma parte muito limitada de um país sob regime de ocupação. Durante este período formaram-se efectivamente dois campos opostos quanto ao destino político da Itália. De um lado encontravam-se os defensores de uma solução de carácter salazarista (Galli, 1978; Perfetti, 2005), como Churchill, o rei e a Igreja, enquanto do outro figuras como o presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, e os partidos membros do CLN perfilhavam a ideia de uma reconstrução política em moldes democráticos.

A Itália vivia então num impasse: o rei Vittorio Emanuele III não reconhecia os CLN e os partidos reunidos nos CLN não queriam reconhecer legitimidade à monarquia e pretendiam que o rei abdicasse. Foi só em Março de 1944 que o secretário-geral do PCI, Palmiro Togliatti, propôs como saída para esta situação a realização de um referendo, o qual, contudo, só viria a ter lugar após o fim do conflito1. Em contrapartida, Togliatti pediu ao rei o reconhecimento oficial dos partidos reunidos nos CLN e a nomeação dos seus representantes no governo Badoglio (Pasquino, 1998). Este foi o passaporte para o regresso dos partidos ao jogo político. Embora existissem divisões no seio dos CLN — os azionisti, por exemplo, opunham-se ao reconhecimento do rei —, Togliatti encontrou, assim, a solução para o impasse. No dia 12 de Abril, o rei Vittorio Emanuele III, sob imposição dos aliados, anunciou que, embora sem abdicar, deixara o poder formal ao seu filho Umberto II.

A 22 de Abril de 1944, no seguimento da postura de Togliatti, formou-se o segundo governo Badoglio. No entanto, este governo só duraria dois meses e o grau de participação dos partidos no mesmo era meramente representativo. A situação de "impasse" continuava. Foi só com a libertação de Roma que veio a instaurar-se efectivamente um governo político (18 de Junho de 1944). O seu chefe, Ivanoe Bonomi, era, mais uma vez, o garante da continuidade do antigo Estado liberal.

Enquanto a guerra continuava no Norte, os dirigentes políticos eram chamados a enfrentar três grandes problemas: a guerra de resistência e as relações entre o CLNAI e as tropas aliadas, o futuro institucional do país e, por fim, a depuração do sistema político e burocrático dos colaboradores do fascismo. Os representantes do PdA foram os que com mais força tentaram evitar uma atitude indulgente para com os sujeitos comprometidos com o regime, enquanto o PCI e a DC tomaram posições mais conciliadoras. Outro importante elemento que caracterizou este período foi o desenvolvimento na sociedade italiana dos dois grandes partidos de massas (Pasquino, 1998) que iriam protagonizar toda a história da prima Repubblica até 1992: o Partido Comunista e a Democracia Cristã (Cotta e Verzichelli, 2006; Panebianco, 1984).

Com o 25 de Abril de 1945, o fim da guerra e a reunificação do país forma-se o quinto governo pós-fascista: o de Ferruccio Parri (PdA). O novo presidente do Conselho era líder do partido azionista, combatera no Norte de Itália e afirmava-se, de facto, como um dos vultos mais simbólicos da guerra de resistência. O sentido da consolidação parecia enveredar para uma palingénese da nação, ou seja, para uma profunda mudança nas suas estruturas e, sobretudo, na relação entre o cidadão e o governo. A decisão mais importante do governo Parri foi, provavelmente, a constituição de uma assembleia, Consulta Nazionale, composta por membros de nomeação governamental, propostos por partidos e, em parte, por ex-deputados que já tinham pertencido à antiga Camera dei deputati e cuja reputação não fora manchada pela colaboração com o Partido Nacional Fascista (PNF). Os poderes da Consulta eram na prática muito reduzidos; todavia, esta instituição merece alguma atenção. A Consulta representava a vontade do novo regime em estabelecer uma ligação com a época liberal e, nesse contexto, o fascismo devia ser entendido simplesmente como um parêntesis num percurso de desenvolvimento político do reino da Itália no sentido da constituição de um regime democrático. Esta instituição representava também a vontade expressa do governo em ter uma legitimação de tipo parlamentar. Note-se, por fim, que a Consulta foi chamada a exprimir um parecer relativo ao referendo institucional e a elaborar a reforma eleitoral para a eleição da Assembleia Constituinte.

Foram poucos os meses que durou este governo. O breve consulado de Ferruccio Parri tornou-se o símbolo de uma Itália que "quer mudar tudo para que nada mude" (Lampedusa, 1959), a demonstração de que muitas das forças em jogo não tinham vontade de conceder grande espaço ao "vento que chegava do Norte"2, isto é, a uma radical limpeza da elite política e administrativa do regime fascista. Em Dezembro de 1945, o governo Parri dava lugar ao consulado de Alcide De Gasperi. Homem mais pragmático, secretário-geral da DC e já ministro da pasta dos Assuntos Estrangeiros desde o segundo governo Bonomi (12 de Dezembro de 1944), De Gasperi irá chefiar o governo sem interrupção até 1953.

É evidente que os acontecimentos internacionais tinham um peso substancial na política nacional de um país que era responsável por ter desencadeado a mais violenta guerra de todos os tempos. Contudo, a "soberania limitada" pelas tropas aliadas e pelos tratados de paz não era a única causa da fragilidade da democracia italiana. As dificuldades de um desenvolvimento autónomo do regime democrático eram acentuadas também pela própria estrutura partidária, baseada em dois partidos "heterodirectos". Por um lado, havia o partido da Democracia Cristã, cujas raízes se encontravam na Acção Católica e que era fortemente influenciado pela Igreja católica; por outro lado, o Partido Comunista, que viria a ser o segundo maior partido, mas que era considerado suspeito tanto pela sua ideologia como pela ligação à União Soviética. Togliatti e De Gasperi foram de certeza dois grandes líderes, que souberam encontrar espaços de autonomia, embora sempre dentro de um contexto de liberdade muito limitada.

Foi neste cenário que no dia 2 de Junho de 1946 decorreram conjuntamente as eleições para a Assembleia constituinte e o referendo institucional, no qual se questionava o eleitorado quanto à sua preferência pela adopção de um regime monárquico ou de um regime republicano. Os resultados vieram fotografar um país mais conservador do que os seus próprios dirigentes políticos. A opção pela monarquia, ainda que tivesse perdido o referendo, conseguiu 45,7% dos votos. A Itália continuava assim bipartida, desta vez não por consequência de tropas de ocupação estrangeiras, mas sim pela orientação política: o Norte votou pela república e o Sul pela monarquia.

O sistema eleitoral escolhido para a formação da Assembleia Constituinte foi o proporcional puro, de forma a garantir a maior representatividade dos partidos. As eleições reservaram algumas surpresas.

 

Resumo das fases da transição democrática italiana

[Quadro n.º 1]

Nota: Esta base de dados sobre o perfil e carreiras dos ministros italianos do período da transição democrática foi construída através da consulta de múltiplas fontes. Entre as mais relevantes contam-se o Dizionario biografico degli italiani (2006), Roma, Istituto della Enciclopedia Italiana, vols. 1-67; La Navicella, deputati e senatori del parlamento italiano, Roma, Editoriale Italiana, 1921, 1924 e 1948; Chi è: dizionario degli italiani d'oggi, Varese, La Tecnografica, 1928, 1947, 1931; M. Missori (1973), Governi, alte cariche dello Stato e prefetti del regno d'Italia, Roma, Istituto Grafico Tiberino; http://it.wikipedia.org.

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de uma base de dados sobre os ministros italianos construída para o efeito.

 

 

O grande triunfador foi a DC, com 35,21% dos votos, seguida pelo Partido Socialista (20,68%) e pelo Partido Comunista (18,93%). O PdA, herdeiro do movimento antifascista Giustizia e Libertà, só conseguiu 1,45% dos votos, e o PLI, que dominara a política italiana até 1922, 6,78%. Importa ainda salientar a discreta afirmação de uma força baseada numa ideologia fortemente antidemocrática, o movimento do Uomo Qualunque (5,27%), cujo lema era "estava-se melhor quando se estava pior".

Estes dados levam-nos à conclusão de que estamos perante algumas permanências da ideologia autoritária, já que o ideário democrático não encontrava ainda forte legitimação na sociedade (Morlino, 1998), na qual as classes médias conservadoras não tinham ainda erigido a DC como o seu partido de referência (Scoppola, 1997). Esta foi a fase final da consolidação democrática italiana. Após a realização do referendo e a eleição da Assembleia constituinte, a qual não veio a ter poderes legislativos, De Gasperi formou mais um governo (de 13 de Julho de 1946 a 2 de Fevereiro de 1947), em que o PdA não estava representado. Tanto na Assembleia como no governo eram três as formações dominantes (correspondendo a cerca de 75% dos deputados): DC, PSI e PCI, as quais foram a base de uma nova remodelação governamental, que só iria durar três meses (2 de Fevereiro a 31 de Maio de 1947).

Mais uma vez, foram as circunstâncias internacionais, neste caso os novos equilíbrios decorrentes da guerra fria, que vieram influenciar profundamente a política italiana. Em Maio de 1947, o Partido Comunista foi afastado do governo para nunca mais voltar através de uma praxe definida como conventio ad excludendum. De Gasperi formou uma nova coligação governamental (31 de Maio de 1947 a 23 de Maio de 1948), desta vez com os liberais e com o Partito Socialista dei Lavoratori Italiani (PSLI), de Saragat, uma formação política nascida de uma ruptura à direita do Partido Socialista.

A constituição foi aprovada pelos partidos em Janeiro de 1948. A Itália tornava-se então uma república parlamentar, baseada num sistema eleitoral proporcional. Eram estabelecidas duas câmaras, a câmara dos deputados e o senado, através de um sistema chamado bicameralismo perfetto, uma vez que os dois ramos do parlamento têm exactamente os mesmos poderes e elegem conjuntamente o chefe de Estado, cujos poderes viriam a ser fundamentalmente representativos. Já o presidente do Conselho, por seu turno, era nomeado pelo chefe de Estado e passava a ter uma relação de confiança com o parlamento.

No dia 18 de Abril de 1948 tiveram lugar as primeiras eleições legislativas, que se seguiram ao golpe soviético na Checoslováquia (Fevereiro de 1948) e foram fortemente influenciadas pela guerra fria. A DC foi a grande vencedora das eleições: atingindo quase a maioria absoluta e tornando-se o partido anticomunista por excelência, conseguiu ganhar votos à direita, tendo os partidos desta última tendência passado de um total de 14%, obtido nas eleições de 1946, para 8,6%.

 

Os nove ministérios da transição

Uma vez delineadas as principais linhas de desenvolvimento do processo político de transição entre o regime fascista e o actual regime democrático, analisaremos agora o universo dos membros da elite ministerial italiana que exerceu funções no período que se estende de 25 de Julho de 1943, data da formação do primeiro governo pós-fascista, a 23 de Maio de 1948, dia em que terminou o mandato do último governo da transição.

Os dados sobre os perfis dos ministros foram obtidos a partir de biografias, dicionários biográficos e várias fontes impressas. Se em alguns casos foi possível completar as fichas biográficas destes indivíduos, noutros foi mais difícil, sobretudo no que diz respeito ao período dos governos "Badoglio", que se seguiram à derrota de Mussolini.

 

Um olhar geral

A chama fase de "transição" italiana teve o seu início a 25 de Julho de 1943 (fim do fascismo) e perdurou até Maio de 1948 (eleição da Câmara dos Deputados). Durante este período de quatro anos e dez meses sucederam-se nove governos e quatro presidentes do Conselho (v. quadro n.º 1): Badoglio (dois ministérios), Bonomi (dois ministérios), Parri (um ministério) e De Gasperi (quatro ministérios). Os ministros que passaram por esses nove governos perfazem um total de 96. Trata-se de um tempo, como é fácil de imaginar, caracterizado por uma fortíssima mobilidade, ou melhor, por uma baixa permanência ministerial, em que o governo que durou mais tempo foi o do quarto consulado De Gasperi (v. quadro n.º 1) com onze meses, em contraposição com o segundo governo Badoglio, que só existiu durante dois meses. Dada a forte instabilidade e o carácter de passagem de um regime para outro, os dados relativos à permanência vêm a ter um valor relativo. Em nosso entender, é mais significativo analisar a mobilidade para todo o período da transição democrática, em vez de governo a governo.

 

Número de pastas ministeriais por indivíduo

[Quadro n.º 2]

Fonte: V. quadro n.º 1.

 

Durante esses cinquenta e oito meses, a maioria dos ministros (57,29%) só passou por um ministério, 20% por dois, enquanto apenas 3,13% integraram um mínimo de sete e um máximo de treze ministérios. Neste sentido, pode dizer-se que estes últimos protagonizaram grande parte da transição. Sem querer jogar com as palavras, é de sublinhar o forte carácter transitório dos ministérios durante a transição.

Qual era o cargo que os ministros tinham antes da sua nomeação (v. quadro n.º 3)? Esta pergunta é da maior importância, pois, pelo seu carácter de novidade, o regime não se podia basear numa tradição de recrutamento de longo prazo. Com a excepção do primeiro e do segundo governos Badoglio, em que, respectivamente, 71,4% e 30,8% dos ministros não têm um passado político _ embora em 28,6% dos casos tenham sido antes secretários de Estado _, nos restantes governos a filiação partidária ou uma prévia experiência política são factores da maior relevância. No segundo governo Badoglio, em 23% dos casos os ministros já tinham desempenhado cargos semelhantes no governo anterior e em 46% eram dirigentes partidários. Temos de lembrar que se trata da fase que se segue à Svolta di Salerno (Março de 1944), em que os partidos vêm a ser reconhecidos como protagonistas da política depois de mais de vinte anos de um regime fascista.

 

Background político dos ministros

(em percentagem)

[Quadro n.º 3]

Fonte: V. quadro n.º 1.

 

Entre o segundo e o terceiro consulado Bonomi há uma certa estabilidade: ser dirigente partidário é importante para o primeiro mandato (30,8%), mas tem pouco significado no segundo (7,1%). Aumenta, no entanto, o peso dos ministros que foram secretários de Estado, de 7,7% no primeiro governo Bonomi para 14,3% no segundo, e o número dos que já eram ministros sobe de 53,8% para 71,4%.

A clivagem política, tanto no que se refere ao período fascista como ao passado liberal, representado simbolicamente pelo governo Bonomi, verifica-se no governo Parri. Neste, 44% dos ministros eram dirigentes partidários sem uma carreira ministerial anterior e 50% provinham do segundo consulado de Bonomi. Na passagem do governo Parri para o primeiro governo De Gasperi verifica-se uma certa estabilidade: 86,7% dos ministros já tinham exercido o cargo nos anteriores governos da transição. O facto de se ser membro da Consulta Nazionale não parece ter grande importância, pois apenas 6,7% dos ministros faziam parte dela antes da sua nomeação. Depois das eleições para a Assembleia Constituinte de 2 de Junho de 1946, nas quais os partidos puderam medir o seu peso real na sociedade italiana, observa-se um novo momento fracturante, representado pelo segundo governo De Gasperi (13 de Julho de 1946 a 2 de Fevereiro de 1947). Neste assiste-se à parlamentarização do governo: 41,2% dos ministros foram deputados à Assembleia Constituinte antes da sua primeira nomeação, 5,9% foram dirigentes partidários, 11,8% secretários de Estado e 41,2% ministros. Assim, depois dos dois consulados Badoglio e da fractura com o fascismo, o segundo governo De Gasperi representa a fase de maior mudança ministerial, enquanto o terceiro é apenas uma continuação do segundo, pois 86,7% dos ministros já tinham ocupado o cargo em governos anteriores e os restantes 13,3% foram escolhidos entre os membros da Assembleia Constituinte (o que significa que mais de metade dos ministros tinham desempenhado funções parlamentares antes da sua nomeação).

Por fim, a última grande ruptura é representada pelo quarto governo De Gasperi, que marca o fim da aliança entre a DC e o PCI, no qual a percentagem de ministros que já haviam desempenhado anteriormente estas funções desce para 52,9% e os restantes 47,1% dividem-se entre secretários de Estado e membros da Assembleia Constituinte. Em conclusão, desde a formação da Assembleia Constituinte até ao último consulado De Gasperi, no qual 10% dos ministros não faziam parte dela, todos os ministros eram deputados. O assento na câmara dos deputados por parte dos ministros italianos é uma "tradição" que, paradoxalmente, nem sequer foi quebrada durante o período do fascismo e representa, portanto, um elemento de forte continuidade.

 

Continuidades e descontinuidades: liberais ou antifascistas?

Analisámos, em primeiro lugar, a experiência política dos ministros da transição nos governos liberais em vigor até 1924-19253. Os dados dizem-nos que esta variável é da maior importância, pois, efectivamente, estamos perante uma forte continuidade entre o regime liberal e a democracia pós-fascista (v. quadro n.º 4).

 

Passado político dos ministros da transição no regime liberal até Outubro de 1922

[Quadro n.º 4]

Fonte: V. quadro n.º 1.

 

 

Se 92,6% dos ministros do primeiro governo Badoglio não tiveram uma carreira política prévia, tratando-se de um governo de carácter burocrático, o segundo governo De Gasperi (13 de Julho de 1946 a 2 de Fevereiro de 1947) foi aquele em que apenas 16,7% dos ministros não apresentaram uma participação política anterior. Se exceptuarmos o governo Parri e o primeiro governo De Gasperi, nos quais a percentagem dos ministros que já tinham ocupado esse cargo no período liberal rondava apenas os 5%, nos restantes governos este valor ronda os 20%. Mais elevada é a percentagem dos ministros que foram deputados — 42% no governo Parri e cerca de 28% nos quatro governos De Gasperi. São cerca de 20% os ministros, deputados e os dirigentes partidários, ou seja, aqueles ministros que, no regime liberal, detiveram altos cargos dentro dos partidos. Em suma, a percentagem da elite política que transitou do liberalismo para a democracia é alta, atingindo um pico no segundo governo De Gasperi (83,3%).

Passamos agora a analisar a variável fascista-antifascista (v. quadro n.º 5). Procura-se aqui apreender a representatividade daqueles que, após o golpe de Estado protagonizado por Mussolini em 1925, se opuseram, de alguma forma, à ditadura. Trata-se, neste caso, de um antifascismo activo e nesse sentido não são considerados os que, não querendo aceitar o regime fascista, decidiram abandonar a actividade política.

 

Actividade política dos ministros da transição durante o regime fascista (1922-1943)

[Quadro n.º 5]

Fonte: V. quadro n.º 1.

 

No primeiro governo Badoglio não existem antifascistas, o que vem confirmar a ideia de que a transição verificada com a substituição de Mussolini foi um processo de reestruturação no quadro de um regime autoritário. Tanto assim é que 14,8% dos ministros do novo governo tinham participado no governo anterior, enquanto nos restantes oito governos não haverá ministros com passado político no fascismo. Governos antifascistas? Não. Estamos perante governos que na maioria dos casos eram compostos por não-fascistas, ou seja, por pessoas que durante o regime de Mussolini deixaram a política activa (trata-se de uma percentagem que vai de 74,1% no governo Badoglio até 26,7% no terceiro governo De Gasperi). O número de ministros que sofreram perseguições por parte do regime, ou seja, os que foram exilados ou presos, atinge o seu ponto máximo no terceiro governo De Gasperi (40% passaram pelas prisões e 13,3% foram exilados), o que significa que, em média, os antifascistas oscilam entre os 28% no segundo governo Badoglio e os 40% a 50% nos restantes governos.

Em suma: ser fascista constituía de certeza, durante o período em estudo, com excepção para o caso do primeiro governo Badoglio, um verdadeiro impedimento para o ingresso no governo. Ser antifascista podia ser vantajoso, mas não era condição fundamental para se ser nomeado ministro.

 

Perfis sociais dos ministros

Idade

A variável "idade" é, na nossa opinião, uma das mais interessantes quando se procura analisar os eixos de continuidade/descontinuidade na composição de uma elite dirigente.

Desde já é preciso sublinhar que, a partir do primeiro governo de transição (v. quadro n.º 6), a média etária sobe bastante em relação aos valores verificados durante o governo Mussolini, passando de 47 anos para 59 nos dois governos de Badoglio (25 de Julho de 1943 a 18 de Junho de 1944). Com a nomeação de Ivanoe Bonomi (18 de Junho de 1944), a média etária não tem variações sensíveis: 59 anos no primeiro e 57 no segundo consulado, que irá coincidir com o fim do conflito. Nos restantes cincos governos, a média etária permanece estável, assumindo o seu valor mais baixo (53 anos) durante o primeiro governo De Gasperi, entre Dezembro de 1945 e Julho de 1946. Já nos dois últimos governos De Gasperi os números fixam-se entre os 54 e os 56 anos.

 

Media etária dos ministros

[Quadro n.º 6]

* Cotta e Verzichelli (2006).

Fonte: V. quadro n.º 1.

 

Considerando os dados agregados para o período de 1946-1992, ou seja, os dados relativos à prima repubblica (Cotta e Verzichelli, 2006), constata-se a existência de uma tendência prolongada, uma vez que a média para todo o período é de 54 anos. Esses dados sugerem-nos uma primeira hipótese: a transição para a democracia não foi só a transição do fascismo, mas também do liberalismo. No entanto, o quadro n.º 7 revela-nos que os ministros dos dois períodos que são objecto de comparação pertencem a uma mesma geração. A média etária dos dois grupos, calculada a partir do dia da nomeação de Mussolini para a Presidência do Conselho, é de 38 anos (fascismo) e de 39 (transição democrática). Isto significa dizer que a geração política que governou durante o regime fascista é a mesma que governou a transição democrática. Era aquela geração de pessoas que foram introduzidas no sistema político após as eleições parlamentares de 1919 e 1921, que marcaram um profundo corte com o liberalismo do século xix.

 

Media etária dos ministros no dia 30-10-1922

[Quadro n.º 7]

Fonte: V. quadro n.º 1.

 

Naturalidade

Para melhor compreender as origens geográficas dos ministros é necessário cruzar duas variáveis: a primeira é a dimensão do local de nascimento e a segunda corresponde à área do país em que o mesmo lugar se inscreve: Noroeste, Nordeste, Centro ou Sul. Desta forma, procura-se verificar até que ponto a existência no território italiano de uma clara clivagem entre cidades grandes e aldeias, bem como entre o Norte e o Sul, influi na composição das elites governativas e, simultaneamente, nas práticas políticas das mesmas.

 

Origem geográfica dos ministros: clivagem cidade/campo

[Quadro n.º 8]

Fonte: V. quadro n.º 1.

 

Em relação à primeira variável (v. quadro n.º 8), é difícil encontrar linhas de continuidade. Pode dizer-se que a maioria dos ministros provém de cidades com uma população que oscila entre os 40 000 e os 100 000 habitantes, não sendo as grandes cidades os centros de maior recrutamento. Por exemplo, Roma e Milão nunca chegam a representar centros importantes de recrutamento de elites ministeriais, atingindo como valores máximos apenas 15,8% para o caso de Roma e 5,3% para o de Milão durante o primeiro governo Bonomi. Já no governo Parri e no primeiro governo De Gasperi não há ministros oriundos da capital. Nos últimos dois governos De Gasperi atinge-se o valor mais alto de ministros provenientes de cidades com menos de 40 000 habitantes, com percentagens que rondam, respectivamente, 46,7% e 45,5%.

 

Origem geográfica dos ministros: clivagem Norte/Sul

[Quadro n.º 9]

* Cotta e Verzichelli (2006).

Fonte: V. quadro n.º 1.

 

Assim, se a clivagem entre grandes e pequenas cidades não é muito significativa, levando a pensar que o recrutamento é relativamente difuso, importa ver se as grandes clivagens entre as diferentes zonas do país se reflectem nos modelos de recrutamento (v. quadro n.º 9). Estas variações decorrem não só de diferentes níveis de desenvolvimento económico e social, como se poderia pensar num primeiro momento, mas prendem-se também com o facto de a Itália estar, durante o período de 1943-1945, geograficamente dividida em duas partes: uma ocupada pelos alemães e outra pelos aliados.

No primeiro governo Badoglio, num momento em que o armistício ainda não fora assinado e os aliados só ocupavam áreas restritas no Sul, os ministros oriundos do Noroeste eram apenas 22,2%, uma percentagem consideravelmente mais baixa do que a observada anteriormente: durante o período fascista, este valor rondava os 44%, sendo também inferior aos 33% que se registavam na última fase do período liberal (Cotta e Verzichelli, 2006). No primeiro governo Badoglio, os ministros oriundos do Sul da Itália atingiam quase os 52% e 58,8% no segundo. Uma mudança bastante significativa em relação ao passado, se pensarmos que durante o fascismo só 24% dos ministros tinham essa proveniência e que no anterior regime liberal a percentagem era de 22,6%. Apreende-se ainda outra tendência: diminui a percentagem de ministros oriundos do Noroeste da Itália, zona de maior desenvolvimento industrial, e aumenta a representação de ministros do Nordeste, que rondam os 25% no segundo governo Bonomi e cerca de 20% nos governos De Gasperi. De facto, se formos ver a tendência registada durante o período compreendido entre 1946 e 1992, podemos reparar que, em média, a representatividade dos ministros oriundos do Nordeste volta a baixar para 10,4%.

Em conclusão, se exceptuarmos o valor máximo de ministros oriundos do Sul da Itália atingido nos dois governos Badoglio, nota-se uma oscilação entre as diferentes zonas do país, recuperando uma prévia tradição de dispersão no território: 60% dos ministros eram oriundos do Norte (um terço do Noroeste e um terço do Nordeste), 30% do centro do país e 10% do Sul. Só durante a fase de estabilização do novo regime político é que os ministros oriundos do Sul do país vão adquirir maior peso, rondando os 40% durante o período da prima repubblica, ou seja, bastante mais do que a soma do Noroeste e do Nordeste (37,6%).

 

Educação

No que diz respeito ao nível de educação da elite ministerial (v. quadro n.º 10) observam-se duas grandes tendências, que percorrem o longo período que vai desde a unificação do país, em 1870, até aos nossos dias: a diminuição até ao seu desaparecimento de ministros com um passado militar e o aumento de ministros licenciados.

 

Formação dos ministros

[Quadro n.º 10]

* Cotta e Verzichelli (2006).

Fonte: V. quadro n.º 1.

 

O regime fascista constitui uma excepção quanto a estes movimentos de longa duração. De facto, se no anterior período liberal o número de ministros licenciados atingia uma percentagem de 83,2%, já durante o período fascista esta percentagem desce consideravelmente para 66,7%. Durante o governo Badoglio, este valor desce ainda mais, atingindo 51,9%; porém, neste caso, deve-se ter em conta a alta percentagem de pessoas que têm uma formação superior nas escolas militares (29,6%). A partir do terceiro governo de transição (Bonomi — 18 de Junho a 12 de Dezembro de 1944), a percentagem de licenciados vai subindo, passando de 73,7% para 93,3% no terceiro governo De Gasperi e voltando a baixar no quarto para os 77,3%. Esta circunstância parece ir contra a tendência dos dados relativos a todo o período da prima repubblica, durante o qual os ministros licenciados foram, em média, 90,8%. No entanto, apesar das variações observadas nos diferentes governos de transição, não deixa de ser legítimo dizer que a licenciatura vai sendo cada vez mais um imperativo para aceder ao governo (Cotta e Verzichelli, 2006).

O primeiro ministério liderado por Badoglio compreende uma alta percentagem de indivíduos formados nas escolas militares: 29,6% (v. quadro n.º 10). Este facto não surpreende, uma vez que os militares eram a força mais próxima da monarquia e, como tal, constituíam a garantia de um eventual projecto de reconstituição de um regime neo-autoritário e, em todo o caso, representavam a única instituição capaz de preencher o vazio deixado pelo fim do regime fascista e pela ausência de uma classe política alternativa. Durante a ditadura fascista, a percentagem de militares era de 10,8%. Durante os ministérios da transição assistiu-se a uma progressiva diminuição da presença dos militares (Adinolfi, 2004), passando de 23,5% no segundo governo Badoglio para 10,5% no primeiro governo Bonomi, enquanto nos últimos três governos De Gasperi não se regista já a sua presença. Estamos, assim, perante uma efectiva tendência para a progressiva substituição dos detentores das pastas tradicionalmente atribuídas a militares. O predomínio de ministros civis entre as elites ministeriais converte-se num factor cada vez mais comum, de tal forma que no período de 1946 a 1992 a percentagem dos ministros com educação militar não ultrapassa os 0,4%.

Entre as licenciaturas que abrem as portas de acesso ao governo (v. quadro n.º 11), a de Direito é a que apresenta a frequência mais alta: 50% do total dos ministros no primeiro governo Badoglio. Este facto é de certo modo surpreendente, sobretudo se pensarmos que se trata de um período durante o qual se observa a mais baixa percentagem de licenciados. Mas mesmo nos governos de cariz partidário a presença de ministros licenciados em Direito ronda sempre os 50%, só vindo a atingir um valor muito abaixo desta média no segundo governo De Gasperi (33,3%).

 

Background universitário dos ministros

[Quadro n.º 11]

Fonte: V. quadro n.º 1.

* Cotta e Verzichelli (2006).

 

Durante o regime fascista, os licenciados em direito constituíam 32% do total dos ministros, média sensivelmente abaixo da tendência relativa a todo o período da I República (1946-1992), período em que rondavam os 62,8%. Quanto às outras licenciaturas, a frequência varia muito de um governo para outro, sendo três as faculdades principais de recrutamento depois da de Direito: Letras, Ciências Sociais (entre 21% e 4,5%) e Engenharia (entre 20% e 0%). O último consulado de De Gasperi representa uma excepção, dado o grande número de licenciados em Economia (18,2%), o que sugere que depois dos governos de unidade nacional era necessário enfatizar o carácter técnico dos ministros, já que as questões económicas, juntamente com a aprovação da Constituição e o início do Plano Marshall, voltam a ter uma grande importância. Estes dados parecem enquadrar-se nas tendências de longa duração (1946 a 1992), em que as áreas de formação dos ministros são assim distribuídas: Humanidades, 10,4%, Economia, 11,6%, e Engenharia, 4,0%, enquanto no regime fascista os ministros licenciados em Engenharia, a segunda licenciatura mais comum depois de Direito, representam cerca de 10%.

 

Profissão

No que diz respeito às profissões desempenhadas pelos ministros, observa-se uma mudança significativa ao longo de todo o período da transição.

Não é de estranhar a grande percentagem de militares nos dois governos Badoglio (v. quadro n.º 12). A sua representação passa de uma frequência de 10% no regime anterior para 25,9%. Trata-se, como já foi atrás salientado, de um dado claramente conjuntural. Importa, no entanto, referir que os ministros oriundos do exército constituem a esmagadora maioria dos representantes deste grupo e, como tal, as outras forças militares, nomeadamente a força aérea e a marinha, não têm um papel de grande relevo.

 

Background profissional dos ministros no momento da nomeação*

[Quadro n.º 12]

* devido ao multiple choise, o resultado pode não ser 100.

** Cotta e Verzichelli (2006).

Fonte: V. quadro n.º 1.

 

Seguindo a peculiar conjuntura política do período, há duas profissões que passam a ter um importante grau de representação no governo. Trata-se, por um lado, dos diplomatas, cuja presença atinge uma percentagem de mais de 10% na delicada fase das negociações do armistício com os aliados, enquanto no período anterior os valores eram de 4,6%, vindo depois progressivamente a fixar-se nos 5%, e por outro lado, dos juízes, profissão desempenhada por 11% dos ministros, o que reforça ainda mais o carácter fortemente burocrático deste governo.

No que diz respeito à categoria dos advogados, há uma certa continuidade na sua representação durante o período em estudo, quando comparada com o período liberal, que o antecede, e com Prima Repubblica, a que dará lugar. Durante a época liberal, o número de representantes deste grupo profissional rondava os 20%, descendo significativamente para 6,5% durante a ditadura fascista. Nos nove governos que marcam o período de transição, os advogados detêm sempre entre 20% e quase 40% dos lugares governamentais (38,9% no primeiro governo De Gasperi). Apesar da forte clivagem em relação ao período fascista e ao período liberal, este dado está em consonância com a tendência consolidada até aos anos 70 (Cotta e Verzichelli, 2006).

Outra categoria que assume um lugar significativo no conjunto da elite ministerial é a dos professores universitários. No período anterior à ditadura, o número de ministros com antecedentes no ensino universitário tinha vindo sempre a aumentar, passando de 13,1% nos primeiros governos da Itália unificada para 19,6% nos últimos governos da Itália liberal. Este valor continuou a subir durante a ditadura fascista, atingindo os 26,1%, enquanto no período da transição/consolidação desce sensivelmente. No primeiro governo militar, os professores universitários são apenas 7,4% do total dos ministros, uma percentagem que nos restantes oito governos oscila entre 10,6% e 18,8%, embora suba até um valor máximo de 31,8% no último governo da consolidação, sendo que este número parece constituir uma excepção. Com efeito, os dados relativos a todo o período da Prima Repubblica mostram que a categoria dos professores universitários ronda os 20%, seguindo assim uma tendência já visível no final do período liberal.

Quanto à clivagem público/privado, optámos por enquadrar os políticos numa categoria própria (v. quadro n.º 13), na medida em que estes têm, em nossa opinião, uma carreira profissional mista: são pagos pela administração pública quando eleitos ou nomeados, embora não se trate claramente de funcionários, e são pagos enquanto dirigentes de partido, ainda que os partidos não sejam propriamente instituições públicas. Neste caso específico da presença de funcionários públicos observam-se algumas descontinuidades na tendência geral.

Clivagem entre emprego público e emprego privado*

[Quadro n.º 13]

* devido ao multiple choise, o resultado pode não ser igual a 100.

Fonte: V. quadro n.º 1.

 

Como é óbvio, a presença dos funcionários públicos nos dois governos Badoglio é massiva, ainda que maior no primeiro (74,07%) do que no segundo (47,06%). Durante a ditadura fascista (Adinolfi, 2004), a percentagem de ministros com carreiras oriundas da função pública era de 36%, um dado que nos restantes sete governos da consolidação democrática varia entre 31,58% no primeiro governo Bonomi e 16,67% no segundo governo De Gasperi, no qual 66,67% dos ministros podem ser classificados como políticos profissionais. Quanto à presença de profissionais sem vínculo ao Estado, os valores são inconstantes, passando de 22,22% no primeiro governo de transição para valores entre 31,25% no segundo governo Bonomi e 61,11% no segundo governo De Gasperi.

Trata-se, portanto, de valores relativamente elevados se considerarmos que na ditadura fascista esta categoria só atingia os 16%. Pelo que se observa no quadro n.º 14, os políticos profissionais associam geralmente a sua actividade a outras profissões, embora no primeiro e no segundo governos Bonomi, tal como no primeiro governo De Gasperi, cerca de 70% a 85% dos ministros fossem políticos profissionais a tempo inteiro.

 

Background profissional dos políticos profissionais

[Quadro n.º 14]

Fonte: V. quadro n.º 1.

 

 

Quais são então as profissões associadas com mais frequência à carreira de ministro? Em primeiro lugar, com certeza, a advocacia, com valores de 33% no primeiro governo Badoglio, 25% no governo Parri e 14,29% nos governos De Gasperi (I e IV). Com menor frequência, encontramos a docência universitária: 16% no primeiro governo Bonomi e 28,57% no quarto governo De Gasperi. Não há políticos profissionais entre os militares, agricultores, juízes, prefeitos, engenheiros, operários e empregados privados. Na grande maioria dos casos, os ministros vêm de profissões não ligadas ao Estado, embora seja importante verificar as diferenças entre partidos, pois esses dados vêm confirmar, como salientámos no início, a grande importância que as profissões liberais e a fácil passagem de uma profissão para outra assumiam na elite política italiana. De alguma forma, podemos ver confirmada em parte a teoria de Putnam (1976), que considera que a probabilidade de integrar a elite é directamente proporcional à classe social, uma vez que as classes aqui representadas são maioritariamente as classes médias-altas.

 

Género

Por fim, numa clara continuidade com a prática política dos anteriores governos, durante todo o período de transição nunca nenhuma mulher exerceu o cargo de ministro. Foi preciso aguardar até aos anos 70 do século xx para assistir à inclusão das mulheres no plano político italiano.

 

Conclusões: as características do recrutamento ministerial

Ao longo da primeira parte deste artigo procurámos evidenciar que o afastamento de Mussolini do governo não representou o início da transição política italiana no sentido da democracia e que a mesma foi inteiramente determinada por causas endógenas ao regime fascista. O projecto de uma revolução dentro do regime falhou devido aos erros cometidos por parte da monarquia, que geriu o período dos quarenta e cinco dias em que se desenvolveram as negociações para a assinatura do armistício. Só a partir de 8 de Setembro de 1943 é que os partidos puderam voltar a reunir-se e só a partir de Abril de 1944 é que teve início um governo inteiramente político, o de Ivanoe Bonomi. Começa então a fase dos governos dos CLN, que vai durar até Maio de 1947, período durante o qual será preciso reconstruir as instituições do país. As votações realizadas a 2 de Junho de 1946 para a Assembleia Constituinte e, conjuntamente, o referendo república/monarquia constituem um momento de viragem fundamental na vida política italiana. O sistema monárquico é preterido em relação ao sistema republicano, ao mesmo tempo que é delineada a real força dos partidos e se definem, consequentemente, novos equilíbrios.

Na segunda parte analisámos os perfis dos vários ministros com vista a aprofundar, de forma empírica, algumas das perguntas que foram surgindo ao longo da primeira parte do estudo. Concluímos que, muito embora os ministros do período da transição tivessem, na grande maioria, um passado político no período liberal, fazendo parte da mesma geração dos ministros do período fascista, poucos deles tinham sido recrutados anteriormente para cargos no executivo. Em termos de origens geográficas, a elite política em análise representava várias partes do país, não sendo Roma e Milão centros de recrutamento privilegiados. A marcar uma certa continuidade com o regime liberal e, ao mesmo tempo, descontinuidade com o regime fascista, é possível definir quatro grandes variáveis: o aumento da taxa de licenciados; o aumento da representação de professores universitários; o fim da participação de militares e a grande representação de ministros com um passado profissional na advocacia ou com uma licenciatura em Direito. Em termos de continuidade com o fascismo e de descontinuidade com o regime liberal verificámos o crescimento da profissionalização da política.

Por fim, todos os partidos passam de um modelo de recrutamento dos ministros que começa por ter nos dirigentes partidários o seu grupo de eleição, o qual se converte depois, com a criação da Assembleia Constituinte, no grupo dos deputados.

Este artigo aborda apenas uma parte da história política italiana, sendo que muitas das linhas do seu desenvolvimento estão ainda por estudar. Por um lado, focámo-nos na ruptura e na continuidade com o regime liberal e com o regime fascista; por outro, tentámos apurar quais as principais variáveis em causa no processo de recrutamento ministerial. Já sublinhámos que a classe política dos vinte anos do regime ditatorial teve de ser afastada, assim como todas as camadas intermédias, políticas e burocráticas — tais como os dirigentes locais e os presidentes de câmaras municipais —, as quais foram automaticamente excluídas das novas instituições.

O processo de transição começou por ser uma simples reestruturação dentro do regime monárquico e, em parte, do regime fascista para se tornar, num segundo momento, uma transição democrática. Um processo gizado de cima para baixo por uma elite que foi legitimada pela sua actividade política durante o regime liberal. São, pois, representantes das três grandes forças que adquiriram um grande peso depois das eleições de 1921. Como se referiu anteriormente, estamos perante uma fortíssima descontinuidade em termos do recrutamento da elite governamental, muito embora se verifique uma continuidade na elite política.

No decurso dos cinco anos estudados (1943-1948) ocorre a profissionalização da política. O recrutamento é feito dentro dos partidos de massas, primeiro entre os dirigentes, depois nas câmaras (neste caso a Consulta Nacional e a Assembleia Constituinte). Os partidos de notáveis perdem uma guerra que tinha ficado em aberto no momento do golpe de Estado de 1926, quando o governo fascista proibiu a actividade de todos os partidos políticos existentes, com excepção do PNF.

Esta trajectória vertical, que caracteriza a construção da democracia, é evidente na percentagem de ministros do sétimo e do oitavo governos que foram anteriormente deputados na Assembleia Constituinte: 100%. Este, sim, constitui um verdadeiro traço de continuidade na história política italiana que nem no período fascista foi quebrado.

 

 

Bibliografia

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Notas

1 Esta fase é definida pela historiografia italiana como Svolta di Salerno.

2 Assim foi chamada a grande mudança que chegava da guerra de resistência.

3 O governo Mussolini começa de facto em Outubro de 1922, mas a ditadura inicia-se simbolicamente apenas a seguir ao discurso de 3 de Janeiro de 1925.

 

* CIES, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresas. Avenida das Forças Armadas, 9, 1649-026 Lisboa, Portugal. e-mail: goffredoadinolfi@hotmail.com.

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