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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.191 Lisboa abr. 2009

 

O Conselho de Guerra como lugar de poder: a delimitação da sua autoridade**

Fernando Dores Costa*

 

 

Este artigo debruça-se sobre as consultas do Conselho de Guerra durante a Guerra da Restauração (1640-1668), tendo como fio condutor a delimitação da autoridade deste Conselho, uma inovação institucional imposta pela aclamação do rei da Casa de Bragança, mas seguindo o modelo institucional da Casa de Áustria. A demarcação do papel do Conselho de Guerra passou, em primeiro lugar, pela limitação dos seus poderes em relação aos poderes do próprio rei e, ao mesmo tempo, pela criação das fronteiras com o conjunto de outras instâncias de aconselhamento do monarca, nomeadamente o Conselho Ultramarino e o Desembargo do Paço.

Palavras-chave: Guerra da Restauração; Conselho de Guerra; governo polissinodal; consultas.

 

 

The Council of War as a locus of power: delimiting its authority

This article examines the consultations of the Council of War (Conselho de Guerra) during the War of Restoration (1640-1668), its central thread being the delimitation of this Council's authority. The Council was an institutional innovation imposed following the acclamation of the house of Bragança king, but which adopted the institutional model of the house of Austria. The demarcation of the Council of War's role involved, first, the limitation of its powers in relation to the king's own powers and, at the same time, the setting of lines of demarcation between it and the monarchy's other consultative bodies, in particular the Overseas Council (Conselho Ultramarino) and the Replevin of the Court (Desembargo do Paço). embargo

Keywords: War of Restoration; Council of War; polysinodal government; consultations.

 

 

Introdução1

Apresentam-se neste artigo os resultados preliminares de uma investigação sobre o Conselho de Guerra durante o período da Guerra da Restauração (1640-1668). Sendo este Conselho uma inovação imposta pela aclamação de um rei da Casa de Bragança, segue-se como fio condutor a delimitação que foi sendo feita da autoridade dessa instância de administração.

Num passo da célebre Arte de Furtar, o seu autor aplicou ao aconselhamento, característica central do governo monárquico, uma ideia crucial da época, a dos remédios que se tornam mortíferos:

A mayor e mais irremediavel ruina de huma Republica succede quando os medicamentos que applica para a vida se lhe convertem em veneno para a morte; e isto he quando os conselhos, que toma para se defender, disparão em maquinas para se destruir [Arte de Furtar, p. 206].

A criação dos conselhos, insuspeita no quadro monárquico, podia ver-se classificada de forma marcadamente negativa:

Armar aqui hum Conselho de Estado ou de Guerra, ou do que vós quizerdes, para verdes o mal, que nos resulta das unhas, que chamo irremediaveis [ibid.].

A quantidade excessiva dos seus membros era também uma preocupação constante, que se reflecte nas reuniões das Cortes:

Quantos são por todos? Dez, ou doze [...] Não havemos mister tantos conselheiros, bastão quatro ou cinco: vão-se os mais para as suas quintas, onde não lhes faltará que fazer em suas ganancias [ibid.].

Da mesma forma, o que motiva os seus pareceres constituía também motivo de reflexão:

E quem nos há de presidir neste conselho? Isto está claro: há de presidir a ley: qual ley? A do reyno, ou a de Machiavelo? [...] Não queremos que nos presida a ley de tão máo homem [ibid., pp. 206-207].

Os conselheiros são suspeitos de se guiarem por Maquiavel, e não pela lei do reino, uma acusação de extrema gravidade. Mas o que era, neste contexto, o "perigo maquiavélico" que germinava nos conselhos, neste caso no de Guerra? Qual era a diferença de substância entre estas duas "leis"? De que forma poderia o aconselhamento ser um perigo para o reino? Ensaiar uma resposta para estas questões passa pela definição da extensão da autoridade do conselho.

D. João, duque de Bragança, depois de ser feito rei pelos fidalgos conjurados, chega a Lisboa e logo do dia 11 de Dezembro do ano de 1640 data a criação do Conselho de Guerra. Nesses primeiros dias congemina-se a defesa em termos tradicionais, recorrendo-se aos meios da ordem anterior à dos exércitos permanentes, mas o novo rei não prescindiu da formação de um conselho que acompanhasse de perto a ordem administrativa dos monarcas da Casa de Áustria de "Espanha", na qual, próximo do supremo Conselho de Estado, se encontrava um Conselho de Guerra. A contextualização deste último no conjunto dos conselhos da monarquia dos Habsburgos foi feita na Aula Politica e Curia Militar de D. Francisco Manuel de Melo. Depois de remontar a criação do Conselho de Estado ao reinado de Carlos V, em 1526, situava o de Guerra como uma divisão deste:

Pelas ausências do imperador era forçoso repartir uns ministros que ficassem em Espanha superintendendo às matérias de Guerra, e os outros seguissem ao imperador [...] Dividiu estes ministros uns dos outros, aos quais o tempo e os despachos foram dando vocações diferentes, deixando só com o nome de conselheiros de Estado aos que seguiam o imperador e com o de conselheiros de Guerra àqueles que ficavam em Espanha (ausente ele) [Melo, 1720, fl. 17, §§ 24 e 25].

Mais do que a exactidão de tal descrição, importa aqui o estatuto atribuído ao Conselho de Guerra como conselho supremo, equiparado ao de Estado, mesmo quando o príncipe se encontrava ausente. Referia D. Francisco Manuel de Melo (1720) que os conselheiros de Estado eram também de Guerra: eram-no "implicitamente [...] além do custume, por aquella certa razão, de que sem armas se não pode conservar o Estado" (id., ibid., fl. 20, § 27), sendo o autor um defensor de que "o Estado se une mais às armas que às letras", os dois "braços da Monarchia" (id., ibid., fl. 20-21, § 28). Assinalava que nenhum destes conselhos tinha presidente (id., ibid., fl. 22, § 29) — porque os encabeçava o rei e nenhum outro em seu lugar — e ainda que os lugares que neles se ocupavam não eram objecto de consulta: os príncipes nomeavam os conselheiros, de que se despachava decreto cerrado o qual, por via de expediente, ia ao próprio conselho (id., ibid. fl. 23, § 32). Não tinham também um número definido de conselheiros. Carlos V e Felipe II teriam criado poucos para que houvesse mais segredo e para que fosse o expediente menos confuso. Dizia ainda que poucas vezes se reuniam mais de quatro ou cinco, os outros estando ocupados em postos (id., ibid., fl. 24, § 33).

Melo apresentava depois, mais detalhadamente, a jurisdição do Conselho de Guerra. Nos prémios, a sua jurisdição era pouco inferior à do Conselho de Estado porque também consultava e dispunha os despachos dos pretendentes (salvo se fossem os de mercês fora de Espanha). Em matérias de graça era semelhante à do Estado, mas era maior nas matérias de justiça, mandando executar as suas determinações e sentenças até à morte, sem apelação para outro tribunal; era pronto e executivo nas suas resoluções por meio do seu assessor, mas "costuma favorecer sempre a gente militar, quando recorre a seu juiz privativo" (id., ibid., fl. 49-50, § 69). Esta era a tradição institucional, que foi retomada, com algumas diferenças, pelo governo de D. João IV.

O Conselho de Guerra constituía, pois, uma instituição de primeira grandeza. Significativamente, acompanhou o rei ao Alentejo em 1643 (Chaby, 1869, p. 55) — e por isso um conjunto de consultas desse ano são datadas de Évora — e das suas reuniões se esperava, pelo menos nos primeiros anos, que saísse uma orientação sobre as questões candentes da organização da guerra, como por exemplo, o que fazer com o exército durante o Inverno (id., ibid. p. 56). Houve, contudo, notáveis flutuações nas relações entre a figura máxima régia — ou dos que constituíam o grupo restrito informal dos que governavam em seu nome — e o Conselho, sendo detectável uma situação muito conflituosa nos anos de 1652 a 1654.

 

As consultas do Conselho de Guerra

A série composta pelas consultas do Conselho de Guerra durante o período da Guerra da Restauração (1640 a 1667) foi a fonte utilizada nesta caracterização do Conselho como local de poder. As atribulações sofridas pela documentação e a sua posterior incorporação na Torre do Tombo, onde hoje se conserva, foram já relatadas por Cláudio de Chaby (1892, pp. vii-xx)2. No quadro que se segue apresenta-se uma listagem da documentação que chegou até nós, em grande parte devido à acção meritória de Chaby.

No período analisado verifica-se uma ausência de informação para 93 meses, correspondendo a cerca de 30% do tempo de acção do Conselho. No entanto, é provável que esta lacuna não corresponda a uma perda de informação equivalente: temos alguns indícios que contrariam a existência de uma regularidade na produção documental do Conselho. Os anos (aparentemente) completos apresentam números globais de consultas muito diversos. A série utilizada é constituída por originais, e não por registos de consultas em livros. Isto apresenta uma vantagem de enorme importância: temos muitos (embora não todos) documentos anexos às consultas, o que não ocorreria no caso dos registos em livro. Embora fosse um hábito resumir no texto da própria consulta o conteúdo do documento que dera origem à consulta, os anexos podem ser muitas vezes a parte mais sumarenta das consultas. Aliás, numa parte dos casos, o que se encontra apenso são outras consultas3. Contudo, o tratamento de originais tem a desvantagem de não sabermos se as consultas que nos chegaram, mesmo no caso dos meses para os quais elas existem, representam o total das consultas que subiram do conselho ao rei, ou se terão existido outras que entretanto se perderam4.

 

Consultas (1640 a 1667)

(a) Anos que estão completos.

(b) O maço 16 termina com a morte de D. João IV.

(c) O maço 27 termina com a deposição de D. Afonso VI.

 

 

A jurisdição e as funções do Conselho

A situação de não reconhecimento do novo rei português pela casa de Áustria prolongou-se mais do que inicialmente se poderia prever, mas a obstinada intransigência diplomática de Madrid não teve correspondência no campo militar através de uma ofensiva capaz de impor a reposição de Felipe IV na coroa de Portugal. Subsistiu, desse modo, uma demorada situação de impasse. A iniciativa bélica, ainda que inconsequente e improfícua, pertenceu nos primeiros tempos ao rei português, que, pressionado pelos seus aliados franceses, empreendeu entre 1643 e 1646 algumas campanhas com as quais procurava obter o necessário crédito militar, a usar nas negociações europeias. Foi durante esses anos que se fez uma primeira delimitação das atribuições do Conselho de Guerra.

Os homens da guerra e o próprio Conselho receberam tardiamente textos reguladores, datando apenas de 22 de Dezembro de 1643 o seu regimento. Foi por essa altura que pressionou o rei para que fizesse publicar as esperadas "ordenanças militares". Recorde-se que o trabalho de elaboração de tais ordenanças começara muito antes. Dele fora incumbido João Mendes de Vasconcelos, tendo chegado até nós um longo comentário a um texto que representaria uma súmula sobre o estado do estilo militar europeu transmitido pela via da tradição da monarquia hispânica (Ayres, 1906). A 4 de Janeiro de 1644 os conselheiros recordavam a D. João IV de que sem

ordenanças militares nenhum exército pode ser bem governado nem disciplinado; e de as não haver neste reino resultam muitas desordens e abusos em grande prejuízo e dano do serviço de Vossa Majestade, o que convém atalhar antes que sejam maiores. E com esta consideração pareceu ao Conselho obrigação sua lembrar a Vossa Majestade como o faz que deve ser servido mandar que se acabem de ajustar as que estão feitas, e que se imprimam com a brevidade que convém a seu real serviço5.

Em resolução datada do dia seguinte, D. João IV prometia: "brevemente mandarei publicar e imprimir estas ordenanças"6, o que confirma que a sua redacção era feita por iniciativa régia, sem recurso ao Conselho. A 30 de Março desse mesmo ano, em resposta a uma consulta de 5 de Março a propósito da sugestão do Conselho em se fazer a declaração e especificação dos soldos nas patentes dos oficiais nelas nomeados, o rei remetia de novo para as ordenanças militares, que brevemente sairiam7.

Também a 7 de Janeiro de 1644 os conselheiros recordavam a necessidade de publicar o seu próprio regimento:

O Conselho lembra com a submissão devida a Vossa Majestade que se sirva mandar acabar de ajustar o regimento por que se há-de governar [...] porque sem ele mal poderão os ministros acudir ao serviço de Vossa Majestade com a prontidão e acerto com que o procuram, e as partes perdem pelas controvérsias que acham em outros tribunais de ministros particulares, e a execução e expediente dos negócios que correm por este conselho8.

O regimento, datado de 22 de Dezembro de 16439, ainda não chegara nessa altura ao seu conhecimento. Mas o expediente do Conselho já fora, ao longo de 1643, objecto de decretos determinando prazos para a resposta à correspondência e para a subida de consultas10.

O Conselho de Guerra era muito mais do que um órgão de aconselhamento do rei. Cabiam-lhe muitas das tarefas executivas, de inspecção e de vigilância dos variados aspectos da organização da guerra e também as funções de justiça militar suprema. Deste modo, as consultas que subiam ao rei reflectem apenas uma parte da actividade dos conselheiros e do conselho, embora possamos considerar que esta era a mais importante.

Na prática, são várias as dimensões abrangidas por uma efectiva delimitação do domínio de acção do conselho, como novidade no exercício da autoridade. Algumas consultas dão-nos informação sobre estes limites, os quais constituem a primeira definição desta instância como local de poder. Nas secções seguintes deste artigo destacam-se alguns dos mais importantes aspectos da delimitação dos poderes do Conselho e caracteriza-se o seu funcionamento.

 

Limitações dos poderes do Conselho

Votações e parentelas

Um primeiro aspecto das delimitações de acção do Conselho partia da assunção do poder dos conselheiros enquanto chefes de redes de clientes e procurava evitar que estes se servissem das ocasiões em que lhes cabia fazer propostas para a ocupação de postos para colocarem a sua parentela ou os criados, ou seja, os seus dependentes. O problema foi identificado logo por um decreto de 12 de Julho de 1641 que se referia genericamente a todos os "tribunais"11. Nesta primeira versão, o rei mandava que, quando os ministros votassem em parentes seus até ao 4.º grau ou em criados "actuais", declarassem a existência desta relação. No caso de o ocultarem, incorreriam no "perdimento" dos seus ofícios. O mesmo se praticaria no caso de consultas que tocassem a parentes.

Esta tentativa de disciplinar os conselheiros foi retomada por outro decreto, de 4 de Maio de 1643, que proibiu os conselheiros de guerra de votarem em parentes ou criados12. A reacção não se fez tardar, e a 11 de Maio os conselheiros afirmavam que o Conselho desconhecia estas notícias "porque a [ordem] que veio a ele e se observa e guarda foi para que votando os conselheiros em parentes seus declarem o grau em que o são"13. Significativamente, defendiam que tais preceitos não se deveriam aplicar ao Conselho de Guerra, ou pelo menos apenas se poderia seguir uma versão em que a interdição se estendesse apenas até ao 2.º grau, argumentando:

Por ele se compor de ministros que todos são aparentados com toda a nobreza e fidalguia deste reino de tal maneira que se não houverem de votar em parentes seus ficará impossível proporem-se a Vossa Majestade fidalgos alguns para ocupações do serviço de Vossa Majestade, com prejuízo grande dele porque não correndo por este Conselho negócios que toquem à justiça e à mercê, mas só os da guerra, e inculcar e propor a Vossa Majestade sujeitos capazes e confidentes para ocupar os postos dela sendo tão necessário e forçoso em tempos tão suspeitosos ter particular conhecimento e experiência dos em que concorrem estas qualidades, mas se poderia alcançar a certeza e firmeza disto se não for daqueles com quem se professa estreita comunicação por razão do parentesco e amizade, e nenhum se atreveria em tais tempos propor sujeitos para lugares de confiança de que não tivesse certeza de que hão-de ser fiéis e firmes no serviço de Vossa Majestade14.

As dificuldades identificadas não provinham apenas da origem social dos conselheiros, mas também de assim se contrariar a vantagem que existia na proximidade dos escolhidos: a certeza dada pela estreita comunicação própria do parentesco. O efeito perverso da aplicação dessa regra seria o de poderem ser chamados a postos militares homens de duvidosa origem e fidelidade15. Confirmava-se desse modo a importância das redes de parentes e de amigos na sustentação do serviço do rei. A resolução régia datada de 27 de Maio acolhia as objecções dos conselheiros, determinando que "quanto a votar nos criados cumpra-se o que tenho mandado, quanto a votar nos parentes conformo-me com o que parece ao Conselho com advertência que farão declaração os ministros, como vejo que fazem dos graus de parentesco"16.

Mas uma consulta de 1649 faz uma descrição das contrariedades que continuaram a ser encontradas na sua aplicação. A resposta régia tentou solucioná-las, delimitando os assuntos que deveriam suscitar a ausência dos conselheiros aparentados. Na redacção da consulta lembrava-se que o rei tinha resolvido que, quando fossem vistos assuntos que tocassem a algum conselheiro ou a parentes seus, esse conselheiro saísse da reunião enquanto fossem debatidas tais matérias, e assim se observava:

Por que alguns parentes de ministros que estão ocupados em serviço de Vossa Majestade quando escrevem a Vossa Majestade sobre cousas dependentes dos postos que ocupam se acham a eles presentes e votam, considerando o Conselho que ainda que as matérias direitamente não toquem as pessoas e sejam do serviço de Vossa Majestade ou de partes, vem a ser de inconveniente grande haverem de votar nelas os conselheiros que forem seus parentes em grau proibido e assistir ao despacho, porque estando presentes se vem a tirar a liberdade aos mais conselheiros para votarem o que entenderem nas matérias sobre que escrevem as pessoas que ocuparem postos, aprovando ou reprovando suas acções e procedimentos em respeito do ministro parente que está presente17.

Parecia, por isso, ao Conselho que o rei determinasse que nenhum conselheiro ou outro ministro houvesse de estar presente no despacho dos assuntos sobre que escrevessem os seus parentes (no grau proibido) tocantes aos postos que ocupassem no serviço do rei. A resolução régia datada de 14 determinava que "quando as matérias que se tratarem no Conselho forem de queixa ou culpa contra os parentes dos ministros dele então não é justo que se achem no que se votar a cerca delas, mas sendo sobre negócios da província e direcções deles não faz dano que votem o que lhes parecer"18.

Depreende-se que a presença dos familiares inibiria, por si mesma, a apresentação de uma discordância quanto à orientação definida pelos que ocupavam os postos militares, mesmo que esta fosse no âmbito estritamente bélico. A resolução procurava um equilíbrio que implicava uma destrinça das matérias em debate, que imaginamos que não fosse fácil de fazer. As opiniões — mesmo as destes homens que se situam ao mais alto nível — podem ser suspeitas de distorção pela influência de "paixões", o que, no caso de questões de índole militar, pode ser visto como algo particularmente perigoso.

 

Interpretação das resoluções régias e colegialidade das deliberações

Uma segunda delimitação da autoridade do Conselho dizia respeito à capacidade que os seus membros detinham para interpretar as resoluções régias. A isso se referia, por exemplo, um despacho de 18 de Dezembro de 1647 a propósito de um indivíduo que se encontrava preso no castelo de S. Jorge e pedira para regressar a Vila Viçosa. O conselho entendera que "podia despachar esta petição de Luís Mendes por expediente, que nisto não se alterava em nada a resolução de Vossa Majestade porque o motivo que houve para remeter a Luís Mendes à Villa Viçoza [...] foi para poder alegar de sua justiça na sua causa"19. No entanto, o rei entendia que "ao conselho não toca interpretar as minhas resoluções, e assim se não deverá alterar o que eu tinha mandado sobre a prisão de Luís Mendes de Vasconcelos sem se me consultar"20.

Os conselheiros poderiam, pois, ser tentados a considerar como expediente matérias em que o rei considerava que tinham obrigatoriamente de o consultar. Os problemas do funcionamento regular do Conselho são identificados por uma proposta apresentada no início de 1644. Se tivesse sido adoptada, poderia ter transformado substancialmente os seus procedimentos. Subscrita por apenas dois conselheiros, atenuaria o funcionamento colegial do Conselho. O problema teria sido suscitado pelas queixas apresentadas pelos governadores das armas das províncias do Alentejo, Algarve, Beira, Trás-os-Montes e Entre Douro e Minho sobre a dilação na resposta às cartas que escreviam ao rei e no provimento dos meios necessários à defesa dessas províncias. Afirmando que isso resultava "da ocorrência dos negócios serem muitos e da falta de solicitador autorizado que aplique, assim neste Conselho como na Secretaria de Estado, e dos mais ofícios por que correm estes negócios o breve expediente deles"21, os conselheiros D. António Luís de Meneses e Álvaro de Souza propunham que o rei mandasse

repartir estas cinco províncias encomendando a cada conselheiro deste Conselho a sua para que cuide cada um deles das cousas que lhe tocar, e de as fazer despachar e expedir, escrevendo e ordenando aos governadores das armas se comunique cada hum com o conselheiro que lhe tocar por Vossa Majestade ter resoluto que ele solicite a expedição dos tais negócios e mais cousas tocantes a seu provimento, e que aprovando Vossa Majestade este parecer deve juntamente repartir logo as províncias e sinalar a cada conselheiro a que lhe há-de tocar porque convém que cada um tenha seu dia de despacho e que nele se veja somente no Conselho tudo o que tocar a tal província22.

No entanto, esta proposta não mereceu a aprovação de dois outros conselheiros. Para o conde de Penaguião e para Fernão Teles de Meneses bastaria "sinalar ao Conselho um dia de cada semana para se tratar nele somente os negócios de cada província, e que para lembrar a resolução dos negócios que se houverem consultado e de que tardarem as resoluções bastará também fazê-lo por consultas do mesmo Conselho"23.

O projecto do futuro marquês de Marialva e de Álvaro de Sousa daria a cada conselheiro uma grande autonomia em relação aos outros e, para mais, tornaria bem desigual a sua importância, na medida em que eram muito diferentes as ameaças que se faziam sentir e as forças que se mobilizavam nas várias províncias. A resolução régia de 8 de Janeiro contrariou-o ao afirmar que "a principal obrigação do Conselho é a matéria desta consulta, que sendo tão importante deve ser sempre a primeira que se trate e se responda logo, e as que pedirem resposta ou resolução minha terá o Conselho particular cuidado de fazer sobre isso as lembranças necessárias"24.

 

Mercês e comutação de penas

Neste mesmo ano de 1644, o Conselho consultava aquilo que podemos considerar, efectivamente, uma proposta de subversão "constitucional". Partia-se da sua recente reorganização para ir bem mais longe. O rei fora "servido mandar reformar este Conselho e tornar a nomear de novo para ele os conselheiros que de presente servem"25 e a estes parecera obrigação lembrar ao rei uma alteração pela qual melhor o serviriam e melhor seria ele servido. Representava-se que todos os militares vindos das fronteiras pretendiam melhoramentos de postos e os seus papéis se decretavam pela secretaria das Mercês,

resultando disto grandes inconvenientes ao real serviço de Vossa Majestade errando-se totalmente todo o estilo militar praticado e observado em todas as partes e reinos em que há Conselho de Guerra como é bem notório. Porque mal se poderão avaliar os serviços e merecimentos dos soldados não sendo vistos e examinados no conselho adonde há particular notícia e conhecimento deles. Não podendo tão-pouco haver informações secretas dos procedimentos de cada um nos exércitos e fronteiras se não for neste Conselho, e por faltarem estas a Vossa Majestade se fazem muitas vezes mercês a quem tem braços e pernas e morrerem de fome alguns que as perderam no serviço de Vossa Majestade, que deve ser servido por o que toca a seu serviço em primeiro lugar é a igualdade com que devem ser repartidos os prémios conforme aos merecimentos dos sujeitos a quem se derem26.

Apontava-se para que fossem mandados consultar no Conselho os requerimentos para a satisfação dos serviços feitos na guerra, "como se faz no da Guerra [de] Castela e em outras partes"27, na terra e também no mar, já que também se contestava a jurisdição do Conselho Ultramarino para consultar a remuneração dos serviços militares feitos nas partes ultramarinas. Impedir-se-ia, ao mesmo tempo, que requeressem as partes com certidões falsas (como muitas vezes acontecia) e chegaria ao rei uma notícia certa de como cada um tinha servido e procedido para que pudesse honrar e fazer mercês a todos em função dos seus merecimentos e serviços.

A aplicação do que assim se sugeria poderia ter muito amplas consequências: se tivesse sido adoptada, os conselheiros de guerra passariam a ter a supervisão dos mecanismos de atribuição de mercês, reclamando a posse dos meios para avaliar o merecimento dos peticionários. A Secretaria das Mercês e o Conselho Ultramarino (com o qual se manteve um litígio que será abordado adiante) eram explicitamente postos em causa, mas, na verdade, o próprio rei era colocado em cheque enquanto fonte dos prémios que faziam mover os homens, aquele que era, por excelência, o seu papel. O Conselho tornar-se-ia, se o deixassem, criador e destruidor da nobreza e, desse modo, o núcleo de um regime predominantemente aristocrático. Mas a proposta não obteve anuência régia. A resolução de 8 de Janeiro declarava que "não há que alterar nesta matéria o que até agora se costumou"28. Os assuntos respeitantes a mercês que afloravam das consultas seriam sempre encaminhados para o respectivo domínio de autoridade. O rei mandava escrever: faça a petição por onde cabe...

Ao Conselho era também negado o poder de perdoar penas. O rei afirmava-o a propósito do alferes Manuel Ferreira Morens, o qual, servindo há 14 anos, "e vindo a esta Corte a seus requerimentos, fora preso por incorrer no bando que se havia lançado, cuja pena se lhe comutou para ir a Tânger onde esta há um ano"29. A decisão do rei condescendia com uma decisão já tomada pelo Conselho, algo que era frequente, mas demarcava o poder de perdão: "como parece, mas advirta-se que o Conselho não pode perdoar degredos e que este soldado estava bem aliviado em se lhe comutar o bando de morte no serviço de Tânger e nestas dúvidas deverá o Conselho recorrer a mim", acrescentando-se ainda, já depois de datado, "e o perdoar degredo não podia nem devia ser sem consulta"30. O alferes, dentro de um regime disciplinar que era caracteristicamente suave, cumpria uma pena que era já a versão moderada do que se previa no bando para os que abandonavam postos sem licença, mas ainda assim via o seu degredo perdoado. Mas os reis eram muito ciosos do direito de comutação e de anulação de penas. A ostentação da benignidade era o fundamento do seu poder.

 

Supervisão das ordenanças

Outra definição crucial do âmbito da autoridade do Conselho respeitava à supervisão das ordenanças. Sendo estas mobilizadas para fora de suas terras e para acções na fronteira, colocava-se a questão de saber se a autoridade do Conselho, instância de justiça suprema, recaía apenas sobre os soldados pagos ou abarcava também todos aqueles que de alguma forma, e num certo tempo, ficavam sob a alçada da jurisdição excepcional da guerra. A questão era de magna importância pois correspondia, em última análise, à anulação do poder das nobrezas locais pelo poder do Conselho, retirando-os da lei comum.

Hesitou-se quanto ao que deveria ser feito. Numa consulta de 1646 afirmava-se a inconveniência de que as residências dos capitães-mores que não serviam na guerra viva fossem para o Desembargo do Paço. Esta consulta, de 21 de Abril, retomava uma outra, datada de 17 de Fevereiro do mesmo ano, "sobre o que pedem os procuradores de Cortes a cerca de os capitães-mores proprietários servirem e os que devem servir nos lugares onde os não há"31, fazendo parte do ciclo da reacção às propostas do estado dos povos em Cortes (Costa, 2002), cuja resolução de 17 de Março fora a seguinte: "Como parece advertindo que os capitães-mores que não servirem em guerra viva hão-de vir suas residências ao Desembargo do Paço32."

A nova consulta, datada de 21 de Abril, vinha pôr em causa esta decisão. Nela se assinalava que "[f]oi Vossa Majestade servido conformar-se com o parecer à consulta que torna com esta, advertindo que dos capitães-mores que não servirem em guerra viva hão-de vir suas residências ao Desembargo do Paço". Contra isso recorria-se ao antigo regimento das ordenanças do século xvi:

E porque isto vem a ser contra o que se dispôs no regimento da milícia que se fez em tempo do senhor rey Dom Sebastião [...] [no qual se afirma] que as culpas dos capitães-mores não virão à Casa da Suplicação nem do Cível se se houvesse de seguir agora a ordem da resolução referida se lhes virá a tirar agora a prerrogativa e privilégio que então se lhes concedeu [...] torna o Conselho a lembrar a Vossa Majestade que deve ser servido mandar que as culpas que resultarem contra os capitães-mores venham e se determinem neste Conselho na forma do parecer da consulta que torna com esta por ser conforme ao que está disposto no regimento da milícia e o que mais convém ao serviço de Vossa Majestade33.

A resolução de 23 de Abril era favorável ao Conselho através do ritual "como parece". Recorde-se que o estado dos povos pedia que não houvesse capitães-mores onde não houvesse soldados pagos34. No âmbito do debate suscitado por este pedido, o Conselho previa no seu parecer que para os lugares onde não houvesse alcaides-mores ou capitães-mores providos pelo rei deveriam estes ser objecto de residência, de três em três anos, feita pelos corregedores das comarcas e estes, sem as sentenciar, remetê-las-iam ao Conselho para se verem e sentenciarem nele. Entendia o Conselho que isto era o que mais convinha ao serviço do rei e para "haver menos opressão aos povos".

Neste aspecto, o conflito com o Desembargo do Paço reapareceu periodicamente. Assim, a propósito de uma capitania das ordenanças nos coutos de Alcobaça, uma resolução régia de 21 de Novembro de 1648 reafirmava a competência do Conselho de Guerra nesta matéria:

Visto os termos em que este negócio se acha se dê a execução o que tenho resoluto, e para os mais desta qualidade mando advertir ao Desembargo do Paço que na forma do regimento que dei ao Conselho corram por ele daqui por diante todas as matérias das milícias das ordenanças, sem embargo de tocarem nos tempos passados àquele tribunal35.

Também os conflitos sobre a ida dos capitães-mores às câmaras, suscitando dúvidas sobre precedências, tornavam-se conflitos entre o Conselho de Guerra e o Desembargo do Paço, enquanto o rei procurava refúgio nos casos precedentes36.

Nos anos seguintes à publicação do citado regimento dos homens de guerra detecta-se uma tentativa das resoluções régias para assumirem a sua coerência, remetendo com frequência as questões para a aplicação estrita do que nele se previa: "guarde-se o regimento"37. O Conselho representava, pelo contrário, o ponto de vista da cedência às petições... Sabemos que na administração do Antigo Regime as regras definidas em textos de assinatura régia eram vistas como uma predefinição de acções que não se cumpririam numa parte dos casos porque a elas se sobrepunha a particularidade das situações. Cada caso individual, expresso em cada petição, invocava uma razão para se não aplicar a si a regra: os conselheiros de guerra seguiam geralmente o carácter excepcional do caso. O rei, durante algum tempo, insistiu no cumprimento do que fora consagrado no regimento, ou seja, na criação de uma homogeneidade disciplinar e de uma previsibilidade38.

 

Delimitações administrativas

O Conselho de Guerra, sendo uma inovação do novo rei, originou problemas de delimitação das suas competências que se situaram muito para além da aplicação do regimento. Esses conflitos de jurisdição podem ser ilustrados, em vários momentos, com o Desembargo do Paço ou com o Conselho Ultramarino. Com o primeiro ganha máxima expressão um conflito prático, e não apenas académico, entre os homens das armas e os homens das letras. Com o Ultramarino persistirá um litígio, já atrás assinalado, quanto à aplicação do artigo do citado regimento dado ao Conselho de Guerra que lhe atribuía a consulta da nomeação dos homens que partiam para os domínios em missões de guerra, sendo que esta era a dimensão crucial da sua autoridade social efectiva.

Curiosamente, a mesma relação de conflito não se desenvolve em relação aos órgãos que preenchem funções tributárias, logísticas ou financeiras. Exceptuando alguns conflitos que se esboçam cedo, no ano de 1642, os conselheiros não manifestam interesse em interferir nas atribuições da Junta dos Três Estados ou do Conselho da Fazenda, absorvendo ou supervisionando as suas funções, embora sempre se queixem dramaticamente dos efeitos da falta de dinheiro. Neste campo parece verificar-se uma real compartimentação: quando forçados a apresentarem propostas sobre inovações tributárias que fizessem sair o governo do impasse financeiro, os conselheiros de guerra escusam-se e afirmam que tais assuntos não são da sua competência, talvez por não possuírem propostas efectivas.

Uma excepção pode ter sido esboçada no final do ano de 1652, aquando de uma peculiar reunião de uma junta criada a partir do Conselho no tempo em que o rei delegara no príncipe D. Teodósio a sua condução, da qual temos conhecimento por outra via que não a das consultas. O príncipe herdeiro fizera vir à sua presença todos os conselheiros de guerra para se pronunciarem sobre a forma de defesa do reino e nomeara uma junta de sete indivíduos que, em consulta de 7 de Janeiro de 1653, o informaram que nem a Corte nem o reino se podiam defender no estado em que se achavam e que o príncipe e o rei deveriam

tratar de si e de nós, cortando por todas as dificuldades que se oferecerem, entendendo que no reino, assim como ao corpo enfermo, não se lhe aplicam os remédios que pede sua vontade, se não sua necessidade. E tornamos a dizer a Vossa Alteza39 que se estes se nos ofereceram tais que os poderamos executar, os representaremos como somos obrigados40.

A metáfora médica aplicada ao poder parece indiciar uma viragem na orientação, mas não nos chegou notícia de nenhuma nova forma pensada, e muito menos aplicada, de ministrar os "remédios" ao "corpo enfermo". Havia uma dificuldade crucial na ilegitimidade tributária e o Conselho de Guerra nada podia fazer (Costa, 2004 e 2005).

 

Os conflitos com o Conselho Ultramarino

Como já se referiu, o regimento dado ao Conselho de Guerra em 1643 atribuiu-lhe um âmbito de acção nos domínios extra-europeus da Coroa que entrava necessariamente em colisão com o que se definia ser o papel do Conselho Ultramarino. Era como se o redactor desse regimento ignorasse a criação deste conselho ou, conhecendo-a, quisesse propositadamente afrontá-la, retirando-lhe jurisdição. A criação do Conselho Ultramarino foi, provavelmente, a inovação determinada pelo novo rei que maiores perturbações terá gerado na ordem institucional. O novo conselho "foi bastante mal recebido por alguns órgãos mais antigos [...] os quais, durante algum tempo, se recusaram a remeter ao Conselho Ultramarino os papéis que tinham em seus poder relativos à `Índia e conquistas'" (Cardim, 2002). Desafiava-se deste modo a decisão régia de introduzir modificações no quadro institucional41.

Algumas consultas reflectem a confrontação entre os dois Conselhos. Em 1644, o Conselho de Guerra reclamava para si os "negócios" de que tratava o capítulo 18.º do regimento. Trata-se do ponto em que se previa que o conselho consultasse o rei sobre todos os postos e cargos de guerra do reino e suas conquistas, exércitos de mar e terra e armadas. Mas a decisão do rei, datada de 16 de Junho, foi-lhe adversa: "estes provimentos, pelo que toca ao Ultramarino, pertencem àquele Conselho, assim o tenho resoluto, e nesta forma se proceda"42.

Mas o litígio era retomado pouco depois. Repetia-se a argumentação baseada no capítulo 18.º do regimento, pelo qual mandava o rei que o Conselho consultasse

todos os postos e cargos de guerra, de capitães até capitães-mores de praças e fortalezas do reino e suas conquistas, e por que se tem entendido que se trata de nomear novos governadores e capitães-gerais para Tânger e ilha Terçeira sem que até agora se haja comunicado a este Conselho, nem baixar ordem a ele para se proporem sujeitos para estes postos sendo ambos de guerra, pareceu lembrá-lo a Vossa Majestade para que sendo servido se provejam logo se proponham os sujeitos que se oferecerem para eles, enviando a Vossa Majestade as consultas para as resolver com comunicação e parecer do Conselho ou ministro que tiver por bem43.

A resolução era silenciosa quanto à manifesta incongruência com a letra do regimento: "tenho nomeado capitão para a fortaleza da Terceira e para Tânger o mandarei nomear brevemenete"44.

Assuntos relacionados com os domínios ultramarinos continuaram episodicamente a ser encaminhados para o Conselho de Guerra, como o caso de uma queixa de 1648 apresentada por Francisco Lanier, ministro de "el rei cristianíssimo", sobre o "mau tratamento que no Maranhão se deu aos franceses que ali foram aportar45", cuja resolução se acabou por remeter ao Conselho Ultramarino46.

Isto não exclui, contudo, que encontremos o Conselho de Guerra a fazer subir consultas sobre assuntos de incidência ultramarina, nomeadamente referentes ao Brasil. As dúvidas quanto às delimitações subsistiram nos anos seguintes, mas os conselheiros de guerra parecem já aceitar uma esfera mais ampla de acção do Ultramarino, embora a queiram sempre limitar. Uma resolução sobre uma consulta de 1649 pode ter fixado as áreas de supervisão dos dois Conselhos no que respeita à sempre crucial questão das nomeações para postos. Estava em causa a nomeação de um capitão para uma companhia que se levantava nos armazéns para servir no Brasil. Lembravam os conselheiros ao rei

que ao Conselho Ultramarino, por nenhum título, pode tocar passar a patente a Simão de Sousa, por que não lhe dá o seu regimento, e conforme ao que Vossa Majestade mandou dar a este, levantando-se como se esta levantando esta companhia nos armazéns para a armada ainda que haja de ficar servindo no Brasil47.

Seria ao Conselho de Guerra que tocaria a proposta de nomear

sujeitos para capitão dela e aprovar os oficiais, e depois de ficarem servindo no Brasil poderá o Conselho Ultramarino ter jurisdição neles e na companhia, e não na leva nem na eleição dos oficiais [...] lugar parece [...] lembrar a Vossa Majestade que deve mandar que por ele se proponham sujeitos para capitão desta companhia e se aprovem os oficiais dela pois lhe toca e não pode haver razão alguma para isto correr por outra via48.

A resolução régia, datada de 10 de Outubro, definia que a "nomeação das companhias que se levantam nesta cidade pera ficarem servindo no Brasil pertence ao Conselho Ultramarino, e as que houverem de ir e vir na armada ao Conselho de Guerra, e nesta forma se deve proceder"49.

Entretanto, era ao Conselho de Guerra que nessa altura chegavam cartas de Luís da Silva Teles sobre assuntos do Brasil relacionados com a recusa do ouvidor-geral daquele Estado, João Jacome do Lago, em sentenciar com ele os feitos dos soldados ou sobre um motim que tinham feito alguns soldados da Baía. Expressivamente, a resolução do rei sobre a consulta suscitada por esta última era a seguinte: "pelo Conselho Ultramarino se tem provido há dias nesta matéria"50.

Já depois de terminada a guerra da Restauração, a delimitação da fronteira entre os dois Conselhos continuava a suscitar dúvidas. Uma resolução de 1 de Setembro de 1673 tomada sobre consulta do Conselho Ultramarino declarou ao de Guerra que cabia ao primeiro a passagem das patentes de capitão-de-mar-e-guerra. A delimitação era assim explicitada: não cabia ao Conselho de Guerra pois que o exercício destas patentes era nas "conquistas", onde se observavam as ordens, patentes e cartas de Vossa Alteza51 passadas pelo Conselho Ultramarino, o qual provia os cargos de guerra delas e também os capitães-mores das naus da Índia e das mais embarcações, enquanto que ao Conselho de Guerra caberia a dos capitães-de-mar-e-guerra das armadas reais e mais navios que não tinham exercício nas ditas conquistas52.

Mas o Conselho de Guerra detinha poderes sobre as ilhas e por isso encontramos regularmente consultas sobre assuntos com elas relacionados, em particular sobre a Terceira. Uma consulta de 26 de Abril de 1649 explica esse poder e identifica um outro, com o Conselho da Fazenda. A resolução régia dessa consulta reserva uma interessante informação sobre a falta de memória presente nos momentos das decisões. Estava em causa a nomeação do governador do castelo de São João da ilha Terceira. O parecer do Conselho afirma:

Não exercitando o governador daquele castelo nenhuma outra jurisdição que de governador do castelo e do presidio de soldados pagos que nele assistem, não tem dúvida haver-se de consultar e prover pelo Conselho de Guerra conforme ao regimento que Vossa Majestade lhe mandou dar, em que se especifica que todos os postos de guerra assim do reino como de suas conquistas lhe toca consultá-los, como Vossa Majestade sendo servido mandara ver da copia do regimento que vai com esta consulta. E ultimamente, em ocasião do Conselho da Fazenda se querer tornar a intrometer no provimento de alguns postos de milícia das ilhas que se reputam por reino que de antes de se erigir este Conselho corriam por aquele, resolveu Vossa Majestade, em reposta de outras consultas que a ele tocava por seu regimento o provimento dos tais postos, e de próximo de antes se proveram por ele alguns, e o de governador do castelo São João antes da aclamação de Vossa Majestade se provia pelo Conselho de Guerra de Castela, por ser como é agora meramente posto de guerra, sem exercício de alguma outra jurisdição53.

A resolução dava razão ao conselho: "o conselho me consulte logo este posto e me envie todo o regimento do Conselho e decretos que sobre alguns capítulos dele tenho passado"54. Aparentemente, o rei e o seu secretário não tinham uma memória escrita do regimento e dos decretos, facto estranho num regime que tanto prezava as decisões precedentes.

 

Os conflitos com o Desembargo do Paço

A definição da fronteira com o Desembargo do Paço e, em geral, com os ministros letrados já foi atrás mencionada a propósito da autoridade sobre as ordenanças. Estava em litígio se a jurisdição do Conselho se sobrepunha às já existentes e tradicionais ou se se restringia às condições excepcionais da guerra. Os desembargadores do Paço que eram chamados a participar nas reuniões do Conselho levantavam dúvidas sobre as precedências, questão sempre obsessiva para o teatro do poder55.

A resolução de 18 de Maio sobre a consulta de 6 de Abril de 1644 não atribuiu aos conselheiros de guerra uma preeminência sobre os letrados. Só ficava salvaguardada a precedência no caso de irem os letrados ao Conselho, mas eram equiparados pela antiguidade das suas cartas de conselho, e essa era uma interpretação que se avisava que não deveria ter réplica:

Hei por bem que quando os desembargadores do paço forem ao Conselho de Guerra lhes precedam os conselheiros de guerra, e se acontecer que algum conselheiro de guerra vá por ordem minha ao Desembargo do Paço e concorrendo em juntas se precederão pela antiguidade das cartas do meu Conselho que lhes forem passadas, e nesta forma se deve entender e praticar o capítulo do regimento do Conselho que trata desta matéria, sobre o qual sou servido não haja mais réplica. E quando o Conselho de Guerra se juntar com o de Estado em minha presença terão os conselheiros de guerra o mesmo lugar que têm no Conselho quando a ele vou que é o banco com o espaldar dobrado. [e em adenda já depois de posta a data]: e em minha presença se não cobrirão os conselheiros de guerra salvo os que forem títulos56.

O teatro da hierarquia era minuciosamente definido, incluindo o preceito de que apenas os titulares se poderiam descobrir na presença do rei. Note-se que a preocupação manifestada quanto ao não cabimento de réplicas indicava que o rei era frequentemente confrontado com o retorno de argumentações que desafiavam as suas resoluções.

Tal como atrás se referiu, os letrados não podiam deixar de ter participação na acção penal do Conselho. O célebre João Pinto Ribeiro, figura destacada da aclamação de D. João iv, foi chamado a assistir a esse despacho, pedindo escusa, que lhe foi concedida, alegando a sua ocupação durante as tardes na Torre do Tombo. Mas voltava a ser nomeado para esse efeito, em 1648, sendo dispensado do trabalho na Torre do Tombo nas tardes em que fosse ao Conselho57. Contra a esfera de acção do Desembargo do Paço, o Conselho de Guerra reclamava, a 29 de Maio de 1646, que apenas nele se consultassem perdões de soldados58.

Um episódio curioso traduz a constante animosidade entre letrados e ministros da guerra. Os corregedores da cidade de Lisboa, tendo sido chamados ao Conselho, teriam partido por não se poderem sentar:

Enviando-se recado aos quatro corregedores do crime desta cidade para se lhes encarregar neste Conselho a execução dos bandos que se lançaram para obrigar aos soldados a que se recolham a suas bandeiras, chegando agora à porta do Conselho, e dizendo ao porteiro que se lhes não dessem cadeiras para se assentarem não queriam entrar, e sem esperarem resposta se foram; e por que o Conselho não pode exceder a ordem de Vossa Majestade dada no regimento que Vossa Majestade lhe mandou dar que declara que não se dê assento a quem não tiver foro de fidalgo ou for desembargador, pareceu dar logo conta a Vossa Majestade da descortesia que estes corregedores cometeram contra o respeito que se deve a este Conselho que representa a real pessoa de Vossa Majestade, para que se mande fazer com eles a demonstração que for servido59.

A resolução régia datada de 3 de Agosto era desfavorável aos conselheiros de guerra, embora o seu sentido seja confuso: " aos corregedores e mais ministros letrados sobre cujos assentos estiver provido pelo regimento do Conselho se dê nele assento [...] na forma que se faz no Conselho da Fazenda a todas as pessoas que não têm foro de fidalgo"60.

Os corregedores resistiam a cumprir as ordens vindas dos militares. Um exemplo, retirado do labor quotidiano: o capitão Manuel Roiz Monforte, capitão de uma das companhias de infantaria que assistiam no castelo de Lisboa fazia petição ao rei através do Conselho queixando-se de que o corregedor Francisco Cardoso do Amaral não queria cumprir o precatório que o auditor-geral da gente de guerra, Luís Fernandes Teixeira, passara para efeito de remeter a seu juízo os cinco soldados da sua companhia que prendera por encontrá-los fora de horas, dizendo que os não havia de soltar sem ordem régia, a quem se devia recorrer. A resolução do rei de 2 de Dezembro era, naturalmente, favorável: "A Francisco Cardoso se ordena que remeta logo os soldados61." Mas o corregedor fizera, entretanto, o seu jogo de resistência. Em idêntico sentido, o Conselho pronunciava-se contra essa possibilidade de os corregedores das comarcas servirem de capitães-mores, ainda que interinamente, a pretexto do que tinham representado os procuradores de Viseu às Cortes para que o corregedor da comarca servisse de capitão-mor daquela cidade, pedido que obtivera uma resolução favorável62.

Em 1649, o Conselho continuava a identificar algumas decisões como atentatórias da sua autoridade. A consulta de 26 de Abril desse ano reportava-se à dúvida que os corregedores do crime da Corte punham na remessa de culpas de dois militares à auditoria-Geral da Guerra. Recordando que as atitudes do corregedor em causa já tinham sido objecto anteriormente de duas consultas, de 15 de Janeiro e de 23 de Março, aos conselheiros parecia tornar a representar ao rei que, não negando o tal corregedor Francisco Cardoso do Amaral que o indivíduo em causa fosse soldado quando cometera o delito nem que viera preso do Algarve, onde servia por ordem do Conselho de Guerra, fundamentos para que valesse o privilégio de soldado pago, mandava agora a ordem do rei que fosse a relação que conhecesse esta causa.

Isso não somente quebraria o privilégio contra aquilo que o rei tinha disposto no regimento deste Conselho de Guerra, mas retirava através dessa resolução ao mesmo a autoridade que deveria ter, fazendo-o inferior ao Tribunal da Relação, porque, havendo-se julgado no Conselho com assistência e parecer do assessor que o rei nomeara para estes casos, mandava agora o rei, por apelação, julgar na relação, sendo que, quando havia dúvidas na matéria, como se costumava, dever-se-ia formar uma junta de ministros dos tribunais que contendiam sobre a jurisdição63. Saber quem podia julgar quem era a essência do exercício diário da autoridade e a autoridade fundava-se sobre casos precedentes, pelo que os casos peculiares poderiam ganhar uma importância inesperada.

Para além do interminável jogo da publicidade dos lugares sociais respectivos nos teatros onde tal podia acontecer, os conflitos entre letrados e homens das armas traduziam duas formas de exercício do poder: uma "conservadora" e uma outra que, interpretando o estado de necessidade, a pretexto dele, punha em causa alguns hábitos administrativos consagrados (Costa, 2002 e 2004).

 

Os conflitos com o marquês de Montalvão

Mas ocorreram ainda outros conflitos sobre delimitação de autoridade. Houve pelo menos dois momentos de confronto dos conselheiros de guerra com o marquês de Montalvão, para além do que já se assinalou, respeitante ao Conselho Ultramarino, do qual foi presidente. No primeiro, ocorrido em 1643 a propósito do aliciamento de homens para a armada, o Conselho de Guerra reclamou ser o único a poder lançar bandos. Recebera ordem através de um decreto datado de 3 de Junho, pelo qual mandava "el rei nosso Senhor declarar e fazer notório por este bando que toda a pessoa que quiser assentar praça de soldado na armada para servir somente enquanto durar este Verão, se lhe darão duas pagas e que passado ele ficará desobrigado"64.

O secretário do Conselho, António Pereira, que o assinava, mandou o bando ao mestre-de-campo-general para o fazer lançar e fixar nas partes costumadas. Chamando para isso Belchior de Lemos, este lhe dissera que já fora lançado por ordem do provedor dos armazéns e, perguntando-lhe, em nome do Conselho, qual a ordem que tivera para o fazer, respondera que se havia feito em virtude do que lhe haviam dito o mestre-de-campo-general, Pedro Vieira da Silva, e o marquês de Montalvão65.

Um conflito mais grave teve lugar a propósito de o marquês de Montalvão ser nomeado mestre-de-campo-general junto à real pessoa. Uma consulta de 23 de Março de 1646 reportava-se às "advertências" que fizera "o marquês de Montalvão em razão da jurisdição que pretende ter com o posto de mestre-de-campo-general para tratar da recondução dos soldados que se lhe tem encarregado e sobre outros particulares"66.

Achavam-se em reunião o conde Francisco de Sá, o conde de Castelo Melhor e Martim Afonso de Melo e faziam escrever que o Conselho entendera que "só com os conselheiros que se acham presentes se devia consultar logo esta matéria"67. Estavam em causa os poderes do marquês, que os reclamava amplos, como constava das advertências que este fizera "em rezão do exercício de mestre-de campo-general junto à real pessoa de Sua Majestade para efeito de executar os bandos para recondução dos soldados"68. Em primeiro lugar, que a referida patente do posto de mestre-de-campo-general deveria compreender à jurisdição sobre as torres e toda a gente de guerra do reino. Reclamava-se, pois, uma autoridade excepcional sobre todo o reino. Em segundo lugar, que, se o rei fosse servido deixar o marquês em Lisboa, como acontecera no ano anterior, deveria ficar à sua ordem toda a província a que chamavam "Estremadura de Ribatejo". Lembrava ainda ao rei que era descrédito não se definir na patente do posto de mestre-de-campo-general o soldo que lhe tocava e que, no caso de o rei ser servido que o não gozasse, o deixaria de fazer por servi-lo. Pedia que fossem destacados António Prego e um outro de entre os oficiais dos "armazéns" para o assistirem na recondução e que se destinasse na Casa da Índia um "aposento decente" para despachar esta gente que se havia de reconduzir. Solicitava ainda que fosse nomeado "logo" como seu tenente o capitão Francisco Barroso, "que é soldado de Flandres e de que ele marquês tem grande satisfação, o qual tem servido a Sua Majestade com a mesma antes de sua feliz aclamação e depois dela"69. Por fim, que o tesoureiro dos "armazéns" deveria receber o dinheiro para os socorros dessa gente e despendê-lo com conta e razão pela ordem que o marquês lhe desse.

O Conselho dava um parecer em que se afirmava que se deveria dar ao marquês jurisdição nas fortalezas da barra e na gente de guerra, assim paga como da ordenança, da cidade de Lisboa, seu termo e de toda esta província, um âmbito muito mais limitado do que o que pedia. Também que se lhe "sinalasse" o soldo na patente que lhe tocava por razão do seu posto e ainda que, tendo outro ordenado, não deveria gozar este, "que é o mesmo que se faz com o conde de Cantanhede"70. Para mais, que se lhe dessem os dois oficiais que pedia e o aposento capaz na Casa da Índia para o despacho da recondução dos soldados e que o tesoureiro dos "armazéns" recebesse e despendesse o dinheiro para o despacho desta gente. A resolução datada de 21 de Abril era lacónica e apenas dessa forma expressiva: "o soldo se pode pôr logo na patente"71. Mas os conselheiros de guerra insistiam logo em seguida: "ontem baixou a consulta ao Conselho e parecia que se deveria fazê-la regressar ao rei para que se servisse mandar esclarecer melhor a deliberação régia e, se o Conselho, por força dessa resolução, deveria obrar alguma coisa e com que cláusulas o deveria fazer"72. A resolução de 28 de Abril de 1646 foi a seguinte:

Ao marquês mando ordenar que com todo o cuidado trate de alistar a nobreza e formar as companhias que lhe tocam e que repartidos os distritos pelos coronéis e dado à execução tudo o que pela patente que tem lhe pertence nesta Corte, ficará tudo melhor disposto para que com mais clareza e verdadeira notícia se assente o que convém acerca das dúvidas que põem. Tão bem se lhe declare logo o soldo que lhe toca e para a condução e refazer dos soldados lhe mando assistir os oficiais que pede e que na Casa da Índia se lhe prepare aposento conveniente e se despenda o dinheiro na forma que se aponta73.

O Conselho parecia arredado para um segundo plano. Criava-se uma autoridade de um indivíduo próximo do rei e que deteria ampla margem de acção. Mais tarde, contudo, o marquês de Montalvão encontraria a desgraça.

 

Conflitos com o governador do Algarve

Também com o governador do Algarve houve disputas de jurisdições. Martim Afonso de Mello, conde de S. Lourenço, reclamava para si o provimento dos postos de guerra do reino do Algarve. Os conselheiros dividiram-se nos pareceres e a resolução régia refugiou-se nos precedentes. Ordenando-se a 18 de Julho de 1646 ao referido Martim Afonso de Melo que dissesse qual a causa por que não fazia a habitual nomeação de três indivíduos para os postos que fossem vagando, os quais eram depois objecto de consulta do Conselho para decisão e nomeação régias, alegara "que como o Algarve é reino a parte onde Vossa Majestade foi servido mandá-lo com patente de capitão-general dele, parece que se não deve regular nem fazer exemplo com os governadores das províncias deste reino, e que quando a aquele for outro capitão-general, então se poderá fazer na sua patente esta declaração, com o que não poderá ter razão de queixa, e conforme a isto pede a Vossa Majestade lhe faça mercê queira conservá-lo na posse da jurisdição"74 que sempre teriam tido os capitães-generais.

Os conselheiros tomaram diferentes pareceres e a resolução régia ficou dependente da eventual presença de uma tradição que escudasse a pretensão do governador: "saiba-se de Martim Afonso de Melo se os governadores do Algarve seus antecessores proviam capitães de companhias pagas, e tome o Conselho toda a informação necessária para se averiguar o como nisto se procedia"75. A questão seria retomada pouco depois, e o Conselho não reconhecia a especificidade que Melo reivindicava para o seu governo:

O Conselho é de parecer, sem embargo das razões que o governador aponta, e porque pretende tocar-lhe o provimento dos postos de guerra daquele reino se devem cumprir pontualmente as ordens dadas, para que ele proponha três sujeitos para cada um dos que vagarem naquele reino na forma que o fazem, e hão-de fazer os mais governadores das armas deste, e como o fez o conde de Óbidos, estando governando o Algarve informando a Vossa Majestade que não convinha a seu real serviço inovar-se nas ordens dadas para que os governadores do Algarve os propusessem76.

 

Conflitos com o governador da Torre de São Gião

Mas o Conselho confrontou-se ainda com resistências vindas de origens inesperadas, como da parte do governador da Torre de São Gião. A sua posição de não reconhecimento da autoridade do Conselho suscitava uma explicação da sua autoridade. A consulta, que visava combater a indisciplina massiva e endémica, teve origem numa informação do Dr. António de Beja, na qual referia que haviam ficado sem execução as ordens passadas pelo Conselho ao governador da Torre de São Gião para mandar buscar "os soldados presos por não acudirem às fronteiras e se virem delas sem licença, e alguns sentenciados no despacho da justiça no mesmo Conselho", os quais deviam ser "levados ao castelo de São Gião aonde assistiriam com os mais até à partida da armada ou haver ocasiões de levas"77.

Acrescentava que Henrique Correia, pai de Martim Correia da Silva, governador da Torre, lhe dissera "que ele não havia de guardar ordens deste Conselho que como dera homenagem do dito castelo que era praça cerrada, ficava imediato a Vossa Majestade e isento de todas as ditas ordens"78. Mas isso não tinha fundamento porque — continuava o magistrado — o rei "obra pelos tribunais que o representam efectivamente no que lhes toca"79 e seria impossível o expediente e a execução se o monarca tivesse de dar assistência pessoal aos assuntos. Para mais, estava em causa a "execução de sentenças de justiça, em que o Conselho pelo regimento tem a maior alçada, e todos os governadores das praças, e do reino as devem cumprir sem intervenção de outra ordem especial"80. Este "reparo" do governador da Torre constituía um "exemplo prejudicial ao governo das armas e da justiça", pedindo um remédio pronto.

O Conselho secundava, obviamente, o parecer do letrado. Afirmava que a atitude de Martim Correia o impedia de cumprir o serviço do rei, e por isso parecia que este deveria evitar que o governador não guardasse as ordens que em seu nome lhe tinham sido dadas. A resolução foi estranhamente branda e cautelosa: "Escreva-se a Martim Correia mande buscar os soldados como se lhe tem ordenado por um escrito do secretário António Pereira e do que responder se me dê conta com parecer do Conselho81."

 

O funcionamento do Conselho

Algumas consultas incluem informação sobre o funcionamento interno do Conselho de Guerra. Como já foi atrás referido, este era um conselho régio, sem presidência, aberto à presença dos conselheiros de Estado e que podia reunir na presença do próprio rei. Tal facto dava muitas vezes origem a questões relacionadas com as precedências, a que se referia uma consulta de 1644 "sobre os capítulos do regimento do conselho que tratam do assento que há-de ter na presença de Sua Majestade e o que nele se há-de dar aos coronéis, mestres-de-campo e tenente-general da cavalaria"82.

A consulta n.º 93 de 1644 refere-se à dificuldade encontrada pelo Conselho na obtenção dos mapas, cuja existência estava prevista no 2.º artigo do regimento. Diz-se que muitas vezes mandara o rei que se pusessem no Conselho "uns mapas de todas as províncias do reino estendendo-se a descrição dez ou doze léguas pelo de Castela para se entender e saber a distância de umas praças a outras, e as que se deve acudir por ficarem mais expostas as correrias do inimigo". No regimento dado ao Conselho em 1643 retomara-se a ordem para colocação dos mapas, a que se acrescentariam também alguns referentes aos domínios ultramarinos. No entanto, o provedor dos armazéns, encarregado de os mandar fazer, não conseguir cumprir esta determinação por não ter dinheiro nem lho dar o Conselho da Fazenda. Lembrava por isso o Conselho que o rei ordenasse a Álvaro de Sousa que por sua conta os mandasse fazer, assim como a compra de um relógio e de vidraças para a janela, pagando-se pelo dinheiro despendido nas fortificações da marinha. O rei insistia contudo, em 4 de Março, na atribuição da tarefa ao provedor: "ao Conselho da Fazenda vai ordem para que dê a Luís César o que for necessário para se fazerem logo os mapas e o mais que se aponta nesta consulta"83.

Podemos deduzir que o Conselho deliberara até então sem ter mapas? Usavam os conselheiros mapas que traziam consigo? O espaço que se queria ver representado era significativamente reduzido às dez ou doze léguas no interior de Castela. Esse era o horizonte previsto de acção bélica. Pediam-se mapas das conquistas, o Conselho mantendo (como se viu) a reivindicação de poderes sobre nomeações para o ultramar.

Os conselheiros reunidos não estavam isentos de sofrerem actos de descortesia. Temos notícia de alguns episódios que foram objecto de consultas. Um desses casos resultou de uma tentativa de intrusão na reunião do Conselho por parte de Cristóvão de Melo:

Estando este Conselho agora ocupado no despacho ordinário dele, houve à porta um grande estrondo e abrindo os porteiros a porta descompostamente vieram a dizer que se queriam ir para suas casas obrigados da afronta que Cristóvão de Melo havia feito a um deles pelo não haver querido deixar entrar no Conselho e ordenando-se ao juiz da Índia e Mina que se informasse do que havia passado consta que chegando este fidalgo, e dizendo ao porteiro que lhe abrisse a porta respondendo-lhe ele que não o podia fazer sem ordem lhe tornara Cristóvão de Melo que ele lho não podia impedir, e arrimando-o a uma parede lhe dera com o chapéu na cara por duas ou três vezes [...] e este caso pedia que o conselho fizera logo alguma demonstração nele e, não tendo outros meios, recorria ao rei representando quanto convém a seu real serviço não se dar lugar a que se perca o respeito a este Conselho porque de contrário resultara não se poderem executar nem cumprir as ordens de Vossa Majestade para que se mande fazer com ele a demonstração que semelhante desacato merece84.

Outro incidente constituiu uma afronta a um conselheiro feita por Diogo de Tovar, através do jogo de manter coberta a cabeça quando não se devia fazê-lo. Comprova-se que havia um ajuntamento de "pretendentes", ou seja, de requerentes, à porta do Conselho e que assistiam à entrada dos conselheiros. Relata a consulta que quando entrava o dito Fernão Teles de Meneses, e "estando à porta dele com outras pessoas pretendentes nele", Diogo de Tovar, enquanto todos os outros tiravam o chapéu, "não tão somente ficou com o seu na cabeça mas com demonstração de enfado o fincou mais em tal forma que deu que reparar a todos haver excedido ou faltado à cortesia e respeito devido a um fidalgo da calidade de Fernão Teles sendo ministro de Vossa Majestade e em tal acto"85. Por isso, pareceu ao Conselho que cumpria com a sua obrigação, dando logo

conta a Vossa Majestade deste excesso e que deve ser servido mandar que logo se faça com Diogo Tovar a demonstração que ele pede para que fique sendo exemplo para os que se achavam presentes e quaisquer outros saberem e entenderem o respeito e cortesia com que Vossa Majestade quer e é servido se tratem seus ministros, e a demonstração convirá que seja mandado levar daqui ao castelo de São Jorge e para estar nele preso até nova ordem e mercê de Vossa Majestade86.

A secretaria do Conselho dispunha de alguns oficiais para o trabalho administrativo previsto no regimento. Deles temos uma notícia de 1646 porque se lhes devia dinheiro de ordenados e porque eram em escasso número. Os três oficiais da Secretaria de Guerra, Domingos Luís, Manuel Pinheiro e Marcos Velho Gondim, queixavam-se no Conselho de que tendo apenas 50 mil réis de ordenado, de que se lhes descontava a décima e a "quatorsena", com estes abatimentos e com "o que se lhes faz por rebaterem os escritos em que se lhes paga da alfândega"87, não lhes ficava mais do que 40 mil réis e que mesmo "estes se lhes não pagam e se lhes deve todo o ano passado de 1645"88. O assunto voltava a ser abordado em nova consulta de 15 de Junho desse ano. Recordava-se que não tinham sido pagos no ano de 1645 e que lhes deviam parte do ano anterior. Na resolução de 19 desse mês mandava-se que o Conselho da Fazenda ordenasse que estes funcionários fossem pagos e que situações destas não se voltassem a repetir. Mas as dificuldades persistiriam. Uma resolução de 24 de Setembro de 1646 determinava que ao Conselho da Fazenda se ordenasse "que não havendo do rendimento da alfândega do ano passado com que se paguem a estes oficiais seus ordenados que merecem pelo muito que trabalham, se lhes passem suas provisões para o tesoureiro-mor e se recomenda muito que logo se cumpram"89.

A questão do modo de votação no Conselho irrompeu, em 1646, a pretexto da indicação de nomes para o posto de general da cavalaria do Alentejo. O assunto pode parecer de somenos importância, mas pode ser, na verdade, crucial. Sendo os órgãos de governação colegiais — e estando (como já se referiu) todos os seus membros observando todos os demais — os votos em escrito fechado dão uma maior margem ao rei, ou ao seu ministro assistente, para decidir contra a maioria das opiniões, pois só ele tem a visão do conjunto dos pareceres e ninguém mais sabe da dissonância entre os votos e as decisões. O conde duque de Olivares usara este expediente, que estava por isso associado às execradas práticas "despóticas" do valido de Felipe IV. Thomas Hobbes, no seu célebre Leviathan, acolhia este modo de solicitar os pareceres dos conselheiros (Cardim, 2002, pp. 14-15; Macedo, 1651, pp. 218 e segs.).

À experiência da vizinha Castela se reportava D. Álvaro de Abranches, fazendo uma notável descrição do modo de decisão dos conselheiros. Nela se referia aos

Grandes inconvenientes que tinha a execução desta ordem, e introduzir-se em Portugal um estilo que tão abominado e reprovado foi em Castela, como ele ouviu, e experimentou no tempo que assistiu em Madrid [...] resultando daquele estilo e novidade errarem-se ordinariamente as eleições e nomearem-se para os postos os homens menos capazes deles, e que assim como se deve procurar imitar de outros governos o que se conheceu ser acerto neles, da mesma maneira se deve procurar desviar do caminho que os fez odiosos e mostrou a experiência ser em tanto dano e prejuízo da Republica, pelo que lhe parece que Vossa Majestade de nenhuma maneira deve ser servido que este estilo se introduza e pratique neste reino, e que os conselheiros para este lugar e quaisquer outros votem in voce, por escritos cerrados, porque ainda que as pessoas que Vossa Majestade elegeu para seus conselheiros sejam tais que em público e em secreto não votarão mais que aquilo que entenderem que mais convém ao serviço de Vossa Majestade sem os mover respeito algum a faltarem a esta obrigação, todavia fazendo-o in voce com conferência virão a colher mais particular noticia dos sujeitos do que o poderão fazer votando cada um por escrito cerrado, porque podendo-se persuadir um conselheiro que alguns sujeitos são mui capazes dos postos para que os propõem pelo que souber dele, outros poderão ter alguma noticia particular de algum defeito dos tais sujeitos que a não tenha quem o julgar por mui capaz e isto conferido e praticado entre todos se apura e ajusta melhor do que se poderá fazer por escritos cerrados e podem chegar assim mais certas e verdadeiras noticias a Vossa Majestade do préstimo e capacidade de cada hum, para que Vossa Majestade acerte melhor nas eleições que é o que importa sobretudo a seu real serviço e o que o obriga a ele Dom Álvaro a fazer a Vossa Majestade esta lembrança sobre a resolução que Vossa Majestade tomou na consulta que torna com esta, sem apontar outras razões com que poderá corroborar e autorizar mais este seu voto90.

Álvaro de Sousa conformava-se com este parecer. Pelo contrário, o conde Francisco de Sá dizia que lhe parecia que se deveria guardar e executar a resolução que o rei tomara na consulta anexa, confirmando o cumprimento do que ordenara. A nova resolução mantinha essa decisão:

Cumpra-se o que tenho mandado, e se o Conselho não sabe o estilo com que se deve obedecer ao que eu ordeno, pergunte-o ao secretário António Pereira que deve saber mui bem estes estilos, e tenha entendido o conselho que pudera eu por esta 2.ª réplica não me querer aproveitar do conselho de quem a faz eu não tiro que a matéria se confira91.

O Conselho de Guerra tinha também um papel como tribunal supremo. Esse exercício impunha a utilização do saber dos homens de leis, aos quais tinha de recorrer, não obstante os conflitos atrás mencionados com o Desembargo do Paço e, em geral, com o universo dos ministros da justiça. Isso conduzia a situações de ruptura, como aquela em que os citados desembargadores decidiram não comparecer aos conselhos de justiça92.

O trabalho do Conselho produziu outra série de consultas respeitante aos conselhos de guerra de justiça. Temos um exemplo de uma destas resoluções, datada de 24 de Maio de 1645, sobre fintas em momentos de levas de soldados: "queixou-se Domingos Gonçalves, carpinteiro, ao Conselho, que António Franco, sargento, o penhorara por mil réis em que fora lançado na finta que se fizera na condução da gente de leva que foi de socorro a Alentejo"93. A responsabilidade passava ao capitão e deste ao coronel. A resolução de 30 de Junho era a seguinte: "saiba-se dos oficiais maiores com que ordem fizeram estas fintas, que dinheiro procedeu delas e como se despendeu"94.

Outro domínio em que o Conselho reclamou um papel de orientação foi o das frequentes trocas de prisioneiros, determinando que se fizessem consultas antes de se definirem as trocas. Em consultas anteriores a 27 de Maio de 1645 lembrava-se que deveriam ter precedência as trocas dos prisioneiros de guerra devido "às grandes queixas que fazem os pais, irmãos e parentes dos que perderam a liberdade pelejando na defesa do reino, de que se lhes anteponham nas trocas os que estavam em Madrid a seus negócios particulares e passam de presente com diferentes comodidades das que têm os que estão em prisão padecendo necessidades; e persuadindo-se o Conselho de ser justificada esta queixa, entendeu também que o devia representar como representou"95.

A resolução de 17 de Junho, hesitando, acabava por dar razão ao Conselho "Cumpra-se o que tenho mandado sobre a troca do conde do Sabugal e seu filho com D. Diogo Bustilho e seu filho", escrevia-se. Mas, já depois de aposta a data, acrescentava-se: "e daqui por diante se fará o que aponta o Conselho por ser assim mui conveniente"96.

O Conselho de Guerra também reivindicou para si a realização das residências previstas aos cabos de guerra. Recorde-se que estas eram um foco de grande mal-estar para os conselheiros de guerra. Considerava-se que colidiam com o estilo militar e que sujeitavam os detentores dos postos a todas as intrigas e maledicências e que era afrontoso que fossem ministros de letras a fazerem tais residências97.

Em consulta de 25 de Janeiro de 1645 o Conselho reagia ao decreto de 21 pelo qual o rei resolvera:

Os governadores das armas das províncias do reino dêem de aqui em diante residência assim e da maneira que o fazem os governadores de ultramar, e capitães dos lugares de África, e manda Vossa Majestade que para este efeito se passem por este Conselho os despachos necessários. Os despachos que esta resolução pede são os que se hão-de dar ao ministro ou ministros que houverem de ir tirar estas residências, e considerando o Conselho que os ministros letrados ignorando os estilos da guerra, e o que pode ser culpa ou merecimento nela não poderão sindicar das acções de um governador das armas com o conhecimento e avaliação delas que convém, é de parecer que estas residências os deve Vossa Majestade mandar tirar por hum conselheiro de guerra, e que este leve consigo um letrado por assessor98.

Verificámos que ao Conselho eram atribuídas funções de vigilância sobre as condições materiais de guerra. Esse seria o seu papel rotineiro. No entanto, não foi possível encontrar quaisquer vestígios destas funções na documentação analisada, o que não permite avaliar em que medida era cumprido. Sabemos, contudo, que tais acções foram objecto de consulta99.

Em alguns casos, as ordens emanadas pelo Conselho eram ignoradas por indivíduos da primeira nobreza, dando lugar a consultas. A desobediência — frequentemente ostensiva — não era, como sabemos, algo de inusitado na época. Um exemplo protagonizado pelo conde do Prado foi objecto de consulta a 2 de Fevereiro de 1648. Relatavam os conselheiros que, "havendo-se dado por este Conselho algumas ordens ao Conde do Prado para assistir em Setúbal, não se conseguiu o efeito na forma que se pretendia, e que o meio mais conveniente para o obrigar a que o faça, será mandá-lo Vossa Majestade chamar à sua real presença". Resolvia o rei a 9 de Março que o Conselho informasse o conde sobre o decreto "por se não tirarem as cousas do seu caminho ordinário e convir assim à superioridade do mesmo Conselho"100. O incumprimento do conde deu origem a nova resolução a 6 de Maio de 1648: "o conde de Prado como os mais títulos que tem posto na guerra e por razão dele fazem ou recebem avisos do Conselho deve responder-lhe"101.

 

O Conselho de Guerra e o rei

A consulta datada de 6 de Agosto de 1654 que se encontra integrada na série desse ano não foi verdadeiramente uma consulta, pois não chegou a ser rubricada e não "subiu" para obtenção de uma resolução régia. Constitui, deste modo, um projecto de consulta que se julgou conveniente que não fizesse o derradeiro caminho das consultas. Mas é preciosa pela manifestação que nela se faz do descontentamento dos conselheiros de guerra perante a acção de D. João IV. Os conselheiros não apenas se sentiam desonrados — pois, segundo diziam, os reis só retiravam autoridade havendo razões de gravidade —, mas colocavam por escrito a questão crucial: a intenção do rei (ou dos que influenciavam proximamente a sua opinião) de dissolver o Conselho.

O motivo de conflito — ou o pretexto para o explicitar — foi uma decisão régia fazendo sair do Conselho a jurisdição de que usava por via do seu regimento para propor indivíduos para os postos de letras militares. O rei respondera na última consulta, de duas que já se tinham feito sobre o assunto (e que não chegaram até nós), que o Desembargo do Paço não falara ao rei nessa matéria, refutando deste modo a sugestão de que haviam sido os desembargadores os inspiradores desta opção, mas que fora a experiência que o ensinara a tomar esta resolução. Isto insinuava — de acordo com o texto — que o Conselho se havia excedido ou faltado à sua obrigação nestas propostas, o que conduzira o rei a tomar aquela resolução. Afirmava-se também que não se via quem pudesse estar mais livre do que o Conselho de Guerra para o fazer, já que se desmembrara a maior parte da jurisdição de que usava o Conselho Ultramarino e que se havia dado ao de Guerra no seu regimento.

A resposta do rei manifestava que o Conselho se teria revelado incapaz de propor os indivíduos mais idóneos e capazes para estes postos. O rei privava o Conselho dessa jurisdição sem lhe terem precedido outras acções menos escandalosas, aquelas que observariam o estilo que sempre se praticara no reino, advertindo os conselhos e os ministros para que, faltando às suas obrigações, se emendassem. Ora o Conselho declarava que não entendia quais os erros cometidos no uso desta jurisdição e, considerando o agravo que lhe era feito, não podia deixar de tornar a recorrer ao rei com a "submissão" devida para que tornasse a ver as consultas e mandasse declarar qual a culpa cometida. Isto porque não poderia parecer justo nem bom governo permitir o rei que se fosse extinguindo a um Conselho de Guerra toda a jurisdição do seu regimento com tão grande descrédito dos ministros que nele serviam pelas suas qualidades, pela fidelidade e zelo com que o faziam e sem outro ordenado e interesse que não o de darem boa conta do seu ofício. Recordava-se ainda que a regra do governo monárquico era conservadora. O rei, sendo "senhor das leis e regimentos", sempre tinha atendido com particular cuidado à observância dessas leis e regimentos feitos e promulgados por ele e pelos seus antecessores e raras vezes sucedera alterá-los ou quebrá-los, a não ser com graves e justíssimas causas. Chegava-se então ao pronto crucial: se D. João IV, "por alguma particular [razão] que não se alcança queira extinguir este Conselho"102, este mesmo afirmava que seria mais conveniente fazê-lo de uma vez do que fazendo-o nesta forma de lhe ir "aguarentando103 a jurisdição, achando-se ela tão reduzida que apenas servia para interpor seu parecer em algumas matérias que se propunham ao rei os governadores das armas"104. Parecem claras as razões por que esta tréplica do Conselho, nos termos em que se encontra redigida, não foi rubricada e não chegou a despacho.

 

Conclusão

O autor da Arte de Furtar ilustra a desconfiança que existia quanto a um mau uso da mais central e nobre acção no governo de uma monarquia: o aconselhamento. Os conselheiros podiam ser levados a guiar-se pela "lei de Maquiavel", e não pela "lei do reino", ou seja, tomar os seus lugares para a subverterem.

Para mais, o Conselho era uma inovação, e criar "tribunais" era sempre visto com preocupação. As sociedades do século xvii fundavam-se numa representação da ordem social e política que devia ser preservada. Fora, aliás, em nome de uma tal preservação que se fizera a aclamação de D. João IV. O Conselho, ocupando-se com os problemas ligados à acção bélica, poderia, em nome do estado de necessidade — argumento que por excelência justificava a acção dos "políticos", como Richelieu ou Olivares —, retirar a autoridade aos outros conselhos e aos governos das nobrezas locais e chamar a si um mando desproporcionado. O Conselho era o local potencialmente privilegiado para decisões "maquiavélicas".

Mas a autoridade dos conselheiros de guerra terá sido mantida dentro dos limites de uma constelação de instâncias de aconselhamento. Tentou-se evitar que o novo Conselho de Guerra fosse um local a partir do qual os conselheiros colocavam as suas clientelas e que expropriassem o rei dos seus poderes, retirando-lhes a definição das leis através da sua interpretação, apropriando-se da máxima capacidade do perdão e, mais ainda, afastando-o do supremo poder de distribuir as mercês. Hesitou-se quanto à autoridade que o Conselho deveria ter sobre as ordenanças, tal como se verificou uns anos mais tarde no tocante aos auxiliares. O Conselho foi afectado pela criação do Conselho Ultramarino, achando que este lhe retirava poderes que estavam na letra do seu regimento. Esteve em constante conflito com o Desembargo do Paço e, em geral, com os ministros letrados. Tais choques ilustram um confronto que não era apenas entre rivalidades "corporativas", era também entre modos de governar. Mas o Conselho era mais do que uma fonte de pareceres, era um órgão de administração diária, através do seu secretário, elemento que expedia as ordens que o rei tomava através do Conselho. Era também a instância de justiça suprema dos militares e ainda de supervisão geral das condições de exercício da guerra.

Este panorama sobre a delimitação das fronteiras da sua autoridade sugere que o Conselho emergira efectivamente como um lugar de poder cujos membros queriam ocupar o centro do campo da autoridade régia e abarcar o papel de muitos outros órgãos e indivíduos. Independentemente do problema de saber se tal era, pelo esforço administrativo que imporia, materialmente possível, o rei manteve sempre, através das suas resoluções, uma distribuição dos poderes por variadas instâncias, retirando ao Conselho essa possibilidade. Por isso mesmo, o único ponto que permitiria ter uma visão de conjunto dos assuntos do governo seria o lugar do rei — e o dos seus secretários ou do seu conselho restrito informal. Mas podia haver uma tal visão do conjunto?

A questão da autoridade do Conselho não se esgota, contudo, nestas delimitações das suas fronteiras de actuação. Esta constitui apenas a primeira dimensão da caracterização do Conselho de Guerra como local de poder. Sabemos que uma coisa era a condenação ritual de Maquiavel — e da irrupção de uma "razão de Estado" dominada pela paixão — e outra era a necessidade de uma "boa razão de Estado", aquela razão de Estado que supostamente se compatibilizava com as regras da "moral cristã". Essa "boa razão" seria alegadamente a que permitiria pensar os meios de defesa para além do imediatismo próprio dos homens comuns. Uma tal "boa razão" era aquela — invocada na consulta de 7 de Janeiro de 1653 atrás citada — que aplicava ao corpo enfermo os remédios que pedia a necessidade e não a sua vontade.

Por isso, a dimensão decisiva do Conselho diz respeito ao âmbito social da sua acção. Tem como pano de fundo os dois aspectos estruturais da guerra: a enorme dificuldade em recrutar soldados e mantê-los nas fronteiras e a impossibilidade de imposição aos oficiais de um procedimento de obediência conforme ao estilo militar. Assim balizados, destacam-se duas dimensões essenciais. Em primeiro lugar, a dos limites do financiamento das tropas pagas e da ausência de meios que permitam ao Conselho de Guerra ter influência nesse domínio, já que, politicamente, o assunto era das Cortes e, administrativamente, pertencia à Junta dos Três Estados (e também, parcialmente, ao Conselho de Fazenda). Em segundo lugar, a dos limites da autoridade propriamente militar sobre os que não são soldados pagos: os auxiliares e a "profissionalização" dos seus oficiais, retirando às nobrezas locais — ou aos que estas julgavam conveniente que ocupassem os postos — a direcção social dos homens mobilizados, em nome da necessidade de dar eficácia militar aos auxiliares, opostos às ordenanças, tidas como incapazes.

 

 

Bibliografia

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Notas

1 A ortografia dos textos manuscritos citados ao longo do artigo foi actualizada de acordo com as regras do português actual. No entanto, respeitou-se a ortografia da época no caso daqueles que foram já objecto de edições críticas.

2 O livro foi editado com a indicação de ser o "vol. viii", ou seja, na continuidade dos sete volumes da Synopse dos Decretos Remetidos ao Extinto Conselho de Guerra.

3 Por exemplo, a publicação das cartas dos governadores das armas do Alentejo feita em 1940 foi parcialmente efectuada a partir das missivas que estão anexas às referidas consultas, embora espantosamente não se tenha publicado o teor das próprias consultas e das respectivas resoluções régias (v. Coelho, ed., 1940).

4 Existe a possibilidade de uma confrontação entre a documentação constante das séries de originais com o único registo encontrado de títulos de consultas que foram a despacho régio em alguns anos, mas não cabe aqui a pormenorização deste exercício.

5 Torre do Tombo, Conselho de Guerra [doravante TT, CG], consulta n.º 4 de 1644.

6 Ibid.

7 TT, CG, resolução de 30 de Março de 1644: "Brevemente sairão as ordenanças militares com que cessarão as dúvidas que o Conselho representa."

8 TT, CG, consulta n.º 7 de 1644.

9 O regimento pode ser consultado em Silva (1856), disponível em www.iuslusitaniae.fcsh.unl.

10 Chaby, 1869, decretos n.os 62, 71 e 178, pp. 49, 54 e 55.

11 Chaby, 1869, decreto n.º 191, pp. 18-19.

12 Chaby, 1869, decreto n.º 72, p. 45.

13 TT, CG, consulta n.º 14 de 1643; Chaby, 1892, p. 45.

14 Ibid.

15 Não se previa, obviamente, que a infidelidade pudesse vir de elementos que participavam nas redes dos parentes dos conselheiros.

16 Chaby, 1892, pp. 45-46.

17 TT, CG, consulta n.º 128 de 1649.

18 Ibid.

19 TT, CG, consulta n.º 72 de 1647.

20 Ibid.

21 TT, CG, consulta n.º 3 de 1644.

22 Ibid.

23 Ibid.

24 Ibid.

25 TT, CG, consulta n.º 9 de 1644.

26 Ibid.

27 Ibid.

28 Ibid.

29 TT, CG, consulta n.º 65 de 1644.

30 Ibid.

31 TT, CG, consulta n.º 98 de 1646

32 Ibid.

33 Ibid.

34 TT, CG, consulta n.º 98 de 1646. Tem anexa a consulta de 17 de Fevereiro de 1646.

35 TT, CG, consulta n.º 253 de 1648.

36 TT, CG, consulta n.º 257 de 1648, sobre a dúvida que há entre o capitão-mor da cidade da Guarda e o juiz de fora dela acerca da precedência de lugares quando o capitão-mor vai à câmara resolver matérias tocantes a seu cargo.

37 TT, CG, consulta n.º 56 de 1646.

38 Já anteriormente assinalado, o "estilo militar" era um saber acumulado, "transnacional", anterior aos regulamentos, e uma fonte de esclarecimento de dúvidas que surge invocado nas consultas do Conselho. Em alguns casos, o rei pedia ao Conselho que lhe transmitisse o que o estilo previa.

39 O referido D. Teodósio, herdeiro da Coroa.

40 BN, Reservados, PBA, cod. 474, fls. 93v.º - 98v.º

41 Inovar era sempre negativo, perturbava a ordem institucional e criava mais lugares para homens que se viam com desconfiança, agravando-se no caso de um rei que acabara de ser aclamado.

42 TT, CG, consulta n.º 108 de 1644, sobre a ordem para que o Conselho Ultramarino não se intrometa nos negócios que tocam à guerra, de que trata o capítulo do regimento incluso; tem em anexo uma cópia do capítulo 18.º do referido regimento.

43 TT, CG, consulta n.º 314 de 1644.

44 TT, CG, consulta n.º 314 de 1644.

45 TT, CG, consulta n.º 228 de 1648.

46 Ibid.

47 TT, CG, consulta n.º 153 de 1649.

48 Ibid.

49 Ibid.

50 TT, CG, consulta n.º 178 de 1649.

51 O então regente D. Pedro, após a deposição de D. Afonso VI.

52 AHM, 1.ª divisão, 3.ª secção, cx. 2, n.º 15.

53 TT, CG, consulta n.º 94 de 1649.

54 Ibid.

55 TT, CG, consulta n.º 116 de 1644. Resolvida com uma pouco esclarecedora resolução de 18 de Maio: “Tenho deferido.”

56 TT, CG, consulta n.º 124 de 1644.

57 TT, CG, consulta n.º 194 de 1644 e consulta n.º 222 de 1648.

58 TT, CG, consulta n.º 159 de 1646.

59 TT, CG, consulta n.º 84 de 1645. Se é exacta a informação de que os corregedores teriam partido ainda antes de receberem resposta, podemos especular que o seu objectivo principal poderia ser o de não receberem as ordens sobre os bandos para recolha dos soldados.

60 TT ,CG, consulta n.º 84 de 1645 e Chaby, 1892, p. 75.

61 TT, CG, Consulta n.º 259 de 1648.

62 TT, CG, consulta n.º 75 de 1646.

63 TT, CG, consulta n.º 95 de 1649.

64 TT, CG, consulta n.º 62 de 1643.

65 TT, CG, consulta n.º 62 de 1643. Dá-se conta do bando que se mandou lançar acerca de que os soldados que se assentarem na armada haverão duas pagas e acabada ela ficarão desobrigados.

66 TT, CG, consulta n.º 97 de 1646.

67 Ibid.

68 Ibid.

69 Ibid.

70 Ibid.

71 Ibid.

72 Ibid.

73 Ibid.

74 TT, CG, consulta n.º 286 de 1644.

75 Ibid.

76 TT, CG, consulta n.º 358 de 1644.

77 TT, CG, consulta n.º 48 de 1644.

78 Ibid.

79 Ibid.

80 Ibid.

81 Ibid.; o governador revelara-se ostensivamente contrário à aplicação das medidas de repressão da indisciplina.

82 TT, CG, consulta n.º 57 de 1644. A resolução de 18 de Maio de 1644 foi a seguinte: "Cumpra-se o que tenho mandado e quanto ao assento que hão-de ter os conselheiros de guerra quando se juntarem com os de Estado em minha presença tenho deferido em outra consulta despachada nesta mesma data."

83 TT, CG, consulta n.º 93 de 1644.

84 TT, CG, consulta n.º 49 de 1642, e Chaby (1892), pp. 14-15. A resolução do rei revela que terá tomado o caso como grave: "tenho mandado prender no castelo a Cristóvão de Melo".

85 TT, CG, consulta n.º 38 de 1644. Contém indicação de urgência: "Para logo"; Chaby (1892), p. 52.

86 Ibid.; também neste caso o rei deu o seu acordo ao Conselho, mandando-se ordem a um corregedor da corte.

87 TT, CG, consulta n.º 46 de 1646. Isto revela que já nesta altura era prática fazer-se um pagamento utilizando papéis de dívida sobre receitas futuras, neste caso das alfândegas, obrigando os que os recebiam a trocá-los junto a um capitalista ou agiota por um valor inferior em dinheiro ao valor nominal dos papéis.

88 Ibid.

89 TT, CG, consulta n.º 308 de 1646.

90 TT, CG, consulta n.º 38 de 1646. O conselheiro faz uma preciosa e pouco frequente descrição do processo de decisão, o que justifica a extensão desta transcrição.

91 Ibid. Sobre a ordem dada para se proporem sujeitos para o posto de general de cavalaria do exército do Alentejo por assentos cerrados. Tem anexa uma outra consulta de 12 de Fevereiro de 1646 sobre a dúvida que se ofereceu de proporem os conselheiros por escrito indivíduos para o posto de general de cavalaria.

92 TT, CG, consulta n.º 101 de 1644.

93 TT, CG, consulta n.º 21 de 1645, identificada como "Conselho de Guerra de Justiça", sobre a prisão de Manuel Pinheiro, capitão da ordenança de Lisboa.

94 Ibid.

95 TT, CG, consulta n.º 49 de 1645. Tem anexa outra consulta de 27 de Maio de 1645 sobre a troca de Dom Diogo de Bustilho pelo conde de Sabugal, sobre a qual o rei resolveu: "Diga-me o Conselho se se fizeram algumas destas trocas sem preceder consulta sua e com isto me torne esta consulta."

96 Ibid.

97 Costa (2002), pp. 1174-1176.

98 TT, CG, consulta n.º 16 de 1645. A resolução do rei, de 9 de Fevereiro, era pouco favorável às pretensões dos conselheiros, embora não os afrontasse: "fico advertido desta lembrança quando se houverem de ir tomar residências mo apontará o Conselho a cuja conta isto fica.

99 V. a título de exemplo TT, CG, consulta n.º 288 de 1646.

100 TT, CG, consulta n.º 30 de 1648.

101 TT, CG, consulta n.º 70 de 1648.

102 TT, CG, consulta n.º 132 de 1654, sobre o que o Conselho aponta acerca da ordem que teve para não consultar os postos de auditores-gerais. Não está rubricada nem tem resolução.

103 (N. A.) diminuindo.

104 Ibid.

 

* Departamento de História, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. Avenida das Forças Armadas, 9, 1649-026 Lisboa, Portugal. e-mail: f.dorescosta@iscte.pt.

** Este artigo apresenta os resultados parciais da investigação realizada pelo autor enquanto investigador do Instituto de Sociologia Histórica da Universidade Nova de Lisboa, no âmbito do projecto POCTI/HAR/44558/2002, financiado entre 2004 e 2006 pela FCT, o qual foi encabeçado por Jorge Pedreira, então presidente do referido Instituto. Para além deste artigo, prevêem-se como resultados adicionais do projecto a publicação de um artigo sobre o Conselho de Guerra e a questão da governabilidade (área social de influência da administração do Conselho, ordenanças, financiamento, auxiliares) e um outro sobre os conselheiros de Guerra no período de 1640 a 1668 e a regularidade do funcionamento do Conselho. A Jorge Pedreira e a Pedro Cardim, que também integrou este projecto, o autor manifesta o seu reconhecimento.

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