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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.192 Lisboa set. 2009

 

Hip-hop e graffiti: uma abordagem comparativa entre o Rio de Janeiro e São Paulo

Tereza Ventura*

 

O artigo propõe uma abordagem comparativa sobre as lutas pelo reconhecimento através da cultura hip-hop e particularmente do movimento graffiti no Rio de Janeiro e em São Paulo. Mostra-se a tensão entre a busca da inclusão social, a crítica das relações sociais segregadoras e o entusiasmo pela visibilidade oferecida pelo mercado. Destacam-se as formas pelas quais as subculturas constroem uma ordem de reconhecimento e como são apropriadas e interpretadas no espaço público.

Palavras-chave: reconhecimento; cultura; graffiti; espaço público; inclusão social.

 

Hip-hop and graffiti in Rio de Janeiro and São Paulo: a comparative approach

This paper proposes a comparative analysis of the struggles for recognition through the hip-hop and graffiti cultures in Rio de Janeiro and São Paulo. It focuses on the tensions created by the search for social inclusion, the criticism toward segregationist social relationships and the appeal of market-driven visibility. It also analyzes how subcultures construct an order of recognition and how they are appropriated and interpreted in the public sphere.

Keywords: recognition; culture; graffiti; public space; social inclusion.

 

A cultura que veio a ser conhecida como hip-hop propagava-se a partir de festas de rua e festivais que estimulavam o desenvolvimento e a aprendizagem de práticas relacionadas com a música, a dança break, o rhythm andpoetry e a arte gráfica. Tais práticas e experiências, que se realizavam de forma desagregada e privada, passaram a ser histórica e socialmente associadas à semântica subcultural hip-hop e integradas num horizonte interpretativo comum a partir do qual se configuram como fonte de motivação para acções de resistência estética e política.

No Brasil, o movimento hip-hop ganhou visibilidade com o apoio das lideranças comunitárias e do movimento negro. O ideal de auto-realização e de contestação presente nesse movimento pretende afirmar uma potência criativa e, ao mesmo tempo, reconciliar os agentes numa prática intersubjectiva dotada de uma moldura normativa com vista ao estabelecimento de novas condições sociais de auto-realização e integração.

 

Contexto social e organização do Movimento Hip-hop no Rio de Janeiro e São Paulo

O movimento hip-hop organiza-se, tanto na cidade do Rio de Janeiro como em São Paulo, como um movimento social que utiliza as práticas estéticas enquanto instrumento na luta pelo reconhecimento. Através das práticas culturais, este movimento veicula a temática da desigualdade, da violência, do quotidiano, do orgulho da herança afrodescendente e da politização de um discurso estético. Em 1993, no Rio de Janeiro, o rapper MVBill e o DJ Sergio Tr realizavam na comunidade Cidade de Deus o primeiro programa de rádio comunitária ligado ao hip-hop: o SOS Consciência. O Complexo da Maré e o bairro de Realengo destacavam-se, respectivamente, pela actuação da Associação Voz Activa e dos grupos de rap Filhos do Gueto e Artigo 288. Naquele contexto, pequenas redes semi-industriais foram conformando um mercado de circulação e produção de festas, eventos e bailes que ofereciam formas de lazer e práticas colectivas que ganhariam visibilidade e influência nas suas comunidades. No Rio de Janeiro, o movimento negro, interessado na diversidade de manifestações da identidade negra, passa a colaborar com a expressão pública do hip-hop. Em 1993, por intermédio do Centro de Articulação das Populações Marginalizadas (CEAP), surge o primeiro CD de grupos e bandas de rap do Rio de Janeiro, intitulado Tiro Inicial (Gonçalves, 1997)1.O rapper Gabriel o Pensador também lançava o seu primeiro CD produzido pela prestigiada Sony,do qual fazia parte a música "Estou feliz matei o presidente", em alusão ao presidente recém-deposto Collor de Mello. No mesmo ano, os racionais Mcs lançavam em São Paulo a coletânea Raio X do Brasil com o selo independente da editora Zimbawe. A comunidade Cidade de Deus marcava o cenário carioca com o primeiro festival hip-hop realizado no modesto Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) localizado na comunidade.

Ao contrário do Rio de Janeiro, no cenário paulista, a gestão da prefeita do Partido dos Trabalhadores, Luísa Erundina, e da filósofa Marilena Chauí na secretaria de cultura viria a introduzir a cultura hip-hop nas instituições públicas: escolas, associações hip-hop e projectos de murais públicos obtinham o apoio e o reconhecimento das políticas públicas2 e alguns grafiteiros eram remunerados pelos painéis que pintavam. Também em São Paulo, a editora MTV lançava no ano de 1994 um programa semanal dedicado ao hip-hop.

Além do suporte público da prefeitura, o Instituto da Mulher Negra de São Paulo (Geledés) instituiu o projecto Rappers (1994), que produzia vídeos, cursos e seminários, lançou a primeira publicação hip-hop de circulação nacional, a Pode Crê! (Silva, 1999), e realizou a primeira mostra nacional hip-hop. Em São Paulo, como também no Rio de Janeiro, as organizações do movimento negro disponibilizavam espaços e meios de auto-organização dos grupos das mais diversas comunidades. Através de encontros frequentes dentro e fora das comunidades, as redes de actuação hip-hop promoviam a auto-estima, a solidariedade e a cooperação entre grupos culturais periféricos, visando a negociação, o diálogo e o confronto com as autoridades públicas e os agentes institucionais. Embora articulado numa prática interligada com o movimento negro e com a própria inserção numa indústria cultural, o hip-hop constitui-se a partir de práticas colectivas locais, ou seja, inscritas nas suas bases quotidianas. A referência ao local está presente nas letras das músicas, no nome de certos grupos e nos eventos sempre vinculados às comunidades, que, por sua vez, passam a dispor cada vez mais de rádios e de canais de televisão comunitários. Essas práticas, que contavam com formas de expressão artística e debates, permitiam que o mundo da vida sociocultural local estabelecesse no indivíduo um contacto com as suas aptidões e individualidades. Através do hip-hop forjavam-se formas comunicativas específicas que fortaleciam relações intersubjectivas de reconhecimento e vínculos normativos que confirmam valores comuns inscritos em horizontes colectivos de interpretação:

Na verdade a associação era uma maneira de a gente ter um encontro semanal trocar idéias… a gente cantava nos shows do movimento negro, do movimento estudantil, a gente era muito novo, alguns tavam desenvolvendo mais a postura e aprendendo a lidar uns com os outros [Leal, 2007, p. 191].

Para Honneth, os sujeitos trazem para a sociedade a expectativa psicológica e moral de que as suas realizações e atribuições individuais adquiram reconhecimento. As relações sociais quotidianas são capazes de activar relações intersubjetivas de reconhecimento mútuo, potencialmente capazes de articular processos de transformação em direcção a um maior grau de universalidade, de igualdade e de realização individual. Os princípios normativos de reconhecimento mútuo perpassam as esferas de reconhecimento afectivo, legal e solidário, que ancoram, respectivamente, a base afectiva, a socialização moral e a formação identitária dos indivíduos. As esferas de reconhecimento reflectem formas de auto-relação com o próprio self nas suas relações intersubjectivas de reconhecimento no nível primário de amor e amizade, no nível legal do direito e nas suas relações de solidariedade. As formas de reconhecimento indicam, portanto, processos de desenvolvimentos normativos de auto-realização, reflectem transformações da ordem do reconhecimento intersubjetivo por meio das quais os indivíduos aprendem a se auto-reconhecerem-se e individualizarem-se através de uma maior flexibilidade e reflexividade nas suas práticas afectivas e nas relações legais e impessoais em que se autocompreendem como sujeitos autónomos e responsáveis, partilhando em igualdade deveres e direitos com todos os membros da sociedade. Através das lutas intersubjectivas, os sujeitos pretendem ganhar aceitação não apenas em relação às suas reivindicações identitárias, mas também no que toca a um conjunto de direitos que assegurem a sua autonomia. As lutas pelo reconhecimento constituem-se nos seus contextos históricos e culturais particulares, mas postulam um reconhecimento social e normativo das respectivas orientações de valor e modos de vida, ou seja, a gramática dessas lutas tem um caráter moral (Honneth, 2003). A luta pelo reconhecimento, a defesa da identidade cultural e da autonomia, podem assumir a forma de luta pela igualdade de acesso ao direito de justiça e ao uso equitativo dos recursos públicos. Nesse sentido, a visão de Honneth é útil na comparação com visões culturalmente orientadas dos grupos subalternos que passaram a inscrever o debate da diversidade e do pluralismo. Como os partidários da política da diferença, Honneth defende a estima como uma das dimensões centrais nas lutas pelo reconhecimento e na estruturação de novas formas de distinção identitárias. A estima é a base da contribuição individual para o projecto colectivo e não está ligada apenas ao grupo e à subcultura da qual faz parte, estabelecendo também uma relação com as demais comunidades (Honneth, 1995a, p. 128). Os processos culturais adquirem um conteúdo político e também económico na medida em que se apresentam como projectos contra-hegemónicos. As estratégias de diferenciação que organizam os movimentos sociais são dispositivos de construção de novos campos de classificação e regulação das diferenças. Neste sentido, a procura de reconhecimento instrumentaliza-se a partir de um processo de autodefinição das minorias sociais, capacitando-as a mobilizar criativamente e moralmente argumentos políticos a favor da sua inclusão. Na medida em que este reconhecimento contém também uma base emocional construída em torno das relações intersubjetivas de reconhecimento mútuo, as formas de desrespeito, como a violência, o abuso, a depreciação e os insultos, podem motivar, quando canalizadas colectivamente, condições culturais para a luta e resistência.

As regras que organizam a distribuição dos bens materiais derivam do grau de estima social de que os grupos desfrutam, de acordo com a hierarquia de valores institucionalizada; os conflitos pela distribuição não buscam a aplicação de regras já institucionalizadas, mas são lutas simbólicas pela legitimidade de dispositivos culturais que valorizam as suas práticas, atributos e contribuições (Honneth, 2003, p. 174).

As lutas pelo reconhecimento pretendem dar visibilidade, não expressam conflitos de interesse ou a mera defesa de formas de vida, mas orientam-se antes pelo ideal normativo de uma sociedade justa que acolha a pluralização e as diferentes formas de vida individuais.

É necessário ressaltar que a cultura hip-hop não é homogénea e que se tem materializado em diversas organizações3. As diversas ramificações desta cultura entram em conflito entre si e com a sociedade e nem todos os seus membros realizam uma arte de protesto social ou participam no movimento hip-hop na sua expressão estética e política. As principais correntes do hip-hop são a gangsta, que corresponde a um apelo neo-underground e usa o estigma, o ódio, a violência e o crime como matéria de expressão e propaganda "moral". As práticas de gangues rivais que competem entre si, interferindo com pichagens nas zonas públicas das cidades, podem também associar-se a essa corrente (Carvalho, 2007).

A dimensão estética e política denuncia a desigualdade e a injustiça e simultaneamente aspira a uma posição autónoma como linguagem estética e como organização política em parceria com organizações não governamentais, instituições culturais, um partido político, o PPPOMAR (Partido Popular Poder para a Maioria), e, mais recentemente, uma coligação com o MST (Movimento de Trabalhadores sem Terra). Esses grupos assumem uma posição estética que negoceia com os meios convencionais da estética urbana e expressam a sua adesão a dispositivos artísticos semelhantes ao gosto público. Esses grupos praticam a pichagem como uma forma de protesto social. Parte dos seus membros realiza com frequência oficinas de rima, de graffiti e de dança break nos principais presídios e centros de reabilitação de jovens do Brasil. Para estes agentes, o graffiti é encarado como um instrumento de luta social e de afirmação de uma potência transformadora que legitima simultaneamente a inclusão social, a crítica moral e a recriação da personalidade individual (recriação do self).

A dimensão que atribui à arte um potencial de redenção e de redefinição da própria biografia também se encontra aqui presente. É o caso de ex-presidiários, reclusos e moradores de rua que se envolvem em projectos socioculturais através dos quais buscam reconstruir uma identidade pública a partir de uma transformação de conduta e de valores reciprocamente orientados4.

A nossa análise concentra-se na dimensão estética e política5, uma vez que este estudo tem por objecto as práticas e os grupos que actuam regularmente no movimento graffiti como agentes reprodutores de uma visão de mundo e de uma prática social, estética, cultural e política. Todas as correntes aqui citadas desenvolvem dinâmicas específicas de reconhecimento mútuo que são passíveis de progresso normativo de acordo com as concepções ético-políticas que as potenciam a manifestar publicamente o desrespeito e a reivindicar reconhecimento. A subjectividade moral do ser humano e do agente social constitui-se dentro de relações recíprocas de reconhecimento através do cuidado afectivo, do respeito e da estima social. Essas relações são localizadas historicamente e inscrevem-se nos seus contextos particulares, em constelações específicas que não se referem a classes, actores colectivos e ideologias, mas à identidade, à auto-realização e à singularidade, cujos resultados não são susceptíveis de serem integrados num princípio genérico de igualdade.

 

Visibilidade social e difusão do Hip-hop

A reciprocidade de expectativas e experiências comuns de desrespeito entre os grupos ligados ao movimento hip-hop e aqueles ligados às lutas anti-racistas tornou possível um trabalho comum que impulsionou a visibilidade do hip-hop na cena pública e trouxe para as bases do movimento negro um público jovem (Gonçalves, 1997). Foi no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, nos anos 90, que o movimento negro instalou a ONG como a Federação dos Blocos-Afro, o Movimento Negro Unificado (MNU) e o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP).

O CEAP, além de ajudar as comunidades, acompanhar os processos judiciais e apoiar grupos culturais, possuía um programa na rádio, Imprensa FM — Vibrações Positivas —, que divulgava a cultura negra e organizava actividades com os grupos musicais. Por ser um bairro central, a Lapa tornou-se o ponto de encontro dos grupos provenientes das mais diversas favelas cariocas. Os grupos culturais reuniam-se na Lapa, a despeito das facções de poder e rivalidades existentes nas suas comunidades locais. Na fundição Progresso (antiga fábrica no centro da Lapa, que se tornou um espaço cultural), a produtora Elza Cohen organizava em 1993 as primeiras festas hip-hop onde os jovens faziam performances de graffiti,break e rap. Nestes eventos realizados na Lapa em 1994 viriam a apresentar-se pela primeira vez ao público os grafiteiros de São Gonçalo Fabio Ema, Marcelo Eco e Akuma (Araújo, 2003) e as bandas Geração Futuro do rapper Alexandre Barbosa (hoje MVBill), a banda Afro-Reagge e a banda o Rappa. Segundo José Júnior:

Não se pode negar que o CEAP foi um dos principais articuladores e estimuladores do cenário reggae, samba reggae e rap naquele início dos anos 90 na cidade do Rio de Janeiro [Junior, 2003, p. 37].

Em São Paulo os grupos de rap e as chamadas "posses" floresciam em várias áreas do centro e da periferia. As posses "constituem espaços de organização artístico-política característicos do movimento hip-hop […] são o local de agregação dos manos, é a partir das posses que a rede de relações entre os grupos é estabelecida e a política de intervenção nos espaços das ruas é concretizada" (Silva, 1999, p. 23). Para além das posses, eventos públicos coordenados pelo chamado movimento hip-hop organizado (MH2O) circulavam em diversos bairros da periferia e da capital paulista com o apoio da recém-eleita prefeita Luísa Erundina, do Partido dos trabalhadores (PT), cujo mandato seria exercido entre 1988 e 1992. Desde 1989 que a estação do metro de São Bento e a praça Rooselvelt reuniam grupos de dança break e músicos de rap (Rocha, DomenicheCasseano, 2001). O vinil Hip-hop: Cultura de Rua, gravado pela Eldorado, foi lançado em São Paulo em 1988. Trata-se do primeiro documento hip-hop do Brasil. A primeira apresentação pública de hip-hop ocorreu no show que celebrava o aniversário da cidade de São Paulo em 1990 no parque do Ibirapuera.

O processo de democratização dos anos 90 viria a ser fundamental para o desenvolvimento das lutas sociais pelo reconhecimento a partir de acções culturais organizadas em torno do movimento hip-hop tanto em São Paulo como nas favelas cariocas. O episódio das "brigas entre galeras" que ocorreram no dia 18 de Outubro de 1992 na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, mostrou o confronto entre jovens pertencentes a grupos rivais das comunidades de Parada de Lucas e de Vigário Geral, respectivamente, dominadas por diferentes facções do tráfico de drogas. O confronto entre os jovens foi interpretado pela imprensa como ameaça à ordem pública e ao bem-estar social, sendo, portanto, objecto de discriminação e alvo de atenção por parte da agenda policial, política e social. Contudo, o episódio conhecido como "arrastão" tornou pública uma prática cultural muito comum nas comunidades: os bailes funk de briga, em que os grupos rivais lutavam entre si ao ritmo da música (Zaluar, 1994, p. 17). O "arrastão" detonou uma poderosa campanha da sociedade e de todos os órgãos de comunicação do país contra o funk. A imprensa afirmou que os bailes, além de actuarem como pontos de comércio de drogas, eram o espaço onde os grupos rivais defendiam e mostravam a sua identificação com as suas diferentes facções criminosas (Herschmann, 1997).

No entanto, mostrou-se também na agenda pública como os processos identitários que então se constituíam em torno da rede quotidiana de atitudes morais, emotivas e estéticas da cultura funk se traduziam em conflitos sociais (Honneth, 1995a). A propagação da cultura funk nas favelas materializava as relações de disputa pelo reconhecimento entre grupos presentes na vida quotidiana da favela. Os valores que definem essa disputa não eram aqueles associados às facções dominantes do comércio de drogas das suas comunidades de origem, mas sim os que apontavam para a necessidade de reconhecimento de uma identidade.

A mesma comunidade de Vigário Geral voltaria a ocupar os jornais no dia 30 de Agosto de 1993, quando 21 pessoas (oito das quais de uma mesma família, trabalhadores, estudantes e crianças) foram executadas por agentes da polícia na favela. O episódio, conhecido como a "chacina de Vigário Geral", chamou a atenção dos movimentos sociais e da imprensa internacional (Novaes, 1997, p. 119). A violência policial ganha destaque no debate público pelo assassinato brutal de 111 reclusos do presídio Carandirú, em São Paulo, no dia 2 de Outubro de 1992, pelo assassinato frequente de menores das favelas e periferias, considerados "desaparecidos", e pelo assassinato da líder do movimento "Mães de Acari", Edméia Eusébia, a 16 de Agosto de 1993. O movimento Mães de Acari — favela da zona norte do Rio de Janeiro — surgiu a partir da denúncia por parte das mães do desaparecimento de 11 crianças e da luta judicial e social com vista ao apuramento das causas dos desaparecimentos. Naquele mesmo mês de Agosto de 1993, oito crianças de rua foram assassinadas pela polícia num episódio que ficou conhecido como "massacre da candelária".

Em São Paulo, as chacinas policiais tornam-se objecto frequente nas letras faladas do rap. No Rio de Janeiro, a música "021", do grupo Planeta Hemp, descreve a chacina de Vigário Geral, enunciando o nome de todas as vítimas. Nesse contexto, experiências de injustiça e desrespeito ganham a forma de uma luta social pelo reconhecimento, de modo que a violência silenciosa e invisível do aparato policial e jurídico passa a ser objecto público de crítica, sendo considerado uma violação ao direito.

No ano de 1994, um grande concerto de hip-hop reuniu músicos do Brasil inteiro para a celebração dos "300 anos de Zumbi" no Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo. O concerto, que reuniu cerca de 30 000 pessoas, foi interrompido pelo confronto entre a polícia e o público, que apedrejou os equipamentos policiais.

O episódio serviu para abrir um grande debate público sobre as práticas de violência e de extermínio da polícia em relação aos jovens. O debate reuniu pela primeira vez o Comando da Polícia Militar do Estado, a Organização dos Advogados do Brasil de São Paulo e representantes do movimento hip-hop e da sociedade. A partir de 1994 desencadeiam-se vários projectos sociais e culturais voltados para as comunidades das favelas cariocas. A ampla coligação entre o poder público, lideranças locais, organizações internacionais e ONGs vai engendrar uma nova visibilidade às formas de luta pela ampliação das relações de reconhecimento social das comunidades (Novaes, 1997, p. 119). As ONGs IBASE, ISER, IBISS6 e principalmente o CEAP desempenharam um papel importante junto dos movimentos comunitários na denúncia de injustiças e no apoio às reivindicações da comunidade negra através de várias formas de mediação, como publicações, programas de rádio, gravação de CDs, apresentações públicas, acompanhamento jurídico e parcerias entre associações locais, internacionais e o poder público.

A agenda pública dos anos 90 reconheceu as chacinas policiais, a estigmatização dos pobres, negros e favelados, a violência física e moral a que eram submetidos os jovens das favelas (Benhabib, 1993, p. 79). Reconheciam-se também as diferentes manifestações de lutas culturais e redes de solidariedade local presentes na vida quotidiana e nas atitudes morais e emotivas das comunidades que cresciam isoladas da esfera pública. O movimento hip-hop consolida-se como um canal de articulação dos possíveis potenciais cognitivos das manifestações locais, sejam elas sociais, morais, afectivas ou de ressentimento, enfim, como fontes de motivação, de interpelação e de resistência política. Através do hip-hop, as reivindicações estéticas e políticas das comunidades passariam a inscrever um conjunto mais amplo de formas de luta e pertença simbólica que veiculam pretensões de reconhecimento étnico, cultural, sexual e afectivo que, em conjunto com as potencialidades criativas, preenchem individualidades, canalizam talentos e capacidades. Para além do reconhecimento da personalidade, que se opera a um nível estritamente pessoal, a prática hip-hop oferece espaços de actuação e reivindicação política em que os jovens articulam e tematizam repertórios, lógicas e códigos de conduta que não coincidem com os do Estado e com os do mercado.

Os anos de 1993 e de 1994 foram paradigmáticos no que diz respeito à visibilidade pública da desigualdade, da pobreza extrema e da humilhação moral e física sofrida pelas populações da periferia e das favelas. Nesse sentido, conceitos como desigualdade e exclusão ganharam significados mais amplos associados às dimensões morais e identitárias, o mesmo acontecendo com o tipo de relação e formas de expressão que os grupos constroem com a cidade e com o espaço público.

Não se trata ainda de um reconhecimento legal, mas de um procedimento de luta pelo reconhecimento ético público de processos distintos de auto-realização. O movimento hip-hop torna-se uma força mobilizadora da participação de jovens nas práticas culturais e na denúncia das desigualdades sociais e raciais, como prova a sua participação no Fórum Social Global. Ao mesmo tempo em que os grupos culturais conquistam os seus próprios espaços de actuação e sociabilidade eles procuram construir carreiras específicas no mercado, o que implica a produção de eventos, apresentações públicas, gravação de CD, marketing e publicidade. Os grupos de graffiti, rap e dança break organizam-se através de associações, acções comunitárias, oficinas, intervenções públicas de natureza estética e política que os legitimam como protagonistas de um movimento ao mesmo tempo estético e social que denuncia a marginalidade e o racismo e luta em prol da inclusão das minorias. Segundo o rapper e militante MV Bill, o hip-hop não se restringe às práticas culturais. Pelo contrário, é também diálogo, encontros, festivais de rua, entretenimento, construção de bibliotecas comunitárias, ou seja: "A gente busca nossos lugares. Busca alcançar outros lugares que dizem que não é nosso. Isso pra mim já é muito revolucionário." Ao mesmo tempo, as apresentações públicas devem ser concebidas também como espaços de entretenimento:

A gente amadureceu muito e aprendeu a equilibrar entretenimento e informação. E dessa forma a gente conseguiu conquistar adeptos pro hip-hop, parceiros para as nossas ações [Bill, 2005, p. 35].

A difusão de canais comunitários de rádio e de televisão, entre os quais devemos contar com as rádios e gravações piratas que se disseminaram em várias comunidades ao longo dos anos 90, forjava relações comunicativas que evocavam simultaneamente o entretenimento e a informação. Os membros do hip-hop e do graffiti passaram a adoptar medidas de publicitação e registo das suas práticas por meio de gravações piratas, fotografias, fanzines, sites, vídeos, jornais e filmes. A disseminação das redes de internet proporcionou a internacionalização do mercado cultural, o acesso fácil e descentralizado à informação, como também a militância cultural e política entre comunidades (Castells, 1996). A partir do ano 2000 o graffiti, associado ao movimento hip-hop, propagou-se com muita rapidez nas principais cidades brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Florianópolis, Brasília, Curitiba, Salvador, Belo Horizonte e Recife, São Luís e Fortaleza reúnem um conjunto de actividades, congressos e associações locais que conformam uma rede de intercâmbio e reciprocidade entre os praticantes. Podemos afirmar que o movimento graffiti se fortaleceu nacionalmente a partir de uma sociabilidade de rede que inclui diversos sites de imagens, blogs e fotologs, como também fóruns de debate entre os membros deste movimento cultural. As novas tecnologias de produção foram imediatamente incorporadas pelos sectores da comunicação, proporcionando o avanço de redes locais de comunicação nas comunidades periféricas, além das rádios e tvs comunitárias. As formas locais articulam-se com redes globais de intercâmbio, de expressão e de solidariedade, processo que permite a partilha de um capital simbólico comum através do qual se autoconcebem e se sustentam referenciais identitários comuns. A ampla disponibilidade de recursos electrónicos de comunicação e expressão permite aos grupos sociais o domínio sobre os processos de auto-representação e construção de uma imagem pública, pela qual passam a reivindicar a sua particularidade cultural e identitária, contrastantes com as ordens do discurso do poder público e dos media. Tal reivindicação identitária é construída no universo de uma cultura globalizada que se identifica como uma particularidade cultural nos seus referenciais comunitários ausentes no discurso nacional eurocêntrico.

As acções de rua e das periferias passavam a conformar uma esfera pública de reconhecimento que através do uso da tecnologia digital de rede acabou por transcender as suas fronteiras locais, contribuindo para dar ao hip-hop os contornos de um movimento de alcance nacional e global.

 

Reconhecimento Social: dilemas e impasses entre a autonomia e a resignação

Diferentemente das lutas sociais articuladas com o quotidiano, as quais actuam no campo ético-político, o graffiti e o movimento hip-hop constroem uma estética que usa os dispositivos da indústria cultural e do mercado, podendo ser entendidos como um estilo de vida pré-fabricado pelos próprios media (Shusterman, 1998, p. 154). As reivindicações estéticas e políticas das populações periféricas ganham sentido no âmbito de formas e aspirações de reconhecimento e justiça social, mas ao mesmo tempo estão associadas ao universo da cultura de massa globalizada.

Inscritas no universo electrónico e na expansão transnacional da cultura do entretenimento, as práticas quotidianas e as formas locais de expressão e comunicação oscilam entre o enraizamento no mundo da vida e o seu contexto comunicativo e a adesão aos processos distributivos controlados pelo mercado (Honneth, 1995a, p. 220). Os grupos culturais aceitam uma imagem dos media, a qual passa a veicular com muita frequência, e de forma positiva, os projectos culturais das favelas e periferias. Trata-se de grupos sociais cujas localidades não têm assistência por parte das políticas públicas e que ganham notoriedade e visibilidade através dos media. O rap, por sua vez, torna público o relato sobre o quotidiano na favela, que se encontra exposto à violência da polícia e do tráfico. Permanece a tensão entre a busca da inclusão social, a crítica das relações sociais excludentes e o entusiasmo pelas gratificações e visibilidades imediatas oferecidas pelo mercado, pelos meios de comunicação de massas e pela tecnologia digital. A prática cultural hip-hop está associada aos dispositivos da tecnologia de massa, ao sampler6, às rádios comunitárias e às gravações independentes, ao fascínio pelas grandes marcas de vestuário desportivo, como a Nike e a Adidas, e ao próprio uso do spray.

Trata-se de uma geração que cresceu num contexto de avanço tecnológico da cultura de consumo e de massa, dos jogos de vídeo, dos computadores, dos aparelhos de mistura e dos jogos electrónicos. O avanço das tecnologias digitais de informação representou uma crise na estrutura do reconhecimento, cuja base normativa deve integrar aspectos da personalidade individual e garantir espaço e meio de expressão e comunicação das diferenças individuais. O hip-hop promete tanto um processo de aumento da auto-estima e do auto-respeito quanto de visibilidade pública, estando ambos relacionados com o reconhecimento social de capacidades e de grupos específicos. Tal reconhecimento deve inscrever-se numa comunidade social específica que permite ao agente individual a inserção no contexto intersubjectivo de comunicação e interpretação colectiva de valores (Honneth, 1995a, p. 227).

O graffiti é uma manifestação de luta social pelo reconhecimento de um estilo de vida e de uma expressão individual simbólica. As assinaturas e pinturas com spray realizadas nas ruas e fachadas públicas são ao mesmo tempo um produto simbólico e um produto artístico que possui uma materialidade. Trata-se de um objecto artístico que representa uma personalidade individual e simultaneamente uma comunidade local de comunicação que se expressa de forma serializada como o mercado. Esta expressão opera como um fragmento material da busca de prestígio e reconhecimento público, pois o seu autor está ciente de que a comunicação se estabelece não apenas na força simbólica, mas na materialidade do seu gesto. Ao mesmo tempo que lutam contra a desigualdade aproximam-se da lógica distributiva que conhecem: o mercado. Acme, conhecido grafiteiro do Rio de Janeiro, afirma:

Já levei muito soco de polícia, mas a pichação deu sentido a minha vida, voce icomoda a sociedade, voce divulga o seu nome, hoje eu sei que eu sou um artista, eu tenho a minha arte.

A pichagem é aqui entendida como a repetição serializada da assinatura nas ruas, a qual atribui ao artista fama e reconhecimento, mas também a sensação de "incomodar" a sociedade. O confronto entre os grafiteiros e os agentes do espaço público faz-se através da contestação e da criminalização. Os grafiteiros sabem que estão sujeitos à punição e à tortura física quando são surpreendidos pela polícia ou sofrem acidentes graves e alguns perdem a vida durante manobras arriscadas em lugares como fachadas de edifícios, pontes e comboios em movimento. A sua condenação jurídica como detractores do espaço público restringe a acção (interesses, aspirações, auto-representação e identidades) ao crime, impedindo-os de participar no debate público.

Ao disponibilizar os corpos como signos de poder, como objectos e sujeitos da transgressão, afirmam a livre disposição sobre o próprio corpo e o confronto com a ordem legal, política e institucional que regula a propriedade. A ordem pública criminaliza uma prática social comum aos membros da cultura do graffiti, os quais buscam simultaneamente o reconhecimento dos seus talentos e capacidades e o confronto com a ordem de valores que regula o uso do espaço público urbano. A dor física provocada por um acidente é particularmente diferente da dor sofrida pelas torturas e pela violência social e policial, que também comporta o sentimento moral do desrespeito e da injustiça social:

Eu particularmente sou contra o governo e contra a discriminação que a sociedade me dispensa no dia-a-dia, então eu dou esse troco pra eles. A pichação é o grau mais alto o que a sociedade mais odeia, pois eles falam que a gente está estragando a cidade [Z, depoimento feito à autora].

Na relação quotidiana com a polícia predominam os maus tratos físicos, a privação de direitos e a submissão do corpo ao poder e ao arbítrio do outro, enquanto na rua o que predomina é a disposição autónoma sobre o próprio corpo, cuja qualidade corporal e psíquica não exclui relações e gestos adquiridos e construídos no processo de uma socialização segregadora. A multiplicidade das assinaturas nas ruas e nos lugares mais inacessíveis segue o ritmo da reprodutibilidade infinita da indústria: quanto maior o número de assinaturas maior o combate social e maior o prestígio para o escritor. Acontece que esta prática se faz em nome da valentia, da coragem e do potencial transgressor do escritor, enfrentando desafios tanto em relação às autoridades como à altura dos edifícios e equipamentos urbanos. Esta prática envolve uma comunidade de comunicação que traz relações sociais intersubjectivas quotidianas de solidariedade e também de disputas que se estabelecem em batalhas estéticas. Grande parte dos grafiteiros actua em grupos, todos se conhecem de forma pessoal ou pública.

Como se disse, trata-se de uma comunidade que usa os dispositivos do mercado e da tecnologia digital para comunicar internamente e conquistar fama e prestígio social. Contudo, a absorção pelo mercado acaba por inverter os valores que permearam a prática na sua origem. As assinaturas, que representavam ousadia e desprezo pelo sistema, são hoje chamadas grifes por parte de alguns agentes. Este é um aspecto que divide os escritores de graffiti entre aqueles que lutam pela legalização e aqueles que a ela se opõem. Os grafiteiros aceitam a concepção pública de pichagem como algo que transgride as regras que regulam o espaço e a convivência pública. A maioria dos grafiteiros brasileiros distingue a pichagem do trabalho artístico, o que não os impede de lançar mão da prática das assinaturas. Porém, todos são unânimes em afirmar que o envolvimento com o trabalho artístico reduz o impulso para a pichagem:

A gente aprende a falar com os policiais, mostrar os nossos cadernos, enfim

A gente desenrola com os caras e consegue fazer grandes trabalhos na rua [Acme, depoimento de 2004].

O estímulo para o desenvolvimento formal de um estilo através do movimento hip-hop e das oficinas tem reduzido a proliferação das assinaturas nas ruas. Resta considerar de que forma as relações com o mercado e com o poder público permitem estabelecer fronteiras entre a autonomia artística, a legitimidade e o controlo do processo distributivo dos bens culturais pelos próprios agentes da cultura. Ainda que tenha surgido nos anos 90, a regularidade das suas práticas assegura-lhe uma postura de luta pelo reconhecimento da sua legimidade artística e social.

Segundo Honneth, o reconhecimento social passa por uma crítica às relações sociais capitalistas na medida em que estas impedem a auto-realização e a plena expressão da identidade na prática humana, pela qual ela adquire significado. É na esfera do trabalho enquanto praxis que Honneth, com base em Marx, vai defender uma esfera crítica:

Marx não concebe a luta de classe como uma aquisição de bens ou poder mas como uma luta que representa um conflito moral no qual a classe oprimida luta para adquirir condições sociais de auto-respeito [Honneth, 2003, p. 232].

A concepção do trabalho é percebida sob um ponto de vista moral. O processo de reconhecimento mútuo é interrompido na medida em que um grupo social é destituído, precisamente, das condições sociais necessárias ao auto-respeito. Honneth chama a atenção para o facto de o modelo marxista predominante restringir o conceito de identidade humana à descrição das relações económicas de produção. Como se nas relações materiais não coubessem interacções intersubjectivas. É no âmbito de uma teoria da intersubjectividade sublimada da análise marxista que Honneth se propõe reformular de forma abstracta a premissa que, na sua opinião, subjaz ao conceito marxista de trabalho, ou seja, aquilo que atribui expressão material às capacidades e talentos do homem. Segundo Honneth, "Marx se aproxima em detrimento de suas inclinações utilitaristas, do modelo hegeliano de uma luta por reconhecimento" (Honneth, 2003, p. 238).

Retomando na sua análise o diálogo de Marx com Hegel e Feuerbach, Honneth traz para o debate o modelo de conflito que concebe o próprio processo produtivo como um processo de reconhecimento intersubjectivo no qual a experiência da capacidade se entrelaça não só com a afirmação do próprio valor, mas com a possibilidade de ter "propiciado a carência de um outro ser humano seu objeto correspondente" (Honneth, 2003, p. 231).

Neste sentido, há uma intersubjectividade potencial que se expressa nas formas empíricas de trabalho social, as quais pressupõem um processo de aprendizagem que consciencializa os sujeitos em relação às suas capacidades. Honneth identifica nesta tensão teórico-conceptual elementos que apontam tanto para um potencial emancipatório (uma forma de conflito moralmente motivada), ou seja, para um processo de objectivação das capacidades humanas, como para a dominação em que o trabalho é um acto instrumental com vista à sobrevivência económica (Honneth, 1995b, p. 15)

Será possível enquadrar a luta social dos grafiteiros nesta lógica, considerando-a uma forma de exteriorização da tensão moral implícita nas relações com o mercado? Para a maioria dos grafiteiros de São Paulo, o mercado publicitário é a única fonte de sobrevivência económica, o qual, no entanto, não permite a manifestação das capacidades e talentos individuais.

O mercado para o graffiti cresce cada vez mais em São Paulo e a gente precisa comer, pagar aluguel. A publicidade permite para muitos de nós a sobrevivência. Actualmente eu posso escolher os trabalhos que eu faço, eu tenho o meu preço. Mas eu foco o meu trabalho nas artes plásticas, pretendo um dia me sustentar das artes plásticas e deixar de vez a publicidade [Zezão SP]:

Já fui muito radical… aí pensei: sou explorado, ganho uma miséria como motoboy, por que vou ter ideologia a ponto de me negar a fazer o que eu gosto para ser motoboy? [Carvalho, 2007].

A angústia de Zezão é compartilhada por vários companheiros, que justificam os seus trabalhos comerciais com a necessidade de sobrevivência, mas lutam para ter uma carreira artística.

Na opinião de Binho Ribeiro, um dos pioneiros do movimento graffiti e organizador de vários eventos no Brasil:

O graffiti é a liberdade de poder se expressar; a arte é livre e cada um faz o que quer!! Eu trabalho como artista visual… você pode vender a sua arte. Todo mundo, de uma forma ou de outra, precisa da arte, seja numa decoração ou numa propaganda. Já o graffiti é espontâneo está dentro de você, você faz, ninguém está te pagando nada, você não busca um resultado financeiro.

Para Binho Ribeiro, todo o trabalho artístico que não é uma expressão livre e espontânea do artista não é graffiti, embora possa ser considerado arte. Contudo, Binho admite que a ambição do grafiteiro é "conquistar admiração e reconhecimento social":

Talvez a maioria dos escritores de graffiti tenha o mesmo ideal: encontrar seu espaço e respeito nas ruas, muros e onde mais for possível. Achar seu próprio estilo, conquistar seu nome, e ter sua arte ou protesto admirado e reconhecido pela sociedade [Ribeiro, 2006].

Tanto os grafiteiros de São Paulo como os do Rio de Janeiro — que defendem publicamente uma postura de luta social, estética e política — têm em comum a ambição de construir uma carreira artística ou profissional e o seu comportamento revela uma mesma semântica colectiva pela qual se auto-representam e interpretam as suas acções como fazendo parte de uma comunidade social. É através do bem simbólico que produzem, pelo qual exercitam a subjectividade e expressividade, que reivindicam a inserção social e o reconhecimento — "espaço e respeito" —, reinventando-se como indivíduos e membros de uma cultura.

É inegável o sucesso comercial que a estética do graffiti trouxe a algumas marcas, como a Adidas, Ellus, Louis Vuitton, Nike e Skol. Contudo, não há nada que comprove a participação dos grafiteiros na criação de produtos ou de campanhas dessas marcas. Um bom exemplo de apropriação comercial é-nos fornecido pela marca Louis Vuitton, a qual utilizou a estética do graffiti para construir uma relação com o público jovem. A bolsa grafitada da Louis Vuitton foi desenhada pelo famoso designer e artista plástico americano Stephen Sprouse, vendia-se por 300 euros e bateu records de vendas, trazendo o graffiti para várias outras marcas de moda.

Os agentes que representam a cultura hip-hop lutam para manter a autoridade face ao mercado, na tentativa de regular e assegurar o usufruto dos ganhos económicos para os membros da cultura, a exemplo das reacções ao festival Skol Hip-hop Manifesta, que ocorreu no Rio de Janeiro em 2004. A iniciativa deste festival partiu de poderosos empresários da indústria de entretenimento brasileira, como Luciano Huck, André Calainho, Pedro Paulo Diniz e Alexandre Accioly, e provocou a reacção de músicos e militantes da cultura hip-hop contra a forma pela qual os empresários estariam a utilizar a produção cultural hip-hop para obter vantagens comerciais sem nenhuma consulta aos representantes desta cultura. A polémica instaurou-se em torno do valor do ingresso — 50 reais (20 euros), quantia que inviabilizava o acesso do público da cultura hip-hop —, bem como do montante dos diferentes cachets oferecidos aos músicos brasileiros e internacionais e também da transformação da cultura hip-hop numa opção de consumo para as elites.

Entre os principais representantes do protesto destacou-se o grupo Nação Hip-Hop, o rapper MVBILL, fundador da Central Única das Favelas (CUFA), e os racionais Mcs, todos membros da liderança organizada do movimento hip-hop no Brasil. O evento realizou-se, mas, em contrapartida, o debate sobre a apropriação da cultura hip-hop tornou-se público. Os músicos e grafiteiros brasileiros de menor notoriedade pública que participaram no festival não tiveram acesso à ala VIP, nem mesmo a um crachá que os credenciasse a circular em áreas restritas:

Enquanto as pessoas conhecidas ficavam no ar condicionado com direito a comida e bebidas nós passamos o dia inteiro pintando o painel não tivemos direito ao crachá e não nos ofereceram água sequer! [Marcelo Ment, depoimento feito em 2005].

Se, por um lado, o reconhecimento da sua habilidade lhes dá acesso ao evento como artistas, por outro lado, a pertença a um grupo minoritário impede-os de serem reconhecidos, no princípio da igualdade legal, formal e impessoal, como os demais artistas. No entanto, o conflito torna-se público e a partir de uma prática estética torna-se possível instrumentalizar o sentimento de desrespeito, a reinvindicação de direitos e a denúncia social da desigualdade.

Poderíamos responder, como Honneth, que a luta social pela paridade da estima e do reconhecimento do potencial artístico e profissional dos agentes da cultura deve ser acompanhada da construção social de valores pelos quais os bens culturais e os seus autores passam a integrar hierarquias valorativas que permitem ampliar a escala das posições sociais, bem como o respeito e reconhecimento do mercado e do poder público.

Na busca da autonomia face ao mercado, os grafiteiros têm-se mobilizado na construção dos seus próprios arranjos produtivos e das suas carreiras profissionais, como mostra a criação de ateliers colectivos. Ao desenvolver uma vida artística e profissional baseada na prática da cultura de rua, os agentes constroem junto das instituições, da sociedade e do mercado mecanismos de legitimação e inclusão social.

Trata-se de práticas ainda muito recentes, mas que indiciam um processo singular de luta pelo reconhecimento e inclusão social dos artistas de rua. Os princípios que orientam a legitimidade das suas reivindicações ainda não constituíram uma ordem de reconhecimento que inscreva a igualdade de participação nas diversas esferas do mercado, do direito e da cultura. As lutas proporcionaram a construção de uma ordem de reconhecimento em que as práticas anteriormente criminalizadas passam a incorporar uma ordem de valor social e estético. No entanto, os agentes sociais dessas práticas artístico-culturais reivindicam a inclusão numa ordem de reconhecimento legal que confirme o seu direito à igualdade. Segundo Honneth, as probabilidades de universalização inscritas nas relações jurídicas e de equalização de uma comunidade de valores respondem a certos potenciais evolutivos específicos, directamente associados às lutas sociais, que ampliam os valores existentes através da exigência do reconhecimento (Honneth, 2003, p. 267).

A cidade de São Paulo foi pioneira e singular na constituição de mecanismos de reconhecimento inexistentes noutros lugares do mundo. No entanto, é necessário questionar que tipo de semântica se tenta imprimir a essas práticas de rua. De que maneira as subculturas são apropriadas e interpretadas no espaço público e no mercado como formas de reconhecimento? Na segunda parte deste artigo mostram-se as diferentes ordens de reconhecimento construídas em torno da prática do graffiti nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, a sua interacção com a ordem do mercado e do poder público.

 

Movimento Graffiti: em São Paulo e no Rio de Janeiro

O graffiti brasileiro tem origem em São Paulo como uma arte urbana de protesto e interferência e como reivindicação de reconhecimento estético e político. Desde os anos 80 que alguns artistas paulistas utilizavam o graffiti como uma linguagem de intervenção estética na cidade. Nomes como Alex Vallauri, que viveu em Nova Iorque nos anos 70, Jaime Prades, Carlos Delfino, Carlos Matuck, Maurício Villaça e Rui Amaral, amigo de Keith Haring, contribuíram para a construção de uma visão estética e para a inclusão urbana das imagens do graffiti (Ramos, 1994).Em São Paulo, a prática do graffiti e da pichagem não estaria apenas norteada pelo movimento hip-hop, mas por uma geração de artistas urbanos e intelectuais provenientes da Escola de Arquitectura e urbanismo da Universidade de São Paulo (Ramos, 1994 e Lara, 2001)

A cidade de São Paulo é aquela que denota uma maior popularização e reconhecimento da cultura do graffiti no Brasil e no mundo. Nessa medida, a literatura internacional tem considerado o graffiti paulista a referência plástica e cultural do movimento graffiti (Manco, 2005; Chastanet, 2008). O graffiti que emerge no contexto cultural dos anos 90, embora também possua entre os seus praticantes jovens de classe média e estudantes de Belas-Artes, apoia-se maioritariamente no movimento hip-hop e nos movimentos de reivindicação social. Neste ambiente, que é aquele que constitui o objecto deste estudo, a arte do graffiti tem como seus principais agentes sociais os jovens da periferia, que, na sua maioria, não possuem formação artística e, em alguns casos, nem mesmo a formação escolar básica. Bairros como Capão Redondo, São Miguel Paulista e outros são alguns exemplos do avanço do movimento graffiti e localidades como Santo André e Diadema dispõem, desde os anos 90, de um conjunto de instituições, prémios, festivais internacionais, escolas e diversas actividades relacionadas com o graffiti. A geração de artistas de rua dos anos 90 cresceu apoiada pelos movimentos sociais e pelas organizações não governamentais. São esses agentes que medeiam a relação dos artistas de rua com o espaço público e com o mercado. As empresas estabelecem parcerias com as ONG8através das quais são recrutados os grafiteiros. São Paulo também se destaca pela criação de estilos e letras também conhecidos como "pichagem". As letras góticas pintadas com tinta em rolinhos, as assinaturas deixadas nas mais diversas construções e equipamentos urbanos, evidenciam uma técnica e umatipografia particular (Boleta, 2007). Embora os seus agentes estejam mais envolvidos no confronto e invasão do espaço público do que com o mérito estético, tais intervenções urbanas são reconhecidas nos meios e nas publicações sobre o graffiti e a arte de rua (Manco, 2005).

A carreira do grafiteiro inicia-se com a prática das assinaturas, ou seja, com as pichagens, e adquire, em muitos casos, qualidade estética através do engajamento em oficinas. As oficinas de graffiti em São Paulo acabaram por gerar uma verdadeira cultura do graffiti, que ocupa ruas e murais nos diversos bairros da cidade. As oficinas também produzem materiais didácticos que circulam em vários espaços e diferentes cidades do Brasil. Entre os vários projectos destacam-se dois na cidade de São Paulo, na medida em que agregam grafiteiros de diversas localidades da periferia e realizam os principais eventos no espaço público da cidade, o projecto Aprendizes do Beco e o projecto Quixote. a ONG Cidade Escola Aprendiz conta com o patrocínio da Fundação Banco Boston e reúne um número considerável de grafiteiros e uma escola de graffiti que acabou por consolidar vários grupos de graffiti que têm actividade constante na cidade de São Paulo a partir de 1998. O projecto Quixote foi criado em 1996 através de um convénio entre a Universidade Federal de São Paulo e a secretaria municipal de desenvolvimento social. No ano de 2000 o projecto instituiu a agência Quixote Spray Arte, destinada a criar uma linha de produtos e um campo de profissionalização para os grafiteiros. A agência foi contemplada com o primeiro lugar do prémio «Empreendedor Social da Ashoka». Os alunos ganharam uma bolsade estudos, frequentaram oficinas de graffiti e trabalharam na produção de painéis, roupas, fachadas de edifícios, decorações e outros produtos que proporcionavam algum dinheiro aos profissionais e sustentavam a agência. Durante a gestão de Marta Suplicy, a prefeitura de São Paulo criou em 2004 o projecto São Paulo Capital do Graffiti, no qual vários espaços públicos, equipamentos urbanos, túneis e painéis da cidade foram grafitados por artistas locais e de outras cidades. O projecto estava incluído na agenda municipal de celebração dos 450 anos da cidade de S. Paulo e teve o apoio da Fundação Banco Boston e da comunidade organizada de grafiteiros. A prefeitura também instituiu a Coordenadoria Especial da Juventude para atrair a participação dos jovens na formulação e criação de projectos e políticas que viessem ao encontro dos seus problemas. Através do programa Valorização de Iniciativas Culturais (VAI), um grupo de grafiteiros do Capão Redondo criou uma escola de graffiti que ajuda as crianças da comunidade. No contexto da celebração dos 450 anos da cidade foi sancionada a lei que instituía o dia 27 de Março como o dia do graffiti. A data já vinha sendo celebrada pelos grafiteiros desde a morte do artista urbano Alex Vallauri, ocorrida em 1988. Mas a partir de 2004 a data passa a integrar a agenda de eventos oficiais da cidade. São Paulo é um importante estudo de caso para mostrar as diferentes dinâmicas na luta pelo reconhecimento e as complexas articulações entre ONG, agentes do mercado e do espaço público. A Fundação Banco Boston patrocinou em 2003 a grafitagem do próprio Banco Boston na Avenida Paulista, principal centro financeiro da América Latina. O banco também incluiu imagens de graffitis nos seus materiais publicitários, para além de ser falado nos jornais, revistas e televisão. A fundação Banco Boston patrocinou dois livros que registam as imagens do graffiti em São Paulo. O primeiro resulta da parceria com o projecto Aprendizes (2003) e o segundo foi publicado em conjunto com a prefeitura (2005).

Embora os grafiteiros tenham sido credenciados em 2004 para realizar as suas obras na cidade, a autorização dada pela prefeitura restringe-se a determinados territórios próximos do bairro de origem, situados na sua maioria na zona norte da cidade. A autorização sublinha a segregação espacial (Caldeira, 2001, p. 339), tão combatida pelo graffiti, e traduz-se no uso de um crachá, que não serve como elemento identificador, uma vez que não traz sequer o nome do grafiteiro. Cumpre apenas um papel simbólico que ajuda e ameniza o confronto com a polícia. Embora assegurado pela lei, o graffiti não viria a ocupar a agenda pública da cidade e a lei foi ignorada pela prefeitura seguinte e acabou por ser retirada em 2007 pelo prefeito Gilberto Kassab.

O facto de o repertório cultural do graffiti ter sido integrado em campanhas publicitárias, galerias de arte, escritórios de design, esculturas públicas, cenários, desfiles de moda, materiais gráficos e até campanhas políticas não significa que os agentes dessa cultura tenham criado um mercado ou uma esfera de reconhecimento do mérito social ou estético das suas práticas. Grande parte dos grafiteiros de rua permanece isolada dos meios de propagação da sua cultura. As empresas privadas, como a Motorola, Louis Vuiton, Ellus, Fórum, Adidas, Calvin Klein, Skol, Gradiente, Nestlé, Coca-Cola e Nike, recrutam o trabalho gráfico de grafiteiros, mas fazem-no na qualidade de designers ou programadores visuais, e não fica claro qual a função atribuída ao grafiteiro no trabalho de criação de produtos ou campanhas.

Ao invés do que se passava na geração dos anos 70, os grafiteiros dos anos 90 provêm, na sua maioria, de bairros periféricos, onde a polícia tem um papel muito mais intolerante do que nos bairros da classe média. O bairro da Vila Madalena, ocupado pela alta classe média, concentra o maior número de painéis de graffiti da cidade de São Paulo. Desde os anos 70 que os artistas plásticos estabeleciam os seus ateliers e realizavam várias interferências urbanas de graffiti e spray nas ruas e nos muros do bairro da Vila Madalena. As lutas pelo reconhecimento em São Paulo articulam as suas reivindicações com as dinâmicas dopoder privado e do poder público a partir do encaminhamento feito pelas ONGs. No caso de São Paulo, as lutas têm envolvido diferentes estratégias de inclusão em segmentos diferenciados do mercado e da sociedade. São eles os sectores de marketing, o mercado publicitário, a moda, os museus e galerias de arte e as instituições sociais. O crescimento do graffiti em São Paulo reflecte também as oportunidades de desempenho público e a visibilidade das obras no espaço urbano. Contudo, as lutas pelo reconhecimento implicam a necessidade de redefinição do sistema de mérito ou de aceitação de valores estéticos e culturais por parte de diferentes grupos e subculturas. As tentativas de reconhecimento destas subculturas têm confrontado e, em parte, ampliado as oportunidades de inclusão social dos seus agentes. No entanto, ainda não se constituiu uma esfera pública pluralista no sentido normativo. Como já foi dito, a lei que permitia a prática do graffiti em eventos comemorativos da cidade foi revogada e as licenças foram suspensas no final do mandato da prefeita Marta Suplicy. O uso do potencial artístico e profissional dos agentes da cultura não se traduz necessariamente na construção social de valores que identifiquem os bens produzidos com os seus autores. O graffiti não é integrado no espaço urbano e social pelo seu carácter de bem público, arte, ou cultura urbana, mas como parte de uma luta social que traduz um movimento político que defende o direito à igualdade por parte das populações marginalizadas. Trata-se de uma ordem de reconhecimento que valoriza distintamente determinadas práticas com o objectivo de conter o potencial de descontentamento e violência social presentes nesses grupos, os quais, por sua vez, o fazem notar na expectativa de que as suas pretensões de inclusão sejam atendidas. O projecto São Paulo Capital Graffiti realizou painéis em inúmeros espaços da cidade, mas estes foram em alguns casos retirados após uma semana. As obras são apagadas pelo próprio poder público que as contratou. Uma das frases mais recorrentes no relato dos grafiteiros é a de que "o poder público não entende o nosso trabalho".

O que é significativo no caso do movimento graffiti é a tentativa de manter a sua linguagem viva noutros contextos institucionais e sociais de inclusão, que se manifesta na tentativa de resistir à assimilação e na expansão dos princípios reguladores dessas práticas. Exemplos de resistência são a criação de ateliers próprios e de galerias e o protesto por mais de dois anos contra a pintura modernista do chamado "buraco da paulista", túnel que liga a Rua Dr. Arnaldo e a Avenida Paulista. Os grafiteiros protestaram contra as reproduções de obras modernistas em spray encomendadas em 2004 por uma ONG em parceria com a prefeitura. A ONG Revolucionarte recrutou jovens grafiteiros para realizar as pinturas, vendo nesse procedimento uma forma de educação artística e de profissionalização dos artistas de rua. Foram precisos dois anos de protesto e de negociação com a prefeitura para que a realização de um novo projecto incorporasse a linguagem do graffiti, a qual sempre ocupara em diversos momentos históricos o espaço urbano entre a Rua Dr. Arnaldo e a Avenida Paulista. A pintura de 2200 m2 de muro foi coordenada por Binho Ribeiro e foi integrada nas acções de celebração dos cem anos da imigração japonesa. A prefeitura acabou por reconhecer a legitimidade da reivindicação dos grupos de graffiti que não se viam representados naquelas imagens de estilo modernista.

A análise de Bourdieu (1984) deixa claro que as esferas estética, da alta cultura e do gosto estão plenamente informadas são constituídas por valores sociais vinculados às posições de classe e à educação, por meio das quais se integram no mercado com um valor específico. As lutas pelo reconhecimento inscrevem novas dinâmicas que visam a construção de valores que desestabilizem o carácter de classe e educação reproduzido pelas elites formadas no modelo de modernidade eurocêntrico. Os desdobramentos do movimento graffiti em São Paulo exemplificam dinâmicas sociais, estéticas e políticas que confrontam mas também operam em conjunto com o mercado, a publicidade, as instituições culturais, a sociedade e o poder público.

Muitos agentes reclamam o facto de que as empresas recrutam o seu trabalho devido à atracção que o estilo hip-hop exerce sobre o público jovem e não por causa dos seus talentos particulares. As suas práticas profissionais são usadas para vender valores e ideias que não correspondem à sua prática no momento em que é oficializada junto do mercado. O mesmo se passa com o poder público que os convida a participar em eventos urbanos mas não oficializa a prática como parte de um projecto ou de uma política de revitalização urbana que leve em conta a representação das suas culturas. A cada mudança de governo surgem novas regras que afectam as suas intervenções urbanas. Como trabalhadores, os grafiteiros querem imprimir uma ética profissional à sua prática, buscam o reconhecimento da potencialidade plástica da linguagem que os habilita a exercer diversas funções na sociedade através da expressão material das suas capacidades e talentos individuais.

A ocupação de espaços urbanos degradados e a participação em campanhas publicitárias, seja para o poder público ou para o mercado, não se traduzem na auto-realização dos agentes que lutam pelo respeito social e pela institucionalização das suas práticas. Entretanto, tais procedimentos indiciam um processo de transformação criativa das representações morais anteriormente negativas e criminalizadas. O interesse do mercado acabou por fortalecer o graffiti como uma estratégia de marketing por parte das empresas mais variadas que procuram obter visibilidade junto de um público jovem. É o caso da campanha realizada pela empresa de pneus Good Year, que, sob o titulo «Exposição arte urbana», realizou um concurso de graffitis durante dois dias de performances que tiveram lugar na Avenida Paulista. A empresa visava o reconhecimento pelos media e pelo público, bem como o uso das imagens criadas durante o evento, na campanha publicitária da marca para a América Latina7. Além de campanhas publicitárias, São Paulo oferece um mercado de trabalho para os grafiteiros. Marcas como a Street Wear contratam grafiteiros para desenhar colecções e estampas, as feiras de moda ou de desporto contratam serviços de decoração de stands e mesmo de performances ao vivo durante os mais variados eventos. A cultura do graffiti é também um meio de criação, por parte de alguns grafiteiros, de arranjos produtivos independentes destinados aos produtos street. Tanto São Paulo como o Rio de Janeiro possuem galerias destinadas a esse mercado, como a Graffitiria e a Choque Cultural, em São Paulo, e a Augusto Severo, que ocupa uma garagem no Rio de Janeiro, na Lapa. Resta considerar como os agentes defendem os princípios de uma liguagem estética do graffiti noutros suportes e em distintos contextos institucionais. A atracção que o graffiti brasileiro provoca em coleccionadores estrangeiros e brasileiros advém justamente da novidade de uma linguagem popular associada às ruas. Ou seja, uma linguagem que expressa uma tensão entre aquilo que não é arte, não é produto e não é design, mas que se constitui como um interface entre todas essas linguagens e como expressão de uma vivência quotidiana. O desafio que enfrenta é o de combinar o potencial de enraizamento no mundo da vida popular e no seu circuito comunicativo com a impessoalidade e racionalidade económica do mercado. Tanto este último como as instituições artísticas e públicas reconhecem neste tipo de arte um potencial de comunicação e expressão de uma cultura popular de rua, uma identidade construída intersubjectivamente em torno de valores associados à opressão das populações periféricas e à busca da igualdade social.

A arte do graffiti no Rio de Janeiro, embora esteja associada à esfera do quotidiano, ainda não alcançou um patamar de acção colectiva capaz de ampliar as suas possibilidades comunicativas ao conjunto da sociedade. A ausência de uma base associativa que actue regularmente junto dos movimentos sociais ou de projectos que viabilizem a conquista de visibilidade pública faz com que o movimento graffiti permaneça adstrito à sua esfera comunitária.

O que destaca o Rio de Janeiro em relação a outras cidades é o facto de, aqui, o graffiti alcançar o seu maior desenvolvimento nas favelas. As favelas concentram os painéis e grande parte das oficinas e eventos. Na cidade do Rio de Janeiro, as favelas do morro da Mangueira e do morro Dona Marta foram pioneiras na realização de eventos e festas com graffiti. No bairro da Penha o armazém de uma fábrica desactivada reuniu a primeira oficina de graffiti dirigida pelo professor Cláudio Vaz Coelho. A iniciativa de ocupar o chamado galpão do Curcume Carioca, em 1998, deu origem aos grupos Nação e Artistas Urbanos, que têm estado presentes no movimento graffiti carioca ao longo dos últimos dez anos. Mario Bandes, do grupo Artistas Urbanos, criou uma oficina de graffiti no Complexo do Alemão, que é uma referência para o movimento, e o grupo Nação realiza oficinas e acções públicas nas mais diversas comunidades. No morro Dona Marta, a Casa da Cidadania, criada em 1997, foi decorada com os desenhos de graffiti de Fábio Ema, jovem da comunidade do Jardim Catarina, em São Gonçalo, e líder do movimento graffiti no Rio de Janeiro. Ema fazia performances de graffiti em festas no bar Zoeira, na Lapa, e nos bailes funk das favelas cariocas. Ema é um dos mais reconhecidos artistas de graffiti do Rio de Janeiro e já realizou exposições em galerias, além de criar painéis artísticos e de realizar performances de graffiti nos shows do grupo O Rappa.Na comunidade do morro Dona Marta vivia o traficante Marcinho VP. O chefe do tráfico estava associado à Casa da Cidadania e tentou, de diversas formas, estabelecer um diálogo com a sociedade e com os governantes.

Marcinho VP convidava intelectuais e artistas para dar palestras na Casa da Cidadania. O músico Marcelo Yuca, o escritor Paulo Lins e o cineasta João Sales são algumas das figuras publicamente mais próximas de Márcio VP e que tinham participação nos projectos culturais que envolviam aulas de história de arte leccionadas por João Sales, palestras sobre o cinema proferidas por Walter Sales, aulas de graffiti com Ema e Binho Ribeiro de São Paulo, aulas de música e festas com performances de grafiteiros, djs e dançarinos. O morro Dona Marta possui graffiti lendários realizados por grafiteiros paulistas, como Binho Ribeiro, Ciro Schuman e o alemão Stone, entre outros. Ribeiro realizou várias oficinas e performances de graffiti no Rio e foi convidado por Marcinho VP para grafitar e organizar oficinas no morro Dona Marta. há depoimentos que indicam que o traficante Marcinho VP, ligado à cultura hip-hop e compositor de rap, queria ampliar o intercâmbio da favela com o asfalto, reduzir o estigma e a imagem do jovem favelado ligado ao tráfico de drogas, como indica também a sua participação no video-clip They don't care about us, de Michael Jackson, realizado por Spike Lee em 1996 (Barcelos, 2003).Embora pioneira, essa posição não estava isolada de um contexto de avanço dos movimentos sociais nas favelas cariocas. Muito pelo contrário, traduz a confluência entre duas forças: a dos movimentos sociais e a do chamado poder paralelo8. A desconfiança de ambas em relação à acção do poder público, representada pelas práticas de violência das forças policiais, iria engendrar o suporte social e, em alguns casos, a tolerância em relação aos projectos culturais nas favelas do Rio de Janeiro (Zaluar, 1994). Desde o início dos anos 90 já estariam em curso investimentos associativos de caráter cultural nas favelas. Na sua maioria eram iniciativas de organizações não governamentais e de núcleos comunitários, dirigidas à população negra, sobre temáticas relacionadas com o racismo e com a identidade cultural.

Embora as favelas do Rio não sejam enclaves murados, a segregação e a fragmentação fazem-se no mesmo espaço territorial, no qual coabitam ricos e pobres, sem que partilhem referências comuns de espaço público (Caldeira, 2001). Desprovidos dos meios materiais, sociais e cívicos de acesso à igualdade de participação e usufruto dos serviços públicos, os grupos sociais das comunidades construíram espaços contrapúblicos com o auxílio dos movimentos sociais (Fraser, 1995).

A comunidade da Mangueira abriga uma escola de graffiti criada por Fábio Ema, o qual, com a ajuda de Marcelo Yuca, fundou em 1998 a ONG Associação Sobrados Arte e Cultura (Araújo, 2003), que mantém uma oficina de desenho em São Gonçalo, mais particularmente no Jardim Catarina, comunidade que possui inúmeros painéis de graffiti. Ema é reponsável pela popularização da aprendizagem do graffiti nas principais favelas do Rio de Janeiro. Os Artistas Urbanos, grupo do bairro da Penha, leccionam no Complexo do Alemão para um grupo de mais de cinquenta alunos. No Rio de Janeiro, ao contrário de São Paulo, a participação do poder público e privado nos projectos de graffiti é pouco significativa, sendo os recursos escassos e dirigidos para outros projectos. O grafiteiros cariocas desenvolveram habilidade técnica para o desenho e realizam grandes painéis com representação das cenas do quotidiano na favela. A ênfase no desenho resulta em parte da ausência de recursos para as latas de spray. As favelas cariocas concentram a expressão plástica do graffiti como um meio de revitalização urbana. Os grupos de toda a cidade são convocados a participar em encontros públicos nas comunidades onde realizam painéis e oficinas públicas de graffiti. No Rio de Janeiro a identidade do graffiti está plenamente articulada com o quotidiano da favela.

A distância do poder público e dos órgãos de cultura, o quotidiano na favela, a ausência de um mercado publicitário e de uma tradição de artistas urbanos, moldaram o campo de produção estética e política do graffiti do Rio de Janeiro. É na esfera das lutas pelo reconhecimento que o graffiti carioca se inscreve. Por um lado, a maioria dos seus membros não desfruta de benefícios sociais, sejam eles de classe ou de educação estética. Por outro lado, a articulação com os movimentos socias não preenche a sua vocação estética e política. Ao contrário de São Paulo, as ONG que operam no quotidiano local não dispõem de projectos que viabilizem o graffiti como prioridade das suas políticas. As iniciativas, normalmente, partem dos próprios grupos e estão maioritariamente circunscritas às esferas comunitárias nas quais eles alcançam padrões ainda não satisfatórios de reconhecimento. No entanto, é no Rio de Janeiro que uma organização não governamental — a Central Única das Favelas (CUFA) — realiza o maior festival hip-hop da América Latina, o festival Hutuz. A CUFA surgiu no ano de 2000 como uma pequena organização criada pelo rapper MVBill e pelo seu empresário Celso Athaíde, fundadores, simultaneamente, de um partido político: o Partido Popular Poder para a Maioria (PPPomar). O PPPomar assume-se como um defensor da causa negra e defende uma política afirmativa para os negros. Segundo MVBill, o reconhecimento do poder público é limitado e o apoio oferecido à CUFA ou às demais organizações não se traduz numa partilha de poder: "o apoio não existe quando uma dessas organizações quer fazer um prefeito. Aí começa a virar problema. Você pode exigir direito, respeito, poder não. Eu acho que chegou a hora da gente brigar pelo poder…" (Bill, 2005, p. 33). O seu projecto passa por "fortificar nosso trabalho nas favelas, nas comunidades e a partir disso retomar o partido político.

Hoje eu diria que a CUFA está para o PPPOMAR como a CUT (Central Única dos trabalhadores) já esteve para o PT no passado" (Bill, 2005, p. 33).

Os meios de luta social e política da Central Única das Favelas são as práticas culturais, o quotidiano das comunidades e a identificação cultural com o hip-hop, ao passo que no passado eram as lutas sindicais de trabalhadores formais que ocupavam a agenda da Central Única dos Trabalhadores.

A CUFA, ainda que utilizando diversos recursos e patrocínios públicos e privados, apresenta-se como uma entidade independente e realiza uma política de promoção da cultura hip-hop junto das populações das favelas e possui filiais em vários estados do país. O prémio Hutuz é disputado pelos membros da cultura do hip-hop e garante prestígio e legitimidade na carreira artística, sendo o júri composto por nomes consagrados do movimento hip-hop mundial. A atribuição de prémios Hutuz passou a ocupar espaços privilegiados pelas elites culturais brasileiras, como o teatro do Canecão, as salas de cinema Odeon, o CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), e tem o patrocínio da Petrobrás. A CUFA organizou, com os principais líderes do Brasil, uma agenda nacional hip-hop e já se reuniu duas vezes com o presidente Lula para a debater.

Recentemente, o documentário Falcão, os Meninos do Tráfico, produzido e criado pela CUFA, mostrou ao público, pela primeira vez, o quotidiano e o testemunho das crianças envolvidas com o tráfico, com o uso de drogas e com a violência nas favelas. O documentário foi exibido em 2006 no programa de maior visibilidade e audiência do país: O Fantástico. Falcão é a denominação dada às crianças armadas que vigiam o morro e alertam para a presença de estranhos. O trabalho foi igualmente lançado em livro. É necessário ressaltar que, embora a CUFA lute para conquistar representatividade e controlo das manifestações culturais do hip-hop, tal disputa trava-se num contexto intersubjectivamente produzido no qual operam processos contingentes e críticos. De um lado, o combate ao monopólio legítimo da distribuição de recursos; do outro, o embate crítico e a busca do consenso. Como partido político, os grupos ainda não encontraram legitimidade e poder económico suficiente para disputar mandatos. Parte significativa do movimento hip-hop tem-se aproximado do MST, ampliando a correlação de forças no interior do país e forjando uma coligação política. A CUFA, através do festival Hutuz, dos eventos hip-hop da Lapa, da Fundição Progresso, com a escola de graffiti coordenada por Fabio Ema na Lapa, são os principais centros de difusão e produção da cultura do graffiti e hip-hop no Rio de Janeiro. Artistas de graffiti provenientes de comunidades carenciadas já participaram em exposições internacionais em galerias de arte da Holanda e da França através do apoio de entidades internacionais. Estão em curso processos que nos permitem observar possibilidades de avanço normativo no que diz respeito à ampliação dos dispositivos culturais de mérito, bem como de construção de um espaço público crítico, confrontando posições oficiais e cânones estéticos. Os prémios da FUNARTE e o salão de arte contemporânea da FIAT incluíram pela primeira vez o graffiti como arte contemporânea. Formas de vida e práticas estéticas, ainda que não encontrem plena legitimidade face aos padrões culturais e institucionais existentes, introduzem temas que a agenda pública não pode silenciar e com os quais se tem forçosamente de confrontar (Benhabib, 1993, p. 73).

O Rio de Janeiro concentra grande parte das elites culturais com poder decisório sobre as políticas culturais do país. Produtores, distribuidores e artistas mantêm os seus escritórios e residências no Rio de Janeiro e lutam para manter as suas posições na partilha dos recursos distributivos e no controlo da reprodução de bens culturais. O Ministério da Cultura lançou o programa "cultura viva", que visa financiar e apoiar as iniciativas culturais das comunidades, os pontos de cultura. A implantação deste projecto dependeu de um longo processo decisório e aconteceu devido à parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), ou seja, utilizando os dispositivos culturais do conceito de desenvolvimento comunitário, e não o de política cultural (Ventura, 2005). O projecto favoreceu o desenvolvimento de várias acções ligadas à cultura hip-hop e foi um passo importante na introdução do hip-hop na agenda das políticas culturais. As elites esforçam-se para manter a cultura restrita no terreno específico da produção e reprodução de bens artísticos definidos por classe e educação. Embora as minorias estejam isoladas do processo decisório das políticas culturais e do mercado, organizações como a CUFA e outros grupos ligados ao movimento hip-hop têm confrontado, por meio de posicionamentos críticos, estéticos, morais e políticos, as políticas sociais e culturais.

Procura-se criar um regime de autoridade, de ordem cultural e política, no sentido de integrar dispositivos e valores que desestabilizem a hierarquia dos valores e juízos culturais que reforçam a desigualdade vigente no modelo de política e de produção cultural contemporânea. Neste sentido, o graffiti do Rio de Janeiro, por ter uma comunidade de comunicação presente no interior das favelas, funciona como um veículo de crítica à desigualdade social e à opressão do capitalismo.

 

Conclusão

As lutas pelo reconhecimento no Rio de Janeiro configuram dinâmicas diferentes das de São Paulo. O graffiti do Rio de Janeiro não dispõe de um suporte institucional e não sofre a abordagem do mercado não apenas por não dispor de ampla visibilidade pública nas ruas, mas também porque o mercado publicitário do Brasil está concentrado em São Paulo.

Podemos afirmar que, no caso do Rio de Janeiro, o facto de as lutas serem protagonizadas por minorias em associação com as suas esferas comunitárias pode ser vantajoso na mobilização moral da resistência política e na legitimação do seu valor cultural, desestabilizando a hierarquia que os exclui e contribuindo para fortalecer a sua autonomia artística. Nesse sentido, é possível que as lutas no Rio de Janeiro acabem por favorecer a preservação da linguagem popular e da estética do graffiti identificada e praticada nas comunidades e, simultaneamente, a sua inserção no conjunto das políticas e instituições de cultura e de arte. Embora em São Paulo as lutas tenham ampliado as relações de reconhecimento, essas defrontam-se com o desafio da presença do mercado e de um campo de profissionalização ainda difuso em que as probabilidades de igualdade, de prestígio social e de inclusão socioeconómica sublimam as reais hierarquias valorativas e as classificações do Estado, das agências públicas e do mercado.

 

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Notas

1 Participaram no CD Tiro Inicial as bandas Geração Futuro, as Damas do Rap, Consciência Urbana, os Filhos do Gueto e o rapper Gabriel o Pensador.

2 Sobre a relação do hip-hop com as actividades escolares, v. Andrade (org.) (1999, pp. 23-39 e 83-93).

3 As mais conhecidas organizações do movimento hip-hop no Brasil são o MH20 (Movimento hip-hop organizado, de São Paulo), a Frente Brasileira de hip-hop (com representantes de todo o país), o Nação hip-hop, de Santa Catarina, os Quilombos urbanos, do Maranhão, o PPPOMAR (Partido Popular Poder para a Maioria) e a CUFA (Central Única das Favelas), do Rio de Janeiro.

4 Entre os principais grupos e artistas rap encontram-se o 509-E (formado em 1997), os Detentos do Rap (formado em 1996), José Carlos do Reis Encina, o conhecido ex-traficante Escadinha (1997), o André du rap (1996). Todos gravaram e lançaram CDs quando ainda cumpriam penas.

5 Esse artigo tem como base depoimentos, documentos e trabalho de campo, que incluíram visitas às ONGS citadas e entrevistas com os agentes que se identificam com a perspectiva estética e política da prática do graffti. Entre estes contam-se os seguintes informantes: Acme, Akuma, Boleta, Binho Ribeiro, Zezão, Mario Bandes, Ciro Schuman, Dinho, Fabio Ema, MarceloEco, Smael, Braga, Ment, Chico, Airá, Bob e Style, entre outros que preferiram não ser identificados. Todos esses agentes (10 do Rio de Janeiro e 10 de São Paulo) participam na trajectória histórica e social do movimento hip-hop e graffiti dos anos 90, mantendo-se até aos dias de hoje vinculados ao movimento graffiti.

6 O sampler é um equipamento de gravação digital de som que permite a adaptação de teclado, bateria e computador. O sampling pode ser também considerado uma técnica formal (Shusterman, 1998, p. 187)

7 Os prémios atribuídos aos graffitis representaram um custo de, respectivamente, 1000 € (2500 reais) para o primeiro prémio, 600 € (1500 reais) e 400 € (1000 reais) para o segundo e terceiro colocados, e garantiram um público de 30 000 pessoas. Com um custo baixo, a campanha foi ampliada a toda a América Latina.

8 Designa-se por poder paralelo o poder informal exercido sobre os moradores locais por grupos ligados ao tráfico de drogas e pelas milícias (grupos de repressão que se apropriam de práticas de seguranca e cobrança por serviços).

 

* Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rua Evaristo da Veiga, 95, 2200031-040 Rio de Janeiro, Brasil. e-mail: Mtventura@esdi.vuerj.br.

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