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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.191 Lisboa abr. 2009

 

Jovens no discurso da imprensa portuguesa: um estudo exploratório

Maria Zara Pinto Coelho*

 

 

A investigação tem realçado o poder do discurso dos media na constituição da "juventude" como uma categoria homogénea e problemática. Este artigo apresenta os resultados de um estudo exploratório sobre este discurso, praticamente inexplorado no contexto nacional. Não tendo pretensões de representatividade nem de generalização, examina o conteúdo e o estilo dos textos sobre jovens publicados durante uma semana nos principais jornais e revistas de informação geral, tendo em conta algumas das suas condições de produção, a forma como estes manifestam e constituem um modo de controlo da acção discursiva dos jovens e propiciam a reprodução de conhecimento, atitudes e ideologias adultocêntricas.

Palavras-chave: media; discurso; jovens; representações; "ageísmo".

 

 

Young people in the Portuguese press discourse: an exploratory study

Previous research has shown how media discourse presents youth as a homogeneous and problematic category, but in Portugal media coverage of youth remains unexplored. This article is a summary of an exploratory study about this discourse, containing a detailed analysis of all reports about young people published during the period of a week in the major newspapers and news magazines. Within its limitations, it examines the contents and the style of news reports, having in mind some features of newspaper production, the way these discursive features reveal and constitute a form of controlling youth discursive action and propitiate the reproduction of ageistic knowledge, attitudes and ideologies.

Key-words: media; discourse; youth; representations; ageism.

 

 

Introdução

Este artigo chama a atenção para o modo como os jovens são representados nos jornais e nas revistas de informação geral em Portugal, oferecendo pistas para uma análise do discurso produzido por estas instituições, e para o papel deste discurso no processo de reprodução discursiva de desigualdades entre jovens e adultos. As assimetrias de poder entre jovens e adultos, enquanto grupos sociais, resultam (e manifestam-se), entre outros aspectos, num acesso privilegiado à imprensa (activo, como protagonistas, e passivo, como meras referências), facto amplamente demonstrado em vários estudos. O controlo das possibilidades da acção discursiva dos jovens que esta desigualdade origina é muito importante, se levarmos em conta que estamos a falar de um dos discursos públicos mais influentes não só pela sua credibilidade, como pela sua vasta difusão. Este controlo deve ser entendido em termos cognitivos, já que a exclusão ou secundarização das vozes dos jovens implica que o conhecimento accionado neste discurso (e produzido pelo mesmo) seja necessariamente parcial e, como tem sido mostrado, muitas vezes selectivo e negativo, propiciando, portanto, a reprodução de atitudes e de ideologias que legitimam a dominação dos adultos sobre os jovens. Em especial, se os leitores (mulheres e homens) não tiverem acesso a outro tipo de informação que forneça modelos de relações entre jovens e adultos que os ajudem a problematizar a ideologia dominante.

Importa realçar que se trata de um estudo exploratório. Como tal, não pretende produzir conclusões generalizáveis sobre os tipos de discurso ou de representações dos jovens nos media nacionais. Também não nos limitamos a explorar o tipo de representações já identificadas na literatura relativa a outros contextos. Procurou-se documentar exaustivamente todos os tópicos abordados nos textos seleccionados, bem como todas as escolhas estilísticas relevantes, comparando as coberturas feitas pelos diversos tipos de revistas e jornais incluídos no corpus. A preocupação não foi saber se as representações são boas ou más, verdadeiras ou falsas, mas analisá-las segundo o trabalho cognitivo e político que realizam. Que tipo de conhecimento e de opiniões sociais expressam ou excluem? Que formas particulares de identidade e de "agência" (agency) privilegiam? Que efeitos poderão ter essas escolhas nas representações que os grupos de meia-idade fazem sobre os jovens? E que efeitos poderão ter nas representações que os jovens fazem de si mesmos enquanto grupo? Será que possibilitam uma agência juvenil crítica, socialmente responsável, empenhada e participativa por parte dos jovens? Ou será que, pelo contrário, apoiam a posição subordinada e marginal dos jovens e lhes retiram ainda mais poder na vida pública portuguesa? O estudo exploratório que fizemos não nos permite responder de forma cabal a estas perguntas, dado que apenas analisamos uma semana da cobertura jornalística de assuntos relacionados com jovens. Mas não é por isso que elas deixam de ser importantes, pois serviram para estruturar a análise dos textos e poderão ser úteis na definição de futuras investigações.

 

Backgrounds

Ainda que a fase da vida rotulada como "adolescência" ou "juventude" seja estabelecida segundo critérios cronológicos e biológicos, ela deve ser conceptualizada em primeiro lugar como uma construção discursiva (Androutsopoulos e Georgakopoulou, 2003; Besley, 2005), social (Pais, 1993) e cultural (Lesko, 2003; Wyn e White, 1997), que denota o que é ser jovem em relação ao que é interpretado como ser criança ou adulto, em contextos históricos e culturais particulares (Fornäs, 1995). Nestes processos, as forças em jogo estão longe de serem iguais. Partilhamos a ideia de que os grupos de meia-idade, nas sociedades ocidentais, pertencem a um grupo privilegiado e de que os grupos de indivíduos mais jovens e mais velhos são forçados a dependerem socialmente desse grupo (Bradly, 1995). Constituem um grupo privilegiado no sentido em que funcionam como a norma relativamente à qual os restantes grupos de idade são definidos como "outros", um poder que pode ser explicado, entre outras coisas, pelo controlo e acesso privilegiado que têm ao discurso dos media e ao discurso público em geral. Sobre os grupos de jovens são poucas as fontes de informação alternativas disponíveis para os grupos de meia-idade: os pares, a casa, a escola e os media tradicionais continuam a ser as suas principais fontes de informação. Embora os leitores não adoptem passivamente a informação e opiniões implícitas ou explícitas dos media que usam, o seu quadro interpretativo e avaliativo para "assuntos relacionados com jovens" é desenvolvido, pelo menos parcialmente, em função dessa informação.

Investigações anteriores, ainda que relativas a outros países europeus (sobretudo anglo-saxónicos), mostram que os grupos de meia-idade e os adultos, em geral, têm um controlo quase total dos media impressos que lhes são dirigidos (Giroux, 1998; Thurlow, 2007). Evidenciam também que os jovens tendem a ser representados como criminosos e desviantes, por um lado, e como vítimas vulneráveis, por outro, e às vezes das duas formas em simultâneo (e. g., Griffin, 1993). Contudo, estes tipos de representações da juventude como um grupo causador de problemas, ou como estando "em risco", não são os únicos. Outras representações já identificadas são as que constroem a juventude como particularmente dotada, enérgica, vigorosa e divertida (Hebdige, 1988), ou como sendo "a esperança para o futuro" (Wyn, 2005). Em todas estas representações, o referencial, ou perspectiva, é o mesmo: o dos adultos. Não estamos a sugerir que os jovens não têm nenhum tipo de acesso ao discurso dos media ou ao discurso público em geral. Como sabemos, a cultura popular nas sociedades ocidentais actuais é diversa e contraditória e integra outras formas de expressão juvenil alternativas ou marginais (na arte, nos desportos, nos media electrónicos, na música; Pais, 2001). Referimo-nos ao acesso dos jovens a tipos de discurso público que ajudam a modelar as políticas públicas e a promover o discurso cívico e a reflexão crítica, como é o caso do discurso da imprensa escrita mainstream, e aí, como mostram estudos anteriores, a norma continua a ser adultocêntrica. A marginalidade discursiva dos jovens, o facto de os quadros discursivos prevalecentes serem construídos por adultos de meia-idade e assentarem na subjectividade adulta como norma, constitui apenas um dos aspectos das relações de poder envolvidas neste tipo de desigualdade social. Mas um aspecto essencial, já que a legitimidade é condição necessária para que o poder dos grupos de meia-idade possa funcionar. O discurso e a comunicação são vitais neste processo. Através deles são comunicadas as representações sociais, os motivos, as razões e os objectivos que justificam e permitem a manutenção do controlo exercido pelos grupos de meia-idade. Por outras palavras, o discurso dos media em foco neste estudo não é apenas um sintoma ou um sinal do problema do ageísmo (Bradly, 1995). Reproduz e ajuda a produzir as representações e acções ageístas dos e entre os grupos de meia-idade. No entanto, a desigualdade entre estes grupos envolve outras dimensões, para além da simbólica ou discursiva, e será para elas que olharei em seguida com base em informação produzida pela sociologia portuguesa (Ferreira, 2006; Pais, 2001; Pais et al., 2005).

À semelhança de outros países europeus, o que é hoje tornar-se e ser adulto em Portugal tem lugar num terreno cada vez mais labiríntico, volátil, imprevisível e contraditório (Pais, 2001). As complexidades e incertezas que marcam os processos de transição juvenis na contemporaneidade são inseparáveis das mudanças vividas nas últimas três décadas em Portugal no mercado de trabalho, no Estado-providência, no sistema educativo e nas dinâmicas culturais e práticas sociais (Pais et al., 2005). Um emprego "para toda a vida" é algo que a população jovem não pode considerar certo ou garantido, dada a crescente flexibilização e precariedade laboral (Figueiredo et al., 1999; Ferreira, 2006). Os jovens são e têm sido os mais afectados pelo desemprego, pelo subemprego e pelo não-emprego (Pais, 2001). Há também que considerar o prolongamento da escolarização e, concomitantemente, o retardamento da inserção profissional (Figueiredo et al., 1999) e a progressiva intensificação da dependência familiar (Pappámikail, 2004; Pais et al., 2005).

A extensão das trajectórias escolares e o progressivo adiar da emancipação material dos jovens em relação à família têm sido acompanhados por uma reconfiguração dos sistemas culturais e normativos juvenis, nomeadamente pela relevância crescente de valores associados à experimentação, à diversão e à expressão, uma valorização que poderá facilitar estes processos, e de valores que paradoxalmente podem inibir e inibir-se por causa do atraso da emancipação, a saber, a autonomia, a independência, a realização pessoal e o desenvolvimento individual (Pais, 1999).

Todos estes factores têm contribuído para condicionar as trajectórias juvenis, ao mesmo tempo que as põem mais em jogo. O mesmo é dizer, parafraseando Machado Pais, que "as voltas e mais voltas" que a vida dá são expressas num "fazer-se à vida" e até num "fazer pela vida", ou seja, em buscas autónomas de trajectórias através das quais os jovens procuram adaptar-se às circunstâncias mutáveis. Neste "fazer-se à vida", os caminhos são múltiplos e baralhados e não têm um rumo fixo ou predeterminado. Estão marcados pelo princípio da reversibilidade, por um recorrente movimento yô-yô no plano da vida familiar, escolar e profissional (Pais, 2001, p. 65). No entanto, o progressivo reforço da autonomização no desenhar dos percursos de vida juvenis colide com a prevalência de assimetrias e hierarquias sociais ao nível dos graus de acesso a recursos culturais, sociais e económicos e com a prevalência de dinâmicas sociais tradicionais, ainda que de forma menos intensa (Ferreira, 2006). A classe social de origem continua a influenciar os resultados escolares, quer em termos de duração do percurso, quer em termos do sucesso escolar (Cabral e Pais, 1998), e estas diferenças de capital escolar intervêm, ainda que de forma não linear, nos processos individualizados de construção biográfica. O mesmo se pode dizer das desigualdades de género. Não obstante a crescente feminização do sistema de ensino português, nomeadamente nos seus níveis mais elevados, as mulheres jovens estão mais sujeitas a cenários de desemprego e as jovens com certificados escolares mais baixos são as mais afectadas pelo trabalho precário de baixa qualidade. Inversamente, verifica-se um envolvimento crescente em lugares de chefia, de direcção e quadros e uma tendência de aproximação entre a taxa de actividade masculina e a feminina (Vieira, 2006). Outro dos factores estruturais importantes a considerar é o fraco sistema de apoio estatal, que, num quadro crescente de incerteza, aumenta o potencial gerador de dependência dos jovens em relação aos pais (Pappámikail, 2004). A pesquisa sociológica mostra que as relações entre as variáveis antes abordadas são bastante problemáticas e mostra também a natureza contraditória e movediça das estruturas materiais e simbólicas que pautam os percursos juvenis num cenário de globalização (Jeffrey e McDowell, 2004).

 

O Estudo

Tendo esta investigação sociológica como background, desenvolvemos um estudo exploratório para tentar perceber a representação dos jovens portugueses no discurso jornalístico. Incidiu sobre textos (n = 340) publicados em jornais diários e em revistas semanais de informação geral nacionais no decorrer da semana de 17 a 24 de Outubro de 2006, nos seguintes periódicos: Correio da Manhã (CM), 24 Horas, Diário de Notícias (DN), Jornal de Notícias (JN), Público, Tal & Qual, Expresso, Sol, Focus, Visão e Sábado. Motivos de natureza prática estiveram na base da escolha de uma semana, e desta semana em particular: pareceu-nos ser a forma mais expedita e segura de conseguir reunir informação no quadro de um projecto desenvolvido em sala de aula com alunos da licenciatura de Comunicação Social da Universidade do Minho, cujo início coincidiu com o arranque do ano lectivo. Estamos, obviamente, conscientes das limitações e dos eventuais desvios decorrentes destes constrangimentos e chamamos a atenção para o facto no decorrer da análise.

Num primeiro momento seleccionámos todos os textos em que apareciam as palavras "jovem" e "adolescente", ou outras dos respectivos campos semânticos, palavras relacionadas com os diversos estatutos dos jovens ("filho", "estudante") e textos que abordavam assuntos relacionados com as vivências dos jovens, mesmo que não tivessem as palavras-chave escolhidas. Dado que os conteúdos de alguns textos não abordavam assuntos relacionados com jovens, procedemos a uma segunda selecção semântica, de que resultaram duas categorias: "textos com jovens" e "textos sobre jovens". A primeira categoria engloba textos em que os jovens são actores (principais ou secundários) nos eventos narrados e a segunda reúne textos que abordam assuntos relacionados com a vida dos jovens.

Para analisar o corpus inspirámo-nos na análise crítica do discurso (Bloor e Bloor, 2007; Fairclough e Wodak, 1997; Weiss e Wodak, 2003). Centrámos a atenção no género editorial dos textos recolhidos, nos títulos, nas relações entre os títulos e o corpo da notícia, nos tópicos ou temas, nas relações entre tópicos e géneros editoriais e no posicionamento dos textos na primeira página dos jornais. A investigação anterior tem mostrado a importância destes traços discursivos tanto em termos jornalísticos (Richardson, 2007) como em termos mais psicológicos, relacionados com os processos de compreensão dos textos e da sua influência sobre as avaliações que os leitores fazem das histórias relatadas (van Dijk, 2005). Fizemos também uma análise mais detalhada de cada um dos textos. Analisámos o estilo, ou seja, o modo como se escreve sobre os jovens, nomeadamente ao nível das escolhas lexicais e das estruturas sintácticas. Quisemos avaliar a forma como são designados ou identificados, qual o ponto de vista adoptado, as acções, a posição e os papéis que lhes são atribuídos, bem como as implicações semânticas dessas escolhas (Fowler, 1991; van Leeuwen, 1997). Para além disso, pretendemos saber quem aparece como fonte, quem é citado (ou não) e de que forma — um traço que deu mais informação sobre a questão do acesso, passivo ou activo, dos jovens ao discurso (van Dijk, 2005). Examinámos também "o não dito", o que é sugerido ou fica implícito, tanto no que respeita aos temas abordados como também ao nível dos textos em concreto, uma dimensão do discurso especialmente relevante na análise dos textos jornalísticos, dada a ideologia jornalística dominante, pautada pelos valores da objectividade, neutralidade e imparcialidade (Gans, 1980; van Dijk, 2005). Estas estruturas discursivas permitiram identificar os tipos de jovens incluídos no discurso, os tipos de acções e de papéis que lhes são conferidos e os domínios da vida pública ou privada a que são associados.

Contribuíram também para evidenciar as exclusões, um traço discursivo deveras relevante em termos cognitivos e sociais, pois o que não é realçado pelos media tende a ser excluído da agenda pública em geral. As estruturas discursivas antes referidas estão relacionadas directamente com as condições do processo de produção das notícias. Não são "inerentes" aos textos jornalísticos. Cada uma delas pressupõe escolha e decisão (Fairclough, 1995; Kress, 1990) e cada escolha pressupõe conhecimento, opiniões, atitudes e ideologias mais ou menos conscientes da parte dos jornalistas (van Dijk, 1988a e 1998b).

Analisámos exaustivamente todos os tópicos abordados nos textos seleccionados, bem como todas as escolhas estilísticas relevantes, comparando as coberturas feitas pelos diversos tipos de revistas e jornais incluídos no corpus. No entanto, neste artigo apresentamos apenas uma selecção desses resultados e discutimos sumariamente alguns traços que nos pareceram mais relevantes, convocando para a discussão o conhecimento produzido pelos estudos dos media e pela sociologia.

 

Tópicos, Fontes, Actores e Papéis

Durante a semana analisada, a frequência, o tamanho e o destaque da cobertura de acontecimentos ou situações em que os jovens são actores na narrativa (notícias com jovens) são reduzidos. O crime é o assunto dominante da cobertura jornalística feita pelo Correio da Manhã, seguido pelo 24 Horas, Jornal de Notícias, Público e Diário de Notícias. Este é um tema a que não é dada qualquer importância nos semanários analisados, a não ser no Tal & Qual, e, relativamente às revistas de informação geral, apenas a Focus se interessa pelo assunto. Ainda que com importância relativa muito menor face ao destaque dado à criminalidade juvenil, acontecimentos ou situações ligados à vida de profissionais jovens, sobretudo na área do desporto e do entretenimento, são também objecto das notícias que contam com jovens como protagonistas. Para terminar, importa referir os outros tópicos que identificámos no conjunto de notícias classificadas como sendo "notícias com jovens", embora a sua presença em termos quantitativos seja insignificante. Dizem respeito a acções desenvolvidas por jovens estudantes do ensino superior e por juventudes políticas. Apesar da insignificância da sua percentagem, importa notar que os acontecimentos ou acções em foco no domínio universitário ou são de natureza negativa ("Estudantes protestaram contra propinas e Bolonha", DN, 20 de Outubro de 2006) ou tratam de excepções positivas ("Alunos do Minho ganham campanha", JN, 18 de Outubro de 2006). Relativamente às juventudes políticas, o discurso assume um tom factual ou neutro ("Juventudes do PS e do PSD lançam pacto `geracional'", DN, 17 de Outubro de 2006).

Os textos em que se fala sobre jovens, mas em que não lhes é atribuído o papel de actores no acontecimento narrado, têm uma frequência reduzida e neles os jovens merecem, na maior parte dos casos, apenas uma breve referência. O leque de temas incluídos abrange a área da educação, do emprego e desemprego, da saúde, das novas tecnologias, das políticas juvenis, das políticas sociais, da família, dos acidentes de trabalho e dos comportamentos ou valores juvenis. Apesar de incluir artigos de opinião e algumas reportagens, o género jornalístico mais escolhido por todos os jornais e revistas para abordar os temas antes referidos continua a ser a notícia. Ora o conhecimento produzido pela sociologia dos media, centrado na produção jornalística, mostra que o investimento (material, simbólico) posto na produção da notícia é menor quando comparado, por exemplo, com a reportagem, um dado que poderá evidenciar que a imprensa atribui pouca importância a assuntos sociais fundamentais na vida dos jovens portugueses.

 

Crime e Violência

O conhecimento científico sobre o processo de produção das notícias mostra claramente que o crime "faz notícia" na base dos mesmos critérios de noticiabilidade que são aplicados noutras áreas. Evidencia também que a cobertura do crime é vista e tratada, quase sempre, como rotina, resultando na atribuição de espaços pequenos e na produção de notícias breves, escritas de forma impessoal e abreviada (Hall et al., 1978). Outro factor que explica a relevância noticiosa do crime é o facto de este ser uma violação da imagem consensual da sociedade, que envolve um acordo sobre o que é normal, louvável e aceitável, em que assentam as práticas jornalísticas (Cohen e Young, 1973). O crime, como diz Hall et al. (1978, p. 66), envolve o lado negativo desse consenso, já que a lei define o que uma sociedade julga serem os tipos ilegítimos de acção. Mas, a um nível mais profundo, o crime tem uma função positiva: representa uma oportunidade para reafirmar simbolicamente os valores de uma sociedade e os limites da sua tolerância. Este processo de demarcação de fronteiras alimenta imagens do tipo "nós" e "eles", o qual está associado à estigmatização e à exclusão de diversos grupos sociais.

No que diz respeito à cobertura dos crimes cometidos por jovens na semana em estudo, a diferença entre os diários no tipo de crimes referidos não é dramática, sendo o pequeno furto de rua o crime mais representado, por vezes associado à violência corporal, seguido do crime de tráfico de drogas, sendo comum a todos a publicação de peças que cobrem casos de assassínio violento (de familiares, colegas ou namorados). No que diz respeito às fontes, verifica-se também uma convergência entre os vários periódicos: as fontes usadas são predominantemente oficiais e, com muita frequência, as informações são dadas quando o processo de resolução do crime já foi iniciado. O mesmo acontece em peças mais longas, em que se dá a voz a representantes das autoridades. Tal significa que a perspectiva a partir da qual são narrados os acontecimentos é a das autoridades policiais ou judiciais. Assim, ainda que se trate de crimes cometidos por jovens, a ênfase não é posta nas suas acções nem na sua "agência", mas antes nas acções policiais ou judiciais. Em termos linguísticos, isto é visível no tipo de vocábulos usados para descrever as acções e caracterizar os actores (e. g., "deteve", "suspeitos"), no papel passivo atribuído aos jovens no relato das acções, ou na nominalização das mesmas (e.g. "tráfico", "furtos", "roubos"), e também no facto de os actores jovens nunca serem citados ou parafraseados. No entanto, nos relatos de crimes violentos cometidos por jovens, como é o caso do homicídio, verifica-se uma tendência contrária: a ênfase é colocada no crime cometido e na "agência" do ou da jovem, tanto no corpo da notícia como no título (e. g.: "Jovem que matou com ácido regressa a tribunal"; "Matou ex-companheira com golpes de arma branca", JN, 23 de Outubro de 2006).

Poderíamos pensar que esta escolha é motivada pela natureza do crime, que representa o crime mais grave contra pessoas, e pelo facto de a violência ser fonte de "noticiabilidade". Todavia, os dados mostram que nos poucos casos de notícias em que se aborda a violência contra jovens se verifica o contrário: a escolha de construções passivas e/ou de nominalizações para descrever os crimes cometidos (e. g.: "Julgado por matar jovem", JN, 23 de Outubro de 2006; "Homem condenado em Arouca a dez anos e meio de cadeia por maus tratos à mulher e aos filhos", Público, 24 de Outubro de 2006).

A principal diferença entre os jornais analisados parece estar relacionada com o tipo de títulos das notícias sobre crime, quando os há, claro, já que as notícias breves não incluem título e este foi o género jornalístico mais usado pelos diários na semana analisada. Assim, nos jornais que prestam mais atenção ao crime, a saber, o CM, o 24 Horas e o JN, são também mais frequentes as menções explícitas a quem cometeu o crime, associadas a referências ao tipo de instrumento utilizado ("facas", "armas") e ao local da ocorrência ("metro", "rua", "gasolineiras"). Notem-se, contudo, algumas diferenças formais entre estes jornais. O CM e o 24 Horas optam pela concessão de espaços maiores e por grandes manchas de imagem, enquanto o JN prefere as notícias breves.

Desta breve síntese sobre a cobertura do crime cometido por jovens ressalta a tendência dos diários para mitigar a "agência" destes actores sociais, para os retratar mais como alvos ou objectos passivos das autoridades judiciais, do que como agentes de acções. No entanto, estas escolhas não implicam uma mitigação da culpa nem da negatividade das acções, já que todos os actos atribuídos aos jovens são de natureza negativa, o mesmo se podendo dizer em relação ao léxico escolhido para os caracterizar como passivamente envolvidos na narração da acção (e. g., "detidos", "suspeitos"). Têm como efeito atribuir uma imagem de impotência aos jovens face às forças policiais e judiciais e, por contraste, fornecer uma imagem de eficácia às acções das autoridades. Esta imagem de impotência pode derivar e ao mesmo tempo contribuir para reforçar opiniões negativas estereotipadas que associam os jovens à falta de competências, em geral, ou à inexperiência, uma vez que certos relatos relacionados com o pequeno crime sugerem a imagem de que os jovens são "presas fáceis". Isto é visível, por exemplo, nas escolhas lexicais usadas para identificar os jovens ou para descrever a acção policial ("pequenos larápios", "apanhados", "foi apanhado"), ou na ridicularização de roubos mal sucedidos ("Idoso despacha assaltantes com artes marciais", Público, 24 de Outubro de 2006).

Mais relevante para o accionamento de estereótipos e de preconceitos negativos contra jovens na leitura deste tipo de cobertura noticiosa é o facto de na descrição dos criminosos ser muito frequente a referência à aparência associada à idade (e. g., "um jovem de 21 anos") ou ao papel (e. g., "jovens traficantes", "jovens suspeitos", "jovens detidos"). Na semana analisada, a referência a esse pormenor, a essa diferença física, não ocorre quando o crime é cometido por um adulto ou por indivíduo de meia-idade. Não encontramos nenhum título do tipo "indivíduo de meia-idade apanhado a traficar droga" nem nenhuma descrição das autoridades do género "jovem detido por agente de meia-idade". O facto de se fazer referência à aparência jovem do criminoso, ainda que possa reproduzir o discurso das fontes de informação usadas pelos jornalistas, ou possa estar associada à rotina jornalística, à falta de espaço, à necessidade de brevidade ou a qualquer outro critério funcional ou editorial entre os muitos apontados nos estudos da produção jornalística, constitui uma forma de identificar o grupo ou grupos a que o criminoso está associado. Ou seja, não se está apenas a relatar o crime que alguém cometeu, ou a fazer referências aos intervenientes pelo papel que desempenham nas acções relatadas ("suspeitos", "detidos"), mas está-se simultaneamente a classificar alguém em termos do que essa pessoa é de forma mais ou menos inevitável. Portanto, a escolha de expressões do tipo "jovens detidos" cria uma associação entre o papel desempenhado na história — e note-se a sua conotação negativa — e aquilo que se é de uma forma mais ou menos inevitável: jovem. Por detrás da atribuição de um papel constrói-se uma identidade, demarcam-se fronteiras, o que favorece o afastamento do leitor em relação aos jovens em causa. Dada a natureza negativa do papel e o facto de este tipo de relato não incluir, regra geral, qualquer tipo de enquadramento ou de explicação das razões que levaram ao crime, a referência à aparência jovem do criminoso pode sugerir a existência de uma relação elucidativa entre a pertença a um grupo e o crime cometido. Desta forma implícita, são veiculadas explicações do crime baseadas em opiniões negativas estereotipadas sobre jovens: "cometem crimes porque são jovens, e as pessoas nesta idade causam problemas". Simultaneamente, a referência à aparência física do criminoso, que, em termos empíricos, pode parecer inocente, no contexto deste tipo de notícia projecta significados e valores sociais no referente, instigando associações a crenças estereotipadas negativas sobre características pessoais, sociais ou culturais relacionadas com os jovens, o que seguramente não ocorrerá noutros contextos em que a palavra "jovem" apareça associada a actos ou estados vistos como positivos. Diríamos assim que esta estratégia referencial constitui uma forma de essencializar o criminoso — está a agir segundo a sua essência — e de essencializar as acções dos jovens — agem assim porque são jovens, isto é, problemáticos. Em qualquer dos casos, anula a escolha humana das acções em causa. Como não se identificam forças externas que possam explicar o crime, reforça-se, mais uma vez, a imagem de impotência dos jovens. Não face às autoridades, mas face à sua própria natureza: mais do que agir segundo a sua natureza ou cultura, são "agidos" por ela. No contexto de representações mais condescendentes sobre os jovens, em que estes surgem como um grupo em risco, ou seja, como vítimas fáceis, este tipo de representação poderá ter o efeito de atenuar ou de absolver a culpa dos jovens criminosos, já que não podem ser moralmente responsabilizados — embora aqui se levante o problema de o crime ser, por definição, uma acção intencional. Mas tem o efeito perverso de os tratar como inferiores aos adultos, desumanizando-os, para além de neutralizar eventuais conotações de resistência ou de provocação que este tipo de acto possa ter. No quadro de representações mais punitivas que representam os jovens como causadores de problemas, a associação deste grupo ao problema social do crime apenas, ou sobretudo, como consequência da idade poderá ter o efeito de reforçar a demonização dos jovens criminosos e de facilitar assim a sua exclusão social. Isto porque, ao subtrair-se o crime do seu contexto estrutural, se nega qualquer relação entre os crimes cometidos por jovens e os processos e estruturas políticas, económicas e culturais em que eles vivem.

 

Vida Profissional

O Diário de Notícias é o diário que se ocupa mais com este tipo de assuntos, e isso pode ser explicado pela publicação de um caderno dedicado à série televisiva Morangos com Açúcar, que evidencia uma clara estratégia de inclusão de jovens leitores no público deste diário. No entanto, em termos de diversidade dos tópicos tratados, o DN não se distingue dos restantes jornais, diários ou semanários, e o mesmo acontece em relação às revistas de informação geral. No desporto, a atenção reparte-se entre os casos de sucesso e os acontecimentos rotineiros, sendo similar o tratamento dado às jovens estrelas, dividindo-se as notícias entre o sucesso profissional e a vida mundana das mesmas. Futebolistas, actores e actrizes nos media, em especial na televisão, constituem o tipo de profissionais a quem é dada maior importância, com referências pontuais, em especial nos semanários, a jovens artistas (música, cinema, teatro) e a jovens emigrantes. Trata-se de um tipo de cobertura que, em contraste com a cobertura da criminalidade juvenil, é positiva ou neutra, embora tenhamos encontrado uma referência a um caso de doping ("Campeão português repreendido", CM, 18 de Outubro de 2006). A forma como são referidos estes actores constitui mais uma evidência desse tratamento preferencial. Ao contrário do que se verifica na descrição de jovens envolvidos em actividades ilícitas, os jovens profissionais tendem a ser referidos em termos da sua identidade única, sendo nomeados tipicamente de uma forma informal: através de nomes próprios e/ou referidos em termos da actividade que desenvolvem. O mesmo se pode dizer da forma como são representadas as suas acções, dada a ênfase posta na "agência" individual, nas lutas e vitórias e nas características pessoais positivas, nomeadamente no papel que desempenham nesse sucesso. A palavra "jovem" ou "jovens", quando surge neste tipo de notícia, e nem sempre surge — é a partir do conhecimento cultural que o leitor faz essa inferência —, adquire significados distintos dos que são activados na leitura das notícias sobre o crime: está associada ao relato de acções ou acontecimentos positivos ou neutros, adjectiva nomes próprios (e. g., "jovem modelo Daniella Cicarelli", CM, 18 de Outubro de 2006) ou nomes comuns (e. g., jovem actriz) e aparece também associada a adjectivos de natureza positiva (e. g., "jovem talento"). Este tipo de escolhas estilísticas personaliza e individualiza os jovens representados e avalia-os como dignos de admiração. Neste quadro, a voz de certos grupos de jovens tem direito a ser citada ou parafraseada, como seria de prever, pelo que sabemos acerca dos modos de tratamento habituais de figuras públicas no jornalismo da imprensa escrita (van Leeuwen, 1997). Tendo em conta o elevado valor que é atribuído à individualidade em muitas esferas da nossa sociedade, estes jovens tornam-se pontos de identificação para o leitor, em especial para os jovens leitores ou leitoras, e alimentam entre os mais velhos mitologias da juventude, relacionando-a com "a idade de ouro".

 

Vida Social

A educação é a área a que é dada mais atenção nesta semana, sendo predominante no Público, nos semanários Expresso e Sol, e ocupa a segunda posição na cobertura do Jornal de Notícias e do Diário de Notícias. Razões de ordem conjuntural podem explicar estas preferências, relacionadas com a publicação na semana analisada dos rankings das escolas secundárias e com a greve dos professores do ensino secundário. Apesar de este ser um assunto tipicamente juvenil e da importância da escola na modelação das transições juvenis, o certo é que os jovens estudantes figuram nestas notícias como meras referências, frequentemente apenas de forma implícita. Mais uma vez, os jornais privilegiam o ponto de vista oficial e institucional (e. g., governo, ministros, tribunais, universidades, comissões especializadas, associações profissionais, directores, professores, líderes de opinião) e excluem o dos alunos. Se nas notícias sobre o crime se compreende o privilégio dado às fontes oficiais, uma vez que o crime, como diz Stuart Hall et al. (1978, p. 699), está menos aberto do que outros assuntos públicos a definições competitivas e alternativas — desde já, porque os criminosos, em virtude de o serem, não são nem uma fonte "legitimada", no sentido em que lhes foi retirado o direito de resposta até que "paguem a sua dívida à sociedade", nem uma fonte organizada —, não se compreende nem se pode aceitar que se escrevam notícias sobre rankings, políticas educativas, greves dos professores, mas também sobre o ensino profissional, o abandono escolar, os acidentes nas escolas, os problemas com os exames de acesso à universidade, sem dar voz aos jovens estudantes. Esta exclusão pode ser mais ou menos radical, sendo radical nos casos em que não deixa sequer marcas na representação: excluem os alunos e as suas actividades. Quando entram na representação, são-lhes atribuídos papéis de natureza passiva, sendo na maior parte das vezes representados no papel de "assistidos" pelas instituições em causa: "Aumento de formação profissional para alunos"; "Jovens carenciados poderão ter bolsas para continuar a estudar", JN, 24 de Outubro de 2006; "É no pré-escolar que começamos a prepará-los", Público, 21 de Outubro de 2006. Na melhor das hipóteses, são activados como "aqueles que sentem" quando o foco incide nos problemas: "Tribunal traz esperança aos alunos de química"; "Alunos ambiciosos e corpo docente estável são trunfos"; "Escola do interior luta contra a desmotivação", JN, 21 de Outubro de 2006. Na pior das hipóteses, culpabilizados pela má prestação das escolas em termos de ranking ("Não querem estudar, basta-lhes ter 10"; "A escola secundária de Vilar Formoso está nos últimos lugares do ranking", Sol, 21 de Outubro de 2006) ou condenados pelos seus comportamentos "fúteis", desrespeitosos e "inconsequentes" e assim indirectamente culpabilizados pelo insucesso ou abandono escolar ("De calças de ganga descaídas, unhas pintadas e leitor Mp3 à mão, Patrícia Leitão, de 13 anos, e as suas amigas, entram pelo portão da Escola Secundária do Restelo com a pose e a roupa certa. As três parecem saídas de um casting dos Morangos com Açúcar. Mas, ao contrário das personagens da novela juvenil, os seus problemas não se limitam aos amores e desamores semeados entre a biblioteca e a cantina. O início conturbado do ano lectivo tem-lhes roubado o espaço nas conversas sobre rapazes ou compras no shopping", Expresso, 21 de Outubro de 2006; "O país que desiste. O que leva 40% dos jovens portugueses a sair da escola antes do tempo? Que perspectivas têm? Onde foram parar os seus sonhos? Carlos, Hélder, Raquel, João e dois Tiagos não viram futuro nas aulas. Estavam enganados. Esqueceram-se de que há um dia depois de amanhã"; "Como muitos adolescentes, João Janeiro, agora com 23, teve queda para opções sem sentido e preferiu a "zana" (boémia) às aulas — "não tinha motivação". Dedicava-se então a uma banda de rock pesado com amigos de Portalegre, embebedando-se com eles. Os pais bem avisaram: "se não estudares, não vais ser ninguém". Mas o rapaz estava noutra. Tinha três reprovações no currículo e "nenhum gosto" pelas lições desde os tempos de um colégio privado da diocese —"padrecos, meninos da mamã e… eu", Visão, 19 de Outubro de 2006).

Este tipo de descrições e explicações estereotipadas do insucesso ou abandono escolar tem, no entanto, uma utilidade: a de excluir a hipótese de a escola estar enganada, de os adultos que a fazem e que sobre ela escrevem estarem a deixar fugir cada vez mais a realidade que pretendem modelar. Como diz Machado Pais (2001, p. 414), o que predomina nas escolas é uma cultura prescritiva — que se justifica pela massificação do ensino, sujeito cada vez mais a economias de escala — que pensa o futuro como algo já feito. Mas o futuro vai-se fazendo, de preferência de forma participada, envolvendo os jovens. Infelizmente, na escola, como nos jornais que a contam, as perspectivas tão diversificadas dos jovens de pouco valem.

Outro aspecto a salientar no tratamento jornalístico sobre jovens na escola, mas também sobre as áreas sociais antes apontadas, é a tendência para os tratar como dados estatísticos, transformando-os no objecto de cálculo económico racional: "Na área da educação Portugal tem apenas 35 mil jovens na via profissional", JN, 22 de Outubro de 2006; "Listas com os resultados das 587 secundárias nas oito disciplinas com mais alunos", Público, 21 de Outubro de 2006; "5 mil vagas para trinta mil candidatos", Expresso, 21 de Outubro de 2006. Poder-se-ia pensar que razões de natureza conjuntural estão na base deste tratamento. Mas os dados relativos à semana analisada mostram o contrário: verifica-se a mesma tendência de agregação na área da saúde: "Estima-se que 400 mil jovens integrem, anualmente, a estatística dos mais pesados, na Europa", JN, 19 de Outubro de 2006; do emprego: "120 desempregados apoiados", CM, 23 de Outubro de 2006; dos valores: "Em Portugal em 2004 quase 70 por cento dos jovens até aos 24 anos consideravam-se europeus", Público, 20 de Outubro de 2006. Quando a agregação é usada para realizar a modalidade de frequência, transforma os jovens em vítimas passivas, representação que num clima moral adequado pode levar a pedidos de maior controlo ("De acordo com dados da Netpanel da Marktest, 8 mil portugueses, entre os 15 e os 24 anos, são viciados na Internet", DN, 19 de Outubro de 2006; "O perigo espreita em cada clique […] a maior parte das crianças e jovens navega na Internet sem qualquer tipo de protecções e restrições", Sol, 21 de Outubro de 2006) ou a transformá-los numa ameaça para a saúde e ordem pública. Leiam-se estes extractos retirados de um artigo de opinião escrito a propósito de uma reportagem televisiva sobre o alcoolismo juvenil: "Os números divulgados impressionam e alarmam […] evidenciou os esquemas dissimulatórios que miúdos imberbes fabricam com conivências várias, a predeterminação para a bebedeira como expediente de valorização interrelacional, a existência de sofisticados aliciamentos", DN, 22 de Outubro de 2006.

 

Notas Finais

A análise apresentada mostra que o acesso activo (como protagonistas) e passivo (como referências) dos jovens ao discurso jornalístico é limitado, tal como é limitado o seu acesso a outros recursos socialmente escassos. Estamos perante um discurso ancorado num referencial fortemente adultocêntrico. De uma forma genérica, poder-se-ia dizer que a representação dominante nesta semana é de natureza negativa, assente no estereótipo do jovem problemático e em que não se reconhece aos jovens o direito de se expressarem sobre problemas e situações que protagonizam. Mesmo em tópicos como a educação, a saúde, o emprego e, em geral, assuntos sociais, os jovens são tratados a propósito dos problemas que criam para as autoridades ou enquanto elementos geradores de problemas em que as autoridades podem ajudar. Iniciativas próprias, auto-organização, acção política, investigação, contributos positivos para a economia, a vida social, ou para a cultura, domínio em que os jovens mostram maior iniciativa e acção, não merecem grande destaque, embora estejam presentes. Como mostrámos antes, para serem retratados de forma positiva, os jovens têm de ter comportamentos profissionais excepcionais ou pertencer ao grupo das jovens estrelas mediáticas. Esta diferença no tratamento jornalístico aponta a necessidade de os estudos futuros sobre este tema explorarem o modo como a idade e a classe social interferem na representação que os media produzem sobre os jovens.

A ênfase na ideia de que os jovens têm ou causam problemas, de que são pouco autónomos, e a exclusão do que podem ser problemas para os jovens (e não problemas dos jovens) podem intensificar os processos de categorização negativa, acentuando as diferenciações simbólicas entre quem aparentemente subverte e quem se diz atingido, e não dão espaço para interrogações sobre o modo como os sistemas educativo, de formação profissional e produtivo influenciam os diversos processos de transição dos jovens. Também não restituem a complexidade das situações sociais concretas nem possibilitam a escuta, a participação, suscitando mesmo incompreensão e possíveis efeitos de ricochete. Cabe então perguntar: serão mais perigosos os jovens ou a sua marginalização discursiva? Nenhuma cidadania pode ser reivindicada quando o acesso à participação e à autonomia é vedado (Pais, 2005). Ser jovem, no discurso jornalístico produzido no decorrer da semana analisada, é uma espécie de princípio causal que, ao invés de exigir explicação, parece fornecê-la. Nesta semana, este discurso não fomenta, diríamos mesmo que dificulta, uma cidadania activa por parte dos jovens.

O estudo exploratório realizado aponta para a possibilidade de a realidade nacional do discurso jornalístico sobre jovens não ser muito diferente da de outros países europeus, mas esta será uma questão a averiguar em futuros projectos de investigação.

 

 

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* CECS, Universidade do Minho, Departamento de Ciências da Comunicação, Campus de Gualtar, 4710 Braga, Portugal. e-mail: zara@ics.uminho.pt.

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